Meditação e apostolado

A civilização contemporânea, por força da vida trepidante imposta pelos meios de diversão excitantes, mantém o homem numa perpétua agitação e fixa constantemente sua atenção sobre fatos novos, não raras vezes sensacionais, de uma atualidade candente, porém logo depois substituídos por outros, numa sucessão atordoante.

Habituado a ocupar-se por esta forma, o homem contemporâneo sofre frequentemente de uma superexcitação dos sentidos e da imaginação, e de uma atrofia da razão. Molesta-o fixar longamente a atenção sobre um mesmo objeto. A reflexão calma, lúcida, prolongada parece-lhe fastidiosa. Fixar a atenção, refletir são operações que implicam na primazia da inteligência sobre os sentidos. E nós vivemos do contrário: do domínio dos sentidos sobre a inteligência.

Por dissipação, entendem os autores espirituais precisamente este defeito. A alma considera constantemente o mundo, e nunca entra em si mesma, nunca analisa seu próprio interior. Considerando o mundo exterior, ela o faz de modo superficial, contentando-se apenas com as aparências e não penetrando jamais na realidade profunda das coisas, nem remontando delas para um plano de cogitações mais elevado.

O hábito da meditação consiste exatamente no contrário. O homem é capaz de isolar-se, privar seus sentidos da embriaguez contínua das impressões, das sensações e vibrações, desviar sua atenção do que é externo, passageiro, superficial, para isolar-se na calma de algum recanto e pensar.

A meditação especificamente religiosa, como no-la apresenta a Santa Igreja, tem um fim bem definido: considerar as verdades cujo conjunto constitui a Doutrina Católica, vendo a si mesmo e ao mundo exterior com ordem a essas verdades.

Toda a vida espiritual depende da graça de Deus e da colaboração da vontade humana. Ora, na meditação é Deus que, pela graça, vai esclarecendo a inteligência e dando vigor à vontade para o conhecimento e a prática do bem. É, pois, um ato de intimidade da alma com o Divino Espírito Santo, que transcende a simples meditação natural e a eleva à categoria de um dos atos mais augustos da vida humana.

Esta meditação sobrenatural, disse-lo expressamente Nosso Senhor (cf. Mt 11, 25), não é privativa dos homens de ciência. A história dos Santos prova que muitas vezes as meditações mais profundas foram feitas por pessoas muito ignorantes no sentido humano da palavra, mas cheias de virtude e de amor de Deus.

E o apostolado? Não se diria que a meditação inutiliza o homem para a ação? O que é melhor: rezar ou agir?

A pergunta equivaleria, no terreno espiritual, a esta outra no terreno material: o que deve fazer o homem, comer ou beber? Evidentemente, é preciso comer e beber, rezar e agir.

A meditação bem feita traz, por consequência, o espírito de apostolado. Os próprios religiosos contemplativos não escapam a esta regra, pois fazem apostolado, e do melhor. E se um contemplativo não tem zelo pela salvação das almas, pode-se dizer que sua contemplação é mal feita.

Meditar é exercitar-se no amor a Deus e ao próximo. Como pode alguém ter esse amor e ser indiferente a que a glória de Deus seja conspurcada a todo momento pelo pecado, e a todo instante as almas exponham a sua salvação?

Na realidade, ser apóstolo supõe, antes e acima de tudo, meditação. Pois um apostolado sem amor de Deus e do próximo não tem sentido nem consistência, é mera agitação(*).

 

Plinio Corrêa de Oliveira

(*) Excertos da conferência realizada na sessão solene de encerramento do 1° Congresso das Ordens Carmelitanas do Brasil em 30/10/1952, e publicada em Mensageiro do Carmelo, novembro-dezembro de 1952, p. 267-269.

Meu filho, ânimo!

Consolar não é apenas enxugar o pranto de quem chora; é muito mais do que isso. É dar força, dar ânimo, e dar decisão.

Nossa Senhora é a consoladora dos aflitos.

O homem que fica aflito, facilmente se acabrunha exageradamente, perdendo a coragem e se entregando. Nossa Senhora o consola dizendo: “Meu filho, ânimo! Eu te concedo forças para lutar. Enfrenta o adversário, pois tudo é reparável. No céu serão pagos os teus sofrimentos e lá tu serás recompensado, em glória, por tudo quanto tiveres carregado nos ombros. Agora, coragem e para frente!”

Isso é propriamente a consolação, quer dizer, uma fortificação. Nossa Senhora dá isso aos aflitos, àqueles que estão precisando de forças para lutar.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/9/70)

Revista Dr Plinio 140 (Novembro de 2009)

Refulgente destruidor das heresias

Santo Alberto Magno refulgiu enquanto intelectual, contemplativo e homem de ação porque colocou acima de tudo a vida interior. Mereceu, assim, este elogio expresso num vitral da igreja dos dominicanos de Colônia: “Este santuário foi construído pelo Bispo Alberto, flor dos filósofos e dos sábios, modelo dos costumes, refulgente destruidor das heresias e flagelo dos maus.”

 

A respeito de Santo Alberto Magno, temos uma biografia muito interessante(1) sobre a qual pretendo tecer alguns comentários.

São Tomás de Aquino: o mais ilustre de seus discípulos

Alberto, o Grande, nasceu por volta de 1206, em Laurigen, na Baviera. Depois de uma educação cuidadosa, recebida em sua infância, foi estudar Direito em Pádua. Lá ele encontrou o Bem-aventurado Giordano, mestre geral dos Irmãos Pregadores, cujos conselhos o engajaram a entrar na família dominicana.

Logo se fez notar por sua terna e filial devoção para com Nossa Senhora, e pela fidelidade de sua observância monástica. Enviado a Colônia para completar os seus estudos, era tão aplicado que parecia ter penetrado todas as ciências humanas, mais do que nenhum de seus contemporâneos.

Julgado digno de ensinar, foi nomeado professor em Hildesheim, Friburgo, Ratisbona, Estrasburgo, enfim na Universidade de Paris, onde ele demonstrou o acordo existente entre a fé e a razão, as ciências pagãs e as ciências sacras. O mais ilustre de seus discípulos foi São Tomás de Aquino, que lhe devia suceder na Sorbonne.

Poderoso intelectual, grande contemplativo e homem de ação

Ele voltou a Colônia para dirigir os Capítulos Gerais de sua Ordem, foi nomeado Provincial na Alemanha, depois Bispo de Ratisbona. Lá ele se dedicou a seu rebanho e conservou seus hábitos de simplicidade religiosa. Mas ele renunciou três anos depois, em 1262. Desde então exerceu o ministério da pregação, agiu como árbitro e pacificador dos príncipes e dos bispos, assistiu ao II Concílio de Lyon e morreu em 1280. Por decreto de 16 de dezembro de 1931, Pio XII o inscreveu no número dos Santos e o nomeou Doutor da Igreja Universal.

Num vitral da igreja dos dominicanos de Colônia podiam-se ler, a partir do ano de 1300, as seguintes palavras: “Este santuário foi construído pelo Bispo Alberto, flor dos filósofos e dos sábios, modelo dos costumes, refulgente destruidor das heresias e flagelo dos maus. Ponde-o, Senhor, no número dos vossos santos.”

Ele tinha por natureza, segundo se diz, o instinto das grandes coisas. Assim como Salomão, ele implorou o dom da sabedoria, que une intimamente o homem a Deus, dilata as almas e leva para cima o espírito dos fiéis. E a sabedoria lhe comunicou o segredo de unir uma vida intelectual intensa, uma vida interior profunda e uma vida apostólica das mais frutíferas, porque ele foi ao mesmo tempo o iniciador de um poderoso movimento intelectual, um grande contemplativo e um homem de ação.

O essencial é a vida interior

A linha geral da vida de Santo Alberto Magno está bem expressa quando se diz que ele refulgiu ao mesmo tempo nesses três dons. Ele se manifesta, nessas condições, como uma daquelas grandes figuras da Idade Média, que são os construtores e consolidadores dessa era histórica, a quem Deus deu graças para se tornarem salientes em todas as coisas, de tal maneira que se ele tivesse feito só uma delas, por exemplo, simplesmente tivesse sido o intelectual que foi, já seria um homem imortal.

Além de intelectual, ele foi um grande religioso e um grande contemplativo. E, como Santo, também só por isso teria a imortalidade. Por outro lado, apenas como modelo de bispo ele teria também uma fama durável em sua pátria.

Por que a Providência estabelece a conjugação desses três dons, e faz alguns homens brilharem nessas três pistas ao mesmo tempo? É para dar a entender a seguinte verdade: O homem deve ser, primeiro, de vida interior, e depois as outras coisas. Mas quando ele escolhe ser, antes de tudo, homem de vida interior, de fato ele põe a mais importante das condições para, nos outros campos, ser o que deveria.

Santo Alberto Magno foi muito maior como intelectual porque tinha vida interior. De maneira tal que se ele simplesmente quisesse ser um grande intelectual, pela mera ambição da cultura, ele tinha vantagem em continuar a vida interior. Se apenas desejasse ser um homem de ação, pela mera vantagem de o ser, ele deveria continuar a vida interior. Porque a vida interior verdadeira, plena, faz o homem executar a vontade de Deus com toda a perfeição e dá à alma recursos que são, em parte, a plenitude de seus recursos naturais e, em parte, carismas e dons que o fazem centuplicar as suas possibilidades. De maneira que ele fica muito maior nas outras atividades porque exatamente naquele elemento essencial ele soube ser grande.

Isso me faz lembrar um dito de Dom Chautard, o famoso autor de A alma de todo apostolado, para um político francês anticlerical, Clemenceau. Este, sabendo que Dom Chautard estava envolto em mil atividades, perguntou-lhe o seguinte:

– Como é que o senhor consegue levar a cabo tantas atividades num dia de 24 horas? Respondeu Dom Chautard:

– O segredo é que além de fazer tudo quanto faço, eu ainda rezo o Rosário. Então, acrescentando essa ocupação, há tempo para todas as outras.

É um paradoxo, porque acrescentando deveria diminuir o tempo. Mas nisso que parece uma brincadeira há uma verdade profunda: se dermos a Deus todo o tempo que devemos dar, dedicando-nos à vida interior, a Divina Providência velará por nós e teremos tempo para tudo. Essa é a grande verdade que se desprende da vida de Santo Alberto Magno.

Um elogio que desapareceu completamente

Eu gostaria de analisar rapidamente esse lindo elogio a ele, escrito no vitral da igreja dos dominicanos de Colônia:

Este santuário foi construído pelo Bispo Alberto, flor dos filósofos e dos sábios, modelo dos costumes…

Coisas positivas, construtivas.

…refulgente destruidor das heresias e flagelo dos maus.

Quando é que hoje se elogia alguém por ser um refulgente destruidor das heresias ou flagelo dos maus? É verdadeiramente incrível como nós caímos, a tal ponto que esse elogio desapareceu completamente…                v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/11/1966)

 

Revista Dr Plinio 248 (Novembro de 2018)

 

1) Não dispomos dos dados bibliográficos da obra citada.

 

Igreja perfeita e alegria do mundo inteiro

Feita de cristal, a Sainte-Chapelle é o auge da beleza, da proporção, da união, da unção régia e da gravidade divina. A Catedral de Notre-Dame, entretanto, é o monumento que melhor exprime o espírito francês no seu equilíbrio perfeito. Outrora quiseram demoli-la: eis o sintoma da decadência extrema da sociedade.

 

A Sainte-Chapelle, capela mandada construir por São Luís IX para abrigar um dos espinhos da coroa de Nosso Senhor Jesus Cristo, está encastoada no “Palais de Justice” do tempo de São Luís – o qual foi destruído quase completamente – e exprime, a meu ver, o apogeu do sorriso francês.

Capela feita de cristal

É uma capela a respeito da qual posso dizer que não conheço coisa mais piedosa do que ela. É admirável. Exprime a alma de quem reza como se deve rezar, focalizando seu espírito em Deus e procurando falar com Ele com a confiança filial, a veneração sem nome, a adoração excelsa.

É uma capela feita de cristal! Ela tem umas colunas esguias que se levantam até ao teto, separando um vitral de outro. Mas entre vitral e vitral só há essas colunas muito delgadas, muito finas.

Essa obra-prima se manifesta quando os vitrais estão bem iluminados em dias de sol. Ali não se espelha só a alma que está rezando, mas há algo que nos fala de Deus enquanto atendendo a nossa oração. De maneira que temos a impressão de estarmos falando e que nossa voz encontra naqueles cristais uma certa receptividade, como se a voz batesse numa concha de bronze ou de cristal e de lá voasse, saindo depurada e mais bela, para cima.

Tem-se a impressão de que do alto vem a resposta, ao mesmo tempo divina, infinita, grandiosa, mas maternalmente tocada não sei de que modo, meio miúda para estar na pequena proporção do homem, que não tem medo que Deus tonitrue com ele. Pode-se dizer que o fiel reza sorrindo e que Deus sorri quando fala com ele. É um encontro de dois sorrisos, flores de seriedade, de meditação, de Fé, de graça que se encontram e se fundem num certo ponto do ar. Esse é o verdadeiro encontro da alma com Deus quando reza olhando para aqueles cristais.

Isso é o auge da beleza, da proporção, da união, mas não basta o sorriso, por mais que ele seja excelente, piedoso. Não é uma atitude que abranja o conjunto de nossas relações com Deus, nem das expressões do universo criado por Ele.

Unção régia, gravidade divina, seriedade majestosa

Deus criou coisas lindas que produzem muitas vezes sorriso. Quem vê um beija-flor passando de flor em flor e sugando o mel não pode deixar de sorrir. Mas se ele pensa que está quite com Deus a propósito do beija-flor porque sorriu enternecido, não compreendeu. O sorriso é uma das fases do pensamento humano, mas de fato este voa mais alto, é mais sério, mais profundo. O sorriso é um dos aspectos panorâmicos do nosso itinerário para o Absoluto, mas não é a razão do nosso olhar para a coisa.

Por esse motivo, a própria Sainte-Chapelle tem uma unção régia, uma gravidade divina, uma seriedade majestosa e composta, dentro da qual o sorriso é um aspecto. Por mais que se glorifique esse aspecto, ele não deixa de ser colateral que não pode ser transformado no principal. Pelo contrário, é uma espécie de momento em que Deus faz o homem descansar um pouco. Não é descansar d’Ele, mas é mostrar n’Ele e nas suas criaturas aspectos feitos para aliviar o homem neste vale de lágrimas.

Por exemplo, os esquilos. A conduta deles, como parecem compreender as brincadeiras que fazemos e quase brincar conosco! Vê-se que esse animalzinho foi feito por Deus para que uma alma se deleitasse, sorrisse, mas depois subisse ainda mais alto e pensasse: “Como Deus é grande. Entretanto, na grandeza d’Ele cabe tanta bondade que, ao dar aos homens todas essas magnificências, ainda deixou uma ‘caixa de bombons’ para os homens se deliciarem. Essa ‘caixa de bombons’ é o conjunto de coisas encantadoras da Criação, das quais o homem pode usar de vez em quando.”

Uma das melhores expressões de Nossa Senhora

Há um monumento que exprima o espírito francês no seu equilíbrio, na sua plenitude, onde o sorriso está presente como elemento colateral, mas não é a nota dominante?

Esse monumento – a meu ver, perfeito – é a Catedral de Notre-Dame de Paris, a propósito da qual me lembro das palavras da Escritura sobre Jerusalém, chamando-a de cidade perfeita, a alegria do mundo inteiro (cf. Lm 2, 15). Parece-me que Notre-Dame é a igreja perfeita e a alegria do mundo inteiro.

Ela sorri? É evidente. Ela é séria? É evidente. Ela é heroica? É evidente. Ela é materna? É evidente. Ela é mimosa? É evidente. Ela é imponente? É evidente. Não há o que ela não tenha de um modo discretamente evidente.

Há certos monumentos que a mim me desagradam porque têm um ar de quem diz: “Olhe, aqui estou eu!” Tem-se a vontade de responder: “E eu com isso?” A Catedral de Notre-Dame não é assim, ela está presente em Paris como uma mãe visitando o seu filho. Enquanto está ali, é a rainha da casa, para ela se voltam as atenções, é o centro de todos os carinhos, de todas as venerações, de todos os respeitos, mas não tira o lugar a ninguém, não empurra ninguém com os cotovelos, não olha ninguém de cima para baixo; ela apenas diz: “Eu sou a mãe.” Essa nota materna que deve ter feito pulsar o coração de tantos Cruzados define bem a igreja de Notre-Dame.

Eu venero e quero tanto essa igreja que na orla dos castigos previstos em Fátima, se Nossa Senhora me permitir, pedirei a Ela: “Minha Mãe, castigai quem e como quiserdes. Não castigueis a Igreja de Notre-Dame, porque ela é uma das melhores expressões de Vós mesma nesta terra de pecado.”

Termômetro da extrema decadência da sociedade

Nas vésperas da Revolução, a França chegara a tal decadência que o Conselho de Estado, sob a presidência do Rei, tinha assinado uma resolução para demolir a Catedral de Notre-Dame como igreja antiquada, não correspondendo mais aos anseios estéticos dos tempos novos, para ser construído em seu lugar um templo grego inspirado nos templos da antiguidade pagã.

Por aí vemos, num lance só, a que extremos chegara a decadência daquela sociedade. Os homens eram tão revolucionários que os nobres, cujas cabeças a Revolução cortou, queriam derrubar a Catedral de Notre-Dame, essa igreja medieval que todos os povos da Terra querem contemplar quando vão a Paris, símbolo perfeito da Contra-Revolução, para substituir por um templo que representava perfeitamente a Revolução daquele tempo. Seria a implantação dos restos do paganismo – derrubado, escangalhado, rejeitado, pisado aos pés pelos séculos – que deveria ser restaurado em Paris. Compreende-se a desordem, o caos e a decadência da França que isso representava.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 31/10/1994)
Revista Dr Plinio 260 (Novembro de 2019)

Carregar a cruz com dignidade suprema

Nós, católicos, podemos ser humilhados, espezinhados, calcados aos pés, mas sabemos que raiará o dia do Reino de Maria, e que os homens do futuro invejarão as humilhações pelas quais passamos.

 

Um tema muito bonito é Nosso Senhor na tríplice qualidade de Rei, Pontífice e Profeta.

Rei, Sacerdote e Profeta

Rei é aquele que está no alto de uma certa ordem e a governa, a ordem lhe obedece. Nosso Senhor Jesus Cristo, como Homem-Deus, é Rei de toda a humanidade e de toda a Criação. Como tal é Ele quem manda na História dos homens. Ele quis dar aos homens a faculdade de fazerem o bem e o mal, o poder de agirem contra ou a favor do Direito. De maneira que, quando os homens fazem o mal, eles vão contra a vontade divina, mas Deus quis que eles tivessem essa faculdade, para depois exercer a Justiça sobre eles.

Então, Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei até quando os homens se revoltam contra Ele, porque foi Ele quem os dotou dessa liberdade. No fundo, no zigue-zague de toda a História, Ele faz acontecer o que Ele quer. Assim como Nosso Senhor é o Rei da História, é também Rei de todo o universo, do curso dos astros, de tudo quanto se passa na natureza.

Jesus Cristo é Sacerdote porque oferece a Deus toda a Criação no auge da qual Ele está, mas, sobretudo, porque é o Redentor do gênero humano. Ele é Vítima e Sacerdote, pois Se ofereceu a Si próprio para expiar por toda a humanidade. Ele é, pois, Sumo Sacerdote, o Pontífice que possui um pontificado universal. Os outros pontífices, o clero, são pontífices por participação d’Ele. O Pontífice é Ele.

Ele é o Profeta porque predisse o que faria e realizou sua profecia. Os outros profetas previram coisas que outros se incumbiram de cumprir, eles não cumpriram. Jesus previu e fez. Portanto é profeta numa plenitude especialíssima do termo.

Os homens do futuro invejarão as humilhações pelas quais passamos

A cada passo da sua Paixão, com a majestade infinita d’Ele, ao mesmo tempo em que estava sendo escarnecido, humilhado, sentindo todas as dores morais e físicas da situação em que Se encontrava, tendo ciência de que seria morto, sabia também que aquilo tudo seria objeto de uma glória como nunca ninguém teve; uma glória rainha e mestra de todas as outras glórias.

Então, enquanto estava com a coroa de espinhos, com a túnica, o manto e o cetro de irrisão e, portanto, no auge do desprezo e do abandono da parte de todo o mundo, Nosso Senhor sabia que um dia viria onde o poder d’Ele seria tão grande que os maiores reis da Terra se desvaneceriam diante da ideia de poder pôr no respectivo cetro um fragmentozinho daquela cana que servia de cetro de irrisão. Se não se tivesse perdido aquela cana, ter-se-iam construído catedrais para guardar fragmentos dela.

Aquela túnica de bobo tinha diversos significados místicos, teológicos, sobre os quais os maiores espíritos haveriam de escrever enlevados, certos de não chegarem até o fundo do tema. E aquela coroa de espinhos haveria de ser de tal maneira venerada que o maior rei da Cristandade, no seu tempo, São Luís IX, haveria de construir uma Sainte-Chapelle para abrigar um dos espinhos dessa coroa.

Nosso Senhor Jesus Cristo conhecia tudo isso e, do fundo de sua dor e de sua humilhação, carregava a majestade da vitória que haveria de vir.

“Mutatis mutandis”, com todos nós, católicos, é assim também. Podemos ser humilhados, espezinhados, calcados aos pés, mas sabemos que raiará o dia do Reino de Maria, e que os homens do futuro invejarão as humilhações pelas quais passamos. Quando as pessoas se lembrarem de um jovem casto, atravessando essas cidades impuras, pregando o nome de Nossa Senhora, cortando essas poluições, se ajoelharão ao pensar nisso.

Portanto, na nossa situação devemos carregar com dignidade suprema, como Nosso Senhor carregou, os emblemas da irrisão, da humilhação e do ódio que caem em cima de nós.         v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/11/1982)
Revista Dr Plinio 260 (Novembro de 2019)

Ornato, elemento fundamental da vida

Cultivar e promover o ornato como sendo uma expressão da infinita beleza do Criador é, segundo Dr. Plinio, valioso serviço que se presta ao próprio Deus. Em suas várias formas, o adorno torna a vida terrena mais suportável; é o verniz que “enfeita as condições por vezes árduas da existência humana exilada do paraíso”.

 

Não será exagero afirmar que, em diversos aspectos do mundo contemporâneo, a beleza do ornato cedeu lugar à insipidez do prático.

Elementos da “doçura de viver”

Nesse sentido, surpreendeu-me a objeção que ouvi, certa vez, contra os sabores dos cremes dentais. Por trivial que seja o exemplo, vem a propósito para ilustrar nosso assunto. Com efeito, censurava o objetante o fato de os produtores de dentifrícios introduzirem elementos variados para torná-los mais agradáveis. “Pura demagogia”, dizia ele, “pois bastaria que o creme tivesse as propriedades indispensáveis para limpar os dentes e precavê-los contra as cáries. A mistura de sabores visa unicamente explorar a sensibilidade degustativa das pessoas, levando-as a usar mais do que o necessário e, em conseqüência, aumentar a venda de seus produtos. Isso é uma fraude.”

Objeção, como disse, surpreendente, pois a maioria das pessoas, ao escovar seus dentes, não se pergunta porque a pasta é agradável e lhe deixa o hálito saudável. Se fosse o contrário, sim, estranhariam.

Penso eu que, no fundo, essa questão e outras semelhantes se relacionam com o que se chama em francês “la douceur de vivre” — a doçura de viver.

Apóstolos do ornato, apóstolos de Deus

Em última análise, se um fabricante de pasta de dente encontrasse um meio de torná-la mais saborosa, agiria bem, independente do lucro comercial, aliás legítimo, que o produto lhe granjeasse. Porque há um feitio de almas chamadas pela Providência a fazer parte dos servidores do ornato. Elas se comprazem em ornar a existência humana e até são capazes de fazer sacrifícios pessoais para ver a vida adornada enquanto adornada.

Essa atitude tem sua mais alta razão de ser, se entendemos o ornato como uma expressão de algo que reflete a Deus. Duas quantidades que refletem uma terceira, refletem-se entre si. Ora, o ornato reflete uma coisa; esta reflete a Deus; logo, o ornato reflete a Deus. Portanto, ser um apóstolo do ornato é ser um apóstolo de Deus. Uma ilação, a meu ver, irretorquível.

Polidez no trato social, antegozo do convívio no Céu

Isso que se diz de uma simples pasta de dente aplica-se a outros e superiores aspectos da vida humana. Por exemplo, à polidez nas conversas e no trato social. Sem dúvida alguma, estes se tornam mais agradáveis e belos com a polidez.

Quem ama a Deus, ama as manifestações do ornato no convívio dos homens, considerando-o inserido na ordem desejada pelo Criador. Assim, uma pessoa de influência que introduza nos costumes sociais de seu ambiente mais uma forma de ser amável, de fato está servindo a Deus.

Alguém poderia, com acerto, observar que a gentileza no trato entre os homens é uma decorrência da virtude da caridade que devemos praticar uns em relação aos outros. Não há dúvida. Porém, não se pode omitir que é também ornato, que deve ser amado enquanto tal. Mais ainda. A polidez é ornato da caridade, e torna a vida social agradavelmente suportável, embeleza-a e a faz se assemelhar ao relacionamento dos bem-aventurados entre si e com Deus, no Céu. É, portanto, nesta Terra, um antegozo do convívio no Paraíso.

Importância capital do ornato na vida

Vemos, por esses breves conceitos, como o ornato é de imensa importância para o homem enriquecer seu espírito e crescer no seu amor a Deus.

O ornato realça a beleza das coisas, assim como o verniz salienta a nobreza e a qualidade de uma madeira. Tomemos um móvel de mogno, por exemplo. Na sua aparência rústica, ele terá uma riqueza pouco ou indefinidamente notada. Recebe uma demão de verniz, e sua prestigiosa feição confere categoria ao ambiente.

Assim é o ornato, verniz do “pulchrum”, do belo, que enfeita as condições por vezes árduas da existência humana exilada do Éden. O enfeite ornamental, a arte decorativa, são, nesse sentido, elementos fundamentais da vida neste mundo.

Nosso Senhor Jesus Cristo, o ornato da criação

Para concluirmos essas considerações, poderíamos nos voltar para a divina figura de Nosso Senhor Jesus Cristo, ornamental por excelência, o ornato da criação.

Quem lograsse fazer uma análise psicológica d’Ele, deduziria uma série de princípios de estética e de ornamento que abrangeriam toda a ordem do universo. Por exemplo, a Sagrada Face: é um compêndio da insondável beleza de Nosso Senhor e, portanto, do “pulchrum” de tudo quanto foi criado.

E para atingirmos um píncaro de reflexões no qual seria difícil de se manter, pensemos na Transfiguração do Divino Mestre no alto do Tabor, a sua “esplendorização”, a manifestação do que havia n’Ele de belo, de bom e de verdadeiro, o apogeu da expressão do ornato revelado aos homens. É dizer tudo. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 17/2/1989)
Revista Dr Plinio 128 (Novembro de 2008)

Na vossa luz veremos a luz

Ó minha Mãe, Medianeira de todas as graças, na vossa luz veremos a luz. Mãe, antes ficar cego do que deixar de ver vossa luz, porque vê-la é viver. Na sua claridade contemplaremos todas as luzes; e sem ela, nenhuma luz refulge. Não considerarei vida os momentos em que ela não brilhar; e eu, da vida, não quererei ter mais nada do que a mente banhada por essa luz.

Ó luz!, eu vos seguirei custe o que custar: pelos vales, montes, desertos e ilhas; pelas torturas, pelos abandonos e olvidos; pelas perseguições e tentações, pelos infortúnios, pelas alegrias e triunfos.  Eu vos seguirei de tal maneira que, mesmo no fastígio da glória, não me incomodarei com ela, porque só me preocuparei convosco.

Eu vos vi, e até o Céu não desejarei outra coisa,  porque, uma vez, vos contemplei!

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 80 (Novembro de 2004)

Invencibilidade de quem se abre para a graça

São Bernardo, Bispo de Hildesheim, era descendente de bárbaros, mas modelou-se de tal modo pelo espírito da Santa Igreja que realizou maravilhas espirituais e materiais em sua diocese. Para uma alma aberta à ação da graça absolutamente nada é impossível! E nada é tão forte como o enlevo, a veneração e a ternura, forças espirituais incomparavelmente mais fortes do que todas as potências materiais.

 

Vamos considerar alguns dados biográficos sobre São Bernardo, bispo, tirados da obra Vida dos Santos, do Padre Rohr­bacher(1).

Realizador de inúmeros benefícios

São Bernardo foi Bispo de Hildesheim, no Sacro Império, no século X. Sendo muito dotado em relação às artes, cultivou-as com cuidado enquanto bispo.

Reuniu uma grande biblioteca, composta tanto de obras eclesiásticas quanto filosóficas. Incrementava o aperfeiçoamento da pintura, do mosaico, da serralharia, da ourivesaria, recolhendo cuidadosamente os trabalhos curiosos que os estrangeiros enviavam ao rei. E mandando jovens de bom comportamento serem educados para exercitá-los nessas artes.

Embora muito dedicado às funções eclesiásticas, não se cansava de prestar serviços ao rei e ao Estado. E tão bem se saía, que chegava a despertar a inveja de outros fidalgos.

Havia muito tempo que Saxe permanecia bastante exposto às incursões de piratas e de bárbaros. O santo bispo muitas vezes os repelira, ora com suas tropas, ora com auxílio de outras. Mas os assaltantes eram senhores das duas margens do Elba, e da navegação do mesmo rio. De maneira que se espalhavam por todo o território do Saxe e quase chegavam a Hildesheim. Para detê-los São Bernardo mandou construir duas fortalezas em dois pontos de sua diocese, guarnecendo-as. Não obstante a despesa acarretada por essa obra, enriqueceu sua diocese com a aquisição de várias terras, cultivou-as e guarneceu-as com belos edifícios.

Quanto à catedral, decorou-lhe as paredes de painéis com maravilhosas pinturas. Mandou fazer para as procissões nos grandes dias santos um livro com os Evangelhos trabalhado com ouro e pedras preciosas, incensórios dos mais altos preços, grande número de cálices, sendo um de cristal, um de ouro puro, com peso de vinte libras, uma coroa de ouro e prata de prodigioso tamanho, suspensa no centro da igreja, sem contar uma infinidade de outros objetos do mesmo gênero. Rodeou de muralhas e torres o claustro da catedral, de maneira que servissem ao mesmo tempo de adorno e defesa. Nada havia no Saxe que lhe pudesse ser comparado.

Um homem “pedra filosofal”

A Santa Igreja é como a pedra filosofal de que falavam os medievais. Segundo uma lenda da Idade Média, havia uma pedra que tinha o condão de transformar em ouro tudo aquilo em que ela tocava. Então, os alquimistas procuravam encontrar o segredo do fabrico da pedra filosofal, pois assim ficariam prodigiosamente ricos.

Pois bem, a Igreja Católica é a verdadeira pedra filosofal. Tudo aquilo em que ela toca e que se abre à sua influência se transforma em ouro, fica esplêndido.

Quem seria São Bernardo? Este homem viveu no século X. Ora, esse era um século ainda pouco distante do fim das invasões e, portanto, tinha muito de barbárie. Eram os descendentes desses bárbaros que governavam a Europa. Vemos toda a influência da Igreja na alma de um semibárbaro, de alguém que se abre para ela e imediatamente começa a fazer tudo quanto há de maior e de melhor, realizando toda espécie de benefícios, e se põe a civilizar.

Tudo quanto ele faz é grandioso do ponto de vista temporal, que visa servir ao espiritual, destinado a colocar o temporal em ordem ao espiritual. Nisso São Bernardo age como um grande príncipe, um grande senhor, ele que era um grande dignatário eclesiástico.

Em primeiro lugar, notamos o amor dele à cultura. Mandou transcrever livros numa época ainda muito longe de Gutenberg e da tipografia, de maneira que era preciso copiar manualmente cada livro, trabalho executado por aqueles famosos copistas que transcreviam obras enormes. Assim, reuniu ele uma grande biblioteca, composta tanto de obras eclesiásticas como filosóficas. Portanto, é um Santo que não vai promover apenas uma alfabetização comum, mas prepara alta cultura. São livros de Teologia e Filosofia com os quais ele organiza uma grande biblioteca.

De outro lado, ele era um artista e incrementava, com o bafejo e segundo o espírito da Igreja para a formação das almas, o aperfeiçoamento da pintura, dos mosaicos, das serralharias, da ourivesaria. Esses serralheiros não só tornavam seguras as casas, protegendo a ordem, mas suas obras constituíam adornos para as portas e davam decoro à vida.

As joias, os mosaicos, esse descendente de bárbaros amava e produzia tudo isso. Quão menos bárbaro era ele do que esses eclesiásticos miserabilistas de nossos dias, que querem esvaziar de todas as obras de arte os santuários e reduzir a igreja a um local de onde as artes fugiram espavoridas!

Talento e sabedoria imbuídos do espírito da Igreja

Depois a ficha continua, dizendo que São Bernardo recolheu cuidadosamente os trabalhos curiosos que os estrangeiros enviavam ao rei. É uma praxe natural de todos os tempos os chefes de Estado trocarem presentes ao visitarem outros países. Esses presentes ficavam acumulados nos palácios reais e muitos não tinham uso. São Bernardo mandou recolhê-los e organizá-los. Assim, talvez um dos mais antigos museus do mundo tenha sido esse homem quem mandou fazer. Tudo sob o espírito, o bafejo da Igreja.

Ademais, mandou educar jovens de bom comportamento para exercitá-los nessas artes. Ele organizou, portanto, uma escola de artistas. Obra magnífica a partir da qual saíram iniciativas como essas, multiplicadas por homens desse espírito, mais ou menos pela Europa inteira, dando origem às inumeráveis obras de arte cheias de espírito católico que a Idade Média conheceu.

O Rio Elba era uma avenida para a penetração dos bárbaros que com frequência chegavam até a sua diocese. Então ele, que dispunha de tropas – porque os bispos naquele tempo eram por vezes senhores feudais e podiam dispor de tropas –, mandou organizar torres e fortificações tão bonitas que eram, ao mesmo tempo, o adorno da paisagem. Também nisso nota-se o descortino, o talento desse homem; mas uma forma de talento própria à sabedoria, e uma forma de sabedoria própria a quem tem o espírito católico.

Quanto à catedral, esse Santo, canonizado pela Igreja, inaugurou um verdadeiro luxo eclesiástico. Com certeza, havia muita gente pobre na diocese dele. Entretanto, para incutir respeito ao Santo Evangelho nas procissões solenes dos grandes dias, mandou elaborar um livro dos Evangelhos trabalhado com ouro e pedras preciosas. E, mais ainda, para dar glória a Deus, incensórios dos mais altos preços, grande número de cálices preciosos para a celebração da Missa. Além disso, continua a ficha:

…uma coroa de ouro e prata de prodigioso tamanho, suspensa no centro da igreja…

Com certeza para afirmar a realeza de Nosso Senhor e de Nossa Senhora.

…sem contar uma infinidade de objetos do mesmo gênero.

Ele foi um verdadeiro organizador do luxo eclesiástico e civil. Padroeiro do luxo santo, nobre, do luxo que simboliza a virtude e toda espécie de valores morais e, portanto, conduz as almas a Deus.

Devemos ter em relação à Igreja amor, veneração e ternura sem medida

Nada havia no Saxe que lhe pudesse ser comparado.

Há na Sagrada Escritura uma frase que diz: “Em toda a Terra não foi encontrado alguém semelhante a ele” (cf. Eclo 44, 20). Isto se pode afirmar de cada Santo, porque em toda a Terra não foi encontrado um que fosse semelhante a ele. E aqui nós temos um Santo assim. Em toda a região que ele conheceu, São Bernardo era a flor, o adorno, a torre, a glória, a sabedoria, a orientação, a doutrina. Por quê?

Unicamente por isto: porque nele, criatura miserável, pecadora, concebida no pecado original e, como tal, sujeita a toda espécie de degradações morais, potencialmente um infame pelo simples fato de ter nascido – pois esta é a condição dos homens concebidos no pecado original e que se fecham à graça divina –, nele, entretanto, pousou esse dom sobrenatural, admirável, único, do qual nasce todo bem, e que confere aos homens toda espécie de fortaleza: a graça de Deus. A essa graça ele se abriu e, a partir do momento em que ele se abriu para ela, dele nasceu todo gênero de maravilhas.

Ora, a sede, o veículo, a Esposa verdadeira e única do Autor dessa graça, Nosso Senhor Jesus Cristo, é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana da qual não pretendemos ser senão uma célula, um pequeno membro vivo, uma emanação, uma centelha, um elemento integrante; e cada um de nós coloca toda a sua ufania apenas neste ponto: ser um homem católico na força do termo e mais nada. Podem dizer o que quiserem, caluniar como entenderem, até matar, se desse homem se pode afirmar que ele foi um varão católico, nele o espírito da Igreja viveu, dele se disse tudo quanto de bom, de grande e de admirável se pode afirmar de um homem.

É assim que nós devemos entender e amar a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Diz-se que Deus é admirável em seus Santos. A Igreja, que é o espelho de Deus e a Esposa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus, a mais bela criatura de todo o universo, a Igreja Católica Apostólica Romana é admirável nos seus Santos. É neles que compreendemos a Igreja. Olhando para aqueles que são conformes a Igreja entendemos como ela é.

Então compreendemos que devemos aplicar ao amor, à veneração e à ternura que temos para com a Santa Igreja aquelas palavras de São Francisco de Sales: “A medida de amar a Deus consiste em amá-Lo sem medida.” A medida de amar a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, nossa mãe, consiste em amá-la sem medida. A medida da veneração e da ternura que devemos ter à Santa Igreja Católica consiste em ter em relação a ela uma ternura e uma veneração sem medida.

Fidelidade à Igreja

Que este Santo tão glorioso, Bernardo, reze por nós e nos obtenha pelo menos a raiz dessa forma de amor para com a Igreja que é a coisa mais forte que há no universo. Fala-se hoje em dia em forças materiais enormes, organizadas, encadeadas e desencadeadas pelo homem. Nada disso é forte como o enlevo, a veneração e a ternura, forças espirituais incomparavelmente mais fortes do que todas as potências materiais. Que Nossa Senhora implante em nossas almas essa disposição, essa veneração e ternura pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Santa Igreja Católica… como não soltar um “ai” depois de dizer isto? Como não olhar para as ruínas que fumegam, para os corpos que enchem as ruas, para o sangue que se verte de todos os lados, para os corvos que se abatem sobre os cadáveres, para os tremores de terra que abalam aquilo que os incêndios ainda não consumiram? Como não ter um gemido pensando nisso?

A Santa Igreja Católica: Jerusalém celeste, cidade perfeita, com muralhas de brilhantes e pérolas, vias cobertas de safiras e esmeraldas, torres revestidas de rubis, e as ruas calçadas de ouro e prata. A Igreja, minha mãe, onde está ela?

Essa pergunta causa uma dor que constringe o coração e o coroa de espinhos em toda a sua superfície. Entretanto, além de despertar esta dor, suscita uma alegria: Nosso Senhor disse que o Reino de Deus está dentro de nós (cf. Lc 17, 21). O Reino de Deus é a Igreja Católica, nós somos os filhos da Igreja, fiéis a ela. Isso se manifesta na nossa fidelidade à Doutrina que ela ensina e que não foi inventada por nós, aos Sacramentos por ela administrados, à Tradição gloriosa de dois mil anos que nos vem em documentos inconcussos e nos explicam como é verdadeiramente a Igreja, e aos quais nos conformamos. Nossas ideias não são um capricho, nossa orientação não é um ato de preferência arbitrária e pessoal, somos os escravos da Igreja Católica, que a seguimos no que ela quer, no que ela ensina e sempre ensinou e que aí está, apesar de toda a fuligem das épocas, para nos dar a entender como devemos ser. Nós conseguimos ser como somos por sermos filhos dela, porque sua graça tocou em nós.

Se nos abrirmos à ação da graça, venceremos a Revolução

Se nos abrirmos a essa graça, como São Bernardo se abriu, faremos maravilhas. E não haverá nada que consiga impedir que nós vençamos a Revolução. Porque nós vemos, pelo exemplo dele e de tantos outros Santos, que para uma alma aberta à ação da graça absolutamente nada é impossível.

O Hino das Congregações Marianas cantava: “De mil soldados não teme a espada quem pugna à sombra da Imaculada”. A espada poderá parecer uma arma bem anacrônica. Pois bem, de mil bombas atômicas, ainda que todo o universo se desagregasse em explosões atômicas, a alma que se abre à influência de Nossa Senhora na Igreja não temeria, porque, se fosse esse o desígnio da Santíssima Virgem, depois dessas explosões seguiria o Reino de Maria num universo renovado. Porque o que Nossa Senhora quer, isso se faz irrecorrível e invencivelmente. É o desígnio d’Ela que manda em tudo. E nós devemos ter mil vezes mais medo de despertar uma expressão de tristeza na face augusta de Maria, do que da cólera de todos os ímpios e na explosão de todas as bombas atômicas.

Para isso, temos que abrir as nossas almas para a graça de Deus. Peçamos, então, à Santíssima Virgem que Ela condescenda em ser cada vez mais a nossa aliada, pois assim faremos tudo.

Que Maria Santíssima nos dê aquela abertura de alma que sem Ela não teríamos. Aquela generosidade da qual Ela é a fonte, para que possamos dizer-Lhe, ligeiramente adaptado, aquilo que foi dito por Ela ao Anjo quando este Lhe anunciou a missão: “Eis aqui os escravos de Maria, faça-se em nós segundo a vontade d’Ela”.         v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/10/1967)
Revista Dr Plinio 260 (Novembro de 2019)

 

1) Cf. ROHRBACHER, René François. Vidas dos Santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. Vol. XIX. p. 33-37.

 

Guerreiro justíssimo, defensor de uma causa santíssima

Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei, tanto em virtude do poder espiritual quanto do temporal. A coroa que Ele usa simboliza a plenitude de seu poder. Não o domínio necessariamente limitado de um monarca terreno, mas o poder ilimitado de Deus.

Isto significa que a mais alta figura da organização humana não é um rei ou qualquer outro chefe de Estado, nem um papa, mas é Cristo Rei.

A doutrina da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo é própria a despertar uma profunda adoração a Ele, inclusive no referente ao poder temporal, considerado como mero instrumento do Homem-Deus, Senhor de todas as coisas e dominando tudo: “Rex regum et Dominus dominantium”.

Esta concepção de que o cetro global do poder encontra-se nas mãos divinas de Nosso Senhor Jesus Cristo eleva tanto a ideia sobre a sociedade temporal, que daí decorre a noção de sacralidade.

Por outro lado, Nosso Senhor, enquanto presente na Sagrada Eucaristia, tem um título de peculiar presença entre os homens e, portanto, também na História, na qual Ele é especialmente atuante a partir do Santíssimo Sacramento. Porque Jesus na Eucaristia é, por assim dizer, Nosso Senhor que desce do Céu à Terra e, como Homem-Deus, continua ao lado dos homens a luta que Ele começou por ocasião da Encarnação do Verbo.

Assim, seria preciso acrescentar a Nosso Senhor, ao lado de Sacerdote, Pontífice e Rei, o título de Guerreiro no exercício da realeza. Atributo que não se confunde com a realeza, mas lhe é inerente. Cristo Gladífero e Cristo Eucarístico estão, pois, na mesma linha, intervindo dentro da História, mas morando entre os homens.

Enquanto Eucarístico, Ele é o Bom Pastor; enquanto Gladífero, seria mais o Deus do Apocalipse, que nos apresenta Nosso Senhor Jesus Cristo como um cavaleiro que avança terrível, montado num cavalo branco com uma espada na boca, para batalhar(1). Portanto, o símbolo do cavaleiro mais do que armado.

Nós, como cavaleiros católicos, devemos querer imitar o Divino Mestre, que tem bondades inimagináveis, mas também severidades terríveis. Este é o verdadeiro cavaleiro: bondoso, misericordioso, paciente, mas que em certo momento recebe um sinal de Deus, por onde acaba a hora da misericórdia e começa a da justiça. Com este olhar devemos considerar aqueles que nos atacam e nos perseguem, perseguindo a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Se a Sagrada Escritura apresenta Jesus Cristo assim, é porque Ele tem também este aspecto, enquanto paradigma do cavaleiro. Nessas condições, Ele deve ser admirado e amado por nós como um guerreiro justíssimo, defensor de uma causa santíssima que é a Causa d’Ele, pois Ele é a própria Inocência e Justiça, que investe indignado contra aqueles que recusam a sua misericórdia e insistem em destruir a obra d’Ele. Visto deste ângulo, o Apocalipse é a narração das intervenções divinas na História, ou seja, Cristo Rei intervindo na História e vencendo.

Como corolário disso, temos a realeza de Maria Santíssima. Porque todo o poder d’Ele sobre os homens passa antes por Nossa Senhora. Ela é, por assim dizer, a Rainha-Mãe regente da Terra(2).

 

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Cf. Ap 1, 16;  6, 2.

2) Cf. Conferências de 2/9/1982, 10/9/1989 e 30/4/1993.

Viver em Maria

Conhecer e admirar as excelsas virtudes de Nossa Senhora, tendo-A continuamente em vista como nossa Mãe e misericordiosa advogada, é o meio de penetrarmos nesse “paraíso de Deus” e “jardim fechado” da Trindade — como nos ensina São Luís Grignion de Montfort no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, aqui comentado por Dr. Plinio.

 

Na parte final de sua obra, São Luís Grignion enumera algumas práticas piedosas, interiores e exteriores, que o devoto de Nossa Senhora deveria cultivar para se unir ainda mais a Ela. Segundo o autor, seriam meios pelos quais podemos “viver em Maria” e “fazer todas as ações por, com e em Maria”.

Aquela em quem o Altíssimo colocou sua glória suprema

Leiamos São Luís:

O Espírito Santo, pela boca dos Santos Padres, chama também a Santíssima Virgem: 1º, a porta oriental, por onde o sumo sacerdote Jesus Cristo entra e vem ao mundo (cf. Ez 44, 2‑3); por ela entrou da primeira vez, e por ela virá da segunda; 2º, O santuário da Divindade, o reclinatório da Santíssima Trindade, o trono de Deus, a cidade de Deus, o altar de Deus, o templo de Deus, o mundo de Deus. Todos estes diferentes epítetos e louvores são verdadeiros em relação às diversas maravilhas e graças que o Altíssimo realizou em Maria. Oh! que riqueza! que glória! que prazer! que felicidade poder entrar e habitar em Maria, em quem o Altíssimo colocou o trono de sua glória suprema!

Mas quão difícil é a pecadores, como somos, alcançar a permissão e a capacidade e a luz para entrar em lugar tão alto e tão santo, guardado não por um querubim, como o antigo paraíso terrestre, mas pelo próprio Espírito Santo, que dele se tornou o Senhor absoluto e do qual diz: “Hortus conclusus soror mea sponsa, hortus conclusus, fons signatus” (Cant 4, 12). Maria é fechada; Maria é selada; os miseráveis filhos de Adão e Eva, expulsos do paraíso terrestre, só têm acesso a este outro paraíso por uma graça especial do Espírito Santo, a qual devem merecer (Tratado, nºs 262 e 263).

Ter sempre em vista as grandezas de Maria

Conforme se depreende da interpretação desses tópicos, a alma que considera as maravilhas operadas por Deus em Nossa Senhora, percebe que Ela se assemelha a uma catedral, um santuário fechado, um jardim no qual somente se pode ingressar com a ajuda do dom divino.

Que significa, pois, entrar em Nossa Senhora?

Penso eu que se trata, exatamente, de ter continuamente em vista essas grandezas incomparáveis de Maria, inclusive as grandezas inconcebíveis e imensuráveis de sua misericórdia, em primeiro lugar. Segundo, em agir como alguém que se sabe filho d’Ela e que procura desenvolver sua vida espiritual em função dessas grandezas da Mãe de Deus e nossa.

Mas, diz São Luís Grignion, essas riquezas são tais que um homem, com suas cogitações conspurcadas pelo pecado original e suas faltas atuais, não é capaz de se elevar à altura delas. Então, acrescenta o autor, para isso importa que tenhamos o auxílio de uma graça especial do Espírito Santo, a graça da escravidão de amor à Santíssima Virgem, pela qual a entrada nesse jardim magnífico nos é franqueada.

Maravilha insondável que preenche os espaços entre Ela e o fiel

Outro ponto a se considerar é como devemos desenvolver nossa vida espiritual em função dessas grandezas de Nossa Senhora.

Antes de tudo, como já se disse, nutrir uma entusiasmada admiração pelas perfeições de Maria Santíssima, procurando avivá-las na alma através de leituras de livros que no-las apresentam, e de modo eminente o próprio Tratado escrito por São Luís Grignion de Montfort.

Tendo noção dessas grandezas, nunca se dirigir a Nossa Senhora a não ser com um sumo respeito, uma suma veneração e uma suma confiança. Como a uma criatura super-excelsa, altíssima, a mais alta de todas as criaturas abaixo de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, porque a mais alta, também a mais benigna, a mais condescendente, a mais afável, a que mais desce até nós. Com efeito, sua grandeza é tal que preenche todos os espaços entre Ela e o resto da criação, tornando-A inteiramente acessível, amável, misericordiosa e condescendente para conosco. Ela é a mais disposta a perdoar, a mais disposta a atender, a que não se zanga nem se irrita nunca, a que nos quer sempre, por motivos elevadíssimos e invariáveis.

Estreita intimidade materna

Então, procuremos desenvolver nossa vida espiritual em função dessas verdades. Tenhamos a certeza de que, ao nos voltarmos para Nossa Senhora, estaremos levantando nossos olhos para  muito alto, como quem contempla um horizonte longínquo, mas, ao mesmo tempo, admiramos o que há de mais próximo a nós. Porque nada, em toda a Criação, nos é mais chegado do que Maria, que nos envolve com uma intimidade materna da qual só não se pode dizer que é infinita.

Em virtude desse vínculo estreitíssimo, a alma amará não apenas a grandeza de Nossa Senhora, mas tudo quanto dela é reflexo na criação: os monumentos que têm autêntica magnitude artística e cultural; o fulgor de um brilhante que lembra a pureza imaculada da Virgem; a coragem de um herói porque evoca a Rainha vitoriosa sobre o demônio, enfim, tudo quanto há de belo no mundo, espiritual ou material, tende a reforçar os laços de admiração e amor de uma alma com a Mãe de Deus.

Afetos inimagináveis

Contudo, a consideração dessas grandezas pode produzir na alma do devoto de Nossa Senhora um compreensível sentimento da própria pequenez: “Minha Mãe, sois tão formosa e admirável! E eu, quão pobre e miserável!”

Não nos deixemos abater por esse pensamento, e nos lembremos do vínculo maior estabelecido entre a misericórdia materna d’Ela e cada um de seus filhos: “Apesar de tudo, tenho uma mãe que do alto do Céu olha com bondade e tristeza para minhas lacunas e que deseja me corrigir. Se eu pudesse Lhe falar e vê-La no momento em que considera meus pecados, eu me desfaria de ternura e pesar. Pois eu veria que Ela, embora não sendo complacente com minhas faltas, olha-me com um afeto tão imenso que não posso medir”.

Trata-se de um afeto superior a todos os carinhos humanos aos quais estamos acostumados, porque procede do fato de Ela conhecer o próprio amor de Deus em relação a cada um de nós. Por assim dizer, Ela nos ama como nos ama o Criador, com um afeto que participa do amor que Ela mesma tem a Deus. Ou seja, um amor estável, profundo, completo. Por isso, Maria nos quer com uma benevolência que nenhuma infidelidade pode cansar nem fazer cessar. Nada é capaz de extinguir a vontade d’Ela de nos fazer bem. Pelo contrário, não deseja senão nos favorecer com benefícios maiores, com favores exuberantes.

Tenhamos sempre presente essa noção da misericórdia de Nossa Senhora, durante todo o dia, nos momentos de alegria e de tristeza, de fidelidade ou de miséria, e saberemos como esperar, resistir, lutar. Assim se vive em Maria. Assim se habita nesse palácio maravilhoso, nesse jardim fechado. É ter Maria Santíssima continuamente, desse modo, presente diante de nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 16/6/1972)

Revista Dr Plinio 128 (Novembro de 2018)