Dona Lucilia e a alegria do Natal

Respondendo a uma pergunta, Doutor Plinio narra como em tudo, inclusive nas festas de Natal, Dona Lucilia agia movida por um alto princípio, procurando incutir em seus filhos o amor ao bem e a tudo o que é elevado.

 

No meu tempo de criança não se falava em Papai Noel. Mamãe nunca empregou este termo, que me parece paganizar algo muito mais respeitável e mais antigo, que pouco se ouve falar atualmente; trata-se de São Nicolau.

Tudo em Mamãe se relacionava com coisas muito elevadas

Em minha infância, diziam tratar-se de um santo, que descia do céu vestido de forma muito bonita e distinta, a fim de dar presentes às crianças que se tivessem comportado bem durante o ano.

Eu acreditava muito em São Nicolau, mas, por outro lado, percebia haver nele qualquer coisa de mítico e lendário, que me levava a não me preocupar em imaginar como deveria ser sua figura.

Mamãe possuía grande elevação de alma. Ela levava a vida tranquila, serena e recolhida de uma senhora de casa, a qual estava na direção de uma família pouco numerosa — apesar de morarmos na casa de minha avó, ponto de reunião de toda a família. Habitualmente, percebia-se pelo seu olhar, pelo timbre de sua voz, pela expressão de sua fisionomia, pelos seus gestos, que tudo quanto ela pensava e tinha no espírito se relacionava com considerações muito elevadas. Tinha-se a impressão de que ela comumente olhava as coisas a partir de uma esfera muito alta, eu quase diria metafísica.

Nas menores coisas, um incentivo para ser melhor

Isso se notava nas menores coisas. Por exemplo, ao ver-me brincando, ela me fazia um agrado que se diria igual ao de qualquer mãe para com seu filho. No entanto, partindo dela, o agrado era feito por uma razão elevadíssima, e surgia em meio a considerações que eu — sem, entretanto, explicitar — percebia virem de muito alto e serem feitos de modo muito lógico. Notava também pelo seu agrado que Mamãe me conhecia até o fundo da alma e sabia quais eram as minhas boas e más inclinações. Assim, ela procurava estimular em mim a prática do bem, e, à medida que eu me inclinava ao bem e rejeitava o mal, sua estima por mim aumentava.

Desta maneira, todo agrado que ela me fazia era um incentivo para eu ser melhor o quanto me fosse possível. Isto me habituou a, desde pequeno, procurar ver nas coisas o que elas têm de mais elevado.

Por este motivo eu, sem imaginar propriamente com deveria ser São Nicolau, procurava ver os valores sublimes e até transcendentes que ele representava.

Festa de Natal feita por Dona Lucilia

Isto se fazia sentir profundamente na noite de Natal. Mamãe providenciava uma grande árvore de Natal, adornada com uma porção de enfeites. Esta tarefa, Dona Lucilia nunca deixava ao encargo de empregados, mas ela mesma, com muito esmero, a executava. Para a festa de Natal, ademais de minha irmã e eu, mamãe convidava primos, sobrinhos e outros parentes que constituíam um grande número de crianças.

Em certo momento, descíamos do andar superior da casa, todos de mãos dadas, cantando canções natalinas, até junto à árvore toda iluminada, ao pé da qual se encontrava um presépio com a imagem do Menino Jesus com os bracinhos abertos, que era adornada por Mamãe todos os anos com um vestidinho diferente. Ela pedia, então, para todos se ajoelharem, e rezava uma oração. Tenho a impressão de que ela mesma compunha esta prece. Pois, tratava-se de um transbordar da elevação, da suavidade, da doçura de sua alma. Após esta oração, eu notava que uma alegria superior impregnava tudo. Era a alegria da bondade, da virtude, da retidão, da limpeza, em suma, a alegria da consciência tranquila. Em última análise, tratava-se da alegria de sentir o quanto Deus se comunicava conosco através dos sorrisos do Menino Jesus.

Até hoje guardo com muito esmero a imagem do Menino Jesus usada por Mamãe nessas ocasiões.

A vida do homem virtuoso é mais entusiasmável

Aquilo tudo embebia profundamente a noite de Natal, dando a ideia — como era, aliás, o objetivo de Dona Lucilia — de que a vida do homem virtuoso, quando bem levada, é mais suportável, mais aceitável, incomparavelmente mais entusiasmável do que a vida do homem que não pratica a virtude. Creio que nos dias atuais a educação de uma criança não conta com este cuidado, mas Mamãe o tinha muito vivo.

Terminada a festa de Natal, meus primos voltavam para suas casas, e eu ia logo para minha cama. Dona Lucilia esperava eu estar dormindo para pôr aos meus pés um grande e pesado presente. Quando ainda de madrugada eu acordava ansioso para ver o presente, mais uma vez a valiosa educação que recebi de Mamãe me levava a ser temperante. Eu compreendia que não devia acender o “abat-jour”, e fazê-lo parecia-me uma desordem, não só por acordar os que estão dormindo, mas por um princípio superior, o qual me indicava que a hora de dormir é para dormir, e durante ela não se devia brincar, assim como durante a hora de brincar não se devia dormir.

No entanto, eu ficava imaginando o que seria o presente, e pouco tempo depois, como criança, caía no sono, voltando a acordar ainda algumas vezes.

Quando já estava claro, eu acordava mesmo! Levantava-me, pulava da cama e abria o presente. Era um gáudio e uma satisfação enormes. Ficava à espera de que Dona Lucilia acordasse para mostrar-lhe e receber ainda o abraço, o beijo e a bênção dela, que eram para mim um presente ainda maior do que o de São Nicolau. Isso tudo constituía a alegria quase angélica do Natal, que é quase impossível transmitir a alguém que não a tenha sentido.  v

 

 

Plinio Corrêa de Olvieira (Extraído de conferência  de 27/12/1975)

Rainha dos Corações

O reinado de Jesus Cristo nas almas, afirma São Luís Maria Grignion de Montfort, só será efetivo quando Nossa Senhora reinar de maneira plena nos corações dos homens. Com palavras  pervadidas de veneração, Dr. Plinio nos mostrará as grandezas das virtudes da Santa Virgem Maria e o altíssimo mérito que alcançou, dando-Lhe o direito, outorgado por seu Divino Filho, de  exercer esse maternal e compassivo império sobre a vontade humana.

 

Supunham os antigos — como ainda hoje o fazem certas pessoas sem instrução especial — que o pensamento era elaborado pelos miolos, os quais seriam, portanto, a fábrica das idéias. Eles não  tomavam em consideração o papel espiritual da alma, determinante na gênese dos raciocínios. Ademais, achavam que os atos de vontade se formavam no coração, passando este a ser o símbolo das volições da criatura humana.

Soberana da vontade dos homens

Com base nessa última concepção, surgiu o culto aos corações de Jesus e de Maria, que é a devoção à vontade santíssima de Nosso Senhor e de Nossa Senhora.

Por sua vez, a Mãe de Deus se torna Rainha dos Corações ao ser venerada como a soberana da vontade de todos os homens. Tal domínio deve-se entender, não como uma violação da liberdade das pessoas, mas pelo fato de Nossa Senhora nos obter e distribuir uma abundância de graças que nos induzem, atraem, com supremo agrado, doçura e clareza para o que Ela deseja de bom para nós. Assim, é através da celestial influência dessas graças que Maria nos aparece como Rainha de todos os corações.

Em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís Grignion de Montfort escreve: “Maria é a Rainha do Céu e da Terra, pela graça, como Jesus é o Rei por natureza e  conquista”. Ou seja, Nosso Senhor é o Rei do universo por natureza, pois, sendo Homem-Deus, sua essência O constitui Monarca de toda a criação. Já Nossa Senhora é Rainha, não por natureza, mas pela graça recebida de Deus. Rei também é Jesus, por conquista.

Com sua Paixão e Morte redimiu o gênero humano e alcançou para Si a realeza sobre o Céu e a Terra. Continua São Luís: “Ora, como o reino de Jesus Cristo  compreende principalmente o coração ou o interior do homem, conforme a palavra: ‘O reino de Deus está no meio de vós’ (Lc 17, 21)…” “No meio de vós”, quer dizer, sobre os vossos corações. “…o reino da Santíssima Virgem está principalmente no interior do homem, isto é, em sua alma, e é principalmente nas almas que Ela é mais glorificada em seu Filho, do que em todas as criaturas visíveis, e podemos chamá-La com os santos a Rainha dos corações” (nº 38).

Aos pés da Cruz, última troca de olhares

Essas verdades se prestam a algumas considerações. Imaginemos, por exemplo, uma pessoa na ilha Fernando de Noronha. Esse território é uma espécie de gigantesco navio parado, com suas âncoras agarradas ao fundo do oceano. A partir dessa posição maravilhosa, o visitante contempla o mar, regalando-se com aquele esplendor e se entusiasmando: “Como isto é belo!” Se for piedoso  e amar Nossa Senhora, ele deve ter o hábito de reportar à Santíssima Virgem tudo quanto pensa, e dizer: “Como será o Imaculado Coração de Maria, imensamente maior que todo esse panorama, não pelo tamanho físico, mas pelo valor, etc.”. E podem vir à sua mente outras cogitações muito boas sobre a extensão e a qualidade dos predicados de Nossa Senhora. Para compreendermos como   mar é uma vil gota d’água em comparação com a grandeza da alma de Maria, basta considerarmos a Mãe de Deus durante a Paixão. Seu sofrimento ao encontrar Nosso Senhor Jesus Cristo carregando a Cruz é indizível!

Ela viu o divino Filho injustamente posto naquela situação, tratado de modo brutal por uma algaravia de gente péssima, aproximou-se d’Ele e O abraçou. Esse gesto não significava apenas um consolo, mas também uma exaltação, como se Lhe dissesse: “Meu Filho, Eu vos louvo por estardes padecendo assim pela humanidade, para a glória de Deus!”

Por quê? Porque é glorioso para Deus ter o reino das almas, e Jesus o estava conquistando ao redimir todas as almas criadas, vertendo por elas seu sangue preciosíssimo. Nossa Senhora consentiu nesse holocausto de Jesus, louvou-O e subiram juntos ao Calvário. A meu ver, a cena mais empolgante ali passada foi o último olhar de Nosso Senhor, indiscutivelmente dirigido à sua Mãe. E Ela O fitava nesse momento, pois tenho para mim que, durante todo o tempo junto à Cruz, Maria Santíssima não afastou seus olhos dos de seu Filho. Nessa suprema troca de olhares, Maria percebeu, notando o sofrimento extremo de Jesus, que a derradeira hora se aproximava.

Nosso Senhor então disse aquelas palavras de despedida a Ela e a São João: “Filho, eis aí tua Mãe; Mãe, eis aí teu filho…”

Co-redentora do gênero humano

É oportuno recordar aqui o ensinamento da Tradição católica, segundo o qual o Padre Eterno, ao dispor que Cristo deveria morrer como vítima de expiação pelos nossos pecados, desejou para isso o consentimento da Santíssima Virgem.  Claro está, absolutamente falando, não havia necessidade dessa anuência da parte de Nossa Senhora para que Deus Pai levasse a efeito seus desígnios sobre a Redenção dos homens.

Pensemos, porém, cada um em nossa própria mãe, diante dessa pergunta: “A senhora quer entregar o seu filho, fulano de tal, para ser vilipendiado, perseguido, desprezado e odiado pelo povo, flagelado, coroado de espinhos, e em seguida arrastar uma cruz até o Calvário e aí ser morto de modo atroz?”. Supérfluo dizer que ela não quereria! Nenhuma mãe deseja semelhante sorte para seu filho.

Entretanto, a Santíssima Virgem, ciente de que deveria oferecer Jesus em holocausto para a salvação dos homens, não hesita um só instante, e se inclina à superior vontade  divina. Por essa razão ela sofreu espiritualmente uma dor tão acerba que, de modo figurativo, compara-se à ferida causada por um gládio que traspassou seu Coração. A iconografia católica perpetuou a lembrança deste padecimento da Virgem Santíssima,  através da imagem de Nossa Senhora das Dores, venerada em inúmeras igrejas do mundo.

Esse sacrifício participativo de Maria na Paixão de Jesus, o consentimento d’Ela em que o Salvador fosse imolado de forma tão cruel e dilacerante  pela remissão de nossos pecados, os méritos desse sofrimento indizível da Virgem unidos aos méritos infinitos do martírio de Jesus, tudo isso granjeou-Lhe o título de Co-redentora do gênero humano. Junto com Nosso Senhor, Ela abriu para nós as portas do Céu e nos alcançou a vida da graça. Tornou-se, outrossim, digna de possuir o domínio de todos os corações.

“Sede Rainha de minha alma, para eu ser inteiramente vosso”

Compreendamos bem quão augusto é esse império sobre a vontade  dos homens. Imaginemos o indivíduo mais inculto, mais tosco de sentimentos e de disposições mais vis que possa haver. Nossa Senhora ser a Rainha do coração dele representa uma grandeza incomparavelmente maior do que imperar sobre os mares, as constelações, os planetas e o universo inteiro criado! Tal é o valor de  uma alma, ainda que a do último dos homens. Que dizer, então, do ser Ela soberana de todas as almas?! Reitero o que já tive oportunidade de afirmar: essa realeza de Maria é voltada de modo exclusivo para nos fazer o bem, para nos atrair para a prática da virtude, para nos conduzir à santidade a que somos chamados.

É um poder que nos revela a sua onipotência suplicante em nosso favor, enchendo-nos de consolação e confiança no seu infatigável auxílio. Assim, imbuídos dessa verdade admirável, dirijamos a Nossa Senhora este filial pedido: “Minha Mãe, Vós sois Rainha de todas as almas, mesmo das mais duras e empedernidas, desejosas contudo de se abrirem à vossa misericórdia. Peço-Vos, pois, sede Rainha de minha alma, quebrai nela os rochedos de maldade, as resistências abjetas que de Vós me separam. Dissolvei,  por um ato de vosso império, as paixões desordenadas, as volições péssimas, os restos dos meus pecados passados que tenham permanecido no meu íntimo.

Limpai-me, ó minha Mãe e Rainha, para que  eu seja inteiramente vosso.

Amém”.

Plinio Corrêa de Oliveira

Cintilações da alma franciscana

Em diversas regiões da velha Europa cristã, há lugares que ainda conservam uma certa unção, ligada à própria natureza deles, não só porque Deus assim o dispôs, mas também porque foram “sobrenaturalizados” pela santidade de homens que ali viveram. É exemplo paradigmático disto a cidade de Assis, marcada para todo o sempre pela extraordinária virtude do santo Fundador dos franciscanos.

Ao peregrinarmos por aquelas paragens que conheceram a prodigiosa alma do “Poverello”, logo o imaginamos passeando pelos lindos e pitorescos arredores de Assis, analisando tudo e fazendo altas considerações que o uniam ainda mais ao Criador. Então se encantava com uma pequena flor, com as ervinhas a crescerem nos sopés das colinas, ou com o “irmão sol” num lindo crepúsculo, etc., elevando-se na contemplação, no conhecimento e no amor de Deus com uma plenitude incomparável.

Essa comunicação especial que São Francisco tinha com Nosso Senhor produzia, por sua vez, uma forma de circulação de sobre- natural por aqueles lugares, envolvendo e conferindo a tu- do algo da própria perfeição espiritual do santo.

Em Assis, ainda se pode degustar algo que só a autêntica piedade católica é capaz de engendrar, isto é, a harmonia de sentimentos opostos. Ali se experimenta um pouco da bondade e da doçura franciscanas, ao lado da austeridade e da combatividade de um varão que era entusiasta das Cruzadas. Sente-se a felicidade extraordinária de um dos santos mais alegres da história cristã e, ao mesmo tempo, o signo de uma tristeza digna, composta, senhora de si, que é o reflexo da dor de São Francisco pela morte do Filho de Deus. Tem-se a imponência das construções da monumental basílica, ao lado do espírito de humildade e desapego das coisas terrenas levadas ao último ponto no “Êremo delle Carceri”. Assim como a pureza estava para São Luís Gonzaga, estava a pobreza para São Francisco. A “dama pobreza”, como dizia, a qual ele misticamente desposara.

Eis uma das grandes maravilhas a serem admiradas em Assis: extremos opostos que nascem dos troncos benditos da Igreja, que não entram em conflito, mas se equilibram de forma prodigiosa, manifestando, pelos fulgores da alma de um santo, algumas das infinitas perfeições do Criador.

Plinio Corrêa de Oliveira

Conversa e amor ao próximo

Tema inesgotável nas exposições de Dr. Plinio, a arte da conversa, a “causerie” informal, era para ele importante forma de transmissão de conhecimentos, baseado num intercâmbio rico e espiritualizado no qual se procura antes fazer bem ao próximo do que transmitir-lhe ensinamentos “livrescos” e cartesianos. Vejamos como ele desenvolve essa matéria que lhe era tão cara.

 

A  respeito do tema “conversa”, como de tantos outros, fui favorecido pela influência de mamãe, pois ela era, fundamentalmente, uma “causeuse”(1).

Mais que palavras, a conversa por olhares e gestos

Um de seus maiores prazeres na vida era conversar. Fazia-o bem, longamente, sem pressa, com um charme envolvente, o qual não é fácil definir, pois tinha mais relação com seus pensamentos do que com seus ditos. Tratava-se do “arrière fond”(2) implícito de sua conversação. Ela não tinha o hábito — aliás, inexistente em sua época — de espremer seu raciocínio até sair o último suco por meio da explicitação. O espremer não fica bem a uma dona de casa: refeições, horários, tudo contado e corrido aguça nos convidados dela a vontade de se retirarem. Creio ser mais interessante o calmo estilo antigo.

E na alma de mamãe havia inúmeros aspectos pelos quais ela conversava muito mais pelo olhar, timbre de voz, gestos das mãos, do que propriamente pelo sentido das palavras.

Um paralelo com o contemplar as estrelas

A esse propósito, tomo a liberdade de fazer uma comparação que, nos lábios de um filho, pode parecer excessiva, entretanto é a única que encontro para exprimir minha ideia.

Quando criança, às vezes eu ficava sozinho, à noite, contemplando o céu estrelado. Como muitos, tinha a sensação de que a abóbada celeste não era inteiramente fixa, mas sim como um grande toldo circular, dilatando-se ou se encolhendo de modo suave. E que esse movimento comunicava um certo impulso de fole àqueles astros, os quais por isso cintilavam. Tomava-me a impressão de que as estrelas de certo modo dialogavam comigo, e, quando mudavam de posição, olhavam-me em silêncio.

Eu sabia que isso não tinha fundamento, e dizia a mim mesmo: “É verdade, mas não pode ser mera ilusão, deve haver algo de real nisso”. Somente depois de homem feito consegui explicitar o que eu sentia. Deus criou o firmamento de maneira a causar essa impressão nas pessoas. E embora não seja a autora desse movimento, a abóbada celeste o é dessa sensação. Esta tem como origem remota e suprema a Deus Nosso Senhor, Criador do céu.

Esse pensamento me parece elevado e belo, porque exprime o valor metafísico dessa sensação que nos colhe ao contemplarmos uma noite estrelada.

Ora, de modo análogo ao que ocorria comigo ao considerar o firmamento, quando conversava com mamãe, muitas vezes tinha a impressão de estar dialogando com duas estrelas (os seus olhos), as quais pulsavam e fitavam-me, dizendo coisas sem relação imediata com os assuntos por nós tratados. E eu sentia que lhe respondia também dessa forma, e assim conversamos durante quase 60 anos, até a morte dela. Esse foi o contributo que ela me proporcionou para compreender a riqueza da conversa.

“Não há arte de viver sem a arte de conversar”

E ainda menino, através das revistas da “Université des Annales”, bem como de livros de história franceses, etc., não custei a perceber essa realidade: as pessoas que sabiam conversar possuíam uma imensa vantagem na vida. Não há arte de viver sem a arte de conversar. Pois normalmente os homens não vivem sozinhos, mas em sociedade, devendo, portanto, trocar idéias e comentários. E o efeito que se produz nos outros depende em grande parte do que se diz.

Imaginemos uma pessoa contando a um conhecido o passeio que fez. Se ela seguir as normas da conversa, conforme expusemos, será ouvida com atenção e interesse. Porém, se narrar à maneira de um professor de química, que explica a reação produzida pela mistura de H2O com outra substância, fará um relatório extenuante e não uma autêntica descrição. Por mais que tal relato seja profundo, é inaceitável como elemento de convívio humano.

Certas revistas geográficas apresentam reportagens escritas por pessoas que passeiam sozinhas na natureza e contam o que vêem, sem nenhuma pulsação ou calor de alma. Ela fala, por exemplo, das borboletas do Ceilão ou das lagostas do Recife com a mesma neutralidade de um guia.

Um intercâmbio de duas personalidades

Ora, a conversa não pode ser assim. Sendo um meio insubstituível para viver, pensar, a conversa não é uma mera crônica, um simples relatório. Sobretudo, não é uma aula.

Entretanto, a “causerie” deve ter algo de crônica, de relatório e de aula. É, aliás, o que procuro fazer nesta exposição. Ela tem um aspecto docente, pois estou continuamente ensinando coisas. Mas difere de uma aula clássica, a qual pode ser comparada a uma avenida em cujo ponto terminal há um monólito chamado ensinamento. Enquanto que minha explanação é como um passeio por caminhos não retilíneos onde, de forma inesperada, encontra-se uma lição.

Nela há também algo de relatório, quando faço um inventário dos modos de se conversar. Além disso, em minha exposição existe um pouco de conversa. Embora nesse momento esteja agindo especificamente como um professor que fez a introdução e focalizou o tema, sem perceberem, meus ouvintes estão conversando comigo e assistindo uma aula. Isso é propriamente “causerie”…

E a conversa, o que vem a ser?

A palavra “intercâmbio”, com freqüência empregada em assuntos comerciais, é inadequada para exprimir coisas do espírito. Contudo, é o vocábulo que me ocorre para explicar esse tema.

A conversa é um intercâmbio de duas personalidades que falam sobre matéria atraente e que interessa a ambas. Será ainda mais autêntica, se o meu interlocutor puser certa nota pessoal em suas palavras, fazendo com que eu goste de ouvi-lo. Isso é um elemento fundamental da conversa. Há pessoas muito inteligentes e instruídas, cuja prosa é enfadonha; e outras de pouca capacidade intelectual e instrução, que conversam bem, pois sente-se em suas palavras, não principalmente o tema, mas o indivíduo.

Depois de tê-la definido, aponto no que consiste a plenitude da conversa: não é apenas uma troca de informações nem de impressões, mas também de cognições mútuas dos interlocutores, cujas personalidades se manifestam pelo olhar, tom de voz, gestos, etc.

Na boa conversa, a prática da caridade cristã

Pode-se dizer que há na essência da arte de conversar um preceito da moral católica: o amor ao próximo. Para conversar bem, o indivíduo precisa ter uma atitude de alma — portanto, toda ela interna — pela qual se torne interessante para os outros. Do contrário, ele nunca será um bom conviva.

Qual é essa atitude de alma?

Descrevê-la-ei de modo sumário. Quando uma pessoa considera outra e sente afinidade, homogeneidade, ou heterogeneidade harmônica, ela se regozija. Notando, ao invés, dissonância, desagrada-se. Ou seja, ela vibra em contato com outra alma. Esse é o ponto de partida do verdadeiro “causeur”. Ser indiferente às almas, não senti-las, percebê-las, nem vibrar com elas, torna a conversa impossível.

Por exemplo, estou conversando com meu auditório e percebo que todos, ou a maioria, nutrem interesse em conhecer minha alma, como ela se mostra ao longo dessa exposição, etc. E notam que eu, por meu lado, cultivo também a vontade de conhecê-los, de interpretar o olhar de cada um com interesse, como algo que a todo momento tem uma novidade a me dizer…

E assim nos beneficiamos, reciprocamente, desse tesouro que é a arte da conversa.  v

 

1) Feminino de “causeur”, aquele que possui a arte da conversa.

2) Âmago.

Confiança sem limites em Maria

Quando nos recomendou a confiança na oração, Nosso Senhor justificou: “Que pai dará uma pedra ao filho que lhe pede pão?” Se assim não faz um pai, menos ainda o fará uma mãe, personificação da bondade e solicitude. Ora, nossa Mãe por excelência é Maria Santíssima, abismo de misericórdias inauferível pela mera mente humana, que nos quer com requintes de amor, de afeto e benevolência, sempre disposta a nos auxiliar e atender.

Depositemos n’Ela, portanto, uma confiança sem limites, dizendo-Lhe: “Minha Mãe, sei que pedis em meu favor o perdão, a generosidade e o afago divinos a que não tenho direito. Rogo-Vos, pois, obtende-os para mim, pelos méritos de vosso maternal sorriso junto ao vosso adorável Filho…”

Plinio Corrêa de Oliveira

Seguríssimo Refúgio

Nossa Senhora é seguríssimo refúgio e fidelíssimo auxílio de todos os que estão em perigo. Não há mãe verdadeiramente católica que não sinta receio pelo que possa suceder a seu filho. Ora, Maria Santíssima, a melhor de todas as mães, quanta solicitude não terá para com seus filhos que vivem neste mundo, sujeitos a toda sorte de riscos?

Mais ainda. Concebida sem pecado original, confirmada em graça desde o primeiro instante de seu ser, Nossa Senhora é Aquela que esmagou a cabeça da infernal serpente. Ela pode, portanto, arrancar qualquer pecador das garras do demônio, e  impedir toda influência que este procura ter sobre as almas.

Esse insondável poder da Santíssima Virgem é uma razão de confiança e de alento para nossa vida espiritual. Em nossos momentos de tentação, nas horas em que temos medo de sucumbir ao pecado, lembremo-nos deste seguríssimo refúgio, deste fidelíssimo auxílio que nos oferece a Santa Mãe de Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira

São Francisco de Assis: Personalidade Rica e Marcante

Santo de uma personalidade tão rica e marcante, São Francisco de Assis parece vivo ainda hoje, resplendendo sua presença diante dos homens. Deixou-nos um dos maiores exemplos da verdadeira contemplação das perfeições divinas e do profundo amor a Deus. Ao considerar os peixes num simples regato, sabia colher desta cena uma aplicação concreta para a vida espiritual.

Dirigia-se ao “irmão sol” e à “irmã lua”, tecendo orações que elevam a alma à mais subida meditação das excelências de Deus, como quem afirma: “Ó Senhor, este universo criado, do qual faço parte, é grande e belo demais; porém, há algo infinitamente superior, que sois Vós!”

Daí a fabulosa densidade da religiosidade franciscana, que devemos imitar. Diria mais: sem esse espírito contemplativo, nenhuma religiosidade atinge sua plenitude.

Plinio Corrêa de Oliveira

Arco-íris da esperança

Neste vale de lágrimas em que somos peregrinos, tentações, sofrimentos e perplexidades são inerentes a toda vida espiritual. Contudo, em meio ás nossas dores e aflições morais, sempre vislumbramos a esperançosa figura de um arco-íris: Maria Santíssima!

Ela nos acompanha em nossa peregrinação rumo á Pátria Celestial, ajudando-nos em todas as vicissitudes, envolvendo-nos com seu maternal, constante e infatigável amor, que nenhuma infidelidade poderá esmorecer, e que os reiterados atos de bondade dele emanados não lograrão exaurir.

Lugar onde a Providência quis reunir suas maravilhas – II

Em Veneza há beleza, elevação e grandeza, o contrário do que ostenta o mundo de hoje. Em nossas almas existe o desejo de uma desforra da feiura, da hediondez, da trivialidade contemporâneas. Esse desejo faz de nós os iniciadores do Reino de Maria.

 

Numa fotografia de um aspecto de Veneza, na  qual o fotógrafo foi especialmente feliz, considerem a pomba, o mar, os campanários, as igrejas e os palácios.

Bolha de beleza pairando pelo ar

A impressão é de que todas essas belezas como que saturam o ar e nos remetem para uma certa irrealidade, a qual está na maravilha dos crepúsculos venezianos; e que a pomba tem algo à maneira  e uma noção disso, e voa deliciada no meio de todas essas coisas. Não é apenas do ar que a pomba gosta, mas dir-se-ia que ela forma um todo só com essa beleza. Nós sabemos tratar-se  de um ser irracional, orientado apenas por seus instintos. Mas não é verdade que se tem a impressão de que ela goza de um bem-estar aumentado por essa formosura? Uma pomba como essa, no Largo do Arouche, em São Paulo, não teria esse bem-estar.

Qual a razão disso? É pelo fato de ela concorrer, como uma obra-prima de desenho, para essas maravilhas. Ela mesma, como está aqui, é linda. Notem como as asas ficam bonitas, como o voo torna-se elegante. Ela é um sonho!

Dir-se-ia que a pomba é uma bolha de beleza que se desprende e fica pairando pelo ar. Estas considerações nos levam a nos perguntar como será aquela perfeição alta e magnífica, para a qual a  humanidade foi feita e tende a possuir antes que a História do mundo acabe, e onde Nossa Senhora será a Rainha. Quando, então, não forem apenas as pombas a voarem pelo ar, mas algo de marial habitando tudo – tomando em consideração que Maria Santíssima é a obra-prima de Deus no Céu e na Terra –, como serão essas coisas? É verdadeiramente indizível.

Uma das maravilhas do universo: o Palácio dos Doges

Aqui encontramos, no primeiro plano, a dois passos do mar – e o encanto está nisso, pois quanto mais próximo do mar mais arrebatador –, sem vedar o trânsito, o Palácio dos Doges.

A meu ver, esse palácio é de uma cor difícil de definir e que varia um pouco de acordo com a luz do dia. Mas nesta fotografia se me apresenta de um róseo muito delicado, mas não homogêneo; percebe-se a presença variada do róseo e do branco nas ogivas góticas, formando uma espécie de contraste.

De si, o bonito seria, de acordo com a lei da gravidade, vermos o elemento mais pesado carregar o mais leve. Então, seria explicável que esse palácio fosse construído de tal maneira que essa espécie de caixotão – é um ultraje chamá-lo assim – deliciosamente róseo, ornado por três ogivas agradavelmente simétricas, pensativas, calmas, tranquilas e nobres, que parecem estar, elas  mesmas, olhando o mar, contemplando-o com a familiaridade  com a qual as grandes pessoas contemplam o lindo; pareceria normal, enfim, que esse caixotão estivesse na terra, e a parte mais  leve, ou seja, as colunas desse andar imediatamente inferior, bem como a colunata que toca no chão, estivessem em cima.

Dir-se-ia que esse edifício, construído assim como está, daria uma sensação de peso medonho, e que esse caixotão vai esmagar e quebrar, a qualquer momento, a colunata. Mas está calculada com tanta inteligência a distribuição dos corpos e dos volumes, que não se tem essa impressão. Pelo contrário, sente-se que essa colunata  carrega sem esforço o caixotão, o qual, recusando-se de ficar na terra, é suportado por essas colunas magníficas, de maneira a permitir a circulação do ar por debaixo dele. A arte orna isso com essa primeira linha ogival muito bonita, e embaixo com aqueles outros arcos, ficando o palácio, por assim dizer, suspenso no ar.

Chamo a atenção para o que há de bem pensado em cada detalhe dessa fachada. Ela ficaria monótona se não houvesse, bem no meio, aquela porta dando para um terraço. Mas se existisse ali mais uma ogiva o palácio se tornaria insuportável. Para aquela porta, aquele terraço tem exatamente o tamanho que deve ter para completar bem e levemente uma das maravilhas do universo, o Palácio dos Doges.

Viagem que conduz ao Céu ou ao Inferno

Imaginem-se sentados em gôndolas e seguindo na direção dessa praça que se abre mais para o fundo e tem uma torre. Percebe-se, pelas cúpulas, que para essa praça dá também uma igreja, e existe depois outro palácio. Mas há uma parte da praça que dá diretamente para o mar. É o desembarcadouro para as pessoas que descem, um cais. Há cais ao longo de toda essa colunata, a fim de facilitar ao máximo o deslocamento da população.

Notem como existem ali duas colunas. Em uma delas há uma estátua de São Teodoro esmagando o dragão; na outra, o leão alado, emblema de Veneza. No intervalo entre as duas colunas havia um outro “cais” de um gênero muito diverso. Nele alguns homens empreendiam uma viagem perto da qual as nossas viagens contemporâneas são zero, e até mesmo os homens que foram à Lua não são nada em comparação com os que fazem essa viagem, porque é a viagem que conduz ao Céu ou ao Inferno… Ali eram executados, em troncos especialmente levados para a cerimônia, os condenados à morte.

Lugar lindo, encantador, mas é um dos traços de Veneza. Ela é festiva, mas tem qualquer coisa no fundo de muito grave e até de um tanto melancólico, sem o qual Veneza seria uma banalidade.

Uma renda de pedra

Ali vemos se levantar o campanário, os sinos que servem à catedral. Uma construção originalíssima que destoa do branco de tudo quanto está edificado ao redor. Entretanto, possui também a parte alta toda branca,  com um cone muito bonito em cima, do qual cada triângulo é emoldurado por uma lista branca. Esta torre é do século XX. A original, por questões geológicas, de repente ruiu. Era então Papa São Pio X, que fora Patriarca de Veneza, e impulsionou a construção de uma torre absolutamente idêntica àquela que havia. De maneira que se toma essa como a torre antiga.

Examinem a cor desse mar. Quem a define? É verde, azul? Entra aí outro colorido além do verde e do azul? Também não se sabe. Essa multidão de gôndolas dá um ar festivo, de alegria e de vida, que completa o panorama.

Numa outra fotografia vê-se de perto um pouco daquela verdadeira renda de pedra. No terraço de pedra branca, cada coluna dá a impressão de uma chave, dentro da qual há uma espécie de trevo, cujas folhas têm o desenho esquemático e imaginário de um trevo de quatro, dentro de círculos. Isso seria a orelha da chave; e, embaixo, um pedaço de balcão seria a lingueta da chave. Mas tudo é feito de tal maneira que, encostada uma chave na outra, se têm ogivas. E o ogival aparece aí numa das suas mais belas manifestações.

Um teto que parece levantar voo

Notem a simplicidade de linhas com que a fachada da Catedral de São Marcos é construída. São cinco arcos: dois de cada lado e, no meio, um arco um tanto maior, que interrompe um pouco o curso do balaústre, do corrimão de um terraço que está em cima. De maneira que aquilo serve de teto para o átrio da igreja e também de terraço para se passear em cima. Mais para cima encontram-se ogivas muito abertas, que conservam seu parentesco com a ogiva gótica comum, pelo fato de terminarem naquela ponta reunindo harmonicamente dois extremos, num movimento que tem um resto de ogival. E cada ogiva, feita de uma pedra branca linda, serve de proteção, de teto para uma bela cena em mosaico, com fundo dourado, representando fatos da vida de Nosso Senhor.

Faço notar essas pontas entre arcada e arcada. Dão um caráter de leveza enorme ao teto. Tem-se a impressão de que o teto está para levantar voo. Vemos aí, mais uma vez, traduzir-se aquele anseio do homem para voar. Considerem como cada ponta dessas é bem trabalhada, e como a moldura que circunda cada arco da arcada superior é, também ela, toda eriçada de pequenas pontas.

Parecem, assim, as asas de inúmeras pombas que estão se abrindo para voarem levando consigo, pelos ares, a catedral mil vezes famosa. É uma verdadeira maravilha!

O charme é o aliado natural da grandeza

Chamo a atenção também para um detalhe que, analisado depois de ser percebido, chega a desconcertar um pouco. Mas, enfim, isso é assim e me agrada enormemente. Em cada arco desses há uma portinha, mas nenhuma delas está bem no centro em relação ao arco inferior. Com a mania do igualitário e do decimal que se espalhou pelo mundo no século XIX, os arquitetos, em sua maioria, se fossem construir um monumento como esse, não teriam talento para isso nem de longe. Poriam essa portinha bem no centro de cada arco.

Imaginem que um dedo malfazejo empurrasse essas portinhas bem para o centro. Que monotonia! Foi empregada uma forma de talento por onde a dessimetria dessas portinhas talvez passe despercebidas a muitos. Isso se chama propriamente gênio. Tem algo em comum com o charme, do qual diz o francês: “le charme, plus beau que la beauté” – o charme, mais belo que a própria beleza.

A Catedral de São Marcos está cheia de charmes assim.

O charme está também nessas portinhas… Mas o que não é charme aqui? Só não é charme o que é grandeza. Entretanto, o charme é o aliado natural da grandeza; porque a grandeza sem charme fica pesadona, e o charme sem grandeza torna-se frívolo.

Referi-me à grandeza. Procurem ver na cúpula, atrás, a grandeza, a magnificência. É espantosa! Ela seria muito pesada se não fosse tudo isso descrito anteriormente. Daria a impressão de um panelão colocado ali. Mas olhem a forma da cúpula, a cruz no alto, o jogo de várias pequenas cúpulas, e terão propriamente o charme. É a incomparável Catedral de São Marcos.

Desforra da feiura, da hediondez e da trivialidade contemporâneas

Os venezianos do tempo das palafitas(1) não percebiam o que ia sair do que eles faziam. Mas pode-se supor que já tivessem uma certa propensão para isso, à qual o Batismo deu a realidade, o “élan”, de maneira que saísse o que nós estamos contemplando aqui.

A julgar pela afirmação de São Luís Maria Grignion de Montfort de que os Santos do Reino de Maria vão ser tais que, comparados aos do passado, serão como cedros do Líbano em relação a arbustos(2), a medida de beleza, de verdade e de bem que toda civilização alcança é dada pela medida dos Santos que nela florescem.

Esse princípio, por exemplo, o encontramos subjacente em todas as reflexões que fiz sobre a gruta de Subiaco e São Bento(3).

Mas creio que em nossas almas há um desejo de uma desforra da feiura, da hediondez, da trivialidade contemporâneas. E esse desejo faz de nós os “palafíticos” do Reino de Maria. Contudo, enquanto não se der o Grand Retour(4), não vierem os castigos previstos em Fátima, e tudo isso não for varrido e limpo, quase não conseguimos entrever as belezas vindouras. Entretanto, no fundo de nossas almas existe esse anseio que nos faz discernir a potencialidade para o maravilhoso de cem coisas que conhecemos, mas que ainda não são maravilhosas.

Para isso, cuidemos de ser santos e de ir vivendo. Pelo curso natural do tempo e da idade, muitos assistirão ainda a todas essas maravilhas sobre a face da Terra. Outros as verão antecipadamente – coisa muito melhor –, pois serão chamados por Deus a contemplá-Lo face a face, no Céu.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/12/1988)

1) Cf. Revista Dr. Plinio n. 246, p. 33.
2) Cf. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Cap.
I, art. 2, n. 47.
3) Cf. Revista Dr. Plinio n. 244, p. 27.
4) No início da década de 1940, houve na França extraordinário
incremento do espírito religioso, quando das peregrinações
de quatro imagens de Nossa Senhora de Boulogne. Tal movimento
espiritual foi denominado de “grand retour”, para indicar
o imenso retorno daquele país a seu antigo e autêntico
fervor, então esmaecido. Ao tomar conhecimento desses fatos,
Dr. Plinio começou a empregar a expressão não apenas
no sentido de “grande retorno”, mas de uma torrente avassaladora
de graças que, através da Virgem Santíssima, Deus
concederá ao mundo para a implantação do Reino de Maria.

Oração que move montanhas

Há uma confiança heroica pela qual não desistimos de esperar, apesar de tudo. Por vezes, essa confiança faz a alma “sangrar”, mas ela continua a confiar, e diz: “A promessa interior, inefável, que Nossa Senhora me fez não falhará. Confiarei e cumprirei a minha missão. Eu confio na palavra d’Ela!”

Qual é a palavra da Santíssima Virgem? É uma voz da graça, uma apetência que sentimos e que nos leva a todas as virtudes, ao amor de Deus. A isso nos devemos dar, e com base nessa palavra devemos estruturar a nossa confiança.

A alma assim vence a batalha, pois a oração dela move as montanhas.

Eis por que Nossa Senhora só revelou a São Pio V a vitória dos cristãos, na Batalha de Lepanto, depois de ele ter rezado um terço: Ela quis mostrar que esta oração Lhe é tão grata, e que agrada tanto a Ela pedirmos aquilo de que precisamos, por meio da recitação do Rosário, que Maria Santíssima esperou aquela oração do Santo Pontífice para conceder esse enorme galardão.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/10/1975)