Rainha e Mãe…

Trazendo em seu seio virginal o Salvador do gênero humano, Maria Santíssima foi, de algum modo, Rainha do sagrado fruto de suas entranhas, o Messias esperado das nações!

 

Qual é o fundamento da realeza de Nossa Senhora? Por que Ela é Rainha? Em que consiste esse título?

Antes de tudo, cumpre considerar que convém a um rei ser filho de uma rainha. Ora, sendo Nosso Senhor Jesus Cristo Rei de todos os homens — quer enquanto Deus, quer enquanto homem —, a realeza de Nossa Senhora resulta do fato de ser Ela a Mãe do Rei. Entretanto, há também uma razão muito mais profunda.

Virgem concebida sem pecado original, cujas orações trouxeram o Salvador ao mundo

Desde o pecado de Adão, havia quatro mil anos de separação entre Deus e os homens, durante os quais não se podia ir para o Céu, ficava-se no Limbo à espera do momento em que Nosso Senhor Jesus Cristo nascesse e resgatasse a humanidade.

Aguardava-se, então, que Deus criasse aquela Virgem excepcional, dotada de uma santidade e de uma perfeição que os homens jamais poderiam imaginar, de cujo ventre nasceria o Salvador.

Vendo qual era o estado miserável da humanidade, Maria Santíssima pedia a Deus que enviasse o Salvador à Terra nos seus dias. Ela ansiava também conhecer a Mãe do Salvador e poder servi-La como criada ou escrava. Podemos imaginar o que deve ter sido o estremecimento de alma de Nossa Senhora quando teve conhecimento, pela saudação angélica, de que essa pessoa era Ela mesma. Qual foi o sobressalto virtuoso, santo e ao mesmo tempo jubiloso da alma d’Ela, vendo que era escolhida para ser a Mãe de Deus?!

Então compreendemos bem a perfeição da resposta da Virgem ao Anjo: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo tua palavra” (Lc 1, 38). Quer dizer: “Eu julgava que não merecia, não estava ao meu alcance, mas, uma vez que vem de Deus o convite, faça-se em Mim segundo a tua palavra”. Nesse momento o Espírito Santo atuou em Nossa Senhora e foi concebido n’Ela Nosso Senhor Jesus Cristo.

As relações de alma entre o Filho e a Mãe durante a gestação

Começava então o período belíssimo em que Nosso Senhor Jesus Cristo vivia em Maria. Durante todo o tempo da gestação, Ela foi o sacrário dentro do qual Nosso Senhor dava glória ao Padre Eterno.

Pelo conhecido processo do desenvolvimento da criança no claustro materno, Ele recebia d’Ela, continuamente, os elementos necessários para a formação de seu corpo. Mas não devemos imaginar que esta relação tão íntima entre a mãe e o filho, quando este vive no claustro materno, fosse apenas física e corpórea. Era também uma relação espiritual e sobrenatural.

À medida que, do corpo e do sangue de Maria, Nosso Senhor ia formando o seu próprio Corpo, estabeleciam-se relações de alma entre Ele e Ela cada vez mais íntimas, de maneira tal que, no momento do nascimento, o processo de união de Jesus com Nossa Senhora também chegou a seu termo. E em Belém, quando Ela, pela primeira vez, O contemplou com seus próprios olhos, havia terminado um processo intimíssimo de união cujo verdadeiro alcance só poderemos compreender no Céu, na medida em que não haja nessa realidade tão sublimes mistérios que sobrepujem a qualquer compreensão.

Nossa Senhora foi, de algum modo, Rainha de Nosso Senhor Jesus Cristo

Mas não devemos imaginar que, nascendo Nosso Senhor, a união d’Ele com Ela diminuiu; pelo contrário, sendo a Virgem Maria cada vez mais santa e perfeita, a união d’Ela com Ele se desenvolvia sempre mais, de maneira que aquela união havida durante toda a gestação de Nosso Senhor Jesus Cristo, depois do nascimento foi crescendo ainda mais. E Nossa Senhora tinha mais união com Ele no momento da morte de Jesus do que em qualquer outra ocasião da vida, porque ali as relações entre os dois tinham chegado a um ápice.

Ou seja, quando vivia em Nossa Senhora, Jesus estava em relação a Ela numa dependência completa, como está o filho no claustro materno, o qual não tem vontade própria, mas depende inteiramente da mãe. Nosso Senhor não iria ficar “independentoso” depois que nasceu. Pelo contrário, celebra-se  a obediência, a união d’Ele com seus pais. Quer dizer, Nossa Senhora foi tendo uma autoridade materna cada vez mais enriquecida em relação a Nosso Senhor, até o momento d’Ele morrer.

Então, a esse título, Nossa Senhora foi, de algum modo, Rainha de Nosso Senhor. E quem é Rainha de Nosso Senhor é Rainha de tudo, evidentemente. E a realeza de Maria vem do poder e autoridade que Ela exerceu sobre Aquele que é o Poder e a Autoridade, e que Nossa Senhora conservou até o fim de seus dias, e tem no Céu.

Assim compreendemos por que Nossa Senhora é chamada a onipotência suplicante. Ela não é senão uma criatura humana, uma escrava de Deus. Mas, como Mãe de Deus, sua súplica é onipotente. É pela vontade de Deus que todos os desejos d’Ela são atendidos. Aquela que sempre é atendida por Aquele que é o Rei do Universo, evidentemente é a Rainha do Universo. A realeza de Maria tem como ponto de partida a realeza d’Ela sobre Nosso Senhor Jesus Cristo.

Então é uma realeza que contém todas as outras realezas, todas as alegrias, todos os direitos, etc. A autoridade d’Ela sobre a Igreja, sobre cada católico, resulta deste fato: Ela é a Mãe de Deus e tem com Deus essa relação. Então Ela é a Rainha.

Por ser a Medianeira Universal, Nossa Senhora é a Rainha de cada alma individualmente

O que significa a realeza de Maria vista, não desse ângulo altíssimo, mas num aspecto mais acessível à consideração de todos nós, homens?

Todas as nossas preces, todos os nossos atos de adoração, de ação de graças, de reparação, de louvor que queremos fazer subir ao trono de Deus, devem ser feitos por meio de Nossa Senhora.

E, em sentido inverso, todos os dons que recebemos dos Céus nos vêm por meio de Nossa Senhora. De maneira que Ela é o canal necessário entre nós e Deus. Não necessário pela natureza das coisas, mas Deus, por um ato de sua vontade livre, estabeleceu que fosse assim. Ela é, portanto, a Medianeira de todas as graças.

É verdade de Fé que tudo aquilo que todos os santos pedissem, não por intermédio de Nossa Senhora, eles não receberiam. Mas tudo quanto Maria Santíssima pede, sem que nenhum santo peça, Ela recebe. Compreendemos, então, que qualquer oração que um de nós faça, ou é encaminhada por meio de Nossa Senhora, ou Deus Nosso Senhor ignora. Ela é a Medianeira Universal de todas as preces que vão para Deus, o canal de todas as graças que Deus concede aos homens.

Esta grande verdade coloca Nossa Senhora na posição que Ela deve tomar no culto católico. E está, em larga medida, imbricada no livro de São Luís Grignion de Montfort a respeito da verdadeira devoção a Maria Santíssima. Quer dizer, o princípio da escravidão a Nossa Senhora se funda em grande parte nessa verdade, que faz par com a verdade de que a Santíssima Virgem é a onipotência suplicante.

Minha vida é, em última análise, dirigida, ritmada, orientada segundo os desígnios da Providência, de acordo com as graças que eu recebo. Então, Nossa Senhora é minha Rainha, e Ela dispõe de mim como quer. Minha vida espiritual tem Maria Santíssima como centro. Ela é, portanto, Rainha de cada alma individualmente, pois, concedendo essas graças, Nossa Senhora governa as almas. Ela é, portanto, Rainha de todas as almas, Rainha dos Corações.

A Rainha dos Corações, pela ação da graça

Esta é uma linda invocação, cujo sentido é preciso entender, e que está muito relacionada com a devoção a Nossa Senhora conforme a escola de São Luís Maria Grignion de Montfort.

O que vem a ser a Rainha de todos os corações?

O coração não é principalmente símbolo da ternura e do afeto. Na linguagem da Escritura, que é evidentemente o sentido empregado pela Igreja quando fala de Nossa Senhora Rainha dos Corações, o coração significa o ânimo, a mentalidade, a vontade do homem.

Ser Rainha dos Corações significa que Maria Santíssima tem poder sobre a mente e a vontade dos homens. Ela pode desvencilhar os homens dos defeitos que eles têm e tornar tão vivo o atrativo para o bem, que os leve — não por uma imposição tirânica, mas pela ação da graça — para onde Ela entenda. Então, Nossa Senhora Rainha dos Corações é, por excelência, Nossa Senhora Rainha.

Nossa Senhora é também a Rainha da sociedade humana

Como Maria Santíssima é Rainha do coração, da mentalidade de cada homem individualmente considerado, podemos dizer que Ela é Rainha da sociedade humana, da opinião pública, porque esta não é senão todas as mentalidades enquanto imbricadas umas nas outras, influenciando-se reciprocamente.

O que quer dizer isso concretamente?

Deus não criou o universo ao acaso; tudo que Ele faz é com conta, peso e medida. Consideremos o número enorme de camarões que existem no mar, e o número dos que houve desde o início do mundo e haverá até o fim. Essa imensa quantidade de camarões forma uma coleção que exprime a natureza “camarônica”, se assim se pudesse dizer, em todos os seus aspectos, de maneira que quando chegar a vez do último camarão criado se extinguir, está constituída uma série admirável de camarões que desapareceram, mas ficam nas realizações de Deus, na história do universo como uma perfeição que Deus fez.

Assim também, quando estiverem reunidos no vale de Josafá para serem julgados, os homens notarão que são uma coleção e que tudo quanto há na natureza humana de possível foi de algum modo expresso por cada homem. De maneira que na obra de Deus faltaria algo se tal homem não tivesse sido criado. Cada um tem um papel num plano sublimíssimo, que se revelará por ocasião do Juízo Final. E depois ficará revelado para todo o sempre qual foi o plano de Deus com o gênero humano, e quais pessoas foram chamadas para o Céu porque mereceram, e quais foram para o Inferno.

Assim, os homens são passíveis de serem vistos num olhar de conjunto. E o gênero humano visto em torno d’Aquele que é a sua expressão mais perfeita, e contém e sublima tudo quanto há no gênero humano de belo: Nosso Senhor Jesus Cristo. E, infinitamente depois d’Ele, mas incomensuravelmente antes de todos os homens, a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora.

Essa coleção dos homens que há, houve e haverá se chama gênero humano. E dentro do gênero humano não existe um salto. Os grandes saltos não estão na regra geral da obra do Criador. Entre o gênero humano e cada homem individualmente, existem os grandes grupos humanos, que são as raças. Dentro das raças, as nações; dentro das nações, as regiões; das regiões, as cidades; das cidades, as famílias; e dentro das famílias, os homens. Quer dizer, formam um conjunto de grupos que ligam o homem ao grupo supremo, que é o gênero humano; constituem então, de A até Z, a estrutura da humanidade.

Nesse sentido o que é uma nação, um país? É, por sua vez, uma espécie de coleção, um dos aspectos da humanidade que se revela de certo modo; um denominador comum de todos os homens que constituem aquela nação e que exprimem uma virtualidade da natureza humana. Esse todo repete de algum modo dentro de si o que é o gênero humano. Essa coleção é como um mosaico constituído pelos indivíduos vivos, mas que têm uma projeção na História e uma continuação naqueles que viverão. É propriamente isto que constitui, na sua visão completa, a sociedade humana.

Nossa Senhora é, então, Rainha desta enorme alma coletiva — se se pudesse usar esta metáfora — da humanidade, que é a opinião pública, com todas as interações, as interinfluências que a constituem.

Uma sociedade que aceita o governo de Nossa Senhora

Como é uma sociedade que obedece a Nossa Senhora? Santo Agostinho definiu isso perfeitamente, apresentando uma imagem magnífica da sacralidade, do respeito, da ordem, do bem-estar da alma e do corpo.

Contra a afirmação dos pagãos de seu tempo de que a causa de tantas desordens no mundo era o fato de haver católicos, o Bispo de Hipona fez a seguinte apóstrofe: “Imaginai um reino onde o rei e os súditos, os generais e os soldados, os pais e os filhos, os professores e os alunos são católicos e procedem de acordo com a Doutrina Católica! Vós tereis a ordem humana perfeita. Ordem de paz, de glória, de sabedoria, de esplendor, de felicidade”.

Essa é a ordem que nasce do fato de todo mundo fazer a vontade de Deus, e, portanto, a de Nossa Senhora, que é a Rainha. Essa é a descrição da ordem humana, tão completamente diversa da desordem que hoje reina.

Qual é a razão pela qual reina essa desordem? No livro “Revolução e Contra-Revolução” tentamos explicar isso. A humanidade rompeu com Nosso Senhor Jesus Cristo e com Nossa Senhora, rompendo com a Santa Igreja, porque só está unido a Nosso Senhor Jesus Cristo e a Nossa Senhora quem está unido à Santa Igreja Católica. Rompendo cada vez mais com a Santa Igreja, a desordem foi entrando no mundo até esse auge em que estamos atualmente.

Então há os que são chamados para restaurar essa ordem, implantar o Reino de Maria: a sociedade humana fazendo a vontade de Nossa Senhora. Porque Nossa Senhora é a Rainha efetiva de cada alma, dos grupos humanos menores: família, município, região; e dos grupos humanos soberanos: nações. Porque Ela é a Rainha efetiva do gênero humano. Daí deve nascer aquela ordem perfeita que algum dia existirá na sua plenitude, antes do mundo acabar.

Rainha de cada um e do mundo inteiro

Então nós não olhamos apenas com saudades para as épocas católicas que foram, mas, sobretudo, com esperança para a época católica que virá, o Reino de Maria, onde todas as coisas serão assim.

Devemos viver apenas de uma grande saudade e de uma grande esperança? Não. Nós temos a possibilidade, cada um dentro de si mesmo, de proclamar o Reino de Maria, dizendo: “Em mim, ó minha Mãe, Vós sois Rainha. Eu reconheço o vosso direito e procuro atender às vossas ordens. Dai-me ‘lumen’ de inteligência, força de vontade, espírito de renúncia para que as vossas ordens sejam efetivamente obedecidas por mim. Ainda que o mundo inteiro se revolte e Vos negue, eu Vos obedeço”.

E nessa torrente de desordem e de pecado que há na Terra, a alma de quem afirma isso é como um puro e adamantino brilhante. Assim, Nossa Senhora continua a ter uns enclaves no mundo: aqueles que a Ela se consagram, reconhecem todo o poder d’Ela sobre eles e dizem: “Esteja o mundo revoltado como for, eu me levanto e declaro: em mim Maria Santíssima manda, e por causa disso começo a Contra-Revolução, para que Ela mande também nos outros”.

É a realeza de Nossa Senhora vista por dois lados: enquanto mandando em mim e, em segundo lugar, fazendo de mim um soldado da Contra-Revolução. Quer dizer, um varão que luta para tornar efetiva a realeza de Nossa Senhora na Terra.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 31/5/1972,  31/5/1974 e 31/5/1975)

Rainha da graça

Maria é o receptáculo no qual se encontram todas as graças criadas por Deus. Ela é tão imensa na ordem da virtude e da santidade, que corresponde de modo superexcelente a essa torrente de graças, que A faz grande como ninguém.

Proclamada a Rainha da graça, é a Rainha da ordem sobrenatural e, portanto, Rainha por plenitude.

Eu gostaria de ver uma catedral dedicada a Ela, onde se unissem num só olhar, estes dois aspectos: Rainha intangível, mas curvada, com um sorriso, sobre os mais indignos e miseráveis, a dizer-lhes: “Continuo sendo vossa Mãe, e por isso me curvo até vós, por mais que estejam baixo. Até lá chega minha misericórdia e vos salva!”

Essa harmonia que reúne os dois extremos da Criação é mais um título da grandeza d’Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/9/1990)

Santo Estevão – Perfeito guerreiro e devoto de Nossa Senhora

A Igreja, vista na sua totalidade, possui uma harmonia de aspectos opostos, mas afins, que mostra toda a sua beleza. Santo Estêvão foi um exemplo dessa harmonia: incomparável em toda forma de misericórdia, mas por isso mesmo um homem forte, combativo, que lutou intrepidamente pelo bem.

 

As fichas a serem comentadas hoje versam sobre a vida de Santo Estêvão, Rei da Hungria, retiradas do livro Vida dos Santos, de Rohrbacher(1).

Particular devoto da Santíssima Virgem

Santo Estêvão é o grande monarca a cujo Batismo se deveu a conversão da nação húngara, até então pagã. O que Clóvis foi para a França, ele significou para a Hungria, com a imensa diferença de que Clóvis se converteu, mas ficou muito longe de ser um santo. Enquanto, pelo contrário, Estêvão foi um verdadeiro santo. Também os descendentes imediatos de Clóvis não foram santos, mas Santo Estêvão teve um filho canonizado: Santo Américo, sucessor de seu pai no trono real.

Esta primeira ficha nos traz um dado especial sobre Santo Estêvão: sua devoção a Nossa Senhora.

Santo Estêvão sempre manifestou predileção particular pela Santíssima Virgem. Por meio de um voto especial, colocou sua pessoa e seu reino sob a proteção de Nossa Senhora. Quanto aos húngaros, ao referirem-se à Mãe de Deus, não Lhe davam o nome de Maria, ou qualquer outro; diziam apenas “A Senhora” ou “Nossa Senhora”. À simples menção dessas palavras, inclinavam a cabeça e dobravam o joelho.

O santo rei mandou construir em Alba Real magnífica igreja em honra da Rainha do Céu. Os muros do coro eram ornados de esculturas, o piso de mármore, possuía várias mesas de altar de ouro puro, enriquecidas de pedrarias, e um tabernáculo para a Eucaristia maravilhosamente trabalhado. O tesouro estava repleto de vasos de ouro e prata, cristal e de ricos paramentos.

Santo Estêvão sempre desejou, pedindo mesmo em suas orações, que sua morte ocorresse no dia 15 de agosto, Assunção da Santíssima Virgem. Sua vontade foi satisfeita. Antes de expirar, erguendo as mãos e os olhos, exclamou: “Rainha do Céu, Co-Redentora do mundo, é ao vosso patrocínio que entrego a Santa Igreja, com os bispos e o clero, o reino com os grandes e o povo”; e, tendo recebido a Extrema-Unção e o Santo Viático, rendeu a sua alma.

Guerreiro e juiz

A segunda ficha apanha outro aspecto da personalidade dele: Santo Estêvão, guerreiro e juiz.

À piedade e ao zelo de um apóstolo, Santo Estêvão da Hungria juntava a coragem de um guerreiro e herói. Nas instruções a seu filho, Santo Américo, ele próprio observa que passara quase toda a sua vida na guerra, repelindo invasões de nações estrangeiras. Logo que subiu ao trono, ainda duque – ele foi duque até o momento de se converter, quando o Papa o elevou à dignidade de Rei da Hungria –, procurou manter a paz. Porém, dirigidos pelos fidalgos, seus súditos, ainda pagãos, revoltaram-se. Pilhavam cidades e campos, matavam seus oficiais e insultavam o próprio Duque.

O Duque Estêvão reuniu suas tropas e, levando nos seus estandartes a imagem de São Martinho e São Jorge, marchou contra os rebeldes que sitiavam Veszprém. Tendo-os derrotado, consagrou suas terras a Deus.

Em 1002, tendo seu tio Gyula, Duque da Transilvânia, atacado a Hungria por várias vezes, Estêvão marchou contra ele, fê-lo prisioneiro, assim como sua família, e juntou seus Estados à monarquia húngara. Venceu e matou com as suas próprias mãos Kean, duque dos búlgaros. Com o mesmo êxito repeliu os bessos, povo vizinho da Bulgária. Mas sua justiça igualava seu valor. Atraídos por sua fama, sessenta bessos da nobreza deixaram sua terra, levando com eles famílias e riquezas, e vieram pedir ao santo Rei permissão para se estabelecerem no Reino da Hungria.

Os fâmulos de um comandante de fronteira, levados pela cobiça dos despojos, atacaram-nos de improviso matando alguns, ferindo outros, e arrebatando os seus bens. Santo Estêvão deu ordem para que o comandante e suas tropas se apresentassem na corte. Ao defrontá-los, recriminou-lhes a desumanidade e comunicou-lhes que faria o mesmo com eles. Imediatamente mandou-os enforcar dois a dois em todas as avenidas do reino, a fim de que todos soubessem que a Panônia estava aberta aos estrangeiros e que nela encontrariam hospitalidade e proteção.

A Civilização Católica é a fonte de todo bem e de toda grandeza temporal

Aqui encontramos essas verdadeiras maravilhas da Igreja Católica sobre as quais jamais será suficiente insistir. Quando nos deparamos com uma acusação à Igreja, devemos procurar sua unilateralidade. Porque, em geral, tratando-se de uma acusação histórica, entra uma mentira; sendo uma acusação doutrinária, há uma unilateralidade. Os adversários da Igreja não querem tomar em consideração que ela, vista na sua totalidade, tem uma harmonia de aspectos opostos, mas afins, que faz toda a beleza da Esposa de Cristo. Aliás, também no universo, os contrários harmônicos constituem a beleza da ordem criada por Deus. Não se pode possuir verdadeiramente o espírito da Igreja se não se têm os olhos voltados para esta verdade e o espírito enlevado com ela.

Essas duas fichas nos dão a fisionomia completa de Santo Estêvão e, portanto, da Igreja que o canonizou. Porque quando a Esposa de Cristo canoniza alguém, declara que esse Santo teve perfeitamente o espírito dela. De maneira que cada Santo, a seu modo, é uma imagem do espírito da Igreja. Assim, se raciocinarmos com uma lógica elementar, com um bom senso primário, encontramos a plena justificação de ambos os aspectos na vida de Santo Estêvão.

Primeiro, o aspecto varonil e enérgico. Santo Estêvão está às voltas com inimigos irredutíveis que o odeiam por não ser pagão, querem depô-lo porque ele deseja trazer a luz do Evangelho para seu povo, e por isso se revoltam contra ele, dentro do reino, ou marcham de fora para o interior de seus domínios para exterminá-lo e eliminar a porção da nação húngara que já aderiu à verdadeira Fé. Esses homens são esses invasores, revoltosos, os inimigos da salvação eterna do povo húngaro.

Ao mesmo tempo, são inimigos da soberania do povo húngaro, do direito que tem esse povo de escolher a verdadeira Fé, de atender ao apelo de Nosso Senhor Jesus Cristo, dessa liberdade que o homem tem quando obedece a Deus.

Portanto, Santo Estêvão via seu povo atacado nos seus bens espirituais mais altos, porque a Fé é a fonte de todos esses bens, e agredido na sua própria soberania, no que ela tem de mais importante, porque o distintivo da soberania de uma nação é a mesma coisa do que o selo da liberdade de um homem: consiste em, sem embaraços, poder obedecer e servir a Deus. Essa é a própria definição de liberdade. Negar ao povo húngaro essa liberdade era recusar-lhe a sua soberania no que ela tem de mais essencial. Significava, ademais, comprometer o progresso do povo húngaro, porque a Civilização Católica, correspondendo inteiramente aos princípios da ordem natural e dando ao homem as forças sobrenaturais para obedecer aos princípios dessa ordem, é a fonte de todo bem e de toda grandeza temporal. De maneira que querer afastar a Fé católica de um país é desejar mantê-lo num paganismo abjeto e impedir seu verdadeiro progresso. Logo, tudo quanto consistia para a Hungria uma razão de ser e de viver estava empenhado nessa luta de Santo Estêvão.

O centro da resistência de um país era o rei

Naquele tempo a alma e o centro da resistência do país era o rei. O modo de desmantelar essa resistência era matar o monarca. Se um rei pagão pretendia eliminar Santo Estevão, não era belo, simbólico e nobre que o Rei santo o eliminasse com sua própria espada e suas próprias mãos? E que assim a infâmia cometida por um sangue régio fosse reparada pela fidelidade de outro sangue régio? Isso não é conveniente e bonito? Santo Estêvão cumpriu seus deveres de soberano, defendendo assim seu povo e a Santa Igreja Católica.

Por que ele agiu de um modo tão enérgico com os indivíduos que mataram e roubaram essas pessoas que iam se asilar na Hungria? Elas pertenciam à própria nação do rei que ele tinha morto, ou que ia matar. Eram pessoas de categoria que, descontentes com o rei pagão, querendo se converter, passavam com seus rebanhos e suas economias para o território da Hungria. Elas chegam à fronteira – naturalmente desejavam se batizar – e pedem: “Nós queremos ingressar no reino de Estêvão e no reino de Cristo. Pedimos licença para entrar impunemente nós e os nossos.” Consulta-se o Rei, o qual diz: “Podem entrar, eu dou garantias para as pessoas e para os bens.” Abrem a fronteira e elas entram com toda a confiança, deixando as armas de lado – naquele tempo todo homem, sobretudo o chefe de família, era um guerreiro.  Mas aparecem uns bandidos infames que assaltam, matam algumas pessoas para serem donos dos haveres. São assassínios vulgares, agravados pelo aspecto da traição. Então, Santo Estêvão, que punia com pena de morte um assassinato comum, não haveria de mandar castigar esses homens? Alguém dirá: “Mas eles foram muitos.” Prova a mais de que se devia punir com pena de morte. Porque, se são muitos os criminosos, isso prova que o povo não está muito distante da prática desses crimes. E então é necessário punir para que o crime não se repita. O fato de serem muitos é uma prova a mais de que precisava punir.

Praticou a justiça e a misericórdia ao mesmo tempo

Ele cumpriu o dever inerente à majestade régia. O rei tem os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. É o supremo juiz do país. E os antigos, aliás muito acertadamente, consideravam o Poder Judiciário mais alto do que o Legislativo. Porque as Leis fundamentais são feitas por Deus. E o rei é o juiz que julga de acordo com as Leis fundamentais. O monarca não possui a plenitude do Poder Legislativo, enquanto o Poder Judiciário ele tem no sentido de que aplica a Lei de Deus. Então, Santo Estêvão agiu perfeitamente bem.

Esse homem podia, portanto, quando rogava para Nossa Senhora, dirigir-se a Ela com o espírito completamente tranquilo, com a consciência inteiramente distendida. E verdadeiramente chamá-La de Mãe de Misericórdia, implorar a compaixão d’Ela porque ele usou de misericórdia. Ao castigar essa gente, Santo Estêvão foi misericordioso para com os que eram ou poderiam vir a ser vítimas desses homens maus, se não fossem intimidados; quer dizer, ele praticou a justiça e a misericórdia ao mesmo tempo. Então, nós deduzimos daí que Santo Estêvão agiu perfeitamente bem.

Temos, então, a imagem do perfeito guerreiro e devoto de Maria. Incomparável no perdoar, no estimar, em toda forma de misericórdia, mas por isso mesmo homem forte, valente, que passou o tempo inteiro na luta.

Fisionomia do combatente católico por excelência

Lembro-me de que certa vez, conversando com um senhor de uma lógica muito estrita, muito clara, com base em premissas extremamente pobres e limitadas, abrangendo sempre uma parte infinitesimal do horizonte, ele me dizia:

“Eu não gosto do livro Imitação de Cristo. Li e não compreendo, porque se eu fosse fazer constantemente o que está ali – voltar o outro lado do rosto, não tomar em consideração o mal que os outros nos fazem, perdoar sempre, etc. –, eu me deixaria roubar, saquear! É a conclusão lógica da Imitação de Cristo.”

Pensei com os meus botões: Para esse homem não há explicação possível. Ou lhe faço um simpósio, que de nenhum modo ele quer ouvir, ou ele não pode entender isso, porque se colocou previamente fora das perspectivas necessárias para essa compreensão.

É preciso exatamente compreender que a Imitação de Cristo foi escrita para um ambiente no qual esses princípios que apresentei eram claríssimos, e havia até a tendência a exagerar o lado belicoso. Então, a Imitação de Cristo constituía uma nota dentro de um concerto, ou seja, a insistência em uma das vias que, conjugada com a outra, dá a perfeição da Moral Católica.

Sem dúvida, sempre que possível é preferível perdoar, praticar a mansidão e não a violência. Mas não sendo possível é preciso arregaçar as mangas e lutar!

Nisso se vê nossa fidelidade aos princípios da Igreja Católica, pelo auxílio e bênção de Nossa Senhora. Por vezes, as pessoas não compreendem o desassombro com que enfrentamos o que imaginam ser a opinião pública. De outro lado, não entendem também como somos corteses, gentis, amáveis e nunca tomamos a iniciativa do ataque. Entretanto, quando atacados, damos uma surra! É a fisionomia do combatente católico por excelência: enquanto não me agridem, não agrido. Porém, ai de quem me agredir, porque saio “com um quente e dois fervendo!”(2) É uma pequena aplicação do que acabamos de ver na vida de Santo Estêvão.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/9/1971)

 

1) Cf. ROHRBACHER, René François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. vol. XV, p. 423, 428-430 e 442.

2) Antiga expressão popular portuguesa, significando aqui uma reação imediata e indignada.

Santa Helena

Santa Helena, Imperatriz e mãe de Constantino Magno, foi o grande tipo de mulher que vive só para Nosso Senhor Jesus Cristo. Matrona de alma elevada, de horizonte largo, compreendendo as coisas a partir dos seus aspectos mais sublimes, e que, com sua extraordinária influência, contribuiu para transformar um Império pagão em ordem temporal católica. Acima de tudo, foi a santa que encontrou e deu ao mundo um presente imensamente grandioso: a verdadeira Cruz de Cristo.

Plinio Corrêa de Oliveira

São Pio X, modelo de varão católico

Quero que o último ato de meu intelecto e o último pulsar de meu coração seja um brado de amor e fidelidade ao Papado”, costumava repetir Dr. Plinio até seus derradeiros dias. Na verdade, depois  e sua entranhada devoção ao Santíssimo Sacramento e a Nossa Senhora, por nada tinha ele mais apreço do que à divina instituição do Papado, pela qual nutria imensa veneração. Sentimento que transparece nas palavras aqui transcritas, com as quais recorda a figura de um dos maiores Pontífices que já ocuparam a Cátedra de Pedro: São Pio X, cuja festa se celebra no dia 21 de agosto.

 

Em 1903, após um dos mais longos pontificados da História, e numa idade muito avançada, faleceu o Papa Leão XIII. Logo depois das exéquias, de acordo com o secular costume da Igreja, todos os cardeais se reuniram na Cidade Eterna para o Conclave que elegeria o novo Sumo Pontífice.

Conta-se que o então Cardeal Sarto, Patriarca de Veneza, foi um dos poucos, se não o único, a se dirigir a Roma tendo já em mãos o bilhete de passagem da volta, tão certo estava de que sobre ele não recairiam os votos de seus pares.

E os fatos pareciam confirmar as despretensiosas expectativas daquele Purpurado, pois, ao final de alguns escrutínios, o sucessor de Leão XIII estava praticamente escolhido. Tratava-se do Cardeal Rampolla del Tindaro, que fora Secretário de Estado do falecido Papa, e cuja orientação de governo ele haveria de manter durante o novo Pontificado.

Manteria, se uma inesperada atitude não viesse mudar o rumo dos acontecimentos. Tão logo se tornou claro qual seria o resultado da votação, levantou-se, trêmulo e indeciso, o Cardeal-Arcebispo de Praga, dizendo: “Eu tenho uma comunicação a fazer da parte do meu soberano, o Imperador da Áustria. Prevalecendo-se do direito que têm os monarcas austríacos de vetar alguém eleito para o Papado, quando tal escolha lhe parecer nociva aos interesses e às conveniências da Igreja Católica no seu país, o Imperador Francisco José, meu senhor, dá ordem de vetar o Cardeal Rampolla del Tíndalo para Papa”.

Esse uso do veto ou seja, de proibição escandalizou todo o Conclave, porque há muito tempo os soberanos austríacos não exerciam esse direito. Era, portanto, um papel por demais antigo que Francisco José retirava da gaveta. Mas… retirou e mandou: não podia ser. O Cardeal Rampolla estava fora de cogitação.

Sabendo que não seriam possíveis tratativas nem apelações, os cardeais dão início a novos escrutínios, fazendo valer a célebre subtileza da diplomacia romana dos grandes tempos. A cada turno de eleição eram proclamados os resultados, e em duas ou três vezes os votos para o Cardeal Rampolla retomaram por baixo e foram crescendo o suficiente para significar um desafio ao Imperador da Áustria, não porém o bastante para elegê-lo. Foi uma jogada astuta e inteligente, bem ao estilo do Vaticano…

A eleição do Cardeal Sarto, futuro São Pio X

Como era de se  esperar, caiu em definitivo a votação do Cardeal Rampolla, enquanto se levantava outro candidato: o Cardeal Sarto, Patriarca de Veneza, futuro São Pio X.

Em suas Memórias do Papa Pio X, narra o Cardeal Merry del Val então monsenhor e secretário do Conclave que, depois de um daqueles decisivos escrutínios, fora encarregado de procurar o Cardeal Sarto, a fim de demovê-lo da resistência que este opunha à sua eleição. Entrando ele na Capela Paulina, reservada aos Purpurados, encontrou ali o Patriarca de Veneza, ajoelhado no solo de mármore, a cabeça entre as mãos, chorando e rezando diante de uma imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano.

O prelado se ajoelha por sua vez junto do Cardeal Sarto, e com voz baixa lhe confia a mensagem de que era portador. Lentamente, o Patriarca levanta a cabeça, volta para o secretário a face sulcada de lágrimas, e lhe pede que anuncie a sua recusa formal ao sólio pontifício. Santo como era, tinha plena consciência de que o Papado significava uma responsabilidade tremenda, em meio a árduos combates em defesa da Igreja. Parecia repetir, daquele modo, as palavras do Divino Redentor no Horto das Oliveiras: “Pai, se for possível, afasta de mim este cálice”…

Compadecido daquele varão que dava tais mostras de humildade, Monsenhor Merry del Val -, ele mesmo homem de rara virtude e futuro braço direito de São Pio X –, a fim de animá-lo e fazê-lo aceitar o cargo, disse-lhe:

Coragem Eminência, o Senhor o ajudará!

Novamente ocultou o Cardeal Sarto a cabeça entre as mãos, para terminar sua prece. O secretário do Conclave se afastou. “Nunca esquecerei” comenta ele “a impressão que me produziu este encontro, à vista de uma angústia tão intensa. Era a primeira vez que me punha em contato com Sua Eminência, e pressentia ter me achado em presença de um santo”.

Poucas horas depois, o Cardeal Sarto, premido pelas reiteradas e insistentes  solicitações de vários membros do Sacro Colégio, decidiu desistir de sua oposição. Na manhã seguinte, era eleito por uma grande maioria, e aceitava a missão de suceder a São Pedro, sob o nome de Pio X.

“O Anjo guardião do Paraíso”

Homem de origem assaz modesta, o Cardeal Sarto (em italiano, sarto quer dizer alfaiate) nasceu na pequena aldeia de Riese, na qual até hoje se conservam a casa em que ele veio ao mundo e todas as lembranças de sua história desde menino. Riese tornou-se um lugar de peregrinação. Adolescente, Giuseppe Sarto deixou o lar paterno para ingressar no seminário da diocese de Treviso. Depois de completar seus estudos em Pádua, foi ordenado sacerdote, e, três décadas mais tarde, sagrado Bispo de Mântua. Em 1893 tornou-se Cardeal e Patriarca de Veneza, de onde partiu para ser eleito Papa.

Apesar de sua ascendência humilde, São Pio X possuía tanta dignidade moral, e uma tal estampa pessoal que um jornalista francês, depois de entrevistá-lo, fez o seguinte comentário: “Quem se encontra e conversa com o Papa, conhece um homem tão forte e tão puro, que tem a impressão de estar diante do Anjo que a Escritura descreve como guardando a entrada do Paraíso Terrestre, com uma espada de fogo à mão”.

De fato, diversos traços da vida de São Pio X revelam que ele foi realmente uma figura angélica, um modelo super-acabado de pureza e de fortaleza. Homem de alta estatura, muito robusto, como são em geral os italianos da região do Veneto, era dotado de vigorosa personalidade, e sobretudo, formado numa integridade e firmeza de princípios, bem como numa completa renúncia de si mesmo, que caracteriza o verdadeiro Santo da Igreja Católica.

Por isso, assim que o mundo conheceu o nome do novo sucessor do Príncipe dos Apóstolos, uma intensa manifestação de júbilo e de louvores a Deus perpassou a Cristandade. Estavam os fiéis convictos de que Nosso Senhor lhes havia dado um Pastor sábio e virtuoso, atilado e prudente, em cujo coração pulsava zelo e amor ardentes pela Esposa Mística de Cristo, que a Providência acabava de confiar a suas firmes mãos de Soberano Pontífice. E ele de tal maneira a dirigiu com maestria e paternalidade, que a Igreja passou a viver um período de esplêndido florescimento, de brilho extraordinário, de profunda unidade e coesão na sua estrutura sagrada.

O papa das primeiras comunhões

Entre os inestimáveis benefícios que a Religião Católica lucrou no governo de São Pio X, destaca-se o de ele ter estabelecido a Primeira Comunhão para as crianças. Até então, a tendência corrente era de que uma pessoa só a fizesse quando inteiramente adulta, não sendo raro o caso de homens e mulheres que comungavam pela primeira vez nas vésperas de seu casamento.

Essa atitude era determinada pela compreensível ideia de que a Comunhão é algo por demais sagrado para que as crianças se aproximem dela, pois não teriam critério para comungar com o respeito e a devoção necessárias.

São Pio X, entretanto, entendia de modo diferente, e colocou a questão em outros termos. Dizia ele: “Não se trata de saber o que a criança é capaz de pensar, e sim que grau de inocência ela tem. Porque se fôssemos raciocinar em função de sua capacidade intelectual, então não deveríamos batizá-la nos primeiros dias após seu nascimento”.

Um juízo muito acertado, cujo desenvolvimento é este: no momento do Batismo, embora o recém-nascido ainda não pense, a recepção do Sacramento significa para ele uma comunicação de graças extraordinárias, que agirão sobre sua alma até o dia em que comece a fazer uso da razão. E mesmo nesse início da vida de pensamento aquelas graças do Batismo lhe serão de extrema valia, guiando seus primeiros passos e o fortalecendo na Fé.

É este um dos principais motivos pelos quais a Igreja inteira batiza as crianças logo depois do nascimento.

E análogo princípio aplicou São Pio X, ao instituir a Primeira Comunhão para as crianças. Quer dizer, tomando em consideração que estas, via de regra, ainda conservam sua inocência, ser-lhes-á ocasião de graças superabundantes receberem a Sagrada Eucaristia. Para tanto, basta compreenderem a mudança de substância operada na hóstia no momento em que é consagrada, passando a ser, verdadeiramente, Nosso Senhor Jesus Cristo, em seu corpo e sangue, alma e divindade.

Observadas essas condições, São Pio X determinou que a festa da Primeira Comunhão para as crianças fosse cercada de grande solenidade. E datam daí os ornamentos de que se revestem as igrejas e capelas nos dias de Primeira Comunhão, e os trajes cerimoniosos com que meninos e meninas se apresentam para receber a Jesus Sacramentado, símbolos da alma inteiramente inocente e virginal que vai de encontro ao seu Salvador.

Atmosfera santificante cobrindo a Igreja

Outro  precioso fruto do governo de São Pio X foi o espraiar-se de uma atmosfera sacrossanta por todos os ambientes católicos que dele recebiam a influência, produzindo um efeito vantajoso, santificante e magnífico. De tal maneira que, anos depois de sua morte, ainda persistiam o perfume e os ecos de seu pontificado. Tal se verificou sobretudo nos países distantes da Europa, aos quais naqueles tempos tardavam em chegar as transformações ocorridas no Velho Continente.

Por exemplo, no Brasil. Eu nasci em 1908, quando há cinco anos já se encontrava São Pio X à frente  da Igreja. E fiz a minha formação religiosa envolto naquela atmosfera sacrossanta, a qual conduzia os fiéis a um respeito, uma confiança e uma admiração indizíveis por toda a sagrada hierarquia eclesiástica. E não apenas pelo que essa hierarquia tem de fundamental e organizado por ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo portanto, algo de suma perfeição como também pelos homens investidos nesses cargos, pois nos pareciam santos como era santa a missão deles, e como era santo o Papa Pio X.

Assim, no meu espírito, como no de incontáveis católicos, os padres, os religiosos, as freiras, os bispos, e daí para cima até o Soberano Pontífice, todos se nos afiguravam de uma venerabilidade sem nome, dignos do nosso maior acatamento e inteira dedicação.

Um remédio corriqueiro… e misterioso

Ao longo de onze anos viveu a Igreja sob essa firme, paternal e abençoada proteção de São Pio X. Em agosto de 1914, após o assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando aliás, amigo do santo Pontífice -, arrebentou a Primeira Guerra Mundial.

O Papa, que antevira o terrível conflito e suas trágicas conseqüências para os povos nele envolvidos, via redobrarem suas responsabilidades de pastor e guia das almas, aumentando-lhe o já pesado fardo que trazia sobre os ombros. Contudo, a despeito das graves e constantes preocupações, da grande amargura que lhe causavam os horrores da Guerra, seu estado físico não inspirava maiores cuidados. Animava-o o mesmo vigor e o zelo de sempre, até a noite de 18 de agosto, quando, depois de encerrados os compromissos do dia, despediu-se de seus assistentes e se recolheu aos aposentos pontifícios. Antes de se deitar, tomou um remédio corriqueiro que os médicos lhe haviam receitado para uma ligeira indisposição catarral. Nada de maior importância, afirmaram eles. Segundo estes, tratava-se de um incômodo trivial, motivado pela temperatura excessivamente alta daquele verão de 1914.

Na manhã seguinte, porém, o Cardeal Merry del Val é chamado às pressas ao Vaticano: o Papa despertara com muita febre, e seu estado de saúde agravara-se de modo alarmante. Assim que o secretário entrou no quarto de São Pio X, este o reconheceu, estreitou-lhe as mãos com força, e apenas lhe pôde dizer: “Eminência… Eminência!”. Passaram-se alguns minutos, e as últimas palavras que o Cardeal ouviu de seus lábios foram um ato de entrega nas mãos da Providência: “Resigno-me totalmente”, disse o santo Vigário de Cristo. Pouco depois ele perdia a capacidade de falar, embora permanecesse consciente e dirigisse àqueles que o circundavam seu olhar sempre vigilante e perscrutador.

Como piorou durante o dia, Papa recebeu o Viático e a Extrema-Unção com as menores formalidades possíveis, pois todos temiam um rápido desenlace. Ali estavam suas fiéis irmãs, chorando em silêncio, o secretário de todas as horas, e alguns de seus mais próximos auxiliares. Subitamente, ouviu-se o timbre do grande sino de São Pedro, que começava a dobrar pro Pontífice agonizante. A este sinal, foi exposto o Santíssimo Sacramento em todas as basílicas patriarcais de Roma, dando início às rogações especiais. Os graves acentos do bronze subiam aos céus, juntamente com as preces do povo fiel que, na praça do Vaticano, pedia a Deus por seu Pastor moribundo.

Algumas horas depois, na madrugada do dia 20 de agosto, São Pio X suavemente adormeceu no Senhor. Nas páginas de suas famosas Memórias, o Cardeal Merry del Val, deixa transparecer certa estranheza em relação a essa misteriosa morte. “Ninguém”, escreve ele, “pôde explicar ainda a brusca mudança que se produziu na saúde do Papa, durante aquela noite…”

A Igreja chorou a perda de seu “Anjo guardião”, que por ela velara com tanta diligência. Modelo de Pontífice e de varão católico, foi elevado às honras dos altares quarenta anos depois de partir para a eternidade.

São Bernado – Alma de fogo, de sofrimento e de luta

São Bernardo era um monge da Ordem religiosa cisterciense, uma rama dos beneditinos, reformada por ele e destinada a praticar uma austeridade maior do que a imposta pelas regras monásticas  ais duras de seu tempo. Ele tinha a convicção de que, por meio do sofrimento, o homem expia os próprios pecados e os dos outros.

oi uma alma de fogo, que queria de todos os modos evitar o paganismo o qual ia ressuscitando ignobilmente de dentro de sua própria sepultura, para dar no neopaganismo moderno: era a  Revolução nascente.

São Bernardo resolveu ser um homem de sofrimento e de luta, e recolheu-se no claustro, para onde chamou muitas almas generosas.

A Europa encheu-se de conventos cistercienses, cujos monges começaram a praticar uma regra que até hoje é o espanto e a admiração dos homens.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/9/1989)

A primeira homenagem do dia

Ao ser indagado sobre o modo de se fazer a oração da manhã, Dr. Plinio explica como ela deve ser feita de maneira a produzir maiores frutos.

 

Um membro de nosso movimento perguntou-me como fazer a oração da manhã mais conforme a nossa vocação.

Louvo muito a impostação do assunto, pois não se trata de uma boa oração da manhã genérica, mas segundo o nosso chamado. Um religioso jesuíta, por exemplo, deve fazer uma oração da manhã conforme a espiritualidade da Ordem à qual pertence, ou segundo a missão de que Nossa Senhora o incumbiu.

A oração da manhã deve variar segundo a necessidade

Porém, em vez de apresentar uma fórmula, parece-me que seria mais interessante dar alguns princípios relativos à oração da manhã.

É preferível que a fórmula seja mutável, porque a repetição perpétua de um mesmo texto, para um número enorme de almas, traz aridez e cansaço.

Os critérios para mudar são também variáveis, segundo as almas. Gostaria de indicar dois.

Há uma série de aspirações legítimas que nascem em nós, frutos da graça, a qual opera em cada alma de modo diferente; assim, devemos evitar a estandardização. Em certos dias, desde manhã, temos desejo de dizer algumas coisas a Nosso Senhor e a Nossa Senhora; devemos seguir essa aspiração e variar a nossa oração da manhã.

Pelo contrário, se durante anos e anos uma mesma fórmula nos convir, devemos então mantê-la.

Quando começamos a ter dificuldade em prestar atenção numa fórmula que se está usando, muitas vezes é motivo suficiente para mudá-la. Esse “muitas vezes” comporta diversos matizes, portanto, variedades segundo o indivíduo, como é próprio na vida espiritual.

Passarei agora a apresentar alguns pontos que podem servir para a oração da manhã.

Elementos para a oração da manhã: atos de culto e oferecimento

Em primeiro lugar, é bom que nela façamos os quatro atos de culto: adoração, ação de graças, reparação e petição. E depois um oferecimento.

O ato de adoração relacionado com a manhã poderia ser assim: “Logo que me levanto, ó Senhor, tendo em consideração que Vós sois o meu fim último, quero Vos declarar a minha adoração e a minha admiração total, meu amor completo e o meu temor inteiro”.

Vem depois a ação de graças: “Fui preservado durante esta noite; passei uma noite tranquila, sem tentações, sem pecado. (Ou então: “Tive uma noite atribulada com preocupações, fui tentado”.) Do que me aconteceu, tirei uma matéria para Vos agradecer”.

No momento de fazer a reparação, faço-a por todos os pecados que durante a noite se cometeram; pelo modo errado com que muita gente se levanta da cama e sai como um bicho do coxo a correr pelo pasto, e cuidando apenas dos seus interesses pessoais.

Como petição, incluamos as graças espirituais e temporais das quais precisaremos durante o dia.

Não se trata, portanto, de uma fórmula, mas sim de uma oração que deve ser articulada todos os dias.

Depois devemos oferecer o dia a Deus. Ele nos deu a vida, tem direito sobre tudo o que é nosso. Por isso lhe oferecemos tudo quanto vamos fazer naquele dia, segundo determinadas intenções.

Para nós, que somos escravos de Nossa Senhora segundo o método de São Luís Grignion, o mais adequado é oferecer o dia a Maria Santíssima para que Ela faça conosco o que quiser.

É necessário pedir a Nossa Senhora graças próprias à nossa vocação: um espírito voltado para as coisas sobrenaturais; a graça do desapego das coisas opostas à nossa vocação, de maneira que amemos somente a ela e não pensemos em outra coisa.

Além disso, devo pedir a Maria Santíssima a graça de amar nosso movimento e todos os seus membros, porém especialmente aqueles que são modelos para mim. Devo também pedir a virtude da obediência, como também a da castidade ilibada. Que Ela me ajude a multiplicar a eficácia de minhas ações.

Se eu tenho anotados esses pontos, não preciso ler todos eles diariamente, porque isso, para ser feito com todo o cuidado, levaria meia hora ou mais. Meu olhar, caindo sobre um item, posso dizer a Nossa Senhora simplesmente: “Minha Mãe, eu Vos peço tudo o que está aqui, mas especialmente tal coisa”.

Oferecer a Deus os sacrifícios do dia que começa e pedir graças para os que pertencem à nossa instituição

Às vezes, levantamo-nos de manhã e pensamos: “Que coisa horrorosa, hoje tenho tal coisa indesejável!” Está bem: “Sit nomen Domini benedictum” (O nome do senhor seja bendito). É a cruz do dia que vou oferecer a Nossa Senhora. Então me disponho a aceitá-la e caminho de boa vontade para a coisa desagradável. E o bom aproveitamento das coisas desagradáveis já é um fator extraordinário para o progresso na vida espiritual.

Entre muitas outras, estas são as considerações que podem alimentar nossa vida espiritual.

Deveríamos sobretudo oferecer nossa oração da manhã pelas almas pertencentes ao nosso movimento, e pelas que estão perambulando pelo mundo e que um dia serão chamadas a participar dele.

Nossa associação deve ser comparada a um conjunto de pessoas que está subindo em uma montanha escorregadia, em que cada passo oferece um risco ou apresenta uma dificuldade.

É verdade que se passam longos anos de tranquilidade. Mas durante eles é preciso estar com o olhar vigilante, porque do contrário a tranquilidade cessa. A paz virtuosa, em geral, decorre de uma prolongada vigilância. Devemos pensar nessa espécie de “drama da ascensão” e, assim, irmos subindo juntos.

Considerando todos os riscos, glórias e belezas que essa ascensão traz consigo, devemos pedir a Nossa Senhora que auxilie nossa alma e as dos outros membros de nosso movimento, como também dos que a ele devem pertencer — há cinco, seis ou sete anos, muitos dos que estão aqui neste auditório estavam perambulando por aí, sujeitos a quantos riscos, incertezas e dificuldades!

Precisamos rezar por essas almas, para que esse longo itinerário se realize e nenhuma desapareça no caminho: essa é uma das intenções que me parecem mais meritórias e aconselháveis para a oração da manhã.

Tais intenções podem ser relembradas na hora da comunhão, do rosário, nas visitas à capela, enfim, nos acompanhar o dia inteiro, mas enunciadas já pela manhã têm o mérito de projetar uma luz sobre toda a jornada. Há uma beleza especial e intrínseca nessa primeira homenagem da alma que acorda e se volta para Deus. Isto está na natureza das coisas.

Isto se dá até com os seres inanimados. Por exemplo, o primeiro raio da aurora: os primeiros acontecimentos se revestem de uma espécie de graça natural, que é uma imagem deste primeiro movimento da alma, a qual, voltando-se a Nossa Senhora, dá-Lhe uma glória especial. Por isso é bonito, logo ao acordarmos, dizermos ou pensarmos nisso.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/8/1965)

 

São Bernardo – Venerado sobre os ombros do Imperador

São Bernardo é um dos sóis da Igreja Católica e da devoção mariana. É o “Doctor Mellifluus” – Doutor Melífluo – que como ninguém elogiou a bondade e a misericórdia de Nossa Senhora. Ele é, por excelência, o homem da penitência e da mortificação, como também da polêmica com os adversários da Igreja do seu tempo.

Este Santo Abade de Claraval era, ao mesmo tempo, um homem dulcíssimo e uma tocha ardente. Ninguém sabia falar da Santíssima Virgem com tanta unção quanto ele. De outro lado, era um polemista tremendo que alcançou sucessos extraordinários.

Certa vez, estando na Alemanha, São Bernardo entrou numa cidade onde se encontrava também o Imperador do Sacro Império Romano Alemão, o mais alto dignatário temporal da Cristandade. A fama de santidade do Abade cisterciense era tal que todo o povo foi correndo de encontro a ele. E São Bernardo teria sido esmagado pela multidão se o próprio Imperador não o tivesse tomado nos braços e feito montar sobre seus ombros. Desta maneira, foi ele um Santo que se apresentou à veneração pública montado num imperador! Glória extraordinária para uma época que possuía, muito mais do que outras, o sentido do valor simbólico dessas coisas.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/4/1971)

Rainha dos Profetas

“De Maria nunquam satis”. Esta frase, que ressoou nos lábios e nos corações de tantos santos ao longo da História, aponta para o oceano insondável de perfeições da Mãe de Deus, em cujos maravilhosos mistérios a Teologia sempre se aprofundará, sem jamais esgotá-los.

De fato, luminosas nuvens de mistério envolvem os diversos episódios da existência da Santíssima Virgem, como a sua Assunção e consequente Coroação como Rainha do Céu e da Terra.

Que relação se poderia estabelecer entre esses augustos acontecimentos, a ordem do universo e a História?

Considerando que Maria Santíssima é a mais excelsa das meras criaturas — pois Jesus é Homem-Deus —, todas as operações humanas tomam n’Ela um caráter especial, paradigmático e sublime.

O nascimento d’Ela, como causa do nascimento do Menino Jesus, foi o nascer dos nasceres. Em seu claustro virginal, o Verbo Se fez carne e habitou entre nós; pelo que, o conceber d’Ela foi o gerar dos gerares. Por vontade de Deus, Ela teve a mais suave das mortes, intitulada de “Dormição” pela Teologia. Sua ressurreição foi esplendorosa, mas não à maneira de um estampido, porque não era removida nenhuma pesada laje, mas apenas dissipava-se um leve sono pelo qual Ela havia passado. E, por fim, entre as meras criaturas, quem conheceu e amou a Deus como Ela?

Na vida espiritual, por sua vez, cada progresso de Nossa Senhora, de algum modo, era um nascimento, um crescimento, um apogeu que dava origem a outro nascimento, a outro crescimento, a outro apogeu, excetuada, é claro, a morte no sentido da perda da vida da graça.

A ação de Maria na História se desenvolve de modo a todas essas operações se centralizarem em Nosso Senhor e atingirem seu ápice no Céu, após a Assunção, ao ser coroada pela Santíssima Trindade como a Rainha do Universo.

Nesta vocação de conduzir tudo ao Pai Eterno, a Nosso Senhor Jesus Cristo e ao Divino Espírito Santo, encontra-se o dom profético de guiar, animar e fazer com que se realizem os planos divinos. Isso faz de Maria a Profetiza de toda a Criação.

Assim, a invocação “Rainha dos Profetas” reveste-se de um significado especial, porque é a Rainha de todos os acontecimentos da História. Daí vem a particular nobreza deste título, pois se trata da realeza das realezas, enquanto dando impulso a todo o acontecer histórico.

Maria é a Rainha de todos os nasceres, de todos os felizes e ascensionais desenvolvimentos, cheia de desvelo nos delicados períodos de crepúsculo, e repleta da glória de tudo quanto ressurge de dentro do anoitecer.

Por isso, se algo vai nascendo e desejamos para isso uma particular intensidade de viço, se alguma coisa vai indo bem e queremos que chegue ao seu progresso total, sem os mil desfalecimentos do caminho, devemos recorrer a Ela enquanto Rainha dos acontecimentos. E se algo tem que passar por eclipses, quando tudo parecer perdido, a Estrela d’Alva, ainda é Ela, que pode atrair a manhã e fazer tudo recomeçar.

Poder-se-ia perguntar, então, se o título de “Rainha dos Profetas” ou “Rainha da História” não A move especialmente.

Esta temática abre campo para outras belas indagações dentro da Mariologia:

Se todo caminho histórico tem magníficos nasceres, esplêndidos desenvolvimentos, terríveis eclipses e amanheceres ainda mais radiosos, não haveria uma forma de vida espiritual, de ritmo da própria vida sobrenatural em que a graça, como na natureza, ora instaura, ora confirma, ora prova, ora ressuscita e coroa? E que relação teria isso com o Segredo de Maria e com o Imaculado Coração d’Ela, fonte e impulso de todos os acontecimentos?

Eis cogitações próprias de uma devoção mariana considerada pelo prisma da Revolução e da Contra-Revolução.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Oração: Confiança cega em Nossa Senhora

Santa Senhora do Amparo! Ponde na minha alma, totalmente carecedora de méritos e de forças, uma graça pela qual este vosso escravo confie em Vós cegamente durante a vida inteira. Que faça desta confiança cega o caminho pelo qual realize a minha vocação e chegue até Vós no Reino de Maria e no Reino dos Céus.

Bem sabeis como, incontáveis vezes, ser-vos-ei tão infiel que desmerecerei completamente o favor de ter sido chamado por Vós. Ponde, porém, em minha alma a convicção de que, de antemão, já perdoastes tudo, até o inimaginável, certo de que, depois de cada miséria, Vós abrireis para este filho as portas de uma misericórdia nova, mais rica e mais insondável do que a anterior.

Dai-me a graça de fazer um ato de confiança sempre que veja uma infidelidade em mim ou nos outros. De maneira que a vida deste filho e escravo vosso seja um longo e ininterrupto ato de confiança em Vós. Amém.