A Cruz, glorioso símbolo da vitória

As  festas litúrgicas, sabiamente instituídas pela Santa Igreja, nunca carecem de profundo significado e inestimável riqueza. Dessa forma, a doutrina católica explica que mais valem as cerimônias do que até mesmo os documentos pontifícios, alegando serem elas mais marcantes e benéficas às almas que nelas tomam parte.

Entre tais cerimônias, distingue-se a da Exaltação da Santa Cruz. A cruz, na qual morriam os condenados por graves delitos, era por esse motivo símbolo de ignomínia e repulsa por parte dos antigos, como bem expressou São Paulo em sua carta aos Coríntios: “escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (Cf. Cor. 1,23). Foi esse o instrumento pelo qual o Redentor abriu ao gênero humano as portas do Céu, transformando-a em sinal de nossa Fé.

Vejamos o significado e a riqueza dessa festa, como explica Dr. Plinio a seguir:

“Hoje, 14 de setembro, comemora-se uma das mais bonitas festas como título e significado: a Exaltação da Santíssima Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Exaltar quer dizer tornar alto. E neste dia a Igreja proclama e lembra ao mundo que Ela levanta acima de todas as coisas, pondo na maior de todas as alturas possíveis, a Cruz de Nosso Senhor.

“A Cruz é o símbolo da Paixão de Cristo, de todo sofrimento que o católico carrega nesta vida, com o qual ele abre para si, em união com o Redentor, as portas dos Céus.

“Colocar a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo no ponto mais alto foi uma constante preocupação da Civilização Cristã. Antigamente, os edifícios mais elevados de uma cidade eram as igrejas, em cujas torres colocava-se a cruz; o mesmo se fazia no alto das coroas dos reis. Quando se queria elaborar um documento muito importante, em seu início se inscrevia a cruz. Enfim, em tudo aquilo que o homem concebia de mais elevado, estava a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, a qual trazia consigo a ideia de que a missão d’Ele, não se esgotando na Cruz, tinha, entretanto, nela o seu ponto central; e entre todas as coisas que o Divino Salvador tinha feito, o mais admirável e adorável era ter sofrido e morrido na Cruz.

“A aceitação do sofrimento é uma imolação e representa um ato de fidelidade do homem à sua própria vocação, em função da qual ele enfrenta as lutas, os tormentos e as dificuldades.

“Nosso Senhor Jesus Cristo, para redimir o gênero humano, aceitou a morte. Manteve a luta no Horto das Oliveiras, depois caminhou até o alto do Calvário e foi crucificado, para realizar a sua missão. E a Cruz é a afirmação de que nós, católicos, aceitamos ser humilhados, odiados, combatidos, isolados, escarnecidos, perseguidos de todos os modos, não como um armazém de pancadas, mas caminhando de encontro ao sofrimento como um cruzado.

“A verdadeira alegria da vida não consiste em ter prazeres, mas sim na sensação de limpeza da alma que temos quando olhamos nossa cruz de frente, e dizemos “sim” para ela. Fazemos, assim, como Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual não apenas permitiu que o tormento caísse sobre Ele, mas caminhou em direção ao tormento. O Redentor previu, entregou-se porque quis e, com passo valoroso, levou sua Cruz até o alto do Calvário e ali se deixou crucificar.”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/9/1964)

A exaltação da Santa Cruz

Em todos os episódios da Paixão, nota-se o desejo de humilhar Nosso Senhor. A Cruz, de modo especial, representa as humilhações que Ele sofreu. Ela é a primeira das humilhações que, até o fim do mundo, todos os católicos haverão de sofrer por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Por esta razão, a Cruz foi tomada como sinal de honra de tudo quanto há de mais sagrado e de mais santo, pois a honra não consiste em não sermos humilhados, mas, isto sim, em receber a humilhação com ufania.

Ter presente a contínua exaltação da Cruz é a graça que devemos pedir na festa da Exaltação da Santa Cruz.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Conferência de 14/9/1965)

Perfeição do universo: unidade e variedade

Apresentando diversos e significativos exemplos, Dr. Plinio mostra que há duas formas de beleza: uma proveniente da unidade e outra da variedade. Deus, tendo feito a Criação, quis que alguns seres representassem sua unidade, e outros, pela variedade, exprimissem sua beleza. Por isto, a unidade e a variedade são muito bonitas, sobretudo quando se harmonizam entre si.

 

A hierarquia angélica não é formada apenas de uma série de seres distintos, mas esses seres constituem uma escala de poderes, mantendo uma relação de mando entre si. Portanto, tendo criado tantos seres desiguais, Deus os relacionou entre si em uma escala admiravelmente organizada.

Contudo, surgem as seguintes perguntas: Não seria mais perfeito se Deus criasse um único ser? Uma vez que Ele criou vários, não seria melhor tê-los feito iguais?

Nos seres existentes podem-se considerar duas formas de excelência, de beleza ou de perfeição. Há alguns dotados de um “pulchrum” inerente a eles e que reside propriamente na unidade. Existem outros nos quais a beleza não está na unidade, mas na variedade.

Unidade e simplicidade, uma forma característica e inconfundível de “pulchrum”

Por exemplo, um monólito como aquele obelisco localizado no centro da Praça de São Pedro. Ele possui uma forma elegante, mas sua beleza não está apenas na elegância. Imaginem que aquilo fosse constituído de quatro ou cinco pedras cortadas e colocadas uma sobre a outra de maneira a dar aquela configuração. Não perderia o mérito? A excelência do obelisco está em ser uma só pedra daquele tamanho. Logo, o elemento principal de sua beleza é a unidade.

Em Campos dos Goytacazes fui visitar um velho solar, hoje transformado em asilo. O assoalho da sala de jantar, de grandes dimensões, era constituído de tábuas enormes que percorriam a sala quase de ponta a ponta. Cada tábua media cerca de meio metro de largura por quase dez de comprimento. Sem dúvida, isso conferia uma beleza peculiar àquele chão. Se aquelas tábuas inteiriças fossem substituídas por tacos, a majestade daquela unidade ficaria destruída.

Outro exemplo do “pulchrum” inerente à unidade é o Lago Léman, na Suíça. São águas muito paradas, tranquilas, que nunca sofrem agitação, de um azul delicado e permanente, uma placidez absoluta. Aquela uniformidade e invariável serenidade da superfície constitui a beleza específica daquela paisagem.

Nota-se também esse tipo de beleza em panoramas como o de Copacabana ou da Praia Grande – próxima a Santos –, onde a linha do horizonte apresenta uma unidade muito grande. Não se vê o espigão de uma ilha quebrando aquilo. Em certos pontos nem mesmo se divisa a ponta de uma montanha que avance no mar e rompa o paralelismo daquelas linhas. Aliás, o “pulchrum” do Saara está nisto: um areal que não acaba mais.

Na pérola, a formosura está exatamente em sua uniformidade. Se ela tiver algum caroço ou mancha, não será bonita. Ela deve ser de uma esfericidade e brancura invariáveis e perfeitas em todos os seus pontos.

A unidade tem uma beleza característica que pode até ser superada, mas que qualquer enfeite ou modificação prejudica ou elimina.

Imaginemos que alguém quisesse fazer do já referido obelisco da Praça de São Pedro uma coisa feérica e recamasse todo ele com pedras preciosas. Ficaria coruscante de cores, talvez como uma árvore de Natal sem galhos e com bonitos efeitos de luz; mas a majestade própria ao monumento desapareceria. A seu modo, também no Asilo do Carmo, de Campos, se resolvessem serrar aquelas tábuas e substituí-las por um “parquet” lindo, formando desenhos, quiçá ficasse mais bonito e ornamental; porém, perder-se-ia o belo característico da unicidade.

Não estou comparando estilos de beleza, mas mostrando haver na unidade e simplicidade uma forma característica e inconfundível de “pulchrum”. Assim, encontramos certos seres que precisam de uma apresentação muito cuidadosa e simples.

Suponhamos que um joalheiro tenha um lindo brilhante para expor na vitrine. Como deveria apresentá-lo? Ficaria bem colocá-lo numa caixa de brocado todo trabalhado, ou em meio a uma multidão feérica de joias? Para fazer sobressair a simplicidade do brilhante seria melhor arranjar um bonito veludo de fundo sobre o qual se pusesse uma caixa muito simples, e expô-lo sozinho na vitrine. Esta apresentação realçaria a beleza desse diamante único, toda feita de simplicidade. A unidade acentua muito a grandeza, põe em evidência a homogeneidade da substância, regularidade da forma e formosura do aspecto.

Beleza específica da variedade

Outra forma de beleza é a inerente à variedade. Por exemplo, o chão da capela de Versailles para mim é um dos mais bonitos que existem no mundo. É um mosaico de várias cores e formas que dá uma impressão maravilhosa. Alguém poderia sugerir que aquilo fosse substituído por uma imensa uniformidade de mármore branco. Ali não serviria porque a beleza específica do lugar é a da variedade.

No tocante a paisagens, opondo-se à uniformidade de Copacabana, poder-se-ia citar o Flamengo, com sua variedade de montanhas, ilhas, etc.

Já no mundo das pedras, a ágata é avermelhada, cheia de veios, estrias, e o bonito está na diversidade de cores que se confundem e interpenetram. Muito característica também é a diferença entre a opala e a pérola. Esta é toda branca, enquanto aquela é multicolor. A beleza da opala encontra-se na variedade.

Estamos, assim, colocados diante de duas formas de beleza: uma proveniente da unidade e outra da variedade. Alguém poderia levantar o problema sobre qual delas é a mais excelente, e chegar a uma das seguintes conclusões. Se a beleza derivada da variedade é superior, a arte deve tender a extinguir as manifestações provindas da unidade e estabelecer, por toda parte, a variedade. Mas se é verdade que a unidade é a forma de beleza mais perfeita, então se deve perseguir a variedade e estabelecer a unidade.

Encontramos essa dicotomia na arte contemporânea, com a tendência cada vez mais frequente de impor a unidade como a beleza suprema. Não quero dizer que seja esta a tendência de todos os artistas modernos, porque há também algumas variedades desordenadas em certas manifestações da arte moderna. Mas quero afirmar que muito frequentemente esta posição se demonstra. Podemos dizer, portanto, que certos artistas e certo espírito moderno aceitaram esse problema tomando posição frente a ele e afirmando ser a unidade intrinsecamente superior à variedade.

A Criação precisa ter unidade e variedade

Isso se liga à primeira questão posta inicialmente, pois se a unidade é o supremo bem e na variedade existe algum mal, então Deus deveria ter feito uma só criatura ao invés de várias.

São Tomás de Aquino analisa três argumentos a favor da unidade. Parece que Deus deveria ter feito um só ser na Criação:

1) Todo efeito tem as qualidades inerentes à causa. Ora, Deus é uno; logo, o efeito de Deus, que é a Criação, deveria ser uno também. A Criação ser variada enquanto Deus é uno corresponde a fazer com que a ela não seja um reflexo do Criador. Logo, a variedade de seres é um mal.

2) Deus é uno; ora, se o mundo é a imagem de Deus, o mundo deveria ser uno também; se o mundo não é uno, é diferente de Deus. Tudo que é diferente de Deus é ruim; logo, o mundo é ruim.

3) O fim de todas as coisas que existem é Deus. Ora, Deus é uno; logo, todas as coisas deveriam tender para a unidade; se não tendem, elas são más e, portanto, a diversidade não deveria existir porque afasta de Deus.

A estes argumentos São Tomás responde: Deus, de fato, criou o universo para comunicar às criaturas sua bondade e representar-Se nelas. Mas nenhuma criatura, por mais excelente que seja, pode representar em si todas as bondades de Deus. Portanto, por mais que Ele fizesse perfeita uma criatura, criando mais outra além dessa primeira, haveria a possibilidade de a Criação ser mais perfeita, porque teria uma semelhança ainda maior com o Criador.

Digamos que Deus houvesse criado só Nossa Senhora, que é o mais alto de todos os seres na ordem moral; ou então um único Anjo, o qual na ordem ontológica é a mais elevada criatura. Por mais perfeita que fosse a representação de Deus contida nesse ser, ele seria uma mera criatura; assim, caberia sempre uma representação de Deus em outro ser. Portanto, dois seres representam melhor o Criador do que um; três O representam melhor do que dois; quatro, melhor do que três e mil representam melhor do que novecentos e noventa e nove. A variedade, portanto, tem uma representação de Deus melhor do que a unidade; a variedade é um bem.

É certo, diz ele, que a bondade em Deus é simples e uniforme. Mas acontece que Deus é um Ser supremo, perfeitíssimo, n’Ele a bondade pode ser simples e uniforme. Não é o que acontece nas criaturas, que não têm a mesma perfeição de Deus. Por isto, elas não podem ter uma bondade simples e uniforme. Nelas a bondade tem que ser variada. De maneira que, embora a unidade, em si, seja mais perfeita, para as criaturas ela não é assim. É preciso que elas, de fato, tenham a variedade.

Chegamos, então, à conclusão de que a alternativa unidade-variedade é mal posta. Deve haver seres que por sua esplêndida unidade sejam um reflexo da unidade divina; mas também seres que por sua variedade reflitam melhor a Deus do que pela unidade. E propriamente o que a Criação precisa ter é unidade e variedade.

Cores, música e a fachada de Notre-Dame

Todos os modernos que procuram a unidade em tudo andam mal, como andariam mal os que só buscassem a variedade. É preciso que ambas existam, seres excelentes por sua unidade e por sua variedade. É por esta forma que podemos compreender a perfeição do universo.

Isto se torna mais claro quando tomamos certas formas de arte, por exemplo, a pintura. Ticiano(1) pintava quadros de cores maravilhosas. Eu vejo uma beleza dos quadros de Ticiano, se tomar cada cor e analisar. É claro que cada cor é muito bonita. Mas ao lado da beleza de cada cor eu noto que é mais bonito ter várias cores do que uma só. E há uma terceira forma de beleza que não consiste na variedade das cores, mas no contraste e na harmonia entre elas.

Então, temos três formas de beleza: a de uma cor, a pulcritude especial que vem da existência várias cores, e outra proveniente da combinação das cores entre si. Ora, essas formas de beleza vêm da variedade.

A música, por exemplo. O universo musical tem uma particular beleza que corresponde a cada nota. Contudo, é mais bonito que haja sete notas do que uma só; e é mais belo ainda que se possa fazer uma música e um jogo entre essas sete notas. Temos assim três gamas de beleza, que fazem a pulcritude do universo musical.

Deus, tendo feito a Criação, quis que alguns seres representassem sua unidade, e que a variedade de outros significasse sua beleza. Por isto, a unidade e a variedade são muito bonitas, sobretudo quando se harmonizam entre si. Temos assim seres com grande variedade e, ao mesmo tempo, com grande unidade.

É característica disso, por exemplo, a fachada de Notre-Dame: formigando de pequenos desenhos, mas com uma linda unidade nas linhas essenciais. Prova-se por aí que Deus, para fazer o universo com o grau de perfeição que Ele quis, teria que fazer um universo variegado. Não teria atingido esse grau de perfeição se houvesse feito um só ser.

A questão seguinte seria: tendo Deus estabelecido a variedade, deveria estabelecer, necessariamente, a desigualdade? Mas esta é matéria para uma próxima conferência.         v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 1957)

Revista Dr Plinio 258 (Setembro de 2019)

 

1) Ticiano Vecelli (*1488 – †1576). Pintor renascentista veneziano.

 

Glorifiquemos a Cruz com ufania!

Dr. Plinio nunca deixou de denunciar um catolicismo sentimental que se afasta da Cruz, pretendendo que os cristãos vivam uma vida de langor que não segue as vias do Divino Mestre. A festa da Exaltação da Santa Cruz, comemorada a 14 de setembro, deu-lhe certa feita o ensejo para uma dessas importantes admoestações.

 

A cruz era um instrumento de suplício, usado na antiguidade, que representava uma ignomínia para toda pessoa que fosse crucificada. Era uma vergonha tanto para o sentenciado como para sua família.

Os cidadãos romanos não eram sujeitos à crucifixão, por isso São Paulo, tendo direito às honras de cidadão romano, foi em seu martírio decapitado e não crucificado.

A cruz representou o auge de todas humilhações sofridas por Nosso Senhor

Nosso Senhor recebeu tremendas humilhações durante sua vida terrena. Essas correspondiam a um ódio crescente contra ele, e desfecharam na maior de todas as humilhações possíveis, que foi o  sacrifício da Cruz.

Durante a Paixão, a intenção de humilhar a Nosso Senhor ficou evidente, por exemplo, na coroação de espinhos, na túnica de irrisão com que O cobriram e na cana que lhe puseram na mão à guisa de cetro.

As pessoas que O maltratavam revelavam o desejo de atormentá-Lo na sua Alma Santíssima, e não apenas no seu Corpo Puríssimo.

Sendo por fim crucificado, Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu uma humilhação tremenda, pois com esse tipo de morte proclamava-se que Ele era um bandido, um ladrão, do mesmo gênero que os dois outros facínoras com os quais Ele foi crucificado.

E é neste sentido que a cruz não foi uma humilhação a mais, mas foi o auge de todas as outras humilhações que Ele sofreu durante a sua existência terrena. A cruz inaugurou também todas as  humilhações que até o fim do mundo os católicos haveriam de sofrer por causa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não há um só católico bom que não tenha sido humilhado por causa de sua fidelidade a Nosso Senhor. Mas isso é uma honra, é exatamente uma das bem-aventuranças: ser perseguido por amor a Jesus Cristo.

Nós, católicos, sofremos essas humilhações e havemos de sofrê-las até o fim do mundo, porque a impiedade nunca cessará de ultrajar a Deus.

Símbolo de glória, para reivindicar a honra de Jesus Cristo

Mas a honra de Deus, a honra de Nosso Senhor Jesus Cristo foi reivindicada pela Igreja. Os católicos adotaram a Cruz como um símbolo de glória, como o símbolo de quanto há de mais sagrado e  santo, e assim tivemos as três manifestações características dos tempos de Fé: a Cruz colocada no alto das coroas; a Cruz como sinal heráldico dos mais nobres galardões das famílias da alta  aristocracia e a Cruz colocada como insígnia das condecorações.

Foi uma exaltação da Cruz o que se deu, para revidar aquela humilhação, e revidá-la com ufania cavalheiresca, com ufania sobrenatural. A honra consiste em receber a humilhação com ufania O aparecimento da Cruz a Constantino na Ponte Mílvia e a promessa: “Com este sinal vencerás!”, significava isto: a Cruz se levantava no céu e ia definitivamente se incorporar ao horizonte do  undo, humilhando por sua vez os ímpios e os demônios.

E ao mesmo tempo, a Cruz passaria a ser o sinal da honra dos católicos. Nossa honra não consiste em não sermos humilhados, mas consiste em receber a humilhação com ufania, gabando-se da humilhação e, mais ainda, com espírito de desafio. Em face daqueles que nos humilham, nós revidamos como cavalheiros e proclamamos com ufania ainda maior a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A exaltação é a proclamação da glória da Cruz com ufania

Exaltação é propriamente isto: é a proclamação da glória da Cruz, com tal ufania que aniquila as humilhações que o adversário procura mover contra Cristo. Daí vem a palavra exaltar. “Exaltare”, de  ex (em direção a) e “altus” (alto), levar para o alto, ou seja, pôr no alto aquilo que estava humilhado, que estava rebaixado.

A exaltação da cruz é a glorificação da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A causa de Deus precisa ser defendida com espírito de Cavalaria. Portanto, se alguém injuria a Cruz diante de nós, devemos redarguir com energia. Porém, não como quem defende a própria honra, porque honra pessoal é coisa muito insignificante, mas como quem defende a honra de Nosso Senhor Jesus Cristo. O amor pela contínua exaltação da Cruz, com esta espécie de espírito de cavaleiro, que está lutando continuamente pela glória da Cruz, é a graça que devemos pedir na festa da Exaltação da Santa Cruz.

Plinio Corrêa de Oliveira

Ladainha de São José

-Senhor, tende piedade de nós.
-Jesus Cristo, tende piedade de nós.
-Senhor, tende piedade de nós.
-Jesus Cristo, ouvi-nos.
-Jesus Cristo, atendei-nos.
-Deus Pai dos Céus, tende piedade de nós.
-Deus Filho Redentor do mundo, tende piedade de nós.
-Deus Espírito Santo, tende piedade de nós.
-Santíssima Trindade que sois um só Deus, tende piedade de nós.
-Santa Maria, rogai por nós.
-São José, rogai por nós.
-Ilustre filho de David , rogai por nós.
-Luz dos Patriarcas, rogai por nós.
-Esposo da Mãe de Deus, rogai por nós.
-Casto Guarda da Virgem, rogai por nós.
-Sustentador do Filho de Deus, rogai por nós.
-Zeloso defensor de Cristo, rogai por nós.
-Chefe da Sagrada Família, rogai por nós.
-José justíssimo, rogai por nós.
-José castíssimo, rogai por nós.
-José prudentíssimo, rogai por nós.
-José fortíssimo, rogai por nós.
-José obedientíssimo, rogai por nós.
-José fidelíssimo, rogai por nós.
-Espelho de paciência, rogai por nós.
-Amante da pobreza, rogai por nós.
-Modelo dos operários, rogai por nós.
-Honra da vida de família, rogai por nós,
-Guarda das virgens, rogai por nós.
-Sustentáculo das famílias, rogai por nós.
-Alívio dos infelizes, rogai por nós.
-Esperança dos doentes, rogai por nós.
-Padroeiro dos moribundos, rogai por nós.
-Terror dos demônios, rogai por nós
-Protetor da Santa Igreja, rogai por nós

-Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, perdoai-nos Senhor.

-Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, ouvi-nos Senhor.

-Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós.

  1. Ele constitui-o senhor de Sua casa.
    R. E fê-lo príncipe de todos os seus bens.

Oremos: Deus, que por inefável Providência, Vos dignastes escolher a São José por Esposo de vossa Mãe Santíssima; concedei-nos, Vo-lo pedimos, que mereçamos ter por intercessor no Céu aquele que veneramos na Terra como protetor. Vós que viveis e reinais nos séculos dos séculos. Amém

 

A exaltação da Santa Cruz, em nós e fora de nós

Cada um tome sua Cruz e siga-Me”. Nestas palavras de Nosso Se- nhor estava, para Dr. Plinio, a chave da felicidade humana. Só quem amorosamente aceita as cruzes que Deus lhe envia, encontra paz de espírito. Tema apropriado para este mês em que se comemora a exaltação da Cruz por excelência – a de Cristo.

 

A exaltação da Santíssima Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo é uma das mais belas festas da Igreja, como título e como significado.

Consideremos, antes de tudo, o que a palavra “exaltação” traz consigo.

Segundo a linguagem comum, impregnada de pieguice, o indivíduo exaltado é aquele que facilmente se irrita, derramando sua bílis sobre os outros. A verdadeira exaltação, porém, nada tem a ver com o mau gênio. Do latim “exaltere”, significa tornar-se alto, elevar-se, subir.

A exaltação da Santa Cruz de Nosso Senhor é, portanto, a festa pela qual a Igreja recorda e proclama aos olhos do mundo que ela ergue o símbolo da Redenção acima de todas as coisas, colocando-o na sua devida e suprema altura.

O auge das humilhações sofridas por Jesus

Este louvor se reveste de grandeza e de júbilo ainda maiores, quando consideramos que a cruz, originalmente, era um instrumento de suplício usado em toda a antiguidade, que representava a ignomínia e a vergonha para toda pessoa que sofresse a pena da crucifixão.

Por isso, ao ser pregado na cruz, Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu tremenda humilhação. Esta equivalia a dizer que Ele morria como um bandido, um ladrão, equiparado aos dois facínoras com os quais foi crucificado no alto do Gólgota.

Neste sentido, a cruz representa o auge de todos os desprezos e escárnios que Jesus padeceu na sua vida pública, sobretudo nos trágicos dias da Paixão. Essas humilhações correspondiam ao desejo dos algozes de acrescentar aos tormentos físicos um martírio moral, ainda mais doloroso. Então, a coroa de espinhos, a túnica de bobo, a cana à guisa de cetro, as bofetadas, etc., na intenção de atormentar a alma adorável de Nosso Senhor, e não apenas o seu corpo santíssimo.

Mas, sendo verdade que a Cruz de Nosso Senhor foi o ápice de todas as humilhações sofridas por Ele, ela é também o começo de todos os desprezos que até o fim do mundo todos os católicos haveriam de suportar em nome do Filho de Deus. Porque a impiedade não se desarma nunca. Ela visa sempre menosprezar e abater a autêntica moral cristã. Raros, se não inexistentes, são os católicos que não tenham sido humilhados, de uma forma ou de outra, por causa de sua fidelidade a Jesus Cristo. O que constitui, aliás, uma bem-aventurança, pois significa ser perseguido por amor à justiça divina, contra a qual continuamente se erguem os ímpios.

Cumpre, porém, frisar que a Cruz de Cristo, e as cruzes que por Ele carregamos, são igualmente símbolos de nossa honra. Esta consiste em recebermos a humilhação com ufania, gabando-se dela. Mais: com um espírito de desafio. Em face daqueles que nos injuriam, proclamamos com brio e júbilo ainda maiores o supremo símbolo de nossa religião. O que corresponde inteiramente à ideia de exaltação: manifestar a glória da Cruz, com uma altaneria que esmague os ultrajes que os adversários procuram fazer a Cristo.

Vem a propósito recordar que essa ufania já fora ratificada nos primeiros séculos do Cristianismo quando, às vésperas da batalha de Ponte Mílvia, o Imperador Constantino teve uma visão da Cruz, circundada pelas palavras: “In hoc signo vinces — com este sinal vencerás!” Era um anúncio de que a Cruz se levantava no céu e iria ficar definitivamente no horizonte do mundo, humilhando por sua vez os maus.

Essa galhardia é o que falta ao católico piegas. Este, diante de qualquer humilhação, mostra uma cara preguiçosa, baba e foge. Enche de vergonha a causa que deveria proteger. Nossa religião precisa ser defendida com espírito de luta e, portanto, se alguém injuria a Cruz em nossa presença, devemos redarguir com destemor e bravura. Não como quem resguarda a própria honra, mas como quem responde pela honra infinitamente mais preciosa de Nosso Senhor Jesus Cristo e, em união com a d’Ele, a da Santíssima Virgem.

No alto das torres e das coroas

Paralelamente, essa honra do Homem-Deus é também reivindicada pela Igreja. E, por causa disto, os católicos tomaram a Cruz como sinal de distinção, como símbolo de tudo quanto há de mais sagrado e santo. E o colocá-la no alto de todas as coisas foi uma preocupação constante da Civilização Cristã. Vieram então as manifestações características dos tempos de Fé: a Cruz encimando as elevadas torres das igrejas e catedrais; a Cruz no topo das coroas de reis e imperadores, ou adornando os mais nobres galardões das famílias da primeira aristocracia, ou servindo de insígnia nas condecorações. E quando se queria significar a magna importância de um documento, iniciava-o com uma cruz. Enfim, em tudo quanto o homem concebia de supremo, estava a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, trazendo consigo a ideia de que, entre todas as maravilhas por Ele operadas neste mundo, o mais admirável e o mais adorável era o ter sofrido e morrido naquele instrumento de vergonha. Trazendo consigo, ainda, o revide a essa humilhação, um revide cavalheiresco e sobrenatural a exaltação da Santa Cruz!

A Cruz glorificada em nosso interior

Outro ensinamento há, porém, que encontramos na Cruz.

Nosso Senhor Jesus Cristo é o Redentor do gênero humano. Ele tinha de redimi-lo aceitando a morte. Por isto suportou a agonia no Horto das Oliveiras e os flagelos da Paixão, caminhou até o alto do Calvário e se deixou crucificar, a fim de cumprir a missão que O trouxe ao mundo.

A partir desse momento, a Cruz tornou-se a afirmação dos sofrimentos, dos tormentos e das dificuldades que o homem aceita para realizar os desígnios de Deus sobre ele na terra. Então enfrenta tudo, a exemplo de Nosso Senhor, para seguir a superior vontade divina. Tal é a lição que nos dá a Cruz: abraçar a dor, o sacrifício, o holocausto, num ato de fidelidade do homem à sua própria vocação.

Fidelidade esta que implica não só na luta de uma vida inteira para que a religião católica vença e a Cruz de Nosso Senhor seja elevada sobre todas as coisas, como também na vitória em nossos combates interiores. Com efeito, continuamente travamos uma batalha dentro de nossas almas, na qual se opõem virtudes e pecados. Este antagonismo redunda num atrito e numa fricção interna que, em determinados momentos, chega a ser pungente. Pois bem, esta luta, é preciso que a olhemos de frente, e que tenhamos sempre a iniciativa audaciosa de derrotar o pecado. Esta batalha é, de certo modo, a glorificação da Cruz de Nosso Senhor dentro de nós.

A verdadeira alegria está na Cruz

Essa consideração encerra um importante corolário.

Desde os primórdios do cristianismo, os homens se batizaram à sombra da Cruz, casaram-se sob a proteção dela, a colocaram no melhor lugar de seus lares, e, chegados ao derradeiro instante de suas vidas, morreram olhando para ela. Quer dizer, a Cruz tem marcado toda a existência do católico. É mais uma expressão da ideia

fundamental de que o cotidiano terreno foi feito para o sofrimento e para o heroísmo. E quem fala em heroísmo, fala em cruz.

A verdadeira alegria da vida não consiste em desfrutar prazeres grandes ou pequenos, em ter fartura no comer e no beber, nem qualquer outra espécie de conforto. A autêntica satisfação da vida é aquela sensação de limpeza de alma que se possui quando fitamos de frente a nossa cruz e dizemos “sim” a ela. Desse modo, agimos como Nosso Senhor Jesus Cristo que, sem esperar a chegada do sofrimento, previu-o e se dirigiu ao lugar onde haveria de encontrá-lo. Ele se entregou porque quis, e, com passo valoroso, carregou sua Cruz até o cimo da montanha onde seria imolado. Portanto, evitemos a ilusão das alegrias efêmeras, e muitas vezes falsas, que nos prometem as diversões mundanas, as vaidades e os êxitos temporais, porque não constituem a verdadeira essência de nossa existência. “Mititia est vita hominis super terram” a vida do homem é um constante combate, dizia o santo Jó . Como afirmamos, a essência da vida é uma luta dentro e fora de si, aceitando o sofrimento de frente e fazendo dele a sua alegria. Isto é verdadeiramente a exaltação da Cruz em nós.

E não há católico sincero que não seja um ardoroso amigo da Cruz. Que, confiante na misericordiosa assistência de Maria Santíssima, não compreenda e não fique feliz em saber que as dificuldades e penas ocupam parte saliente no seu peregrinar por esta terra de exílio. É conhecendo e aceitando essa condição de batalhador contra seus próprios defeitos, assim como contra a impiedade -, é unindo-se aos méritos infinitamente preciosos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, que ele abrirá para si as portas da eterna bem-aventurança.

Imitemos Aquela que mais amou a Cruz

Tudo o que acabamos de considerar constitui o espírito de cruz, pelo qual se concebe crucificadamente todas as coisas, pelo qual batalhamos e vencemos, pois os grandes guerreiros da vida foram os que se revestiram desse espírito, desse amor à Cruz, dessa naturalidade no sofrimento, que caracteriza o genuíno filho da Santa Igreja e seguidor de Cristo.

Para adquirirmos esse espírito, nada melhor poderíamos fazer do que suplicá-lo a Nossa Senhora, pedir-Lhe que nos conceda o amor que Ela mesma teve à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Podemos imaginar, sem ferir os ensinamentos da ortodoxia católica, que passados os tormentosos dias da Paixão, vividas as alegrias da Ressurreição e após a gloriosa partida de Jesus deste mundo duas grandes felicidades restaram a Nossa Senhora na terra: uma, a da presença de seu Divino Filho na Eucaristia; outra, a meditação da Cruz. Que pensamentos, que cogitações e preces fazia a Co-Redentora nas suas horas de solidão e recolhimento, recordando o patíbulo em que se imolou o Cordeiro de Deus?! Quanto Ela reverenciou aquela cruz! Quanto Ela a honrou! E que meditações sublimíssimas Ela fez aos pés do Madeiro, no próprio instante em que nele morria o Salvador! E a que alto grau, inimaginável, elevou-se n’Ela o espírito de sofrimento o espírito de cruz -, tornando-se para nós um luminoso exemplo de alma crucificada! Então, devemos pedir a Maria, em nome dessas meditações solitárias d’Ela diante da Cruz, nas quais talvez Ela tenha tido em vista a cada um de nós, esse mesmo espírito de cruz. Que nos incuta esse respeito, essa admiração e esse entusiasmo pelo verdadeiro sofrimento e, mais ainda, esse desejo heroico de sofrer, que é o característico do verdadeiro católico. Numa palavra, roguemos a Ela a graça dessa contínua exaltação da Santa Cruz em nós, para a exaltarmos continuamente fora de nós.

Errata: Por um problema técnico, no artigo de agosto desta seção faltaram as duas últimas linhas: “… segundo a promessa que fiz em Fátima o Meu Coração Imaculado triunfou!”

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Uma síntese do imenso e variegado Brasil

Discernindo a harmonia e a afabilidade nos contrastes geográficos mais surpreendentes, Dr. Plinio apresenta duas fisionomias do Brasil, pouco ressaltadas nos discursos patrióticos, e que nos apresentam uma síntese a respeito deste imenso país, tão rico em variedades.

 

Há um contraste entre a fisionomia espiritual, psicológica, do Brasil marítimo e do Brasil do interior. Quando se presta atenção, nota-se que isto forma dois Brasis diferentes.

A peleja harmoniosa entre as ondas do mar e os rochedos

Um Brasil claro, luminoso, diáfano, branco, cristalino, refulgente com todas as luzes do mar, cujas ondas investem continuamente contra os grandes rochedos. Mas, quando bate no rochedo, a onda se espatifa e dir-se-ia que sorri antes de cair; e o rochedo, ao receber o golpe da onda, parece condescendente com ele.

É uma peleja, mas que peleja! E quanta harmonia nessa peleja! A muralha de pedra resiste, mas quando a onda se esvai, dir-se-ia que aquela tem saudades da maré montante. A muralha fica esperando outra maré e outros impactos.

É algo que precisa ser visto! Essas águas que se movem, mas não chacoalham; essa espécie de doçura dentro da natural e digna ferocidade do mar, de força dentro da doçura do ambiente; a vegetação discreta de fundo de quadro, que timbra em não ser muito grande e não chamar muita atenção — apenas uma moldura verde em torno do panorama para completar o quadro —, e deixando ao mar as honras da sala.

Tudo está feito de modo especial, ao longo de todos os litorais brasileiros que tenho visto. Lembro-me, no Rio, da mata da Tijuca, por exemplo. Que mata linda, encantadora, suave! Que mata que sorri! Acho que é o único matagal sorridente existente no mundo. Na cascata da Tijuca, a água vem deslizando ao longo da pedra… Dir-se-ia os babados de uma cortina! Dali pode-se ver, a certa distância, o mar e a mata, amiga do mar, constituindo com este um só panorama. Pensamos um pouco e dizemos: Brasil!

Serranias majestosas, imponentes, mas afáveis

Como isto é diferente do interior do Brasil! Vastidões enormes, do tempo em que elas me entraram na retina, quando eram ainda desocupadas. Às vezes, planícies e mais planícies a perder de vista, com uma vegetação bastante grande para atestar a fecundidade da terra, mas não tão grande que tolhesse a expansão da vista. Não há um lugar onde não haja o verde em qualquer canto. Tudo dá; tudo corresponde à descrição de Pero Vaz de Caminha: “Senhor, a terra é dadivosa e boa, em se plantando dá”! Porque isso significa futuro indefinido e sem obstáculos. De repente umas montanhas que encrespam, serranias que crescem, se tornam majestosas, imponentes, nem uma vez ameaçadoras, sempre afáveis, amáveis.

Consideremos uma montanha original, a qual todos que estão neste auditório conhecem pelo menos por fotografia, se não viram pessoalmente: o Dedo de Deus, na estrada de Teresópolis, meio irmão do Pão de Açúcar, só que colocado a caminho da região montanhosa. Ele é tudo, mas não arrogante nem ameaçador; não diz a nenhum monte vizinho: “Por que você não chegou até onde estou?” Não empurra o mar com o pé, nem despreza a floresta. Ele se ergue no meio da floresta, como um jato de seriedade e de alegria.  Assim é em geral a serrania brasileira.

Sobrevoei todo o Estado de Minas Gerais, quase de ponta a ponta; Estado de minério e, portanto, muitas vezes com metal no subsolo — a terra é pouco fértil. E acompanhei aquelas ondulações a perder de vista, que caracterizam certa zona do Estado de Minas Gerais. Era dia claro, o sol incidia no solo e eu, num avião particular que me levava, olhava para aquilo com atenção e pensava: “Mas que panoramas! Que cenas bíblicas poder-se-iam ter dado nessas serranias! Que revelações, que acontecimentos, que milagres! Para que foi feito tudo isto?”

Os homens veem o tesouro que isso contém por debaixo, e contam com isto. Está bem, porque lhes foi guardado aí por Deus. Por que eles não veem o tesouro ainda maior, o valor simbólico, a expressão de alma de tudo isto? A única ideia deles é rasgar o solo para tirar o metal que contém. Está bem, digo mais uma vez, mas não está bem que seja só isso. É possível que algum comentador mineiro tenha cantado isto, tenha feito poesias. Não chegou ao meu conhecimento! Portanto, posso dizer, sem presunção, que não é conhecido pela média dos brasileiros. É um valor que deveria estar ao alcance de todos os brasileiros.

A treva verde

Vi alguns matagais. Como são belos! Mas dir-se-ia que a vegetação é tão exuberante que ela procura fugir de dentro da terra; que as árvores estão sem ar e sem espaço para se desenvolver; que elas lutam umas com as outras; que a luz não consegue entrar e há uma treva verde ali, a qual lateja no meio de miasmas, pantanais, madeiras podres, de cobras que silvam, de bichos esquisitos que correm de um lado para outro. De vez em quando, pássaros voam daqui para lá, se fazem ver num raio de sol e de repente fogem para outro rumo.

A pessoa observa aquilo e diz: “Como é verdade que às vezes o deslumbrante, o feérico acompanha o horror!” É uma dura regra da ordem concreta dos fatos. Ali há uma coisa que pulsa, se esconde, ameaça ciladas, e dentro desse bojo parecem saltar agressões; é inimigo da luz e favorável às trevas.

Aquele acúmulo de restos animais e vegetais de séculos e séculos… Se não aconteceu que uma tribo de velozes índios passou de um lado para outro, numa espécie de terrorismo mútuo, tribo contra tribo numa guerra sem fim…; o que foi a desdita daqueles homens, engaiolados dentro dessa treva verde? O que fez com que isso tenha pulsado assim durante tanto tempo e, sob o olhar de Deus, parecia não se mover?

O bandeirante, o missionário, o agricultor

Em certo sentido, o melhor da História da Nação se passou na mata, com o bandeirante, o missionário, o agricultor que se fixa e vai avançando selva adentro, domesticando a natureza, pondo ordem nas coisas, dando fertilidade ao solo. As missões e as bandeiras conquistaram, sem guerra, um território maior do que Napoleão dominou com guerras. Basta pegar um mapa e ver o que Napoleão conquistou, e depois observar o que obtiveram os homens aqui, andando dentro do horror verde, com uma força de impacto não inferior à dos navegadores portugueses.

Quando se pensa no que restou da conquista dos grandes navegadores — tais como Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque — e no que sobrou da conquista dos desbravadores, que diferença!

Não se trata apenas de perguntar quem conquistou tanto, mas quem fez uma conquista tão durável. Qual foi o inimigo desses desbravadores? Conforme acabo de descrever, foi o escuro, a podridão, a agressão, o disfarce, a vegetação tão espessa que — exagerando um tanto — era uma montanha vegetal para ir abatendo, a fim de prosseguir. Quantas e quantas vezes a picada tomava as características de um túnel dentro da vegetação! Era preciso perfurar esse túnel, no tempo em que o mundo quase não conhecia túneis, e ali foi traçada esta enorme fronteira, que todos conhecem. Isto foi uma grande conquista, com a qual se fez uma História que deve prosseguir.

Temos aí dois aspectos do Brasil, que não vejo serem realçados em geral nos discursos patrióticos, com esses matizes e essas circunstâncias. Mas que a mim me satisfazem, não por ser a minha pátria, mas porque é uma tradução, uma expressão fiel da realidade; e toda expressão da realidade encanta quem é filho da luz, de maneira que isso me encanta.

Vejam a diferença entre essas duas fisionomias! A praia fácil, na qual se poderia fazer uma estrada… E se tomarmos a força da serrania e a coordenarmos com a suavidade das praias, o glorioso da luta contra a vegetação e a pujança da natureza, temos uma síntese que nos pode dar uma ideia daquilo que é o Brasil.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/5/1981)

 

Trono da misericórdia

Na imagem de Nossa Senhora de las Lajas, a Santíssima Virgem está com um olhar sério e investigador de quem quer ser obedecida. Ela tem fisionomia de Mãe, mas não está sorrindo; e embora não esteja olhando com expressão de ameaça ou repreensão, seu semblante é de alguém que, se houver algo errado, passa um pito ou faz uma ameaça.

O Menino Jesus está muito amavelmente voltado para quem reza. Em lugar do quadro clássico do Divino Infante sério e Nossa Senhora sorrindo para o pecador, indicando que Ela obtém d’Ele a misericórdia e o beneplácito, temos o contrário: Ele se volta sorridente para o pecador, Ela está séria. Quase se diria que Ele está distribuindo favores sem que Ela tenha entrado muito no assunto.

Parece até inverter o papel da Medianeira.

Na realidade, o pensamento é muito profundo: Ele Se manifesta tão misericordioso, com essa alegria de dar, porque está sentado no trono da misericórdia.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/10/1974)

Zelo pela glória de Maria

O nome é o símbolo de uma realidade psicológica, moral, espiritual, contida na pessoa e, por causa disso, o nome de Nossa Senhora, como o santíssimo Nome de Jesus, deve ser considerado como a afirmação da glória e dos predicados interiores d’Ela.

 

A  Festa do Santíssimo Nome de Maria é uma especial manifestação de glória de Nossa Senhora. Não se trata apenas do nome de Maria, mas de algo que está por detrás do nome. Os antigos consideravam o nome como uma espécie de símbolo da pessoa, e durante bastante tempo se difundiu muito o uso das iniciais, que são uma espécie de símbolo do nome.

Simbolismo do nome

O nome é o símbolo de uma realidade psicológica, moral, espiritual, mais profunda contida na pessoa e, por causa disso, o nome de Nossa Senhora, como o santíssimo Nome de Jesus, deve ser considerado simbólico da virtude excelsa, da missão, enfim, de tudo aquilo que a Santíssima Virgem é verdadeiramente. O nome de Maria é a afirmação da glória e dos predicados interiores d’Ela.

Comemorando esse nome, festejamos a glória que Nossa Senhora teve, tem e terá no universo, e a glória que Ela possui no Céu. Quanto a esta glória não é preciso dizer nada; já está tudo dito: Ela é a Rainha de todos os Anjos e Santos, colocada incomensuravelmente acima de todas as criaturas, de maneira que, na ordem criada, Ela é o cone para o qual tudo converge, sendo nossa medianeira junto a Deus Nosso Senhor.

A glória que Ela com isso tem é simplesmente inexprimível; é uma decorrência de sua condição de Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Entretanto, na Terra também Nossa Senhora deve ser glorificada. O normal seria que a Virgem Maria fosse venerada na Terra e seu nome santíssimo glorificado de modo inexprimível.

Indignação por ver a Rainha não ser reconhecida no papel que Lhe compete

Imaginemos um mundo imbuído do espírito de São Luís Grignion de Montfort, uma Cristandade na qual os discípulos desse Santo fossem o sal da terra e dessem realmente o tom da piedade mariana; então compreenderemos como a glória de Nossa Senhora no mundo seria incomparavelmente maior do que é hoje.

Vemos Maria Santíssima tão glorificada pela Santa Igreja, e essa glória nos parece imensa, mas não é nada em comparação com a que Ela deveria ter no mundo, uma glorificação dentro do espírito de São Luís Grignion de Montfort.

Essa glória de Nossa Senhora nós a devemos amar ardentemente, porque é insuportável que Ela não receba toda a glória a que tem direito. É simplesmente a coisa mais odiosa, mais execrável que o vício, o crime, a Revolução, a maldade dos homens, o demônio, enfim, consigam diminuir a glória que a Santíssima Virgem deva receber dos homens.

Em relação à glória de Nossa Senhora nós deveríamos ser zelosos como filhos na casa de sua mãe. Imaginem se um de nós poderia sentir-se bem, quando vê recusarem a ela as atenções que lhe são devidas. Como podemos estar contentes na Terra, sujeita ao reinado de Maria Santíssima, vendo serem recusadas as honras e as atenções a que Ela tem direito?

Isto deve ser para nós uma ocasião contínua de pesar. Muito mais do que pesar, de indignação enorme por ver a Rainha não ser reconhecida por todos no papel que Lhe compete.

Peçamos a Nossa Senhora, tão injuriada pelos homens em nossos dias, que aceite o nosso desagravo por tantas ofensas que Ela está continuamente recebendo! E que Ela disponha nossas almas para uma reparação completa.

Necessidade de uma reparação digna

Nós devemos juntar a isso uma outra consideração. Precisaríamos pensar como a nossa reparação deveria ser, e fazer um exame de consciência perguntando-nos se a nossa reparação estará à altura. E, portanto, se não precisaríamos também oferecer uma reparação pela deficiência de nossa reparação. Porque não podemos, sem maior cerimônia, rogar a Nossa Senhora perdão pelo que fizeram os outros, sem pedir perdão pelo que fazemos nós também. Seria como se nos aproximássemos do trono d’Ela sem culpa, como se fôssemos ilibados e os outros carregados de culpa. Não posso me aproximar do trono d’Ela sem lembrar do que eu faço. E, portanto, pedir a Ela que também aceite uma reparação pela chocha reparação de seus pobres reparadores.

Como seria uma noção plena de tudo quanto Ela é? Não é apenas uma noção teórica, mas prática, viva, concreta, que se deve ter. E, depois, nos perguntarmos se durante todas as horas do dia, em todas as ocasiões – quando estamos trabalhando, vendo uma revista, lendo um livro, ou fazendo qualquer outra coisa –, o zelo pela glória de Deus e de Nossa Senhora verdadeiramente nos devora. Ou se há ocasiões em que somos fracos, chochos, e nossos interesses pessoais, nossas questões de amor-próprio, nossos problemas de mil suscetibilidades e de coisas desse gênero, interferem e empanam o zelo que nós devemos ter pela glória de Maria Santíssima.

Porque se esses problemas interferem e empanam, e se pensamos demais em nós e pouco n’Ela, nossa reparação não será tão plena como deveria ser.

Então, aqui aparece mais uma vez a oportunidade de recorrermos aos nossos Anjos da Guarda e aos nossos Santos protetores, pedindo que eles se unam a nós para dar à nossa reparação um valor que, de si, ela não tem, para que nossa reparação seja adequada, reta e que, de fato, satisfaça a todos nós.

Sugiro, portanto, que rezemos para sermos perfeitos reparadores. Levando essas disposições ao altar de Nossa Senhora, tenho a maior esperança de que isto tenha como consequência que Ela nos dispense abundantes graças, e que o sorriso d’Ela receberá, se não a nossa reparação, pelo menos a nossa humildade, a qual nós podemos e devemos levar aos pés d’Ela.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/9/1964)

Mãe de Deus e nossa

A devoção à Santíssima Virgem foi, durante toda a vida de Dr. Plinio, a estrela que o guiou em meio a inúmeras “procelas”. Acompanhemos alguns comentários que deixam transparecer o que sempre transbordou de seu coração: a confiança em Nossa Senhora.

 

Devemos tomar em consideração que a “batalha” a ser enfrentada por cada homem no decorrer de sua vida, é verdadeiramente uma dura batalha. Mas essa batalha pode ser ganha por uma razão fundamental: é que ninguém luta a sós.

O que significa não lutar a sós?

A necessidade de uma ajuda sobrenatural

Temos em nosso auxílio uma proteção sobrenatural, sobre-humana, que é a proteção de Nossa Senhora.

A Ela foi dado conhecer a alma de cada homem de uma forma que ninguém jamais conheceu. A Santíssima Virgem vê até o mais íntimo da alma de cada um de nós, com tal amor, bondade e desejo de ajudar, que isso A levou a consentir nos padecimentos pelos quais seu Divino Filho passou.

Como Nosso Senhor era filho de Nossa Senhora e do Divino Espírito Santo, o Padre Eterno pediu o consentimento d’Ela para a consumação da Paixão de seu Divino Filho. O Padre Eterno não quis fazer algo sem atender ao consentimento d’Ela.

A pergunta feita por Ele a Nossa Senhora possivelmente foi a seguinte:

“Esse Filho, a quem quereis tanto e que é o Filho do próprio Espírito Santo, vai ser morto para a salvação de todo o gênero humano. Vós quereis entregá-Lo para a salvação da humanidade? Se quiserdes, Ele sofrerá como nunca ninguém antes, nem depois d’Ele, terá jamais sofrido. Uma enormidade de tormentos e de aflições se abaterá sobre Ele. Mas se Vós quiserdes, Ele não passará por essas dores, mas os homens não se salvarão e irão para o Inferno. Quereis?”

E Ela respondeu: “Quero!”

Respondeu tendo em vista cada homem, seus pecados e ingratidões.

Para que fôssemos limpos de nossos pecados e resgatados da culpa original, o Filho d’Ela padeceu enormes  tormentos, também para que tivéssemos a força necessária para nossa “batalha” no decorrer da vida.

Sempre que pedirmos a proteção d’Ela, obteremos

Nunca nos faltarão as forças, pois sempre que peçamos a proteção d’Ela, obteremos.

É preciso pedir, pois é insuficiente cobrar a Deus: “Vós prometestes que a tentação nunca seria maior do que as forças para combatê-la, porém agora eu não tenho forças”. A resposta de Deus será: “Esforce-se apenas um pouco que o resto virá”.

Além de esforçar-se é preciso pedir forças a Nossa Senhora.

Portanto, é preciso ter em relação a Ela uma devoção comparável à de São Luís Grignion de Montfort, compreendendo que Ela é medianeira de todas as graças, e todos os pedidos feitos ao Padre Eterno Lhe são agradáveis quando feitos por meio da Santíssima Virgem.

Quando Deus atende a um pedido feito por qualquer homem, Ele o faz através de Nossa Senhora, porque o pedido foi endossado e feito por Ela. Esta é a causa pela qual somos atendidos.

Há uma oração lindíssima — a qual recomendo rezarem — que recorda o desvelo e a mediação de Nossa Senhora para com todos os homens: é o Memorare (Lembrai-vos).

A lindíssima oração do Memorare

“Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria…”

Cada palavra tem sua aplicação. O que quer dizer, “piíssima”? Piedosa, tem como superlativo piedosíssima. Mas resume-se dizendo “piíssima”. “Piedosa”, neste caso, não quer dizer rezar muito, mas sim, ter largamente piedade e compaixão dos outros. Poder-se-ia dizer: “Lembrai-Vos, ó compassivíssima Virgem Maria”, que tem muita compaixão, que perdoa muito.

“…que nunca se ouviu dizer…”

A oração começa por essa afirmação, “nunca se ouviu dizer”, ou seja, em nenhum tempo ou lugar, em toda a Terra, alguém, tendo pedido alguma coisa a Ela, foi desamparado.

“…que tendo alguém recorrido à vossa proteção, implorado a vossa assistência, reclamado o vosso socorro, fosse por Vós desamparado…”

Ou seja, “quem, pedindo vossa proteção, implorando que Vós o acompanheis, que olheis para ele, que o sigais, Vós sempre atendeis. Lembrai-Vos disso no meu caso, para que não seja eu a primeira exceção na história de vossa glória.” É uma linda proclamação. Em nenhuma época do mundo a Virgem Maria deixou de atender àqueles que pedem a Ela, em nenhum caso, em nenhuma circunstância.

Se alguém tem a infelicidade de pecar, ou de possuir um vício, ou uma atitude moral — ou imoral — que se repete, não há problema: basta rezar e pedir, porque Nossa Senhora acabará tendo pena.

“Animado eu, pois, com tal confiança, a Vós, ó Virgem entre todas singular…”

Quer dizer: “Vós sois mais Virgem do que todas as virgens, sois a Santa Virgem das virgens”. Pois Ela está para as virgens como as virgens estão para as que não são virgens. Nenhuma virgem do mundo teve a virgindade d’Aquela que foi virgem, antes, durante e depois do parto.

Como pôde Nosso Senhor ter nascido sem violar a virgindade de sua Mãe?

É um mistério que a Onipotência de Deus pode fazer facilmente.

“…como a Mãe recorro e de Vós me valho…”

É como dizer: “Eu me dirijo a Vós como a minha mãe”.

Há algo emocionante, que não raras vezes se dá: os feridos no campo de batalha durante uma guerra padecem, muitas vezes, durante horas e horas, com dores, sangrando, sentindo fome, sede e cansaço. Ficam abandonados. Naturalmente, nesse apuro eles gritam. A maior parte dos gritos é pela mãe! São homens às vezes que perderam a mãe quando eram pequeninos, porém, na hora da morte, é pela mãe que eles bradam.

Ninguém é capaz de amar tanto a alguém, quanto uma boa mãe ama o seu filho.

Mesmo sendo o último dos homens, não há problema, pois Nossa Senhora é a mais alta e a mais excelsa de todas as mães. A compaixão d’Ela vale mais do que os castigos merecidos por nossos pecados. Se nossos pecados são um abismo, a compaixão de Nossa Senhora é uma montanha muito maior do que esse abismo.

“…e gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro aos vossos pés…”

O Memorare é, por definição, a oração de um pecador. Por isso a oração termina dizendo: “…gemendo sob o peso de meus pecados me prostro aos vossos pés”. É um pecador que está gemendo sob o peso de seus pecados, mas posto aos pés da Virgem Santíssima. Portanto, se temos a desgraça de estar em pecado, não deixemos de rezar essa oração com confiança, porque é a oração do pecador: “E gemendo sob o peso dos meus pecados me prostro aos vossos pés”.

“Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Verbo de Deus humanado…”

O coração da mãe está sempre aberto para perdoar e afagar o filho.

“Minha Mãe — Vós sois a Mãe de Jesus Cristo, o Verbo que se fez homem, mas a minha também —, não desprezeis as minhas súplicas. Elas bem podem ser desprezadas, pois são súplicas, por si mesmas, inválidas. Porém, não as desprezeis, porque sou vosso filho e um filho pode pedir isso a sua mãe.”

“…mas dignai-Vos de as ouvir propícia…”

Tem-se a impressão de que Nossa Senhora vai se inclinar bondosamente e ouvir a oração.

“…e alcançar o que Vos rogo. Assim seja.”

O que se está pedindo? Pode ser a emenda de um defeito, de um vício, a aquisição de uma virtude. Tomando em consideração tudo quanto a Igreja ensina sobre Nossa Senhora, temos todos os motivos para crer que Ela vai obter o que rogamos. Devemos pedir tudo à Santíssima Virgem com muito empenho e ardor, mas, sobretudo algo que sobremaneira A agrada: a graça de sermos bons.

O que Ela quer de nós é que estejamos na graça de Deus e cheguemos ao Céu.  Pedir forças para nossa salvação é pedir aquilo que as santas mãos de Maria estão transbordando para nos conceder.

Nossa Senhora é a Onipotência Suplicante

Pelo que foi dito sobre Nossa Senhora, conclui-se que a devoção a Ela é de suma importância. Se Deus é tão perfeito, tão supremo, e nós, homens, tão insignificantes, caso não houvesse uma ligação entre Deus e os homens — que é Nossa Senhora — Ele não nos ouviria. A Justiça, a Pureza, a Santidade d’Ele, postas em contato com as misérias humanas, Lhe causariam horror.

Mas Ele mesmo, com suma bondade, criou vínculos que nos atariam a Ele. Encarnando-se no claustro virginal de Maria Santíssima, Ele se fez homem. Sendo Nossa Senhora Mãe espiritual de todos os homens, pedindo a Ele por nós, Ela assemelha-se a uma mãe que pede a um irmão, em benefício do outro. O irmão não pode resistir. Desta forma, Nossa Senhora é chamada pelos teólogos: “Onipotência suplicante”.

Ela suplica. Porém, sendo sua oração sempre atendida, ao mesmo tempo em que suplica, é onipotente.

É notório que ela atende ao que pedimos. Desta forma, nós, que não mereceríamos ser ouvidos por Deus em nossos pedidos, por causa d’Ela acabamos por merecer.

Mãe de compaixão sem limites

Torna-se muito clara a doutrina acima exposta, tomando em consideração, por exemplo, uma mãe que tenha dois filhos: um filho juiz e um criminoso. Se coubesse ao filho juiz julgar o que é criminoso, a boa mãe certamente se dirigiria ao juiz e diria: “Meu filho, sei que tu és juiz e a ti cabe aplicar a justiça. Os defeitos deste teu irmão são tais que merecem a pena de morte. Entretanto, em justiça — tu, juiz, me deves a vida — poupai a vida deste meu filho que merece a morte, por pedido daquela que te deu a vida”.

A maior das prerrogativas de Nossa Senhora é ser Mãe de Deus. Tudo aquilo que um filho possa dar à sua mãe, Deus deu a Ela.

O valor da súplica de Nossa Senhora é tão grande que os teólogos afirmam: todas as orações de todas as criaturas devem passar por Nossa Senhora, caso contrário, não chegam a Deus. De modo que — dizem eles — se todos os anjos e santos do Céu pedissem algo a Deus sem ser por intermédio d’Ela, não seriam atendidos. Entretanto Nossa Senhora, pedindo sozinha, é atendida.

Essa é a Mãe de uma doçura sem nome e uma compaixão sem limites. Uma mãe que tem tanta pena de seus filhos que, na hora de um filho ruim ser julgado, obtém para ele a salvação.

Aos pés da cruz, intercedendo pelo bom ladrão

É célebre a tocante passagem do Evangelho na qual Nosso Senhor crucificado está entre dois ladrões. Estes últimos conversavam entre si, e o mau ladrão blasfemava contra Nosso Senhor.

O bom ladrão replicou: “Nós merecemos o castigo que estamos sofrendo e por isso vamos morrer. Mas Este é um justo e não merece tal suplício. Por isso, não fales mal d’Ele”.

Pediu a Deus perdão pelos pecados que cometeu.

Jesus disse a ele: “Tu, hoje, comigo estarás no Paraíso”.

Foi a primeira canonização da História! “Hodie mecum eris in Paradiso”.

Nossa Senhora estava aos pés da cruz. Certamente Ela estava rezando pelos ladrões. Nosso Senhor, do alto da cruz, recebeu essa oração e deu graças extraordinárias a ambos. Um deles, por ser ruim as rejeitou; o outro, porém, correspondeu a elas e pediu perdão. A graça da conversão que o bom ladrão recebeu foi tão abundante que Nosso Senhor, ao descer para o limbo a fim de levar para o Céu as almas dos justos que lá se encontravam, levou também a alma dele.

Eu julgo que, se não fosse a oração de Nossa Senhora, nada teria acontecido.

Assim é possível compreender a importância da devoção a Nossa Senhora. Tal devoção é leve, cheia de esperança, de perdão e de afeto materno; constitui a alegria de nossas almas. Sem a devoção a Nossa Senhora, nossa vida de católico seria soturna.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 21/9/1991 e 3/3/1992)