Santa Maria Goretti, alma verdadeiramente eucarística

Santa Maria Goretti manifestou a lucidez com que a virgem católica compreende e ama a sua pureza, sem necessidade de aulas, e que leva uma menina a enfrentar qualquer brutamonte, resistindo até quando está por morrer.

Aquela figura angélica entregou a sua vida com toda a resolução, para não perder o que ela amava mais do que a luz de seus olhos e a própria existência: a virgindade, a qual se aprende a amar como o dom mais precioso da vida, quando se tem uma alma verdadeiramente eucarística.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 23/4/1955 e 24/7/1981)

CLEMÊNCIA INDIZÍVEL

A realeza que Nossa Senhora exerce sobre o gênero humano não é a do juiz, mas a da advogada, isto é, d’Aquela que não tem por missão julgar e punir os pecadores, mas a de os defender.

Por isso tem Ela para conosco toda sorte de predisposições favoráveis, e sempre nos atende com inefável bondade.

Entretanto, a alma moderna, muito atribulada e tratada com terrível dureza pela atual tirania do demônio, encontra certa dificuldade em compreender o verdadeiro sentido da clemência de Nossa Senhora.

Tanto mais quanto uma falsa piedade apresenta esta misericórdia de modo alvar e adocicado, como se ela fosse uma espécie de cumplicidade com o erro. Ora, a ternura e a bondade de Maria não consistem numa vil condescendência para com quem praticou o mal, e sim na materna e invariável disposição de lhe conceder as graças necessárias para abandonar o erro e o pecado.

É nesse sentido que se deve entender a clemência de Nossa Senhora. E enquanto tal, ela é única, suprema e indizível.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Gloriosa Santidade

A Providência concedeu a Nossa Senhora a glória de se encontrar no píncaro da Criação, tendo acima d’Ela apenas o Homem-Deus, seu adorável Filho. Quem recebesse a suprema graça de comtemplá-La, teria, num só golpe de vista, a noção de toda a sabedoria e santidade da Igreja, da beleza de toda a sua liturgia em todas as épocas, do esplendor de todos os Santos, do talento de todos os doutores, do heroísmo de todos os cruzados e de todos os mártires. Porque não há virtude, qualidade e beleza que a Igreja tenha engendrado, e que não brilhe completamente em Nossa Senhora, com fulgor extraordinário.

Por isso, nosso louvor à Santíssima Virgem, além de ser um cântico à grandeza e bondade d’Ela, deve ser um reconhecimento efetivo dessa bondado e dessa grandeza, traduzido em atos concretos: ou seja, na imitação de todas as virtudes e predicados que Ela, numa perfeita correspondência à graça, possuiu e praticou no mais alto grau.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Confiança

“A confiança é uma espécie de fina ponta da esperança. Quando esperamos alguma coisa, temos alegria e a convicção de que algo de bom nos virá. É essa confiança que dá força a nossas almas e as fazem caminhar para a frente.”

Maravilhas que fazem sonhar…

Quando uma alma é reta e inocente, ela deixa falar em seu interior a apetência que tem de uma ordem de coisas inteiramente conforme com os planos de Deus para a Criação, de algo que havia no Paraíso em que todos viveríamos, não fosse a queda de nossos primeiros pais. Se tomássemos uma pessoa nesse estado de espírito, e a ela disséssemos: “Olhe, o Céu é assim, como o que você deseja no mais íntimo de seu ser”, não estranharia que tal pessoa sentisse intensa vontade de partir logo para o Éden celeste, ao encontro das maravilhas que tanto procura.

Tenho razões para afirmar que esse estado de espírito foi o ponto de partida da Idade Média. Que esta, na medida em que rezou, lutou, ou construiu, o fez orientada para aquele fim mais alto, movida por aquilo que vem expresso na Ladainha de Todos  os Santos:  ut mentes  nostras ad caelestia desideria erigas para que Vos digneis elevar as nossas almas a desejar as coisas do Céu.

Assim, poder-se-ia comparar a alma medieval a uma ogiva, séria, sólida, pensativa, levando tudo para cima. Ao mesmo tempo calma e reflexiva, pesando e analisando tudo, disposta tanto a se recolher, dizendo: “Quanta coisa existe de bom neste mundo”, e a subir para maiores considerações; ou então, inflexível na sua retidão, disposta a combater o que não seja conforme à verdade, ao bem e ao belo. Porém, com serenidade e isenção de ânimo, sem agitações nem trepidações.

Almas assim engendraram as grandes maravilhas da Idade Média.

Por exemplo, Notre-Dame de Paris. Uma catedral toda feita de seriedade, gravidade, estabilidade, pensamento, grandes considerações das linhas gerais, mil pormenores e detalhes harmônicos, panorama… e as torres que se lançam para o céu!

Tão magnificamente para o céu, que nenhum artista se atreveu a completá-las. Porque só quem as planejou tem alma para lhes conferir o arremate final. E as torres estão ali, ao mesmo tempo tragicamente incompletas, mas fazendo cada observador imaginar no subconsciente uma torre ideal, segundo o seu próprio feitio. Dir-se-ia que elas terminam num pontilhado, de acordo com o espírito de quem as contempla. De maneira que se nos dissessem: “Olhe, sabe de uma novidade!? Completaram as torres de Notre-Dame!”, tomaríamos um susto: “Será que fizeram errado!?”

Ou seja, de modo diverso desse pontilhado que, subconscientemente, cada um constrói no seu interior, olhando aqueles dois magníficos fragmentos de torre que nos convidam para o sonho. Porque, a partir daquele ponto, se sonha…

*

O mesmo sonho para o qual nos atrai a Sainte-Chapelle, do rei São Luís. Uma bonbonniere feita para ter almas dentro e não bombons. É o que pode haver de magnífico e encantador.

O espírito que a concebeu, se pudesse construir um edifício todo de cristal, sentir-se-ia realizado. Construiu um feito de vitrais!

Agrada-me imaginar a ação da graça sobre a alma desse artífice. Até então, ele apenas manuseava vidros comuns, de cores também comuns. Em determinado momento, ele sente no seu íntimo a inspiração vinda do alto de procurar uma cor ideal, mais bela do que todas as outras. Então compõe uma cor de sonho, ou toda uma policromia de sonho, para colorir, não só um vitral, mas um mundo, porque nos vitrais e rosáceas se representam batalhas, trabalhos, cenas do Antigo Testamento, episódios do Novo Testamento, enfim, a vida dos homens enquanto relacionada com a Igreja e a religião.

À medida que ele vai colorindo, em seu espírito vão brotando novas idéias. O vitral seguinte que ele fará, será precedido por uma crítica ao vitral anterior: “Atingiu inteiramente esse desejo de perfeição que você tem, ou alguma coisa está faltando?”

E a história dos seus vitrais passa a ser a dos vôos cada vez mais altos, até chegar a um ponto em que o homem diga: “Aqui não é possível ir mais longe”. Ele instala o vitral na parede. De repente lhe vem ao espírito a idéia de uma parede feita toda de vitral. Nasceu a Sainte-Chapelle!

*

Agora, para termos um pouco a idéia do que foi a civilização cristã medieval, precisamos imaginar uma noite na Paris do século XIII. A cidade dorme. Na Sainte-Chapelle, em Notre-Dame, o Santíssimo Sacramento aguarda no interior do sacrário a adoração dos homens. No Louvre de São Luís, repousa um rei que é santo, e que ordena com santidade todas as coisas do seu reino.

E assim, a história da França flui gloriosa e tranqüilamente, como flui o rio Sena aos pés do palácio do piedoso monarca.

O Carmo: do Antigo Testamento ao triunfo do Imaculado Coração de Maria

Ao entrar certo dia na Basílica do Carmo, Dr. Plinio pousou acidentalmente o olhar sobre uma parede na qual nunca antes tinha prestado atenção. E ali, inscritas, se lhe depararam estas palavras do Profeta Elias: “Zelo zelatus sum pro Domino Deo exercituum” (“Eu me consumo de um zelo incendiado pelo senhor Deus dos exércitos” — III Reis 19,10).

Sentindo de imediato consonância com essa fogosa declaração, Dr. Plinio refletiu: “Eis aí! Quem se torne zeloso, mas de um zelo ar dente, por Aquele que é o Senhor Deus dos exércitos, este preencherá por inteiro as exigências do amor de Deus”. E cresceu-lhe no espírito sua afinidade de longa data com a Ordem do Carmo, que pode ser considerada a Ordem profética por excelência, da qual Santo Elias é aclamado como Fundador. Dela, aliás, Dr.  Plinio fazia parte efetivamente, pois era membro de sua Ordem Terceira — o ramo dos leigos vinculados ao Carmo. Foi, inclusive, diversas vezes o Prior e Mestre de noviços do Sodalício Virgo Flos Carmeli. Além disso, Dr. Plinio exerceu, por 20 anos, a função de advogado da Província Carmelitana Fluminense, que englobava São Paulo. Todos esses são dados significativos a se ter em vista, na leitura de seus  comentários abaixo transcritos, sobre Aquela que é a “Flos Carmeli”, a Flor do Carmelo, cuja festa se celebra em 16 de julho.

Virgem fez ver à multidão ali reunida uma seqüência de quadros representando os Mistérios do Rosário. A cada nova cena desenrolada no céu, mostrava-se Ela sob algum título com que os fiéis habitualmente A invocam. E foi assim que, na visão dos Mistérios Gloriosos, Ela surgiu como Nossa Senhora do Carmo, cuja festa a Igreja celebra no dia 16 de julho.

Como tudo o que Maria Santíssima realiza tem sua razão de ser, haverá sem dúvida um nexo entre essa manifestação de Nossa Senhora do Carmo, os Mistérios Gloriosos e a mensagem de Fátima que Ela, naquela ocasião, revelava. Parece-me de grande interesse, portanto, procurarmos aprofundar essa relação, considerando também a especial beleza que ela encerra.

O termo Carmo corresponde ao Monte Carmelo, no Oriente. Ali, segundo uma tradição muito respeitável — e há todos os motivos para admiti-la como verdadeira —, o Profeta Elias reuniu um grupo de discípulos e com eles constituiu a Ordem do Carmo, em louvor da Virgem Mãe que deveria vir, e na espera d’Ela.

Portanto, o primeiro filão de devoção a Nossa Senhora, séculos antes de Ela nascer, foi formado pelos filhos do Profeta Elias que A aguardavam. E Santo Elias representa o extremo dessa devoção, porque, como é doutrina comum na Igreja, ele deverá lutar no fim do mundo contra o Anticristo, o último inimigo de Nosso Senhor e de sua Mãe Santíssima. Elias constitui, portanto, uma espécie de ponte entre o início e o fim da devoção a Nossa Senhora na história da humanidade.

É de se supor que, nos seus primórdios, essa devoção se desenvolveu e perseverou em meio a toda espécie de dificuldades e objeções. Pois surgiu no tempo em que o povo eleito cada vez mais se fechava à sua própria missão, ao seu próprio espírito, e, por isso, haveria de ter repulsa a esse veio carmelita que prenunciava a Virgem Mãe, assim como depois os hereges de todos os tempos tiveram ódio à devoção a Nossa Senhora.

Provavelmente, os eremitas do Monte Carmelo, representantes das primícias do amor à Santa Mãe de Deus, foram perseguidos, malvistos, caluniados e silenciados. Apesar disso, e na humildade de sua situação, previam o advento de Nossa Senhora.

E eles tinham razão, pois Ela veio. E não só veio, mas recebeu a maior glorificação que poderia ser tributada a uma mera criatura: tornou-se a Esposa do Divino Espírito Santo, encarnando-se n’Ela o Verbo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

Ao término de sua sublime existência terrena, Maria teve uma morte extremamente suave: uma separação da alma e do corpo efetiva e completa, mas de tal maneira delicada que a Igreja, na sua linguagem incomparável, dá ao passamento de Nossa Senhora o nome de “dormição”. Pouco depois, por desígnio e obra de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Santíssima Virgem ressuscitou e foi levada aos Céus em corpo e alma. Assim recebeu Nossa Senhora outra glorificação: uma ressurreição à maneira da de Jesus, e uma Assunção também comparável à Ascensão d’Ele. Aliás, na linguagem de outrora, Nossa Senhora da Assunção é igualmente chamada de Nossa Senhora da Glória, para significar o incomparável brilho de que se revestiu o seu ingresso no Paraíso celeste.

Esse desfecho da vida terrena de Nossa Senhora pode ser tomado como o término da história do Carmo do Antigo Testamento (embora já se estivesse, rigorosamente falando, no Novo Testamento). Aqueles carmelitas tiveram a alegria e a insigne honra de cultuar a Santíssima Virgem em carne e osso, e não através de imagens. Nada impede presumirmos que Nossa Senhora subiu ao Monte Carmelo e ali se colocou à frente de seus filhos e devotos, em horas de inefável convívio. As hipóteses piedosas, inteiramente razoáveis, que a esse respeito se podem fazer, são inúmeras.

Com a Assunção de Nossa Senhora e sua glorificação no Céu, essa etapa da existência da Ordem carmelitana findou-se de modo magnífico, esplendoroso. Fica estabelecida uma relação entre o Carmo e a glória: a devoção perseguida, fiel, profética, luta até o momento em que é confirmada por Deus, e passa a reluzir no mais alto do Céu, na pessoa da Virgem Mãe.

Depois, recomeça a história do Carmo. A Ordem, existente apenas no Oriente Próximo, desenvolveu-se um tanto, mas tem-se a impressão de que os cristãos daquela região, nos primeiros séculos, não lhe deram grande importância, privando-se dos benefícios que ela poderia lhes trazer. Esta atitude para com o Carmo foi uma entre tantas infidelidades da Cristandade oriental, que terminou castigada pelas invasões sarracenas, as quais, entre outras calamidades, provocaram a fuga dos carmelitas para o Ocidente.

A Europa, toda católica, cheia de fé, empreendia as Cruzadas para a libertação dos Lugares Santos. Nesse continente os frades do Carmo começaram a vaguear, como membros de uma Ordem quase desconhecida, mal-admirada e à beira do desaparecimento. A família religiosa de Elias parecia um tronco seco e velho, fadado a se desmanchar em pó.

Era o instante esperado por Nossa Senhora para fazer florescer, no alto da ressecada vara, uma flor: São Simão Stock. Esse inglês de reconhecida virtude havia sido eleito para o cargo de Geral da Ordem. Todavia, não exercia uma autoridade efetiva sobre seus súditos, pois o Carmo ainda não possuía uma estrutura jurídica coesa e uniforme, capaz de conservar um espírito, promovê-lo e transmiti-lo à posteridade. [Situação que se prolongava depois de o Papa Inocêncio IV ter aprovado a regra dos “Irmãos de Nossa Senhora do Monte Carmelo”, em 1245.]

A virtude compensava, porém, a falta de autoridade. Rezando a Nossa Senhora com muito fervor, São Simão implorou-Lhe não permitisse o desaparecimento da Ordem do Carmo. Em meio a essa aflitiva situação, a Virgem Santíssima apareceu a seu bom servo [em 1251] e lhe entregou o escapulário, para se usar sobre a roupa.

Naquela época os servos usavam uma túnica como traje civil. Sobre ela punham uma túnica menor, que indicava, pela cor e por características peculiares, a identidade de seu senhor. O escapulário do Carmo era semelhante a essa pequena túnica. Nossa Senhora, portanto, entregava a São Simão Stock uma libré própria aos servos d’Ela, para ser usada por todos os carmelitas, e prometia: “Aqueles que morrerem revestidos dele, não sofrerão o fogo do inferno”. Quem usa piedosamente o escapulário do Carmo, receberá a graça da perseverança final e será libertado do purgatório no primeiro sábado após a morte. [Esta promessa abrange também os fiéis que usarem o pequeno escapulário, recebido em singela cerimônia das mãos de um padre carmelita ou de outro sacerdote que tenha a faculdade de o impor. Para se beneficiar do privilégio sabatino, o fiel deve cumprir uma condição — como a recitação diária de um terço —, a critério do sacerdote.]

A partir dessa misericordiosa intervenção da Mãe de Deus, a Ordem carmelitana refloresceu e conheceu outros períodos de glórias, acentuando por toda a Igreja Católica a devoção à Santíssima Virgem. No suceder de esplendores iniciado então, nasceram três sóis, para não citar senão eles, que hão de reluzir por todo o sempre no firmamento da Igreja: Santa Teresa, a Grande, São João da Cruz e Santa Teresinha do Menino Jesus.

Retenhamos, então, a grandiosidade da história do Carmo: uma alternância de glórias e infortúnios conducentes a um adelgaçamento que faz prever o desaparecimento. Mas acontece uma intervenção de Nossa Senhora, que salva e dá incomparavelmente mais do que se tinha antes. A prosperidade no Ocidente será muito maior do que a verificada na Ásia.

A par de sua insondável bondade, Nossa Senhora, ao intervir, mostrava também a confiança que se deve ter n’Ela, bem como seu papel central na obras que ama de modo especial. Ainda que estas cheguem ao ponto de tudo parecer perdido, devem esperar o momento que Ela se reserva para agir. Como dizia certo pensador católico, as grandes intervenções da Providência são precedidas de situações dramáticas, de modo a tornar clara a inutilidade de qualquer socorro humano. Uma vez provado o fracasso dos homens, e na própria hora da desolação e do caos, Deus intervém, e Nossa Senhora se faz presente.

Lição de confiança ainda mais necessária em vista do que ocorreu depois: enquanto a Ordem fundada por Santo Elias conhecia novos brilhos e novas glórias, a Cristandade que a acolhera tornava-se presa de um inexorável processo de ruína, que se acelerava no decorrer dos séculos. Até que, em 1917, numa colina de Fátima, Nossa Senhora censurou a decadência, recriminou o mundo pela torrente de pecados em que estava imerso, e anunciou os castigos que haveriam de cair sobre a humanidade, caso esta não se arrependesse e se emendasse de suas faltas. Depois, exprimindo-se com as famosas palavras que guardamos em nossas almas, fez a promessa do Reinado d’Ela: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”

E aqui voltamos à consideração daquele vínculo ao qual nos referíamos no início deste artigo: no ápice das aparições em que Nossa Senhora proclama a efetivação de sua realeza, sob a forma do triunfo do seu Coração Imaculado, Ela aparece revestida do traje de sua mais antiga devoção — a do Carmo. E, desse modo, realiza uma síntese entre o historicamente mais remoto, o mais recente — o culto ao Imaculado Coração de Maria — e o futuro glorioso, que é a vitória e o reinado desse mesmo Coração.

Eis várias das razões pelas quais a festa de Nossa Senhora do Carmo nos é muito grata a todos os filhos  e devotos da Santíssima Virgem.

Fátima e Nossa Senhora do Carmo

Em Fátima, a Virgem Maria também apareceu com as características de Nossa Senhora do Carmo. Que relação existe entre a mensagem de Fátima e a Ordem do Carmo? Essa questão é abordada por Dr. Plinio, com base no texto de uma revelação recebida por Santa Teresa de Ávila.

 

Gostaria de apresentar alguns traços da revelação de Fátima que a diferenciam de outras revelações anteriores.

Castigo por causa da imoralidade e da irreligião dos povos

Eis um traço muito curioso: é a única revelação que conheço, de tal maneira admitida, aceita e acatada em meios católicos e até pela hierarquia eclesiástica, a qual trata não só de um tema moral — porque isso é frequente em várias revelações —, mas tira derivações desse tema moral para o campo político, numa ilação que tem muito de comum com a doutrina que posteriormente tentamos expor no livro Revolução e Contra-Revolução.

O plano de ideias que Nossa Senhora apresenta para os homens é que há uma crise moral prodigiosa, a qual é, no fundo, uma crise religiosa; e essa crise religiosa e moral vai desembocar numa catástrofe política. Essa catástrofe política que Ela profetiza qual vai ser? A Rússia espalhará seus erros por toda a Terra. É um castigo por causa da imoralidade e da irreligião dos povos. Quer dizer, há um nítido conteúdo político.

Outro aspecto curioso que não encontrei ainda em nenhuma outra revelação — não digo que não houve, pois não pretendo ter conhecido todas —: Nossa Senhora Se mostra em três invocações sucessivas: com as características de Nossa Senhora de Fátima, mas também como o Imaculado Coração de Maria e como Nossa Senhora do Carmo.

Por que essas invocações? Encontramos fundamento para isso na própria revelação. Ela declara o seguinte: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará.” O que quer dizer que Ela quer ter um triunfo que vai ser uma enorme efusão de graças, porque o coração aí significa a bondade e a vontade, e o triunfo d’Ela vai se realizar depois de um castigo tremendo, por uma efusão de graças enorme. É o Reino do Coração d’Ela que Maria Santíssima anuncia.

Por causa disso, Ela como que referenda a devoção ao Imaculado Coração de Maria, apresentando-Se com essas características numa de suas visões. É para se compreender, para dar um estímulo à devoção ao Imaculado Coração de Maria.

Uma Ordem religiosa nos últimos tempos

Mas por que Ela Se apresenta como Nossa Senhora do Carmo numa das aparições?

Isto é muito menos claro. Que relação tem a invocação do Carmo com os tempos vindouros, em que seu Coração vai triunfar? Há alguma tarefa, alguma missão do Carmo dentro disso?

Essa pergunta nos interessa muito, tomando em consideração que quase todos nós somos terceiros carmelitas1. Há revelações muito impressionantes feitas a Santa Teresa de Jesus, que se encontram nas boas biografias desta Santa carmelita, e que dizem algo a esse respeito. São os parágrafos 12, 13, 14 e 15 das obras de Santa Teresa de Jesus, tomo I, Livro da Vida, capítulo 40. É algo oficial e documentado.

Parágrafo 12:

Fazendo uma vez oração com muito recolhimento, suavidade e paz, parecia-me estar rodeada de Anjos e muito perto de Deus. Comecei a suplicar a Sua Majestade pela Igreja. Foi-me, então, dado a entender o grande proveito que havia de fazer uma Ordem nos últimos tempos, e com que fortaleza seus filhos haviam de sustentar a Fé.

Uma Ordem que, como veremos, parece ser a própria Ordem do Carmo, à qual Santa Teresa pertencia e que por prudência e modéstia ela não queria mencionar. Haveria um tempo em que a Ordem do Carmo teria filhos que lutariam pela ortodoxia com muito denodo.

Parágrafo 13:

Quando certa ocasião rezava junto ao Santíssimo Sacramento, apareceu-me um Santo cuja Ordem esteve um tanto decaída.

Ela era exatamente a reformadora da Ordem do Carmo, que estivera muito decaída.

Tinha nas mãos um grande livro. Abriu-o e deu-me a ler as seguintes palavras escritas em letras grandes e muito inteligíveis: Nos tempos vindouros, florescerá essa Ordem, haverá muitos mártires.

Então, é um incremento de luta pela ortodoxia, martírio e florescimento dessa Ordem.

Religiosos com espadas nas mãos

Parágrafo 14:

Outra vez, durante Matinas, no Coro, vi diante de meus olhos seis ou sete religiosos dessa Ordem, com espadas nas mãos.

Notem que se tratam de espadas, símbolo da luta.

Significava isso, penso, que hão de defender a Fé, porque mais tarde, estando em oração, fui arrebatada em espírito e pareceu-me estar num vasto campo onde lutavam muitos combatentes e os desta Ordem pelejavam com grande fervor; tinham os rostos formosos e muito incendidos. Venciam deitando por terra numerosos inimigos e matando outros. Tive a impressão de que a batalha era contra hereges.

Parágrafo 15:

Ao glorioso Santo de que falei acima, tenho visto várias vezes. Tem me dito diversas coisas, agradecendo a oração que faço por sua Ordem e prometendo encomendar-me ao Senhor. Não assinalo a Ordem para que não se desagradem as demais. O Senhor declarará os nomes, se for servido que se saibam. Cada Ordem, ou cada um de seus membros deveria esforçar-se para que, por seu meio, fizesse o Senhor tão ditosa sua religião que em tão grande necessidade, como agora tem a Igreja, pudesse servir. Felizes as vidas que se sacrificarem por tão nobres causas.

Vemos aqui mencionar uma Ordem, provavelmente a do Carmo, que terá uma grande batalha pela Fé nos tempos futuros. Ora, até esse momento, não chegou essa batalha; a Ordem do Carmo não fez isto até agora.

E Nossa Senhora nos fala, precisamente, de grandes perseguições, de grandes lutas, de grandes martírios na revelação de Fátima.

E ali a Santíssima Virgem Se mostra com as características de Nossa Senhora do Carmo. Parece haver entre tudo isso uma relação para a qual eu chamo a atenção a fim de prezarmos cada vez mais nossa condição de irmãos da Ordem Terceira do Carmo, e compreendermos o que há de providencial nessa pertencença à família carmelitana.  v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/5/1965)

 

1) Dr. Plinio e os mais antigos membros do Movimento por ele fundado pertenciam ao Sodalício Flos Carmeli, da Basílica Nossa Senhora do Carmo, em São Paulo.

 

Vingou a honra da Santa Igreja

São Leão II aprovou as atas do Terceiro Concílio de Constantinopla para condenar a falta daquele que, no dizer deste Papa Santo, “tentou destruir a imaculada Fé com uma profana traição”.

Este Santo Pontífice teve a dificuldade tremenda de viver no tempo em que de um antecessor seu, Honório I, se podia dizer isso, e em relação ao qual o Concílio tomou uma atitude de condenação.

Com isso, São Leão II combateu a heresia, vingando assim a honra da Igreja. Porque a heresia não pode permanecer em nenhum lugar, mas sobretudo no interior da Igreja  Católica, que é por excelência a montanha sagrada da verdade e do bem, que repele de si aquele que dentro dela toma a defesa do erro e do mal.

A Santa Igreja tem muita misericórdia e não expulsa de si quem reconhece que anda mal, bate no peito e pede perdão. Mas aquele que afirma que o bem é o mal e o mal é o  bem, e que luta, dentro da Igreja, para disseminar o mal, a este a Igreja expulsa horrorizada.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/7/1965)

Luís XVII poderia ter sido um novo Carlos Magno

Pertencente às duas mais importantes dinastias do Ocidente, Luís XVII possuía todas as graças com que Deus cumulou os Bourbons e a Casa d’Áustria para realizarem sua obra providencial na História. Mas os revolucionários de 1789 descarregaram contra ele uma ação antieducativa brutal.

 

Devo comentar o resumo de um trecho do livro “O menino Luís XVII e seu mistério”, de Madeleine Louise de Sion(1).

Assimilou com facilidade os princípios revolucionários…

Sem dúvida alguma, entre os crimes perpetrados pela Revolução contra a família real, o aviltamento do pequeno Delfim foi um dos maiores.

Arrancada aos sete anos de idade dos cuidados de sua família e entregue ao sapateiro Simão, a criança embruteceu-se totalmente. Quando a 3 de julho de 1793, às onze horas da manhã, Luís Charles, o futuro Luís XVII, encontrou-se em casa de seu novo pai, chorou durante quase três dias. Depois, percebendo que com isso nada obtinha e acostumado a sentir-se centro das atenções, enxugou as lágrimas e iniciou vida nova. De início, resistindo ao ambiente, mas depois nele integrando-se dolorosamente.

A missão de Simão era inculcar-lhe princípios e lhe ensinar modos do povo. Era preciso fazê-lo perder a ideia de sua posição e que ele esquecesse sua realeza. Simão iniciou seu pupilo nas “belezas” do estilo de “Le Père Duchesne”, jornal obsceno dirigido por Hébert, assim como no palavreado grosseiro dos moleques de rua. Nada de ortografia ou de fábulas, ou histórias variadas. O descendente de Luís XVI aprenderia os direitos do homem e cantaria as canções do povo.

Testemunhas inequívocas atestaram o êxito dessa missão. A criança assimilava tudo com grande facilidade. O jovem príncipe perdeu gradativamente os vestígios de sua primeira educação, afogada por atitudes vulgares que ele mesmo aceitou como sendo muito masculinas. Percebeu também que sua linguagem de soldado agradava aos cidadãos, dos quais recebia elogios e aprovação por cada palavra de baixo calão que pronunciava. Aqueles homens sentiam-se radiantes por verem o filho da “orgulhosa austríaca” semelhante a um pequeno vagabundo.

Falso acusador da própria mãe

Três testemunhos – o de um cidadão, o de Madame Royale e de Madame Elisabeth – nos mostram a que ponto chegou a pobre criança.

Um revolucionário com tendências artísticas e certa cultura relata que uma vez brincava com o Delfim, enquanto no aposento de cima, onde se supunham estar Maria Antonieta e suas parentas, ouviam-se ruídos como se arrastassem cadeiras. Num movimento de impaciência gritou a criança: “Será que essas… – aqui utilizou uma palavra obscena – ainda não foram guilhotinadas?” Retirou-se sem querer ouvir o resto.

Madame Royale afirma, por sua vez, que ouvira o irmão cantar a Carmagnole, a ária da Marseillaise e mil outros horrores; que Simão lhe colocava um gorro vermelho na cabeça e lhe ensinava a pronunciar juramentos afrontosos contra Deus, sua família e os aristocratas. O sapateiro o fazia comer e beber muito. Ele engordou demais e cresceu pouco. Finalmente, durante as horríveis acusações feitas pelos revolucionários à Rainha Maria Antonieta, o príncipe tomou partido contra sua mãe e contra sua irmã.

Enquanto Madame Royale negava as infâmias, o Delfim as afirmava verdadeiras. Quando chegou a vez de interrogar Madame Elisabeth, ela respondeu a tudo com sua costumeira dignidade e prudência. Mas ao ver seu sobrinho desmenti-la e acusar a mãe, não conteve um grito de horror: “Oh, que monstro!”

Nos acontecimentos, o aspecto político é sempre secundário

A ficha apresenta um desses episódios nos quais, por assim dizer, o espírito da Revolução Francesa pode ser tocado com a mão, de maneira que vale a pena ser pormenorizadamente estudado por nós.

Em geral, os historiadores apresentam a Revolução Francesa como um acontecimento preponderantemente político. Contudo, seria uma coisa para se perguntar: Há episódio predominantemente político? Todo acontecimento político, por sua própria natureza, seria consequência, efeito de mudanças de ordem religiosa, moral e filosófica do espírito dos povos. Assim, num acontecimento, o aspecto político é sempre secundário, enquanto o pressuposto religioso, filosófico ou moral constitui o aspecto principal.

Eu sou muito dessa segunda opinião e vejo na Revolução Francesa não um episódio preponderantemente político, mas um reflexo político de um acontecimento de ordem moral, religiosa e filosófica, que chega ao seu auge com a explosão política da Revolução.

Em outros termos, podemos medir o alcance da Revolução com a modificação da mentalidade da alma humana, analisando, primeiro, quem era Luís XVII e depois considerando o que nós gostaríamos de fazer dele e o que teriam gosto de fazer dele os revolucionários. E nesse texto o contraste dos dois espíritos, como também o profundo desacordo de ambas as causas – a da Revolução e a da Contra-Revolução –, estão muito claramente em evidência.

Duas mais importantes dinastias do Ocidente

Luís XVII era o segundo filho homem do Rei Luís XVI. Este monarca teve de Maria Antonieta, Arquiduquesa d’Áustria e Lorena, dois filhos varões. O primeiro morreu antes da Revolução Francesa, e esse segundo era criança quando a Revolução arrebentou. Tornara-se, portanto, o herdeiro do trono e, como tal, deveria usar o título de Luís XVII, uma vez que se estava estabelecendo o hábito de todos os reis da França, a partir de Luís XIII, usarem o nome de São Luís IX.

Nessa narração vemos Luís, o menino, educado na corte de Versailles e representando, a vários títulos, uma série de preciosos requintes. Ele é, em primeiro lugar, de um modo ou de outro, o herdeiro de todos os reis da Europa. Não há, a bem dizer, dinastia importante da qual ele não tivesse o sangue nas veias. Mais proximamente, ele possuía o sangue da Casa de Bourbon, correspondente à de São Luís, e da Casa d’Áustria, Habsburg, as duas mais importantes dinastias do Ocidente. Com esse sangue, ele tinha todos os carismas, todas as graças com que a Providência cumulou essas duas famílias para realizarem sua obra providencial na História.

Não que esses carismas se transmitam com a carne e o sangue, mas a Providência os pode manter fixos numa determinada família. Assim, todos eles se concentravam sobre esse menino.

Além de ele ser o ponto de encontro de tantas graças e bênçãos de Deus, era uma pessoa preparada por essa lei misteriosa da hereditariedade que transmite de pais para filhos não apenas caracteres estritamente biológicos, mas disposições de alma, circunstâncias temperamentais, enfim, um mundo de propriedades.

Ele era preparado, no plano natural, para ser o ponto de encontro de dons naturais importantes que essas famílias possuíam. Esses dons tinham sido trabalhados, desde o berço, por um dos ambientes mais requintadamente culturais que a História tenha conhecido, o ambiente do castelo de Versailles, até o momento em que o espandongou a Revolução Francesa. Portanto, esse menino era uma obra-prima à luz da Fé, da Sociologia, da História.

A santidade de São Luís, a majestade de Luís XIV, a graça de Luís XV, a força de alma dos Bourbons

O que nós quereríamos fazer desse menino?

Adão também era uma obra-prima saída das mãos de Deus quando foi criado. Ele também recebeu da Providência dons sobrenaturais, preternaturais e naturais excelentes. Mas não basta ao homem ter recebido dons magníficos ao nascer. Pode-se até dizer que o principal não está nisso, mas no aproveitamento que ele dê a esses dons.

Nós quiséramos que todo esse heroísmo, toda essa glória, todo esse requinte, toda essa delicadeza, toda essa educação fossem aproveitados de modo exímio por Luís XVII, de maneira que ele desse num herói da Civilização Cristã, num santo, num homem inteiramente entregue ao serviço de Deus e da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, um rei perfeito, talvez um outro Carlos Magno.

Se a Europa tivesse tido nessa ocasião um outro Carlos Magno, seria possível frear a Revolução que subia aos borbotões, como Carlos Magno conteve – tarefa, aliás, menos difícil – as invasões dos bárbaros desencadeadas no continente europeu, no tempo dele.

Teríamos querido, portanto, um homem que reunisse em si a santidade de São Luís, a majestade de Luís XIV, a graça de Luís XV, a força de alma dos Bourbons. Então teríamos tido um homem providencial, um desses varões para quem se olhasse com entusiasmo e se pudesse dizer: Como ele é fora do comum, extraordinário, não tem igual! Como nos alegra sermos homens, pensando que o gênero humano pode dar homens assim! Como nós nos alegramos de ser católicos, pensando que a Santa Igreja Católica Apostólica Romana pode produzir um homem assim!

Nós participaríamos de sua grandeza precisamente contemplando-a e nos sentindo inferiores a ele.

Impressão de ter caído vivo no inferno

Os revolucionários o que fazem? Exatamente o oposto. Eles tomam essa joia preparada pela Providência, pela História, pelos séculos, pela cultura, e acanalham o menino o quanto podem, debaixo de todos os pontos de vista. Isolam-no, o circunscrevem, o maltratam. Sobre a alma débil dessa criança – que carregará diante de Deus uma responsabilidade conhecida somente por Ele, e que tanto pode ser pequena como enorme – eles descarregam uma ação antieducativa brutal.

Podemos imaginar qual é a sensação de um menino que sai de Versailles, do centro de todos os afetos, de todos os mimos, de todas as atenções, de todo esplendor, e de repente passa, numa transição cronologicamente muito rápida, para um cárcere onde vive sozinho, permanecendo durante muito tempo como um murado vivo numa sala escura, sem contato com ninguém, apenas um guichê por onde lhe passam comida. Um período em que ele tomava sovas noturnas, quando entravam pessoas durante a noite e o brutalizavam, maltratavam. Imaginem como é a estrutura de alma de uma criança submetida a todos esses terrores, o choque de quem vem de Versailles. O que isso pode ter sido? O tombo, a estranheza, a impressão de ter caído vivo no inferno! Podemos ter ideia do que eram esses anos em que a criança caía de cansaço e imergia no sono já no pavor da surra que deveria vir durante a noite? Os sustos ao acordar durante a noite? Surra brutal! E depois, o que era esse resto de sono, esse resto de noite? Como tudo isso deveria ser um tormento!

Através disso, realiza-se a degenerescência desse caráter. O menino começa a perceber que é bem tratado quando ele diz palavrões, usa um vocabulário novo que não lhe tinham ensinado até então, quando manifesta um tipo de pseudo-varonilidade que é a “varonilidade” revolucionária.

Os revolucionários opunham muito à delicadeza do nobre do “Ancien Régime” a violência brutal popular nascida na Revolução Francesa. Então estimulavam o menino a dizer palavras porcas, a falar de um modo cafajeste, a ostentar sentimentos contrários à família real, a injuriar o próprio pai e a própria mãe.

Resultado: a degeneração moral, que é a mais importante de todas, vai crescendo, acentuada pelo efeito do álcool. Eles embriagavam o menino e ensinavam-no a cantar canções revolucionárias.

Oposição de dois mundos 

Por fim, chegaram a dar ao menino uma superalimentação que lhe prejudicou a própria estrutura física: ele engordou enormemente e cresceu pouco. Um verdadeiro monstrengo.

Quer dizer, eles modelaram aquela criança à imagem e semelhança do espírito deles. Era aquele o símbolo da humanidade nova cuja vinda eles desejavam. Quando vemos um hippie andando pela rua, nos perguntamos: tirados os aspectos fisicamente doentios, que diferença há entre um hippie e Luís XVII? Eles não modelaram nessa criança a prefigura do homem que a Revolução, séculos depois, haveria de produzir como um padrão para a humanidade inteira? Foi precisamente isso que eles fizeram.

Logo, era um mundo novo que surgia à imagem e à semelhança dele: o menino revoltado contra os pais, obsceno, espontâneo, sem controle, sem censura, sem caráter, sem fidelidade a nenhum princípio, oportunista, procurando a popularidade.

Alguém dirá: “Pobre menino! Ele teria tanta culpa quanto o senhor está dizendo?”

Eu não estou tratando do fenômeno culpa. Foi feita ali uma escultura pedagógica, criado um modelo. Esse modelo está andando pelas ruas. O que há de mais importante a respeito de Luís XVII é o fato de ele ser, ao mesmo tempo, alguém que encerra uma série e inicia outra. Nesse contraste entre o menino que ele era em Versailles e aquele como a Revolução modelou vai uma oposição de dois mundos, de dois modos de ver o homem, a vida, o universo.

Para resumir: de um lado, o modo católico que crê em Deus, embora com possíveis deformações de uma época de decadência; de outro, um modo anticatólico que nega completamente a Deus e não quer o menino feito à imagem e semelhança d’Ele, mas à imagem e semelhança dos vícios, das taras, de tudo aquilo quanto há de mais repugnante na natureza humana.

Ofensiva do monstruoso contra o belo, da desordem contra a ordem

Isso se espelha, aliás, em toda a Revolução Francesa. Ela foi uma ofensiva do monstruoso contra o belo, da desordem contra a ordem. Quando vemos, por exemplo, a mudança pela qual passaram as modas por ocasião da Revolução, notamos ter sido exatamente o fim de uma era de modas requintadas para o estabelecimento de uma época de modas ridículas, grotescas.

Por isso, durante a Revolução a moda feminina, como também a masculina, foram quase tão ridículas quanto hoje em dia. Olha que não é dizer pouco! As maneiras baixaram, se degradaram. Se estudamos o modo pelo qual a vida social se estabeleceu depois da Revolução, vemos que é uma vida social indignamente rebaixada em relação à anterior.

Se analisamos a literatura, a música, a arquitetura e outras artes, notamos como tudo leva um tombo. Esse tombo é rumo ao sapateiro Simão e ao aspecto conferido por ele a Luís XVII. Nem tudo foi configurado à maneira desses modelos, mas a distância de todas as coisas em relação a eles diminuiu, e de lá para cá essa distância não tem feito senão decrescer cada vez mais. Porque a Revolução vai aos poucos diminuindo ou eliminando as distâncias existentes entre o estado da humanidade atual e a ordem de coisas para onde ela quer levar o gênero humano.

Dou-lhes um exemplo característico. Lembro-me de que, quando menino, eu ia fazer meus exames no ginásio do Estado, onde havia um funcionário o qual era objeto do riso geral de todos os alunos. Tratava-se de um sujeito completamente calvo, sem um fio de cabelo na cabeça, sem sobrancelhas, sem barba nem bigode. O pessoal, então, o chamava de “belos cabelos”. E o funcionário, ainda moço, mas evidentemente devorado por uma moléstia repugnante, cuja cura, naquele tempo, ainda não era bem conhecida, aceitava esse apodo e tocava sua vida. Era uma coisa que passava por monstruosa.

Ora, em nossos dias há toda uma corrente nova em matéria de moda que apresenta como a última modernidade a pessoa raspar completamente o cabelo, a sobrancelha, a barba, sob o pretexto de ser muito mais prático, higiênico e despretensioso.

Uma pessoa de minha família que frequenta certas rodas sociais me disse ter ouvido o seguinte elogio feito por várias pessoas: “De fato, uma vez que seja adotado esse costume, a higiene lucra muito. Depois, acaba com essa cabelama na cabeça e com essa história dessas pastas e pomadas que se põem. Ademais, a pessoa se mostra como é, com toda a sinceridade, sem os disfarces de um penteado”.

É a marcha para o monstruoso, o hediondo, para uma forma de barbárie pior do que a dos antigos bárbaros. Porque na barbárie do civilizado que se faz bárbaro, achando que assim é bom, há um toque de pecado contra o Espírito Santo verdadeiramente abjeto. É isso o que nós vemos representado nessa ficha.

Atitude sublime de Maria Antonieta

A cena final é o encontro do menino com Maria Antonieta. A rainha deposta está sendo julgada por um tribunal revolucionário. Então, acusam-na de ser uma mulher depravada, adúltera, uma messalina. Entretanto as fileiras revolucionárias só tinham messalinas, porque aquelas mulheres que acompanhavam os exércitos revolucionários – segundo os dizeres de todos os historiadores – eram mulheres públicas.

Pois bem, Maria Antonieta é acusada disso e de ter pecado com o próprio filho. Ela nega. Entra o menino de tamanco, bêbado, vestido com um gorro vermelho e uma roupa com as cores da República. Interrogado pelo juiz, a criança, mentindo, confirma a falsa acusação.

Não se poderia fazer sofrer mais uma mulher que já estava sendo destinada para o cadafalso. Ela, entretanto, teve uma atitude sublime: não disse uma palavra contra seu filho. Dos lábios de sua cunhada que estava presente – tia, portanto, do menino – escapou este brado: “Oh, que monstro!” Dos lábios de Maria Antonieta, porém, não saiu uma palavra sequer contra o filho, nem nessa ocasião. Ela apenas voltou-se para a sala cheia de mulheres e disse: “Eu apelo a todas as mães de França, especialmente as aqui presentes, para dizerem se acreditam nessa acusação”. Todas as mulheres começaram a aplaudir a Rainha. O juiz mandou retirar as pessoas do recinto, e o processo continuou na solidão. Era a época da “liberdade” que começava…

Creio não ser necessário dizer mais do que isso. São dois mundos: um que acaba, com as suas últimas luzes, e o outro que entra com sua careta hedionda.

Com essas considerações nós compreenderemos melhor como as mil pequenas transformações que a todo o momento se dão na humanidade não são comuns. Trata-se de transformações que indicam sempre um passo nessa marcha para o abismo, a hediondez, a completa ausência de moralidade, de Fé, de cultura e de civilização.

Então, as menores coisas: um modo monstruoso de se arranjar ou de se desarranjar, uma nova maneira de se tratarem, um novo estilo de dançar, inclusive um novo formato de garrafa, em tudo isso entra sempre uma influência a mais dessa força histórica que conduz o mundo para a hediondez.

Qual é essa força? No fundo, é a força do demônio, porque excede a maldade humana ser assim. O homem é muito ruim, mas não tanto que chegue até lá. Essa marcha prova a existência do demônio. Cada uma dessas transformações é uma ascensão nessa posse do demônio sobre nós, sobre o mundo. É, portanto, algo ainda da claridade da Idade Média que vai nos deixando, nos abandonando. E tudo o que nos cerca é um contínuo morrer da luz e um aumento das trevas.             v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/4/1970)

Revista Dr Plinio 232 (Julho de 2017)

 

1) Paris: Ed. Beauchesne et ses fils, 1957.

 

Os Anjos no Céu empíreo e durante o Juízo Final

Se no Inferno os demônios adquirem formas horrendas para atormentar os precitos, no Céu empíreo os Anjos tomam figuras lindíssimas para aumentar o gáudio dos bem-aventurados. No fim do mundo, os justos ouvirão harmonias perfeitas, sentirão perfumes celestiais, verão cores inimagináveis, sinais indicadores dos Anjos que descerão à Terra como um exército em ordem de batalha.

 

São Tomás nos diz que Nosso Senhor, na sua bondade infinita, apesar de condenar os réprobos às penas terríveis do Inferno, ainda lhes diminuiu algo. O que eles sofrem não é o que mereceriam padecer. Mas se está na bondade de Deus ter dispensado os precitos de algo das penas que eles mereciam, é conforme essa bondade, a “fortiori”, pagar os justos com mais do que eles merecem.

Figuras lindíssimas formadas pelos Anjos

De maneira que se do Inferno, que é terrível, Deus tirou algo, sobretudo Ele acrescentou ao Céu coisas completamente imprevistas, dando-nos uma ideia do Paraíso que nos deixa verdadeiramente surpresos. Fiquei pasmo ao ler um texto a respeito dos bem-aventurados, tirado do Cornélio a Lápide(1). Achei lindíssimo, mas nunca ouvi dizer isso em minha vida.

Esse exegeta flamengo, com sua grande autoridade, desenvolve a ideia de que, para o gáudio dos bem-aventurados, os Anjos, utilizando-se do ar e de outras matérias do Céu empíreo, formam figuras lindíssimas que eles tornam sensíveis aos homens.

De maneira que eternamente os homens ficam olhando essas figuras que os Anjos vão desenvolvendo para cada um, segundo seu próprio feitio, sua santidade, seu “thau”(2) ou sua luz primordial(3), e se regalam com elas.

Isso se dá no Céu empíreo, considerado enquanto um lugar material onde estarão os corpos dos bem-aventurados.

As razões apresentadas por Cornélio a Lápide para provar isso são, elas mesmas, tão bonitas, nobres e elevadas que me pareceu oportuno comentá-las.

A primeira razão é que os Anjos devem tomar, de vez em quando, essas formas ou até fazer corpos nos quais eles entrem, não para viver como o homem existe dentro de seu próprio corpo, mas como fez São Rafael ao animar um boneco que acompanhou Tobias. Assim também eles devem animar corpos para se comunicar com os homens, podendo dessa maneira falar-lhes de viva voz e estar acessíveis por meio de todos os sentidos humanos.

O homem saberá que naquilo não há um embuste, uma mentira, mas sim a expressão de um estado de alma.

Para explicar o que os homens devem achar disso, cito uma comparação retirada do próprio Cornélio a Lápide.

Os Anjos amam, adoram a Deus Nosso Senhor com todo o seu ser. Ora, se adoram com todo o seu ser, eles devem usar de todos os seus meios para dar glória a Deus. Ora, se um meio é formar essas figuras eles devem fazê-las.

Assim, ainda que não proporcionasse deleite aos homens, os Anjos deveriam tomar essas figuras para dar glória a Deus. E Cornélio faz a comparação:

Assim como um homem, quando toca um instrumento, não mente dando a entender que aquela é sua voz, ou que aquele é o efeito de seus dedos, mas o outro que ouve já sabe que é um instrumento que o homem usa para tornar mais expressivo algo que ele tem em si; assim também os homens, vendo essas figuras feitas pelos Anjos, saberão que o Anjo não pretende que nós tomemos aquilo como uma realidade total, mas como um instrumento de que ele se serve para se exprimir.

Então, há uma espécie de concerto permanente e eterno dos Anjos no Céu para os nossos sentidos. Para dar glória a Deus, antes de tudo, e para nos regalar.

Um convite para a santificação

Vemos assim como tudo quanto se possa imaginar de belezas materiais do Céu empíreo é nada em comparação com a aparição dos Anjos. Porque os Anjos são muito mais nobres do que a matéria. Portanto, o regalo, a alegria que eles devem dar é muito maior do que o gáudio material. Logo, a melhor das alegrias dos homens no Céu empíreo vai ser esse contato com os Anjos.

A amizade e a intimíssima união e comunicação que haverá entre os Anjos e os homens.

Quer dizer, haverá uma grande intimidade no Céu entre nós e os Anjos, tão superiores a nós por natureza, mas que aceitam nas suas fileiras os homens e têm com estes uma intimidade como possuiriam com os anjos que caíram no Inferno. E eles, portanto, se interpenetram, se co-alegram com os homens. E para os homens os conhecerem inteiramente, eles querem ser entendidos não apenas de alma a alma. Como o homem é feito de alma e corpo, eles desejam que também o corpo conheça o Anjo. Então tomam corpo para contar ao corpo como eles são.

Parece-me simplesmente deslumbrante imaginar o Céu assim!

Continua o resumo do texto de Cornélio a Lápide:

Como os homens que se salvam terão levado, na Terra, uma vida angélica, ao menos no período que lhes determinou a salvação, os Anjos os amarão especialmente por causa disso. E o gáudio que os vários sentidos vão ter em contato com essas figuras despertadas pelos Anjos estará na proporção do domínio que o homem na Terra tenha tido sobre seus próprios sentidos. De maneira que o homem dominou muito sua vista e não só não olhou para coisas imorais e lúbricas, mas ele nunca olhou por mera curiosidade para nada, nunca andou com os olhos tontamente de um lado para outro, e se fez deles um uso inteiramente racional, virtuoso, o homem contemplará muito melhor os Anjos do que veria se ele não tivesse feito o bom uso desse sentido.

E assim com os cinco sentidos. O homem que tenha dado a todos os sentidos o uso perfeitamente santo, ordenado, racional, verá dessas figuras tudo que está na sua natureza ver!

Temos aqui um convite para a santificação. Cada vez que um de nós tiver a tendência de fazer um uso tonto dos próprios sentidos, deve pensar: “Eu comprometo a visão ou o conhecimento que terei de um Anjo, ou de meus Anjos”.

Por exemplo, a pessoa que tenha feito bom uso do ouvido, discernirá melhor as melodias. A que aceitou as carências desses sentidos, de boa vontade, com humildade, será premiada por isso. A que tenha sofrido pela fé em algum desses sentidos será premiada por isso, com uma particular acuidade em perceber o gáudio dos Anjos.

Deus estará, através dos Anjos – haverá ainda outras coisas –, continuamente premiando a cada um por todo o bem que fez na Terra governando seu próprio corpo.

Compreende-se a justiça de Deus no Céu e o que nós perdemos doidamente quando começamos a fazer aquilo que não devemos. Não só nos expomos a um risco inenarrável, mas comprometemos, prejudicamos um gáudio eterno e insondável destinado para nós, homens.

Entrelaçamento de toda a Criação

O texto continua e dá outra confirmação baseada na Escritura:

O Profeta Isaías, no capítulo VI, quando fala dos Anjos, diz que viu Anjos no Céu em forma humana. Se eles, para se fazer ver por Isaías, tomaram forma humana, por que não tomam forma humana para se fazer ver pelos bem-aventurados?

Eu acho muito razoável. Cornélio a Lápide apresenta essas reflexões como opinião pessoal dele, não como ensino oficial da Igreja, mas considero essa opinião atraentíssima e muito convincente. Ele diz também que:

São João, no Apocalipse, fala várias vezes dos Anjos e que sempre os viu em forma humana. Os Anjos tomaram figuras de homens para se fazerem ver por São João. Logo, tomarão figuras de homens para serem vistos pelos bem-aventurados.

 Ocorreu-me agora uma ideia, para vermos como são essas coisas. Tudo leva a crer que Cornélio a Lápide esteja no Céu, e que lá ele tenha conhecimento desses comentários feitos por nós ao trabalho dele. Provavelmente, os Anjos e ele – não sob a forma corpórea, mas espiritual, pois Cornélio ainda não ressuscitou – estão sorrindo e se alegrando com o que está se passando aqui. E certamente estão pedindo, por meio de Nossa Senhora, a Nosso Senhor Jesus Cristo que nós ocupemos os lugares vagos, à nossa espera, os quais eles estão considerando ali.

É o entrelaçamento de toda a Criação. A Igreja gloriosa no Céu e a Igreja militante na Terra que entram em contato, em convívio indizível, insensível, mas quão real a propósito da obra escrita por Cornélio a Lápide. Quais serão as delícias que ele no momento sente por ter sido o autor dessa grande obra?

Vemos, assim, como as boas ações se refletem na eternidade celeste, e as más terão suas consequências no Inferno. Não percamos de vista como Deus é infinitamente sério! Tudo é sério, grave e produz consequências terríveis ou admiráveis!

Cornélio a Lápide menciona vários autores, teólogos célebres. Um deles é um Santo canonizado, especialmente ao alcance de nossa admiração e de nossa veneração, Santo Anselmo, de quem ele cita um argumento para mim inesperado.

Santo Anselmo diz que os Anjos terão corpo no Céu para se fazerem temer pelos demônios e pelos ímpios. Compreende-se porque, se no Inferno os seres infernais estarão continuamente tomando figuras horrendas para atormentar os réprobos, não é admissível que no Céu os Anjos não façam isso ainda muito mais perfeitamente para premiar os bons. Eles podem, complementarmente, afligir os ímpios pela manifestação de seu esplendor!

Ao tratar a respeito desses ímpios, Santo Anselmo fala da ressurreição dos mortos. Então, no Vale de Josafá, onde todos os ressurretos deverão se reunir para esperar o Juízo Final, os Anjos também deverão tomar corpo nessa ocasião e ali meterão pânico nos ímpios, assim como causarão alegria aos justos.

De repente desaparece da Terra o caos e o horror

Poder-se-ia imaginar o fim do mundo assim: um dia comum – como foi hoje e deverá ser amanhã –, de repente, devido a uma explosão atômica, todo mundo morre e ficam só os justos. Estes, pasmos com aquilo, mas ultra-aliviados por terem desaparecido da Terra o caos e o horror, subitamente ouvem harmonias celestes, sentem perfumes celestiais, veem cores inimagináveis! Fixam o firmamento e notam que a própria ordem baixa do Céu!

Os Anjos esplendorosos, irradiantes de beleza, de ordem em todo o seu ser e dispostos como um exército em ordem de batalha! Bem se pode imaginar a grandeza desse espetáculo!

Sem dúvida, aqueles homens, até então horrorizados com o caos e a desordem do fim do mundo, hão de se rejubilar extremamente, de um modo máximo, vendo-se olhados com tanta bondade e alegria por esses Anjos que vão descendo.

Em determinado momento, faz-se ouvir a voz de Nosso Senhor e os corpos todos ressuscitam. O gáudio dos últimos homens fiéis chega ao máximo quando veem o mais maravilhoso dos maravilhosos: a Humanidade Santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo.

É claro! Não há figura que os Anjos possam fazer, nem gáudio ou delícia alguma que possa representar o que é Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus, em Quem resplandece a natureza humana na sua perfeição, ligada hipostaticamente ao Verbo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Então a glória é máxima, mas transparece para os sentidos do homem através do Corpo sacrossanto de Nosso Senhor Jesus Cristo. Só este gáudio vale mais do que todas as alegrias que os Anjos possam proporcionar aos homens no Céu! Nós já julgávamos inimaginável o júbilo causado pelos Anjos, entretanto muito maior é a felicidade proporcionada pela perfeição de Nosso Senhor Jesus Cristo que aparece, assim, aos homens.

Entretanto, diz a Teologia: “Caro Christi, caro Mariæ”– a carne de Cristo é a carne de Maria. Nós não podemos tecer adequadamente essas considerações sem pensar n’Aquela que, tendo a natureza humana, com um corpo já ressuscitado, está gloriosamente no Céu, aonde foi levada pelos Anjos. Não é possível que Maria Santíssima não esteja resplandecendo no seu corpo em toda a glória possível. São Luís Grignion de Montfort diz bem que Deus fez para os homens o Paraíso terreno, para os Anjos, o Paraíso celeste – onde também nós devemos chegar –, mas para Si fez um Paraíso que é Nossa Senhora.

Imaginem o que significa contemplar, por toda a eternidade, o Paraíso de Deus, onde Ele pôs as suas complacências, o Divino Espírito Santo gerou Nosso Senhor Jesus Cristo, que nele esteve presente como num sacrário durante nove meses! De Maria Santíssima Ele nasceu preservando a sua virgindade; Ela amamentou-O, nutriu-O, carregou-O nos braços e depois O acompanhou toda a vida até o alto do Calvário e o degredo d’Ela na Terra, enquanto não chegou o momento de sua morte, para consolidar a Santa Igreja então existente. Compreende-se o que tudo isso foi e quantas glórias devem coincidir em Maria Santíssima!

O que corresponde como prêmio a Nossa Senhora por um só cuidado que Ela tenha tido com o Menino Jesus? Um só sorriso, um só desvelo! Ao que isso está em correlação como glória? A quem foi dado ter uma glória de longe comparável a isso? Ela está fora de toda comparação, acima de toda conjectura.

Isso se nós tomarmos os gestos d’Ela mais miúdos, quotidianos; quanto mais as grandes atitudes, nas grandes ocasiões da História. Por exemplo, ao pé da Cruz, o mérito d’Ela no momento em que Ele disse “consummatum est”, e Ela aceitou ao mesmo tempo a morte d’Ele e a ofereceu a Nosso Senhor como co-Redentora do gênero humano. Nós não temos ideia da glória com que isso é premiado no Céu!

Ora, se não temos medida para nos referir a Ela, o que dizer então de Nosso Senhor Jesus Cristo?! 

Seriedade, beleza e glória do Juízo Final

Por aí temos ideia da sublimidade das coisas celestes e a grandeza da finalidade para a qual o homem é chamado. E, por contraste, como ofende a Deus a vulgaridade da vida contemporânea, que ultraje isso traz à Divina Majestade!

Imaginem, por exemplo, um hippie sujo, descabelado, maltrapilho – não por pobreza e infortúnio, o que se respeita, mas porque quer –, sentado numa calçada, com o olhar e gestos vazios, vendo quem passa e causando horror a todo mundo que não tenha começado a ser conquistado pelo hippismo.

Esse homem foi criado, talvez seja batizado e, portanto, tenha sido recebido na Santa Igreja, faz parte do Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto católico, pois o pecador não deixa de pertencer à Igreja. Ele, de si, é chamado a ser um príncipe no Céu e a ver, como acabo de dizer, Nossa Senhora, a Humanidade Santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas conspurca tudo isso para se jogar na vilania. Compreendemos que insulto ele faz a Deus, porque foi chamado a uma coisa tão diversa e, entretanto, faz assim consigo. Ele tem que dar uma satisfação ao Criador!

Consideremos qual seria a atitude de um rei diante de um homem a quem ele tivesse confiado a coroa do reino. O indivíduo pega a coroa com desrespeito e a conduz como quem leva uma bola. O rei tem o direito de chamar, interpelar imediatamente o homem, de lhe obrigar a repor a coroa de onde a tirou, mandar prendê-lo e depois julgá-lo. É evidente! Ora, esse rei deu muito menos a esse homem do que Nosso Senhor Jesus Cristo derramando por nós seu Sangue infinitamente precioso, oferecido juntamente com as lágrimas inestimáveis de Maria! Qual é o valor dessa oferenda? Pois bem, essa oferta teria sido feita inteiramente como foi, ainda que somente pela alma daquele hippie.

Portanto, se Nosso Senhor deu tudo isso a cada um de nós, não está no direito d’Ele exigir que conduzamos adequadamente esse dom precioso, muito mais do que uma coroa: a alma remida por seu Sangue e o Batismo que a consagrou? É evidente!

Como isso é útil para pensarmos durante nossas dificuldades espirituais e para nos dedicarmos sem reserva à causa da Igreja, que é a causa de Deus e de Nossa Senhora! Sem reservas, porque a pessoa analisa e vê que foi criada para isso, e o modo mais digno de empregar seu tempo, seu corpo, sua alma é exatamente fazer isso.

Hoje não se veem tantos hippies por aí. Pode-se quase dizer do hippismo que ele não está em nenhum lugar e, ao mesmo tempo, tornou-se presente em toda parte. Ele sumiu quase inteiramente das vistas, mas penetrou no espírito de quase todo mundo, em alguma medida. Mas no tempo em que se viam hippies na rua, quantas vezes olhando um ou outro eu pensava: “Quem sabe se esse pobre miserável foi chamado a pertencer à militância católica?”

Essas considerações nos ajudam a entender melhor a seriedade, a beleza e a glória do Juízo.

Os justos impugnarão todos os que pecaram contra eles

Falamos dos Anjos, de Nossa Senhora. Evidentemente não está tudo dito, porque isso é posto para imaginar Nosso Senhor Jesus Cristo, que chega em grande pompa e majestade. Então, tudo não fica propriamente pequeno, pois Ele não diminui nada! Pelo contrário, as coisas vão mostrando magnificências maiores à medida que se aproxima a ocasião para Ele vir. No momento em que Ele chega, o brilho de todos aumenta ainda mais, mas Ele supera tudo infinitamente.

Começa o Juízo, que para os bons é um início do Céu, pois eles já principiaram a ver aquelas figuras nos Anjos, e em Nossa Senhora o Paraíso de Deus. Na Humanidade Santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, quando Ele aparece, veem o indizível!

Os justos começam, um por um, a impugnar todos os que pecaram contra eles. Então veremos, por exemplo, Santa Joana d’Arc ressurrecta inculpar o Bispo Cauchon e todos os que pertenceram ao tribunal que a condenou. Incriminar a moleza do rei e de seus próprios companheiros de armas, que não tentaram proezas inimagináveis para salvá-la.

Como tudo é sério! Como tudo é grande! Como tudo é belo!

Peçamos a Nossa Senhora, medianeira universal de todas as graças, necessária por vontade de Deus, que não só nos faça chegar até lá como justos, mas nos dê a alegria de trabalhar efetiva e vitoriosamente para o prenúncio disso, que é o começo do Reino de Maria.

Santa Teresa dizia a Deus: “Ainda que não houvesse Inferno eu Te temeria; ainda que não houvesse Céu eu Te amaria!” Nós devemos afirmar a mesma coisa em relação ao Reino de Maria: Ainda que não houvesse castigo para quem não trabalhasse pelo Reino de Maria, assim mesmo eu trabalharia. Ainda que não houvesse prêmio para quem trabalhasse pelo Reino de Maria, assim mesmo eu trabalharia.

Contudo, é bom meditar sobre o castigo e o prêmio para assim trabalharmos ao máximo pelo Reino de Maria na Terra, para que venha a era bendita do domínio d’Ela, e depois o acontecimento bendito do Juízo Final e dos Anjos como um exército em ordem de batalha.

Espero firmemente podermos juntos, no Céu – quem sabe se próximos ao Cornélio a Lápide –, vermos figuras magníficas e dizermos a ele: “Muito obrigado por nos ter dado, já na Terra, uma noção disso.”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/1/1981)

Revista Dr Plinio 232 (Julho de 2017)

 

1) Sacerdote pertencente à Companhia de Jesus (*1567 – †1637). Trata-se de uma resenha preparada para Dr. Plinio da qual não possuímos os dados bibliográficos.

2) Denominação da última letra do alfabeto hebraico, a qual tinha a forma de uma cruz. Baseando-se no capítulo 9 da profecia de Ezequiel, Dr. Plinio empregava esse termo a fim de indicar um sinal marcado por Deus nas almas das pessoas especialmente chamadas a rezar e agir em favor da Igreja e da implantação do Reino de Maria.

3) Segundo o pensamento de Dr. Plinio, posto que todo homem é criado para louvar a Deus, concede Ele a cada pessoa uma luz primordial, isto é, uma aspiração para contemplar as verdades, virtudes e perfeições divinas de um modo próprio e único, pelo qual dará sua glória particular ao Criador.