Rumo ao grandioso fastígio

Ao se considerar a história da Santa Igreja, podemos compará-la a uma planta em contínuo florescimento. De maneira tal que, quando atingir sua estatura perfeita, tiver exalado todo o seu aroma, resplandecido com todo o seu esplendor e beleza, será reconhecida como o esteio de todo o universo. E, cumprida sua missão, será colhida por Deus.

Devemos, portanto, conceber que nesse seu inteiro desabrochar, a Igreja manifestará tudo quanto nela existe de formosura e de expressões de santidade ainda não externadas, além de aprimoramentos e requintes do que ela engendrou ao longo dos séculos. Pensemos, por exemplo, nas maravilhas de que se revestem os ritos e a liturgia católica, seus simbolismos e mistérios, e teremos ideia do que poderá ser o ápice de tudo isso.

Quem não percebe, ao acompanhar a celebração de uma Missa solene, admirando os reluzimentos dos objetos sagrados, a coruscação dos tecidos bordados a ouro, os paramentos eclesiásticos, etc., quem não percebe ali que a Igreja exprime algo além dos seus dogmas já definidos?

O formato e as cores desses paramentos, dessas casulas e dalmáticas, foram engendrados aos poucos, introduzidos lentamente nos costumes da Igreja, sem que houvesse nenhuma preocupação de combinações e articulações para que viessem a lume. Foram surgindo a esmo: pessoas que não entendiam de teatro, arquitetaram uma como que dramaturgia magnífica, com roupagens extraordinárias; guiadas pelo senso da Igreja, pelo Espírito Santo, escolheram, destilaram, arranjaram, realizaram maravilhas de primeira grandeza.

A todo momento olhamos para a Igreja e dizemos: “é impossível ser mais perfeito”. Mais um tempo, e ela reluz de perfeição maior. Flor de desabrochar tão exímio, que é continuamente assim, e quem tem olhos para vê-la, nunca se sacia de admirá-la.

Então, para imaginar a Igreja no seu grandioso fastígio, devemos imaginá-la com uma certa forma de excelência que supera nitidamente todas as suas perfeições anteriores, mas, de algum modo, as engloba, de maneira a não ficarem folhas de pulcritudes dessa planta abandonadas pelo caminho. Todas serão recolhidas a fim de que — não sabemos como — todos os aspectos de santidade da Igreja tenham sua síntese nessa fase suprema, sob o especial bafejo de Maria Santíssima.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 18/10/1982 e 6/7/1983)
Revista Dr Plinio 113 (Agosto de 2007)

 

Confiança e alegria

Neste mês em que a Igreja celebra a realeza de Maria Santíssima, reveste-se de particular propriedade a recomendação que, com desvelada insistência, Dr. Plinio dirigia a seus discípulos para confiarem sem limites na Rainha e Mãe de Misericórdia:

“Ao discorrer sobre o pecado, São Francisco Xavier dizia ter mais temor, não da queda em si, mas do desânimo em relação à indulgência divina no qual pode cair o pecador após cometer a falta.

“Ora, a maneira de não incorrermos nesse desânimo é nos lembrarmos da Mãe inesgotavelmente misericordiosa que temos. E em possuindo essa misericórdia inexaurível, Nossa Senhora nos alcança as graças para nos emendarmos, e sua clemência se exerce perdoando, contemporizando, regenerando.

“De sorte que nunca será demasiado insistir: confiemos, confiemos e confiemos na Santíssima Virgem. Lembremo-nos sempre da extrema meiguice e da extraordinária condescendência de nossa Mãe para com as misérias de cada um de nós, individualmente considerado, e como, imbuídos dessa confiança, na oração da ‘Salve Rainha’ A honramos enquanto Soberana do universo, mas, ao mesmo tempo, A invocamos como Mãe, e Mãe de Misericórdia.

“Importa termos continuamente presente essa ideia da insondável clemência de Nossa Senhora, pois qualquer devoção, qualquer vida de piedade que não a tenha, corre o risco de ser completamente estiolada. Sem esta noção da misericórdia de Maria nada caminha, nada se realiza. Pelo contrário, tudo anda e cobra vigor com a ideia dessa providência indizivelmente suave, materna e contínua de Nossa Senhora sobre cada um de nós.

“Portanto, pensemos nessa verdade e procuremos cumular nossa alma de confiança e de alegria, pois quem possui uma Mãe assim não tem razão para se desesperar nem se abater com nada.”

Nossa Senhora tudo resolve, desde que nos voltemos para Ela. Devemos pedir-Lhe sempre o seu amparo, recordando-nos daquela sentença de Santo Afonso de Ligório: “Quem reza se salva, quem não reza, se condena”. Aquele que pretendesse passar a vida praticando atos de virtude sobre atos de virtude, porém sem rezar, primeiro não passaria a vida praticando atos de virtude e, segundo, acabava se perdendo. Por outro lado, quem vive no pecado mas reza, este ainda é capaz de se salvar.

“Supliquemos muito à nossa Mãe de Misericórdia que tenha pena de nós. Olhemos para as nossas dificuldades espirituais, para os nossos problemas de apostolado, para as nossas necessidades da vida quotidiana e roguemos com insistência o auxílio de Maria Santíssima. Ela nos atenderá infalivelmente. O Coração Imaculado de Maria é a porta na qual, em se batendo, nos é aberta; ao qual, em se Lhe pedindo, nos é dado. Na Mãe de Misericórdia a promessa do Evangelho se realiza com toda a integridade: [pedi e recebereis, batei e ser-vos-á aberto (Mt 7,7)].

“E se me permitam dizer, não receio mentir garantindo-lhes: rezem, peçam, e serão atendidos.”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 16/11/1964)

"Vi, decidi e entrei!”

Analisem a fisionomia do Santo Ezequiel Moreno Díaz. É um rosto inteiramente distendido, sem a menor contração. Porém, não é a distensão comum do homem que dorme. Há algo  nesse modo de estar distendido que corresponde àquela espécie de distensão que os irresolutos não possuem. Estes têm a distensão da moleza.

Nele vemos a distensão das grandes resoluções tomadas, do homem que resolveu tudo e entrou rijo no caminho por onde tinha de entrar e disse: “Eu vi, decidi e entrei. Agora vamos até o fim!”

As dúvidas ficaram para trás e todos os sacrifícios que esse caminho trouxesse consigo, de algum modo ele os mediu, aceitou e pediu a Nossa Senhora que o ajudasse a não recuar.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/11/1980)

Santa Helena, Imperatriz Alma elevada e de horizonte largo

Para Dr. Plinio, não se pode deixar de reconhecer “com muita alegria” o trabalho realizado pela Imperatriz Santa Helena, cuja boa presença junto a seu filho, o Imperador Constantino, não só o converteu como o fez conceder a liberdade à Santa Igreja Católica. E além de estar na origem da irradiação do cristianismo, a partir de Roma, por todo o Ocidente, devemos a Santa Helena esse inestimável presente: a descoberta da verdadeira Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Celebra-se no dia 18 de agosto a festa de Santa Helena, Imperatriz e viúva, mãe de Constantino Magno. A ela se deve a invenção, isto é, a descoberta da verdadeira Cruz na qual Nosso Senhor Jesus Cristo foi crucificado.

Benéfica e salutar influência materna

Em vez de considerar este ou aquele aspecto da vida de Santa Helena, gostaria de ressaltar a impressão que o todo de sua personalidade nos comunica. Nesse sentido, eu diria que se trata de uma santa cuja importância para o panorama da Igreja redunda, não apenas do fato de ter sido imperatriz, mas também porque teve sobre Constantino uma evidente e salutar influência.

Quer dizer, temos Constantino, o primeiro imperador que faz uma promessa de dar livre curso ao culto católico no Ocidente, caso se visse auxiliado por Nosso Senhor Jesus Cristo na batalha de Ponte Mílvia. Ele recebe a célebre visão do “in hoc signo vinces” — “com este sinal vencereis” —, portanto uma confirmação do socorro divino, conquista a vitória e cumpre sua promessa. Com o Edito de Milão ele concede liberdade à Igreja Católica, e a partir daí começaria a ruir o paganismo sobre o qual o estado se assentava.

Diante desse acontecimento de fundamental importância para a Cristandade, não se pode deixar de reconhecer a materna e católica influência de Santa Helena sobre o filho. Quando nos lembramos de Santa Mônica rezando por Santo Agostinho e obtendo do Céu a conversão dele, ou quando recordamos o papel de Santa Clotilde junto a seu esposo, Clóvis, trazendo-o igualmente para o seio da Igreja Católica e, com ele, o povo franco, é difícil não pensar que Santa Helena impressionou a fundo Constantino, e que a atitude dele foi motivada, em grande medida, pela ascendência da mãe.

Na raiz da ordem social e temporal católica

Ora, se, católicos que somos, desejamos de toda a alma uma restauração da ordem social e temporal católica como a que vigorou nos dias áureos da Civilização Cristã, não podemos deixar de reconhecer, com muita alegria, o trabalho feito por Santa Helena com esse objetivo: não só fazer cessar as perseguições à Igreja no império romano pagão, mas também fazer com que o imperador começasse a edificar uma ordem temporal católica, prólogo da plenitude de catolicidade que alcançaria o Estado medieval.

Início este, diga-se, por vários lados verdadeiramente glorioso. Pela liberdade franqueada à Igreja, pelo fim dos cultos pagãos, e por esse ideal de unidade social católica que desabrocharia nos esplendores da Cristandade européia, os quais perdurariam ao longo de séculos.

Portanto, pela sua oração, pelo exemplo de suas virtudes, Santa Helena esteve na raiz de uma série de realizações gloriosas, de idéias grandiosas, de princípios que repercutiriam mesmo após o ocaso do Sacro Império Romano Alemão, até os nossos dias. Razão pela qual nos é particularmente cara a devoção a essa grande santa.

Oração que conduz à ação eficaz

Chamo a atenção para esse ponto acima mencionado: as orações de Santa Helena. É necessário compreender aqui o equilibrado do papel dessa oração.

Com efeito, seria equivocado imaginar que, uma vez recitadas as preces, não adianta fazer coisa alguma. Basta rezar e deixar as realizações concretas ao beneplácito da Providência. Às vezes, quando as vicissitudes o impõem, não se pode pretender outra coisa. Porém, é apropriado esperar que a oração nos mova à ação que realiza o fim almejado. E desse teor foram as preces de Santa Helena.

Enquanto a mãe rezava, o filho lutava e agia. Constantino, protegido pelo socorro do Céu, levando no seu lábaro o emblema de Nosso Senhor Jesus Cristo, combateu e alcançou a vitória. Em seguida, agiu vigorosamente, com a força temporal do Estado, para libertar a Igreja e extinguir os restos do paganismo.

 Creio ver nessa circunstância o equilíbrio perfeito entre oração e ação. Santa Helena reza, e sua oração é acompanhada certamente de atitudes e palavras evangelizadoras junto ao filho, e este cuida dos meios materiais para concretizar aquilo que, sem dúvida, sua mãe desejava realizar. A oração é a razão mais fecunda do desencadear dos fatos; os fatos produzem os frutos da prece atendida.

Aquela que tirou das entranhas da terra o Santo Lenho

Cumpre considerar, ainda, este outro e não menos belo florão na vida de Santa Helena: foi ela que encontrou a verdadeira Cruz, um acontecimento cercado de milagres e dádivas especiais de Deus. É o Santo Lenho do qual se espalharam relíquias para serem veneradas pelos fiéis do mundo inteiro.

Que glória para essa mulher ter sido, ao mesmo tempo, a mãe do primeiro imperador cristão e aquela que tirou das entranhas da terra a verdadeira Cruz, com todos os benefícios espirituais oriundos dessa descoberta!

Então admiramos ainda mais o vulto dessa Santa, conhecemos melhor a estatura dessa alma, um grande tipo de mulher que vive só para Nosso Senhor. Matrona de espírito elevado e de horizonte largo, compreendendo as coisas a partir dos seus aspectos mais sublimes e de maior alcance. E que, por causa dessa envergadura espiritual, transforma um Império e dá ao mundo o presente imensamente grandioso da verdadeira Cruz de Cristo. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 18/8/1964)

 

Voz do povo, voz de Deus

Para compreendermos toda a riqueza potencial de uma determinada nação, a sua capacidade de florescer e atingir a plenitude de desenvolvimento, importa tomarmos em consideração este princípio: a fisionomia completa, quer da sociedade pequena, quer da grande, só se conhece nas suas originalidades. Desse modo, quando chegamos a entender o que um povo tem de único, e damos às suas legítimas peculiaridades o espaço que merecem na vida, a pujança latente desse povo emerge à luz do sol.

E tais originalidades vamos encontrá-las, por excelência, nos costumes e organizações regionais.

A meu ver, a região é uma criatura de Deus num sentido especial da palavra. Assim como Ele criou o universo, constituiu também micro-universos — as regiões — cada qual com uma forma de natureza própria que se distingue do conjunto do país, como a espécie se distingue do gênero, determinando o sabor orgânico da regionalidade.

Mais ainda. Para que a colaboração popular seja proveitosa e possa dar o seu melhor, é preciso saber interrogar a gente nessas suas originalidades, para deixá‑la dizer o que tem a manifestar. Daí os foros em Portugal e, algo mais característico, as autonomias de certas regiões da Espanha, às vezes reivindicadas de maneira não muito pacífica…; outras, porém, revelando pitorescos e encantadores costumes que são a boa voz do povo se exprimindo e construindo uma civilização conforme os desígnios divinos. Como diz acertadamente o provérbio: “vox populi Dei, vox Dei”.

Exemplo paradigmático desse regionalismo e dessa originalidade acredito ser o célebre Vale do Roncal, na Navarra espanhola. Havia ali diversas aldeias, cada qual com autonomia e independência de pequena república, representando algo que me parece um néctar: é uma republicazinha, não por razão metafísica, por julgar a monarquia injusta, mas por motivos consuetudinários, ciente de ser esta a melhor forma de existirem. Compreendem e amam o Rei, mas conservam seus direitos, tradições e valores de aldeias.

Tenho a impressão de que nada se compara ao sabor dessa característica regional. Não é a aristocracia, e sim o povo como deve ser organizado.  Na sua admirável autonomia, porém amando a autoridade suprema do país. Daí o privilégio concedido aos roncaleses de enviar, em determinadas épocas do ano, filhos de sua região para servirem como sentinelas junto à porta dos aposentos do soberano espanhol…

Coisa popular, sendo entretanto rica e até senhoril, de quem afirma: “Não somos nobres, mas há nobreza na nossa condição, e por causa disso temos nexo com os primeiros da nação. Embora não lhes sejamos iguais, somos os degraus de uma mesma escada, de um mesmo mármore”.

Isto é o orgânico, que nasce, floresce e não possui cópia no mundo inteiro. É a originalidade da expansão popular, surgida do profundo dos costumes, do dia a dia, etc., fazendo ouvir a sua voz a ecoar pela História.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 89 (Agosto de 2005)

MATERNO PODER

Rainha dos corações enquanto tendo influência sobre a mente e a vontade dos homens, Nossa Senhora exerce esse império não por uma imposição tirânica, mas pela ação da graça, em virtude da qual Ela é capaz de nos libertar de nossos defeitos e nos atrair, com agrado e particular doçura, para o bem que nos deseja.

Esse materno poder de Maria sobre as almas nos revela quão admirável é a sua onipotência suplicante, que tudo nos obtém da misericórdia divina. E cumpre dizer: esse augusto domínio sobre os corações representa incomparavelmente mais do que ser Soberana de todos os mares, de todas as vias terrestres, de todos os astros do Céu — tal é o valor de uma alma, ainda que seja a do último  dos homens!

Plinio Corrêa de Oliveira

“Raffinement”

Como já tive oportunidade de comentar, um dos preciosos frutos da Civilização Cristã foi, a meu ver, o desejo da perfeição e do equilíbrio aplicado aos mais variados aspectos da sociedade, da cultura, da arte, etc., impregnados de temperança e senso católico.

Em francês se diria o “raffinement” de todas as coisas. Um requinte, um auge de excelência e de harmonia que atinge aquela forma de beleza plena, acabada, na qual ninguém ousa mexer, porque nada há a lhe alterar. Essa característica sobressai de maneira particular em duas obras nascidas da alma medieval e que até hoje nos deixam repassados  e encanto e admiração.

A primeira delas, constante objeto de meus elogios e enlevos, é a Catedral de Notre-Dame de Paris. Nela — como em geral nas produções do estilo gótico — me parece estar refletida a temperança que coroa as virtudes e qualidades do coração justo. Sobretudo na sua fachada, podemos discernir esse espelho de todas as boas disposições da alma humana.

O maravilhoso semblante desse templo é “raffinesíssimo”, se assim nos é dado dizer, no sentido de que nos revela uma série de sentimentos levados à sua completa finura, convivendo urbanamente no mesmo frontispício.

E talvez seja este o lado pelo qual ela tanto me atrai. De sorte que, procuremos ali uma expressão do carinho de Nossa Senhora, é logo a encontramos. Ou se quisermos ver algo da seriedade de Maria, lá está. Algo da severidade d’Ela contrabalançada por uma insondável bondade e misericórdia, também achamos naquelas pedras esculpidas de modo primoroso. Contemplamos, ainda, a realeza, a majestade da Mãe de Deus, rebrilhando na riqueza dos lavores e entalhes com que os artífices medievais esculpiram  aquelas imagens.

Enfim, Nossa Senhora na ação, na paz, na glória, na fulguração de todas as suas virtudes, encontra-se expressa na fachada de Notre-Dame, um requinte de esplendor.

* * *

Outro tesouro “raffiné” que nos legou a Idade Média é a fascinante arte dos vitrais. Mais uma daquelas manifestações de equilíbrio intocáveis, fixas de modo perene na sua perfeição, na sua magnificência e beleza. O vitral admirável, requintado, ninguém terá coragem de lhe modificar qualquer detalhe. Por exemplo, na feeria da Sainte Chapelle,  as rosáceas de Chartres, de Bourges, quem pensaria em mexer nelas? São dessas formas de realizações que alcançaram, no gênero, toda a perfeição possível, e qualquer alteração que sofrerem significa um movimento de decadência. Digamos, substituir as luminosas policromias por algum vidro transparente reputado de excelente qualidade, com inúmeras vantagens óticas, práticas, etc., etc. — seria um desastre.

Por quê? Porque o vitral representa uma tal síntese, sempre prodigiosamente equilibrada, de cores diversas e desconcertantes, que temos neles todas as variedades, todas as formosuras que nunca cansam, dentro de uma unidade harmoniosa, sossegada, tranquila, passando-nos uma agradável sensação de plenitude.

Assim, o vitral seria uma forma de requinte ideal. E tão proporcionado que numa mesma cena representada em tal rosácea vamos encontrar cavaleiros saindo de sua fortaleza, monges trabalhando na sua abadia, etc., e, pelo meio, um homem usando um chapéu verde que ninguém conceberia portar algo semelhante. Entretanto, a tonalidade dessa cor, quando batida pelo sol, revela-se de uma tal excelência, que até mesmo na cabeça daquele personagem deixa de ser ridícula. Pelo contrário, ele carrega consigo um esplendor. Um “raffinement”…

Um guerreiro que descansa…

Ao ver fotografias do Castelo de Coca (Espanha), Dr. Plinio analisa o estilo de vida que seus habitantes levavam, e a defesa que tal construção significava contra os inimigos.

 

A primeira impressão causada ao ver fotografias do castelo de Coca é que se trata de uma coisa irreal. Tem-se vontade de dizer: “Isto não existe”.

O artista soube fotografar o castelo numa hora de um contraste muito feliz: o céu sombrio e o castelo muito iluminado. Se o céu fosse azulzinho e não ameaçante, o castelo perderia algo.

Mas não se trata de um sombrio qualquer, pois nota-se no céu uma parte que está luminosa. Dir-se-ia que um raio acabou de passar por lá como um corisco, deixando um resto de luz a qual o ilumina tão magnificamente.

Que castelo! Tem-se a impressão de que é tão grande, têm tantas torres e muralhas, tantos salões e espaços, que se diria ser um castelo incomensurável, de conto de fada.

Imaginemos o viver delicioso dos que nele habitam. Capela interna magnífica e grande como uma catedral; estupendas salas de refeição, de recepção, de trabalho, de reuniões políticas; dormitórios extraordinários; todas as formas de conforto do tempo em que esse castelo foi construído, para um número indefinível de personagens. Personagens nobres, vestidos com riqueza, de maneiras requintadas; quando se encontram nos corredores saúdam-se com cerimônia e fazem grandes reverências, e ao mesmo tempo cochicham e fazem política uns para os outros, ou contra outros, no vai-e-vem da vida de todos os dias.

Realmente, esse castelo foi construído com uma preocupação artística muito apurada. Por exemplo, ele é marcado por umas listas brancas em toda a sua extensão: são pedras de outra qualidade, que formam uma espécie de alternância e concorrem para sua beleza.

Observado o castelo, nota-se em sua parte central um torreão, que é um maço de torres coligadas entre si. Diante desse torreão, percebe-se um pátio enorme, cercado por altas muralhas e grandes torres em cujas extremidades há um conjunto de torres especial que faz uma espécie de equilíbrio com o do centro. Depois, isso se repete, para se chegar ao pátio externo do castelo.

Parece que ele está separado por um valo de água ou um rio.

O castelo nos fala, sem dúvida, de uma requintada vida nobre com as mil delicadezas da civilização cristã. Entretanto, estas se deterioram quando existem num clima sem heroísmo. Ora, esse castelo é feito para combater. É uma fortaleza calculada para resistir a um cerco tão longo que as tropas do adversário vão ficando cada vez menos numerosas e acabem desistindo do ataque. Assim, os assediados podem mandar avisar os aliados, para que venham em socorro deles.

Esse castelo é tão enorme que quase não se imagina como uma tropa possa cercá-lo inteiro; sempre fica com uma portinhola livre para saírem os mensageiros ou entrarem os aliados. É inconquistável ou muito difícil de conquistar. Quando os adversários eram tão numerosos que conseguiam fazer o cerco do castelo, como o castelão se defendia? Mandava um aviso aos seus aliados por meio de pombo-correio, solto de uma das mais elevadas torres, a fim de levantar voo bem alto e não ser atingido pelas flechas do adversário. Numa das patinhas, levava amarrada por uma pequena argola, uma mensagem assinada pelo senhor deste castelo para algum aliado dele.

Às vezes, os castelos muito seguros tinham ainda um ou vários subterrâneos, que conduziam a lugares tão distantes, que o sitiante desconhecia: uma gruta, onde de repente se movia uma pedra e saía um mensageiro, rápido como um corisco; uma árvore, várias vezes centenária, na qual se tinha aberto uma saída de onde saltava um homem e corria levando um aviso. Em alguns casos, esses locais eram guarnecidos por um vigilante oculto, de maneira que se o adversário quisesse entrar ali, de repente uma flecha o atingia pelas costas e ele morria.

O sistema de defesa do castelo era o seguinte:

No primeiro plano se vê uma série de muralhas, no alto das quais devemos imaginar, nos grandes dias de cerco, arqueiros que atiravam flechas sobre os mais próximos inimigos; às vezes eram setas incendiárias que queimavam as pessoas atingidas; ou, lançadas na retaguarda onde estava  o nobre que dirigia o assalto, dificultavam a manutenção do ataque. Se porventura o sitiante conseguisse ultrapassar a primeira muralha, teria depois outras batalhas diante da segunda e por fim frente à terceira. De maneira que eram três guerras concêntricas.

Ora, os que assaltavam o castelo eram sempre pessoas que vinham de outras regiões. Os habitantes do lugar não lhes davam comida, indicavam-lhes caminhos errados. À noite, quando os sitiantes dormiam, a população ateava fogo em suas tendas. Durante o dia, quando os primeiros se apresentavam para combater, ficavam expostos ao ar livre enquanto que os sitiados lutavam detrás de muralhas. Compreendemos assim que um castelo destes é uma potência.

Da ideia de resistir sempre, e com coragem, provém um certo ar heroico deste castelo e que constitui o pináculo da sua elegância.

Uma das melhores definições da elegância, talvez seja esta: a leveza e a distinção do guerreiro quando descansa. Quem não é batalhador e polêmico, não tem verdadeira distinção, nem elegância. Aqueles nobres que lutavam assim contra as investidas maometanas, fortemente apoiados por seus camponeses nos quais eles viam filhos e que os tratavam como pais, fizeram, realmente, a defesa da Espanha e extirparam na Europa o perigo muçulmano. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  de 5/5/1984)

 

São Bernado

O aparecimento de São Bernardo na história foi como um esplendoroso nascer de sol. Ele é um dos sóis da Ordem Beneditina, é um dos sóis da Igreja Católica, é um dos sóis de toda a devoção mariana. É, por excelência, o homem da penitência e da mortificação. Homem que se transformou numa tocha ardente, numa chama de fogo deambulando pela Cristandade, purificando todas as  coisas pela sua eloquência e seu espírito repassado de indomável fervor. Homem da polêmica, que enfrentou e venceu em luta estrênua os maiores adversários do catolicismo no seu tempo.

Ao mesmo tempo, é o varão dulcíssimo, o “Doctor Melifluus” — Doutor com palavras doces como o mel  — , que soube como ninguém louvar a bondade e a misericórdia insondáveis de Nossa Senhora. D’Ela falou com tanta unção e arrebatamento, que pode ser considerado o literato, o poeta de Maria Santíssima na Igreja do Ocidente.

Plinio Corrêa de Oliveira

Panaceia celestial

São raras vezes, a Providência permite que se abatam sobre o homem as mais aflitivas doenças corporais, para que se volte humildemente a Nossa Senhora e suplique sua cura. Ao se ver atendido, conhece ele a insondável bondade materna de Maria, sentindo-se atraído e conquistado pela melhor de todas as Mães. E mesmo quando Esta não alivia o mal físico, não deixa de consolar a quem Lhe pede, fazendo ver ao doente o benefício que recebe com a cruz, para a sua santificação — que é o bem-estar da alma.

Por isso é Maria invocada como a Saúde dos enfermos, como o remédio para as nossas moléstias, mas, sobretudo, para as carências de alma, defeitos e lacunas espirituais. Em relação a estes a Santíssima Virgem é, por excelência, a “panaceia” celestial dada por Deus para nos livrar de tantas misérias e nos conduzir à plenitude de santidade à qual somos chamados.

Plinio Corrêa de Oliveira