Neve, paz e ventura

Creio não ser uma voz discordante, ao afirmar que o cenário mais harmonioso com as bênçãos natalinas é aquele emoldurado e engalanado pela neve.

Quantas e quantas vezes nossa imaginação de criança (e não apenas de criança!) facilmente se deixou transportar aos belos e cativantes panoramas pintados pelos contos natalinos, alguns deles tão tocantes e tão próprios a despertar no espírito humano as melhores disposições espirituais e morais que o advento do Filho de Deus proporcionou ao mundo.

Aldeias recobertas de uma alvura imaculada, refletindo nos telhados de suas casas, nos caminhos, nas galharias dos pinheiros e das árvores esguias, o brilho de um límpido e diáfano azul, sereno e silencioso, dizendo-nos algo daquela quietude ungida de bênçãos do Céu que envolveu o estábulo de Belém onde o Verbo eterno nasceu para o tempo, revestido de nossa natureza.

A neve nos fala da inocência sem mancha, da beleza virginal e pura que tem o condão de encantar os olhos e os corações. Não sem razão, o Salmista arrependido e penitente, comparou a regeneração de sua alma com a alvura dessa fascinante criatura: “Tu me aspergirás com o hissope e serei purificado; lavar-me-ás e me tornarei mais branco que a neve…” (Sl 50, 9)

Candura nívea, inocência do Divino Infante, nascido da Virgem-Mãe imaculada, sob os desvelos do castíssimo São José — atmosfera natalina, que sempre convida a humanidade a deter, por uma noite, por um dia, a laboriosa rotina de sua existência neste chão de exílio, e a se alegrar, a se reconfortar com as indefectíveis promessas de paz e ventura que nos veio do alto com esse Menino, agora reclinado num presépio…

Plinio Corrêa de Oliveira

Onde o Arcanjo um dia pousou…

Tibre, o velho rio Tibre, corre suavemente por uma das mais pitorescas zonas da Cidade Eterna. Em suas águas tranquilas, deixa refletir os arcos de uma robusta ponte e a silhueta de uma construção monumental, conferindo particular beleza a esse cenário romano.

A ponte, de linhas fortes e traçado muito lógico, foi feita para resistir às vicissitudes e desgastes dos séculos. Nas margens onde ela toca cresce uma vegetação nascida ao léu, com um certo espontâneo e desordenado que a tornam ainda mais atraente. Ao longo de suas balaustradas se erguem, em intervalos regulares, imagens de santos e de anjos, diante das quais os fiéis costumam rezar, enquanto se dirigem para aquele grande edifício que se espelha no Tibre. Esses peregrinos vão visitar o Castelo Sant’Angelo.

***

Os antigos imperadores romanos, pagãos, tinham o hábito de preparar monumentos nos quais deveriam ser enterrados. Por suas características arquitetônicas, esses mausoléus procuravam imortalizar o César ali sepultado.

Mais que um túmulo, era uma glorificação à memória do homem que, por tempo maior ou menor, governara os destinos de Roma e de seus vastos domínios. Um desses perpetuados foi o imperador Adriano, cujos restos mortais descansariam para sempre no monumento que ele mandou construir, próximo às plácidas águas tiberinas.

Na época imperial chamava-se “Mole Adriana”, nome bastante adequado se considerarmos tratar-se de um edifício de grandes e sólidas proporções. De diâmetro colossal, ele impressiona pelo sério, pelo compacto, pelo imenso. É uma afirmação do poder quantitativo, qualitativo e ordenativo de Roma, bem como de seu incontestável domínio sobre extensa parcela do mundo.

Porém, com o passar dos séculos, os ossos desse Adriano se desfizeram e dele nada sobrou. A história não o celebra, apenas o registra, porque ainda permaneceu de pé seu imponente mausoléu. E metida a cidade de Roma nas contínuas guerrilhas e guerras da Idade Média, esse túmulo começou a ser utilizado para finalidades diversas, transformando-se numa importante fortaleza. Seu papel defensivo pode ser notado até hoje, por quem visita a sede do Papado e a Basílica de São Pedro. Visto de fora o Palácio do Vaticano, nota-se em determinado ponto um cor- redor todo coberto, construído sobre arcadas que, mais adiante, atravessam o Tibre e se emendam na antiga Mole Adriana, agora Castelo Sant’Angelo. De maneira que, sentindo-se ameaçado, o Sumo Pontífice podia facilmente escapar por esse corredor e se refugiar entre os robustos muros do velho monumento. Era a suprema defesa do Vigário de Cristo.

Cessados os períodos de convulsões e saques a que se expunha a Cidade Eterna, o Castelo Sant’Angelo passou a ser outro lugar de descanso e recolhimento, à disposição do Papa.

E assim, como tantas outras construções de passadas eras, esse monumento de um imperador pagão foi incorporado às tradições e aos valores cristãos, tornando-se mais um símbolo das grandezas da Igreja.

No alto desse gigantesco castelo paira, sobranceira e protetora, a imagem de São Miguel Arcanjo. Ela é quem deu o novo nome ao antigo túmulo imperial.

Narram as crônicas que, durante a Idade Média, devastadora epidemia se alastrou por Roma, ceifando incontáveis vidas.

Compadecido e angustiado diante de tanta calamidade, o Soberano Pontífice ordenou que se fizessem procissões em toda a cidade, a fim de se alcançar dos Céus o fim daquele inclemente flagelo.

E suas preces foram atendidas. Pouco depois, como sinal da misericórdia divina, viu-se o gladífero Arcanjo pairar sobre a Mole Adriana, numa atitude de quem conjurava a peste.

Roma voltou à vida. E, desde então, a glória de um imperador em pó transformou-se em escabelo para o Príncipe da Milícia Celeste…

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Vitoriosa sobre os demônios

O demônio foi vencido por Maria uma primeira vez quando Deus anunciou que esta mulher esmagaria sua cabeça. Foi vencido quando Ela foi concebida imaculada. Foi vencido quando esta santíssima e augustíssima Virgem deu à luz o Filho de Deus feito homem, Aquele que vinha sobre a terra para destruir, por sua própria morte, o império da morte de satanás.

Ele foi vencido durante séculos, e o será até o fim dos tempos, por Maria, que não cessa de lhe arrebatar suas vítimas, desfazer suas ciladas, e de pôr freio às suas violências. Somente o nome de Maria basta para fazê-lo tremer; uma invocação a esta Rainha toda poderosa, a esta Mãe misericordiosa, basta para obrigá-lo a fugir.

Vitoriosa sobre os demônios, Maria o é, pela mesma razão, sobre todos os inimigos de Deus, porque destes é chefe o demônio, cuja vontade eles executam.

Pe. Zéphyr-Clément Jourdain

Um presente à Santíssima Virgem

Minha Mãe, é Natal! Hoje, mais do que nunca, o que pedirdes a vosso Divino Filho obtereis. Pedi-me de presente a Ele, minha Mãe. Eu sei que não vale a pena. Mas, se Vós quiserdes, valerá. Porque se Nosso Senhor me der a Vós, Ele me encherá de presentes.

Sendo eu maltrapilho e despojado de méritos, simplesmente pelo vosso sim serei revestido pelo Menino-Deus como um príncipe, para assim pertencer-Vos para sempre. Portanto, minha Mãe, pedi-me a Ele.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 25/12/1987)

Os ódios sapienciais do Imaculado Coração de Maria – I

Maria Santíssima é toda cristalina, feita de suavidade e de pureza, dir-se-ia ser uma alma incapaz de odiar. Entretanto, pelo próprio amor insondável que Ela tem a Deus, é impossível que não odeie o que é contrário a Ele.

 

Nossa Senhora é a Medianeira de todas as graças e o ponto de referência de todos os elogios feitos a Deus. Não podemos conceber um louvor de Deus perfeito que não tenha a Ela como ponto de referência.

O caminhar do espírito humano

O espírito humano caminha para a cognição de “proche en proche” – de próximo em próximo, mas nesse caminhar, qual é o próximo d’Aquele que é eterno, absoluto, perfeito, infinito, transcendente em relação a qualquer criatura? Deus mora, a um título muito especial, no interior das criaturas por Ele amadas. Então, como Ele habita em Nossa Senhora, que é tão especialmente objeto de seu amor?

N’Ela temos o modo de nos tornarmos mais próximos de Deus. Embora Ele seja inacessível, fica ao alcance de nossa mão, porque habita em nossa Medianeira. Sendo Ela o Palácio da Trindade, o Paraíso do Homem-Deus, por meio d’Ela podemos ter com Ele aquele contato sem o qual nada somos.

Por essa razão, para exaltar qualquer perfeição divina, até mesmo a sagrada cólera d’Ele, não podemos tratar disso sem falar a respeito d’Ela.

Quando um indivíduo peca e se fixa irreversivelmente no pecado, torna-se odioso

Como medir a cólera do Sapiencial e Imaculado Coração de Maria? Como podemos sequer conceber o Sapiencial e Imaculado Coração de Maria em cólera? Parece que as expressões são contraditórias, antitéticas. N’Ela não pode haver cólera, Ela é toda cristalina, toda feita de suavidade, de pureza. A cólera parece uma vibração de indignação, do amor de si mesmo contrariado, do egoísmo vilipendiado. Como se pode conceber disposições de alma tão baixas n’Aquela criatura que é toda Ela elevação?

A quem e como Nossa Senhora odiou? Costuma-se dizer que Ela odiou o pecado. É verdade. Mas o pecado só existe na pessoa do pecador. Não há um pecado tomado em abstrato. Antes de Adão e Eva pecarem, não havia pecado, pois não havia pecadores. Existia uma possibilidade de alguém pecar. Então, poder-se-ia odiar essa possibilidade, mas o ódio não teria como objeto um ser existente. Se Adão e Eva tivessem esse ódio ao pecado, enquanto sendo uma eventualidade, teriam encontrado mais recursos de alma para não pecarem.

Maria Santíssima odeia em todos os pecadores aquilo que é pecado e ama os pecadores, pois ama neles a possibilidade que, por disposição divina, têm de se arrepender. Mas a situação atual do pecador, enquanto permanecendo no estado de pecado, Ela odeia.

Como Ela odeia? Como nós podemos imaginar os ódios do Sapiencial e Imaculado Coração de Maria?

Tenho a impressão de que com o pecado e com a virtude há quintessências. Alguns pecadores, por assim dizer, levaram tão longe o pecado quanto uma criatura humana pode levar a virtude. E, ao pé da letra, pecaram tanto quanto podiam, isto é, quanto estava na condição deles pecarem. Sendo criaturas muito elevadas, tiveram a possibilidade de pecar de modo muito abominável. Diz o ditado popular: quanto maior é a altura, tanto maior é a queda.

Assim, houve criaturas de uma natureza muito elevada chamadas por Deus a emitir um reflexo magnífico das três Pessoas Divinas. No momento em que pecaram e se fixaram irreversivelmente no pecado, essas criaturas tornaram-se odiosas. Ao ser criada, e tendo tomado conhecimento dessas criaturas e da hediondez do pecado por elas cometido, Nossa Senhora não foi em relação a elas senão ódio.

Maria Santíssima toma em consideração que o pecador forma um todo só com o pecado, assim como a pessoa virtuosa forma um todo só com a virtude. É mais ou menos como a pessoa feia e a feiura; como também a beleza constitui um todo com a pessoa bela. Tanto a beleza quanto a feiura são inerentes ao ser da pessoa.

Assim também o pecado, com a diferença de que este é livremente escolhido pelo pecador; e nisso a pessoa tem exatamente a nota mais humilhante, pois ela viu e aderiu àquilo por sua própria vontade.

O ódio se mede pelo amor

Então, pelo próprio amor insondável que Nossa Senhora tem a Deus, é impossível que Ela não odeie completamente aquele ser ao vê-lo como sendo o contrário do Criador. Para cada pecador a quem a Divina Justiça selou o destino e condenou ao Inferno, Maria Santíssima pode dizer as palavras da Escritura: “Eu te odiei com ódio perfeito!” (cf. Sl 138, 22). É um ódio ao qual não falta nada.

Esse ódio é feito de uma concepção retíssima e nobilíssima de como aquele ente deveria ser, pois Nossa Senhora conhece o modo único pelo qual aquela criatura deveria ser a imagem e semelhança de Deus, e ama muito aquilo. Ao ver que aquele ser rejeitou essa perfeição, transformando-se voluntariamente no contrário, Ela percebe que ele atingiu o requinte de sua própria maldade e o odeia completamente, por amor àquela mesma perfeição que Ela contempla em Deus.

É forçoso que, amando-se algo muito, se odeie igualmente o contrário. O ódio e o amor se acompanham como a figura e a sombra.

Os pés puríssimos de Nossa Senhora calcam os precitos com ódio

Poderíamos imaginar Nossa Senhora na presença de Deus e, diante d’Ela, uma alma que será julgada. Se for uma pessoa virtuosa, Ela a considera com amor e diz: “Filho meu, como te pareces comigo e com os dons que Deus pôs em Mim! Quero oscular-te, meu filho, dá-me tua fronte!”

De repente, aparece a alma de um pecador empedernido, trazendo o sinal do demônio na testa. Evidentemente, toda aquela força de atração se transforma em repulsa, e as palavras de carinho tornam-se increpação: “Eu desvio de ti minha face, tenho horror ao semblante que apresentas, ele causa-Me asco e indignação. Quero calcar aos pés a deformidade que por teu pecado assumiste, como calco a serpente eternamente!”

Poder-se-ia pintar um quadro representando a Santíssima Virgem calcando aos pés cada um dos réprobos que estão no Inferno porque, de fato, sobre eles pesa eternamente o ódio total e implacável d’Ela. E tendo Ela como uma de suas glórias pisar sobre os precitos, poderia dizer a Deus: “Faço-Vos este ato de reparação, meu Criador, que sois meu Pai, meu Filho e meu Esposo! Esses miseráveis quiseram ser o contrário de Vós, por isso meu pé puríssimo, elemento integrante e executivo da mais alta criatura que vossa Sabedoria e vosso Poder engendraram, calca-os com ódio, e Eu entoo o cântico de cólera e de triunfo de todos os justos no Céu e na Terra!”

Ela teve vontade de punir Salomão, que levou à perdição o povo eleito

Dos múltiplos exemplos que se poderiam apresentar, não há nenhum que me cause tanto arrepio quanto Salomão, o filho bem-amado, o rei que recebeu de Davi a coroa e a missão. Davi deixou prontos os materiais e os planos para a construção do Templo, mas foi Salomão quem teve a glória de construí-lo. Salomão, que é o autor do Livro da Sabedoria, entretanto prostituiu-se a ponto de adorar ídolos, transformar-se num devasso e morrer na libertinagem e na apostasia. Como era possível que uma alma de tal maneira decaísse daquele pináculo? Esse homem, que escreveu as palavras ditadas pelo Espírito Santo para serem comunicadas à humanidade, de repente transforma-se nesse vaso de abominação!

Ao ler no Livro da Sabedoria a narração da construção e inauguração do Templo, de que amor a alma santíssima de Maria deveria se sentir cheia! Era um perfeito reflexo do amor de Deus e quanta glória deveria dar a Ele!

Contudo, ao considerar a narrativa da queda de Salomão, como poderia não sentir um ódio tão grande quanto o amor por Salomão na sua justiça? Como não sentir náusea, asco, repulsa, vontade de rejeitar e de punir aquele que de tal maneira se tornou inimigo de Deus, levando à perdição o próprio povo eleito?!

Horror implacável a toda forma de pecado

Sabe-se que houve Santos que, ouvindo os penitentes em Confissão, sentiam o mau odor dos pecados cometidos por aquelas almas.

Quando o mau odor resulta simplesmente da negligência da pessoa no trato do próprio corpo, causa uma particular repulsa. Ninguém tem culpa pelo mau cheiro do corpo provocado por alguma doença, mas ser negligente e não ter horror ao mau odor de si mesmo já é uma forma de conivência que contagia de algum modo a alma com aquele mau odor físico.

Por exemplo, uma pessoa que por negligência nunca escove os dentes e tenha, por isso, um hálito abjeto. Ela sabe que, se escovasse os dentes, o mau hálito cessaria, mas não os escova porque não tem horror ao mau gosto e ao mau odor de sua boca. Somos levados a pensar que essa alma tem conaturalidade com certos defeitos morais, e ficamos com horror ao corpo que leva a um horror à alma, enquanto esta não tem aversão àquilo que para o corpo é horrível.

Ora, o pecador que poderia e deveria eliminar o seu pecado, mas se deixa ficar nesse estado, tem incomparavelmente mais culpa e é mais aderente ao mau cheiro de sua alma do que ao mau hálito de sua boca.

Imaginem Nossa Senhora sentindo o mau odor da alma de Salomão, por exemplo, que Ela, a posteriori, terá conhecido por completo. Salomão, cujas palavras deveriam ter o perfume do incenso ao ser queimado, o aroma dos frutos quando chegam à maturidade, após sua prevaricação ficou com o cheiro abjeto de todas as putrefações.

Se isso é assim, podemos compreender, então, o implacável horror de Nossa Senhora a toda forma de pecado.

Maria Santíssima conhece até mesmo o que é oculto

Assim também a Santíssima Virgem, a Quem nada era oculto, conhecia perfeitamente a abjeção a que tinha caído sua nação no tempo em que Ela nasceu. Ela sabia que o Messias estava por nascer naquela ocasião, mas via a que auge de degradação chegara o povo judeu. Nossa Senhora não podia deixar de ter, com muito mais lucidez do que o profeta, aquela visão de Ezequiel quando foi conduzido para dentro do Templo e viu em seus recintos ocultos os sacerdotes praticando idolatria, porém diante do povo fingiam adorar o Deus verdadeiro.

Ora, Maria Santíssima sabia que a classe sacerdotal se preparava para cair no abismo do deicídio, e seria a promotora mais ativa de todas as calúnias contra Nosso Senhor. O Sinédrio era propriamente a força deicida dentro de Israel.

Devemos imaginar a Virgem Maria menina entrando para o serviço do Templo, aos três anos de idade, e presenciando esta realidade bivalente: a casa de Deus, onde a glória d’Ele habita, os justos vão rezar, seu Divino Filho iria ensinar, ou seja, todo o Templo era uma espera ansiosa do Messias que deveria vir; e, ao mesmo tempo, Ela via, ao lado do culto verdadeiro, o culto secreto, disfarçado, abominável, e a prevaricação de toda a classe sacerdotal.

Alguém objetará:

— Mas Ela só tinha três anos!

Eu respondo:

— Ela era Nossa Senhora…

Não tem outra resposta a dar. Ela já conhecia tudo.

Com que enlevo Ela penetrou na casa de Deus! Qual não terá sido o cântico dos Anjos ao verem se aproximar Aquela de Quem nasceria o Salvador e que era a nova Arca da Aliança, da qual a arca guardada no Templo, com tanto respeito, era apenas uma prefiguração!

Reação das almas diante de Nossa Senhora menina

Podemos imaginar uma ou outra alma boa que havia por ali, quiçá a Profetisa Ana, o Profeta Simeão, e que, por premunições misteriosas, observando aquela criança diriam: “Que grande chamado tem essa menina!” Vendo-A passar no cortejo das outras meninas educadas para o serviço do Templo, talvez percebessem ser uma intercessora incomparável junto a Deus, e a Ela se dirigiam implorando os favores celestes. E a futura Mãe de Deus, por uma dessas correspondências internas da alma, dava a entender: “Eu tenho consonância contigo, tu és um comigo”. E aquela alma se banhava de alegria!

Provavelmente alguns faziam sua vida girar em torno d’Ela. Sabendo nas várias ocasiões do dia onde Nossa Senhora estava, olhavam para um quarto, por exemplo, para ver se Ela apareceria na janela; ou verificavam de que recinto a Menina saíra para poderem entrar lá logo depois, e por esta forma viver em Maria, com Maria e por Maria, que era uma forma antecipada de viver em Cristo, com Cristo e por Cristo.

Assim, deveria haver em torno da Santíssima Virgem almas fervorosas às quais Ela impulsionava ainda mais para o bem, elevando-as a um píncaro de santidade para elas inimaginável. Outras que eram boas, mas postas na mediocridade, a quem Ela convidava a um voo possante rumo à perfeição que deveriam ter atingido, mas não atingiram. A cada uma dessas a presença d’Ela dizia: “Ou tu Me amas, ou te atolas. Tua hora chegou! Vem, minha filha!”

Por fim, havia também os filhos de satanás, abominando qualquer forma de verdade, de bem ou de beleza, e que, ao sentir a presença d’Ela, dentro deles o demônio grunhia, encobria-se, efervescia, tinha medo, sentia a necessidade de abandonar a presa e sair fugindo, mas armava a alma daqueles malditos contra Ela.

Teve ódio e foi odiada

Se um bom católico no mundo de hoje divide, como não supor que Nossa Senhora não dividisse? Não podia deixar de haver no Templo, além dos amigos da Virgem, os inimigos que desviassem d’Ela o olhar, sentissem mal-estar perto d’Ela, A odiassem, tentassem eventualmente caluniá-La ou difamá-La, procurassem de todos os modos ser-Lhe nocivos, invocassem demônios para tentá-La, prová-La, recusassem-Lhe alimentos, enfim, A sabotassem de todos os modos. Salvo por uma disposição especial da Providência, isso deve ter sido assim. E tanto as almas que eram a favor d’Ela quanto as contrárias acabavam se articulando. Portanto, Nossa Senhora, no Templo, fez a Contra-Revolução oposta à Revolução que se preparava contra o Filho d’Ela.

Estas são hipóteses que se constelam em torno da Santíssima Virgem Maria e nos fazem entender o que foi a vida d’Ela, o papel que o ódio representou em sua vida desde a primeira infância.

Levo minha suposição mais longe: creio que Nossa Senhora, quando estava no claustro maternal de Santa Ana, já causava mal-estar nos que eram de satanás. O demônio, a partir do momento em que Maria Santíssima foi concebida, começou a perseguir Santa Ana de um modo especial, surgiram antipatias, ódios, como também venerações e simpatias, antes mesmo de se perceber que ela concebera uma criança. De tal maneira Nossa Senhora é o contrário do demônio, que ele tinha que sentir a irradiação da pessoa d’Ela, instigando contra Ela o ódio daqueles em quem ele habitava. Não é possível que não fosse assim.

Vemos, portanto, que, desde o primeiro instante de seu ser, Ela teve ódio e foi odiada. Essa compressão e descompressão do ódio e do amor representaram a própria trama da existência d’Ela.    v

(Continua no próximo número)

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/7/1980)
Revista Dr Plinio 261 (Dezembro de 2019)

Oração: Dai-me a Graça

“Deus, ei-Lo exorável e ao nosso alcance, feito homem como nós, tendo junto de Si a Mãe perfeita, Mãe d’Ele mas também nossa, …. e São José, o varão sublime, que reúne em si a maravilhosa antítese das mais diferentes qualidades. Ao contemplá-Los, nossas almas crispadas se distendem. Nossos egoísmos se desarmam. A paz penetra em nós e em torno de nós…”

 

Plinio Corrêa de  Oliveira

Fé Católica

Desde cedo Nossa Senhora me concedeu a graça de perceber que a fé católica era o maior valor da Terra, mais precioso que a luz dos meus olhos, mais inestimável que os meus dias, mais rico do   que tudo. E que, portanto, viver era viver dessa fé; era consagrar-me completamente à Santa Igreja, lutando pelo triunfo d’Ela sobre o mal que procurava erradicar do mundo a fé católica  apostólica romana.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 8/9/1982)

Em cada coração, um presépio

Natal é o tempo da celebração da inocência. Não apenas nos remete para aquela gruta bendita na qual há pouco mais de dois mil anos, numa fria noite invernal, Deus veio estar conosco – o Emmanuel –, mas também exorta cada qual, sem palavras explícitas, à conservação, proteção ou recuperação da própria inocência.

Todos podem, diante de algum presépio, encontrar essa mensagem, que ressoa fortalecida pela ação da graça divina. Há não muito tempo ainda, neste período, a atmosfera geral era perfumada por algo de angélico, tocando o fundo das almas. Isso é mais evidente nas crianças, ainda não maculadas pelas faltas leves ou graves que o homem carrega durante a vida. Muitas vezes atinge também os corações adultos, inundando-os de saudades de um tempo maravilhoso no qual pareciam poder tocar o Céu.

Dr. Plinio entendia e vivia tudo isso profundamente. Para ele, a defesa e a recuperação da inocência são tarefas fundamentais para a nossa salvação.

Na época da infância de Dr. Plinio, a comemoração do nascimento do Menino Deus tomava conta de toda a cidade, pervadindo a todos de uma paz sobrenatural, prelibação da bem-aventurança eterna. E aqueles poucos que não deixavam se tomar pelas graças, ao menos respeitavam os sentimentos da imensa maioria. Era, pois, para quase todos uma renovação da inocência, um reverdejar das melhores disposições de alma, um propósito de ser melhor para com Deus, para consigo e para com os seus semelhantes. E assim se produzia uma expansão de benquerença geral.

Nos nossos dias em que as festas verdadeiramente natalinas vão se esvaziando cada vez mais, reduzidas quase tão só a uma expressão consumista, ainda a graça bate à porta de incontáveis corações, convidando cada um a permitir que Jesus faça nele seu presépio, e que venha ali habitar com Nossa Senhora e São José. E assim, bem dentro de nós, nos conceda graças especiais de inocência.

A leitura dos comentários de Dr. Plinio sobre o tempo do Natal nos ajudam a impostar nossas almas para nos preparar para esses abençoados dias. Ele traça em grandes pinceladas o ambiente natalino de sua infância, que tanto marcou sua alma a ponto de, décadas mais tarde, continuar a constituir para ele o objeto de profundas saudades. Quem de nós também não ficou marcado por graças semelhantes? Quem, pondo de lado por uns instantes os ruídos estridentes da modernidade – a televisão, o DVD, o celular, o “tablet”, o carro e quanta coisa mais – e deixando seu espírito se povoar por reminiscências dos natais de criança, também não sentirá saudades?

São saudades da inocência, daquele tempo em que Jesus podia fazer seu presépio em nosso coração. Que as graças deste Santo Natal nos ajudem a todos a sermos melhores!

Natal dos guerreiros de Maria

Diante do presepe, devemos contemplar o Menino Jesus como um guerreiro que entra na liça para começar a guerra. Neste momento em que o combate se anuncia mais trágico e, portanto, mais admirável do que nunca, precisamos dar toda forma de devotamento de nossas almas, desde as mais extremas prudências, as esperas mais terríveis, até os avanços mais inopinados e fulminantes. Nossa combatividade está a serviço da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

 

Hoje de manhã fui ao Cemitério da Consolação. Por certo, a festa de Natal não seria para mim completa sem algo que me lembrasse, o mais possível, a presença de mamãe. Por isso, visitei o lugar que para mim se tornou “sagrado”, onde os seus restos repousam à espera do dia da ressurreição.

Fragrância do perfume de Dona Lucilia quando estava na Terra

Eu nunca conceberia um Natal sem ela. Lembro-me de um ano em que me encontrava em Paris. Estávamos perto da festa de Natal e eu tinha a cômoda possibilidade de dar um telefonema a ela, explicando que passaria o Natal ali. Tenho certeza de que ela me aconselharia ficar lá, que seria muito agradável, interessante, eu poderia me distrair bastante, ver coisas muito bonitas.

Mas, a ideia de ela passando o Natal sozinha em São Paulo era uma coisa que me produzia uma tristeza a que nenhuma alegria de Paris se podia comparar. E quanto mais ela insistisse para eu ficar lá, tanto mais quereria voltar, e depois da última insistência eu desligaria o telefone, iria para a Air France e compraria a passagem. Evidentemente, era natural, já antes mesmo de falar com ela me aprestei, comprei a passagem e estava em São Paulo na véspera de Natal.

O que poderia ser o Natal passado em Paris: Missa em Notre-Dame, uma visita à Sainte-Chapelle, Rue du Bac, Notre-Dame-des-Victoires, e depois ver Paris que naquele tempo ainda era uma cidade de elegância, de distinção e de gala; contemplar algo disso que ainda reluzia sobre esse grande foco de toda espécie de luzes – algumas boas – que foi a cidade de Paris.

Entretanto, eu pensava: é uma coisa incrível, mas ela para mim vale incomparavelmente mais do que isso, de maneira que, no íntimo de minha alma, não tive a mínima vacilação, a mínima hesitação. Eu estava determinado a vir e vim mesmo!

Hoje em dia, com a evolução que as coisas tomaram, mamãe já está no Céu. Mas ela foi recrutando lentamente, em torno de mim, aqueles que haveriam de trazer-me o odor da presença dela, que o desvelo dela reuniu em torno de mim, e que, assim reunidos, constituem a fragrância do perfume dela quando estava aqui na Terra.

Ela deixou-me numa aparente solidão, mas fez um tecido de afetos em torno dela e de mim com que nunca contei na minha vida. E ela constituiu em torno de mim aquilo que melhor poderia ser como que uma luz lunar, depois de esplêndido dia que foi a presença dela. Esse longo, argênteo e querido luar eu espero que me acompanhe até os últimos dias de minha existência.

O maior combate travado por meras criaturas na História

De um modo ou de outro isso tem estado contido nas palavras de afeto que vós me tributais com uma frequência toda “luciliana”, mas hoje isso foi vincado de um modo especial(1): é o caráter combativo de minha alma, como sendo o traço dominante da forma de perfeição para a qual Nossa Senhora – misericordiosa, mas insistentemente – me chama.

Levar o combate ao extremo limite onde deve ser levado. Não só combater com toda a força, mas ter a força para combater de todos os modos necessários, de maneira que não haja uma forma de combatividade, ainda que seja a grande, soturna e terrível combatividade das retiradas estratégicas, em que não me tenha sido dado combater até o último hausto de minha alma!

Isto, vincado nesta ocasião, vem num momento em que o combate se anuncia mais trágico e, portanto, mais admirável do que nunca. Um combate tal que, se ele fosse afastado de nossos passos, poderíamos nos sentir frustrados, de tal maneira precisamos crescer até as dimensões dele, e ele, por sua vez, de tal modo deve crescer que seja o maior combate travado por meras criaturas na História, desde que há mundo. Um combate em que os combatentes se lembram da luta dos Anjos contra os demônios e pensam, reverentes, no combate que Elias e Henoc vão travar no fim do mundo contra o Anticristo. É alguma coisa desse porte.

Nós temos a impressão de que as nuvens estão se acumulando, se adensando; ouvem-se o rugir de feras e o silvar de serpentes em um quadro aparentemente ainda intacto e pacífico, deste pacífico discutível de uma fortaleza que pode ser atacada a qualquer momento e, por isso, tem combatentes postados em todas as ameias, em toda a muralha e no alto de todas as torres. Estes são os dias pacíficos que temos diante de nós. Se isto é paz, vós bem podeis medir o que será o combate!

Um varão luminoso, cheio de reverência e de patriarcal dignidade

Neste combate nós devemos dar toda forma de devotamento de nossas almas, desde as mais extremas prudências, as esperas mais terríveis, até os avanços mais inopinados e fulminantes, em que ora tenhamos as prudências que mesmo os nossos considerem as mais desconcertantes, ora as ousadias que os deixem boquiabertos. Assim é a combatividade a serviço da Sabedoria; assim é a Sabedoria a serviço da Santa Fé Católica Apostólica Romana.

Isto se diz num dia tão inadequado, o Natal, em que a Cristandade olha para o que lhe apresenta a Santa Igreja, ou seja, o Menino Jesus, tão pacífico, o Príncipe da Paz que veio trazer a paz a esta Terra e que, de braços abertos, sorri para a humanidade que começa a chegar junto a Ele. E que, nesse momento, recebe o sorriso do que a humanidade tem de mais magnífico: o sorriso cheio de uma pureza e de uma luminosidade indizíveis de Nossa Senhora. E, logo depois, junto a Ela, um varão que de algum modo teve proporção para ser esposo d’Ela, para ser o pai legal do Menino Jesus.

Uma vez que entre esposo e esposa precisa haver uma certa proporção, qual deve ser a estatura de um homem para ter certa proporção com Aquela que causa surpresa aos próprios Anjos pela sua perfeição, de quem espíritos celestiais, olhando-A, perguntam cantando: “Quem é esta que avança?!”?

Também nós, olhando para um varão luminoso, cheio de reverência e de patriarcal dignidade, que A toma pela mão e A acompanha, perguntamos: Quem é este que avança junto Àquela a quem os próprios Anjos cantam?!

Acentua-se tanto, e com razão, tudo quanto há de belo e de poético nos bois que chegam junto ao Menino Jesus, e o contraste enorme entre Deus-Menino e aquelas criaturas irracionais que, com seu bafo, enchem o ambiente e aquecem seu Criador.

A luz, o perfume, o calor da presença de Maria

Porém, antes disso houve o perfume de todos os perfumes, a beleza de todas as belezas: a luz dos olhos, o perfume do hálito, o calor da presença de Maria. E junto a Ela houve a discreta, varonil e patriarcal presença de São José. Que mais dizer?

Dir-se-ia que essas recordações de guerra junto a essa cena que evoca a paz mostram uma contradição fenomenal. Mas é só porque esse quadro tem sido contemplado, com certa insistência, pelos homens que não admiram a guerra e não sabem ver dentro do próprio passo que o Menino Jesus inicia, vindo ao mundo, a grande guerra d’Ele.

Em geral, o Menino Jesus é apresentado no presepe sorrindo e de braços abertos, os quais não significam só a abertura do amor d’Ele para os homens, em todos os tempos e todos os lugares. Sem dúvida, exprimem isto e com toda a propriedade, mas significam também a Cruz. Ele está com os braços abertos em cruz.

E um dos aspectos que torna bonita a devoção de rezar com os braços abertos em cruz é pensar que o Menino Jesus, na manjedoura, provavelmente abriu os seus braços em cruz. Logo depois de concebido, Ele começou a rezar imediatamente para o Padre Eterno. Saído do claustro augusto de Maria e vindo à luz do dia, Ele entrou na Terra e imediatamente ofereceu ao Padre Eterno a grande luta que ia iniciar.

Batalhador divino, mas pequenino, um Deus infinito, porém encarnado numa Criança que quis ficar na dependência de tudo e de todos, sendo o Criador onipotente do Céu e da Terra e de todas as coisas visíveis e invisíveis!

Jesus vem à Terra para salvar a nação eleita e, com ela, também a humanidade inteira. A nação eleita deveria ser um instrumento para Ele salvar a humanidade. Mas Ele sabe que sobre essa nação conseguirá o resultado o qual conhecemos, e que a humanidade O seguirá incompletamente.

Entretanto, Ele vem à Terra e, contrariando as forças opostas do demônio, do mundo e da carne, diz: “Esse resultado apenas parcial de uma obra que seria natural que tivesse o seu resultado completo Eu arranco do demônio e imponho. Realizo minha glória com aquilo que resolvi arrancar. Sei que não conseguirei tudo, embora poderia conseguir desde que Eu quisesse. Sei que santa e sapiencialmente não o devo querer e, por razões arcanas, não quero. Permitirei que o demônio Me arranque uma parte daquilo que Eu comprar por um preço infinitamente precioso. Porém, em revide, triunfarei com a parte que Eu não lhe permitirei tomar.”

Assim, como um guerreiro que entra na liça para começar a guerra, ali está o Menino Jesus no presepe!

Reis dos reis, Senhor dos senhores

Mais ainda. Haveria algo de mais normal do que Ele, como Menino, pelos lugares onde passasse já começasse a deslumbrar todo mundo, a operar milagres, pregar, ensinar o gênero humano?

Entretanto, houve esta primeira coisa desconcertante: trinta anos de mutismo! Trinta anos de vida privada, de uma existência oculta com Nossa Senhora e São José, em Nazaré. Imaginem se vivêssemos naquele tempo e soubéssemos que o Menino Jesus veio. Ficaríamos “alegríssimos” e já faríamos planos para o dia seguinte! Contudo, quiçá Nossa Senhora nos olhasse com pena, mas enigmaticamente, e nos dissesse com aquela suavidade e majestade d’Ela: “Não! Vós tereis, meus filhos, que esperar trinta anos!”

Houve almas que tiveram luzes proféticas sobre a vinda do Messias esperado. Essas almas, pelo próprio zelo da salvação, por amor a Ele, deveriam esperar que, tendo chegado o Salvador, começasse imediatamente a obra de conquista d’Ele. Não! Trinta anos de silêncio. É desconcertante!

Será que Simeão e a Profetisa Ana souberam disso? O que terão pensado sobre isso as almas cujos corações palpitavam à espera do Salvador e que, naquela noite bendita, sentiram que a salvação tinha chegado? Muitas dessas pessoas talvez esperassem ver a glória e a vitória d’Ele, e foram convidadas a morrer em paz, sem compreender o que tinha se passado. É terrível, mas Ele começava por levar ao último ponto da santidade, pelos mistérios da espera e da confiança n’Ele, aqueles que O tinham esperado. Assim, a luta se iniciava dentro de casa com aqueles que eram d’Ele, para que fossem mais d’Ele.

São José morreu sem ter visto a glória do Filho de Deus irradiar-se sobre Israel! Entretanto, morreu em paz. Ele é o padroeiro da boa morte. Com toda a certeza, faleceu assistido pelo Menino Jesus e por Nossa Senhora. Não se pode morrer melhor, é o arquétipo da boa morte! Será que São José não se perguntava, às vezes: “Mas o Rex regum, Dominus dominantium” é esse Menino, entretanto divino, que vejo brincar com outras crianças, não atrai ninguém? Passou mais um dia e o milagre não se deu. Ou, pior ainda, Ele fez milagres e não se importaram. O que vai acontecer? Não sei. Eu sei que o Verbo Se fez carne e habitou entre nós! Mais um mistério na minha vida. Adoro o mistério e caminho para as sombras da morte, e depois para o Limbo, feliz porque meus olhos, antes de se fecharem, viram o Esperado das nações! E porque as orações d’Aquela que o Divino Espírito Santo quis me dar por Esposa não me deixarão um só momento, vou avançar confiante!”

E assim como o Menino Jesus causou uma angústia a Nossa Senhora e a São José por ocasião de uma peregrinação a Jerusalém, onde Ele se separou da Sagrada Família, que depois O encontraram no Templo, será que Ele não terá querido causar a São José santas perplexidades por todos aqueles que haveriam de custar a compreender as santas demoras daquilo que é verdadeiramente grande? Pode-se compreender.

E São José não terá travado ali o último combate de sua vida? São hipóteses, mas quão possíveis, verossímeis; portanto, quanto devemos contar com elas para ilustrar um pouco a nossa inteligência a respeito de aspectos da vida da Sagrada Família!

Nosso Senhor acrisola os que são d’Ele, travando um combate dentro de cada um

Nosso Senhor Jesus Cristo entra na vida pública. Afinal, glória! O povo aflui para junto d’Ele, alegria! As almas que queriam presenciar o triunfo do Rei dos reis e Senhor dos senhores dizem: “Chegou!” Os Apóstolos disseram: “Chegou!” Fato mais extraordinário ainda: a parentela começa a aderir.

Entretanto, no momento em que, contemplando o primeiro ano da vida pública e esfregando as mãos, se diria: “Como será o segundo ano? Como será o terceiro? Eu já vou me preparar para participar desses triunfos! Oh, coisa magnífica!”, “tenebræ factæ sunt” – fazem-se trevas. A luz do Sol começa a deixar aparecer lacunas, um véu se põe diante dos olhos, perplexidades…

Jesus tomou uma beleza de ocaso a se somar à de meio-dia. Na rejeição, no isolamento, no desafio, na ameaça, Ele vai mudando de colorido, de esplendor. Porém, dir-se-ia que Nosso Senhor abandonou a própria causa pela qual Ele tanto luta. Está fazendo tudo para que essa causa ganhe, mas por um ato de sua vontade onipotente poderia mandar que as coisas corressem de outra maneira. Não. Ele se esforça, faz milagres, mas não impõe aos ímpios que se curvem diante do Milagre que eles não reconhecem.

Então, Ele terá abandonado a Si próprio? Alguém poderia pôr-se o problema: “Eu, que estava com meu entusiasmo levado ao último ponto por Ele, passarei por esse último desconcerto de ter a impressão de que Ele não defende a Si mesmo? E a minha esperança na vitória, onde ficou?”

Nosso Senhor Jesus Cristo estava travando o tempo inteiro, dentro do coração de cada Apóstolo, de cada justo, essa batalha de acrisolar os bons para que passassem por essas provações e fossem fiéis ao longo delas.

Podemos imaginar, a título de hipótese, quais eram as reflexões dos Apóstolos no Horto das Oliveiras.

Suponhamos que, em função do que Nosso Senhor dissera na Santa Ceia, alguns dentre eles tivessem chegado a deduzir que Judas era o traidor. Ora, eles tinham visto o Divino Mestre dar provas de afeto a Judas e, quiçá, algum deles pensou: “Quando Judas roubava, o Mestre deveria tê-lo expulsado. Deixou aqui esse homem, deu no que eu previa! Mas Ele agora podia atalhar. Por que não manda um Anjo matar Judas? Ele que tem o poder tão divino de ressuscitar, não poderia matar?”

Quem sabe se, no primeiro período em que Jesus suava sangue no Horto das Oliveiras, os Apóstolos estavam torcendo e dizendo: “Ele mata Judas a qualquer momento. Por um ato da vontade d’Ele, um Anjo elimina o traidor. Desce fogo do céu e o liquida. Daqui a pouco chega alguém nos contando que Judas foi estraçalhado por um raio, e nós nos levantamos alegres, fazemos uma procissão e uma festa.”

Mas concluem: “Não… não tem a menor esperança. O Mestre não vai fazer isso. Ele previu a entrega e está suando sangue de medo disso. Cambaleia e nos pede que vamos para junto d’Ele a fim de O consolar! Se é de nós que Ele depende, oh! está tudo perdido”.

Evidentemente, são hipóteses. Mas, quando pensamos nelas, parecem estar presentes num drama moral que se entrevê.

Nosso Senhor não cede e leva a conduta d’Ele até o fim. Deixa-Se entregar. E quando São Pedro corta a orelha de Malco, Ele ainda cura a orelha do soldado e manda São Pedro pôr a espada na bainha!

Não se percebe que Jesus está acrisolando os d’Ele e travando um combate dentro de cada um. Esse era um dos muitos aspectos da batalha que não acabaria mais.

Vencendo nossa batalha interna, Nossa Senhora nos dará a vitória externa

Ele redime o gênero humano, ressuscita dos mortos, sobe aos Céus e a Igreja começa uma guerra onde passa por dramas tão pungentes que, em determinados momentos, ela mesma nos dá uma impressão parecida com essa. E é pedida de nós uma prova semelhante àquela. É o Divino Mestre que, mais uma vez, nos diz: “Estejais prontos e vigiai! Vigiai e orai para não cairdes em tentação, porque todas as formas de heroísmo – desde presenciar os últimos desconsolos e permanecer de pé, até participar dos maiores triunfos e ficar desapegado –, tudo isso vos será exigido no vosso campo de batalha interno, para que, por vosso intermédio, a Providência vença a humanidade”.

Muita gente considera como um dos elementos dos castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima o desencadear de uma guerra conforme as leis humanas e divinas. E é verdade. Mas não se toma em consideração que, simultaneamente, há uma guerra interna, e não é a hora de tirarmos férias dessa luta interior da nossa fricção com o mundo, mas é o momento de levar esse combate até o último ponto.

Portanto, desde já, devemos rezar para pedir a fortaleza necessária para sermos combativos o tempo inteiro, pois isso é necessário a fim de que todo o resto da gesta e da epopeia se realize.

Por que as Cruzadas não venceram? As armaduras eram muito boas, os transportes marítimos, segundo as condições do tempo, também eram bons, a capacidade de combater era grande, o espírito cavalheiresco era admirável. Faltou interiormente o que era necessário para ganhar.

A Cruzada da Reconquista espanhola e portuguesa levou novecentos anos – quando poderia ter durado muito menos –, por causa de desfalecimentos entre momentos de integridade e de moleza. Se esses momentos não tivessem existido, quanta coisa teria acontecido diferente, mais magnífica e conforme a glória de Nossa Senhora! Para dizer tudo numa palavra só, se a Cruzada hispano-lusa tivesse sido feita num só lance, não pararia nas orlas do Atlântico, mas o teria transposto e entrado com vitória na África. Assim, a presença maometana no Mediterrâneo teria sido diferente e, com isso, a História da Europa seria outra. Quando a América fosse descoberta, o Mediterrâneo seria um mar inteiramente cristão.

Devemos procurar fazer para Nossa Senhora nessa Cruzada que vem o que busquei realizar com mamãe. Eu pensei: “Como são poucos os filhos que amam inteiramente suas mães! Eu vou realizar essa obra-prima interior de querê-la e de ser tão bom com ela quanto ela é comigo.”

Com Nossa Senhora não se pode fazer propriamente assim. Quem pode ser bom para Ela como Ela é para nós?! Mas se formos os guerreiros em favor d’Ela como Ela Se desvela e luta por nós; se travarmos nossa batalha dentro de nós para amá-La com um amor que tenha a proporção adequada para o amor desproporcionado que Ela nos tem, aí nós teremos a mais gloriosa das Cruzadas, em linha reta, atravessando os pantanais das demoras, dos inesperados, das ciladas, das defecções e caindo, em linha reta, no chão firme do campo de batalha, sobre o adversário, e prostrando-o por terra.

Vençamos nossa batalha interna e a Santíssima Virgem nos dará a vitória externa. Essa é a meditação de Natal dos guerreiros de Maria! Peçamos ao Divino Menino Jesus, por meio d’Ela e de São José, as graças necessárias para correspondermos a esse ideal.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/12/1982)
Revista Dr Plinio 261 (Dezembro de 2019)

 

1) Dr. Plinio se refere às palavras de saudação a ele dirigidas por jovens discípulos, nas quais propunham o tema a ser tratado.

 

Músicas natalinas francesas

Analisando duas músicas natalinas francesas, Dr. Plinio mostra como cada uma delas deveria refletir mais profundamente a grandeza sobrenatural do Natal. Em meio a muita delicadeza, há uma espécie de carência de sacralidade

 

Uma das principais características da música francesa, ao menos na medida em que a conheço, é que ela exprime de preferência um certo tipo de sentimento humano, ao qual corresponde o adjetivo francês salonnier, de salão.

Cortesia francesa

O clássico salão francês é habitualmente de pé direito alto, teto com estuque, tendo algumas muito ligeiras pinturas de dourado realçando algum movimento do estuque. Os móveis são de um estilo que pode ir de Luís XIII até Luís XVI, feitos de madeiras preciosas, com incrustações em bronze finamente trabalhadas, às vezes com tampo de mármore, alabastro ou outra pedra também de grande valor, tendo em cima bibelôs, figurinhas de porcelana, de prata, de ouro, de cristal, postas ali para entreter os homens, e jarras de flores muito bonitas. As cadeiras no mesmo gênero, com tecidos de uma delicadeza magnífica, com cores leves: cor-de-rosa muito pálido, azul de aurora, verde-água. Tudo dentro de uma atmosfera de sorriso, criando o clima da cortesia francesa.

A língua francesa está para essa cortesia como a partitura está para a música. Há uma polidez francesa que é o modo de ser amável, de se tornar agradável por aquilo que se diz, de modo ultra-pensado, mas muito leve. De maneira que a coisa pesadona, muito raciocinada que vem como um carretão não cabe no estilo francês, o qual é leve, distinto, e procura dar a impressão de que o pensamento nasceu naquele momento, não como um produto de uma elaboração cerebral árdua, porque tudo quanto é árduo se procura esquecer no salão francês, onde as flores e os cristais dão o tom; mas causando a impressão de que a ideia surgiu com toda a facilidade de um espírito genial, e fez todo mundo sorrir.

O sorriso de admiração, de aplauso, de simpatia, de proteção, todas as gamas do sorriso florescem no salão francês. As reverências são profundas, calculadas segundo a categoria da pessoa que faz e da que recebe a reverência. Há toda uma aritmética social colocada nisso, mas que se disfarça com ditos ligeiros. Isso faz com que se tenha a impressão de que tudo isso é suave, espontâneo, e se vive uma vida quase irreal.

Essa suavidade, produto quintessenciado de uma civilização ao qual me refiro com simpatia, mais ainda, com uma admiração, é, entretanto, um requinte unilateral. Porque não é justo, não é bom, não é real que toda a vida social de um povo como o francês reproduza apenas o leve e o elegante como se a vida fosse só isso. O salão tem que ser uma imagem da vida, mas o salão francês é a imagem de uma fantasia.

Enlevo pela vida campestre

Dada essa introdução, podemos nos perguntar como é o Natal francês, que é um Natal de salão. É uma sociedade de salão que procura colocar-se em presença da gruta de Belém, com o Menino-Deus, Nossa Senhora e São José, pessoas de estirpe principesca, mas ao mesmo tempo simples, e até muito simples, de um lado; e de outro lado o que há de menos próprio a um salão: bois e vacas que com o seu bafo vão esquentando um Menino que sente frio, deitado na palha, dentro de uma manjedoura! Não era assim que se representavam o rei e a rainha, olhando para o delfim que tinha nascido. Então, como o francês imagina os sentimentos do homem de salão diante desse Presepe?

Dessa vida de salão floresceu o que em francês se chama “la bergerie”. “Berger” é o pastor. A “bergerie” é um conjunto de comentários, apresentações, toda uma concepção do mundo pastoril. Então, o pastorzinho, árvores lindas com frutinhas vermelhas, um cordeirinho no qual se poderia amarrar uma fitinha cor-de-rosa ou azul-claro, a pastorinha que caminha ao lado dele usando um bastão grande, o sininho que toca quando o cordeirinho anda…  Enfim, uma representação mimosa baseada na vida de campo, mas como esta vida não é na realidade. Porque o campo tem besouros, buracos no chão, bichos mortos, coisas fétidas. O campo é o campo, ainda que seja francês.

Esse enlevo pela vida campestre era um modo de os franceses se desafogarem do excessivamente quintessenciado, civilizado, procurando recorrer à simplicidade extrema e até exagerada para mostrar os lados encantadores da candura pastoril.

Dentro dessa concepção, a Rainha Maria Antonieta chegou a construir um “hameau”, um casario, menor até que uma aldeia, no “Petit Trianon”, que era uma espécie de ambiente campestre organizado por ela nas dependências do parque de Versailles. Ali ela, as duquesas e as princesas apareciam vestidas de pastorinhas, mas com tecidos de seda. Então, pastoras de conto de fadas, com uns carneirinhos que antes tinham sido lavados, perfumados, arranjados do modo mais perfeito, e que podiam pôr uma pata fora da etiqueta. Canções pastoris tocadas por grandes orquestras, etc.

Eu imagino que é nessa delicadeza lírica da canção pastoril que é concebido o Natal francês.

Agora, vamos analisar algumas músicas natalinas francesas.

Nasceu o Divino Menino

Il est né le Divin Enfant

Jouez hautbois, résonez musettes

Il est né le Divin Enfant

Chantons tous son avènement

Nasceu o Divino Menino

Tocai oboés, ressoai gaitas

Nasceu o Divino Menino

Cantemos todos o seu advento.

O termo “avènement” tem aqui uma particularidade: é que se diz também de um rei que sobe ao trono, o avènement du roi.

Depuis plus de quatre mille ans

Nous le promettaient les prophètes

Depuis plus de quatre mille ans

Nous attendions cet heureux temps

Desde há quatro mil anos

Os profetas nos prometiam

Desde há quatro mil anos

Nós esperávamos esse tempo feliz

É o Messias que devia vir.

Ah! Qu’il est beau, qu’il est charmant!

Ah! Que ses grâces sont parfaites!

Ah! Qu’il est beau, qu’il est charmant!

Qu’il est doux ce Divin Enfant!

Ah, como é belo, como é encantador!

O termo “encantador” não traduz inteiramente o que a palavra “charmant” significa em francês. É preciso ter visto o encanto da coisa francesa para compreender o que é charme.

Ah, como suas graças são perfeitas!

Graça, o que é aqui? Não é a graça sobrenatural, mas como é perfeito aquilo que Ele tem de gracioso. A sua graciosidade é perfeita. Vejam, portanto, que é o Menino de salão.

 

Ah, como é belo, como é encantador!

Como é doce esse Menino Divino!

Está descrito o Menino: Ele é belo, encantador, doce. É o Menino-Deus. Realmente convém ao Menino-Deus isso, mas é uma focalização toda especial.

Une étable est son logement

Un peu de paille est sa couchette

Une étable est son logement

Pour un Dieu quel abaissement!

Um estábulo é seu alojamento

Um pouco de palha é seu leito

Um estábulo é seu alojamento

Para um Deus, que rebaixamento!

Partez grands rois de l’Orient

Venez vous unir à nos fêtes

Partez grands rois de l’Orient

Venez adorez cet Enfant

Parti, ó grandes reis do Oriente

Vinde unir-vos à nossa festa!

Parti, ó grandes reis do Oriente

Vinde adorar essa Criança!

A ideia subjacente é que, apesar da palha, etc., os grandes reis virão adorá-Lo, introduzindo uma certa atmosfera de salão no estábulo.

O Jésus, o Roi tout puissant

Tout petit enfant que vous êtes

O Jésus, o Roi tout puissant

Régnez sur nous entièrement

Ó Jesus, ó Rei todo-poderoso

Tão pequenino que sois

O contraste é intencional: apesar de ser uma criança tão pequenininha, é o Rei onipotente.

Ó Jesus, ó Rei todo-poderoso

Reinai sobre nós inteiramente!

Então, é o ato de submissão do salão ao Rei que pode tudo, apesar de ser uma Criança tão pequena deitada na palha.

Carência de sacralidade

Notem como a procura do gracioso está presente nessa música que, tocada de um modo um pouco mais saltitante, serviria para acompanhar um desfile de nobres vestidos à moda daquele tempo, cada um estendia a mão a uma dama da nobreza e ela tocava-a apenas com as pontas dos dedos, mantendo distância entre ambos, andando com leveza, usando sapatos de verniz com saltos vermelhos. Os nobres usavam saltos vermelhos, era o distintivo da nobreza, “culotte” e coletes de seda com botões de matéria preciosa, paletós com veludos inestimáveis e brocados.

Toda a música transcorre num tom que conviria mais para um festejo de distração da nobreza do que uma festa propriamente de piedade. Quer dizer, no meio de toda essa delicadeza há uma espécie de carência de sacralidade. E eu me recriminaria se não acentuasse isso com toda a força necessária. Por mais que tudo isso seja “charmant” – e realmente o é – vê-se a serpente da Revolução Francesa enroscada aí. Uma apreciação inexorável dessa canção levaria a isso.

A certa altura a canção toma ares de algo que é cantado por meninos na presença do Deus-Menino, ou por adultos para falar com o Divino Infante. Mas há uma nota de infância, de inocência, mais uma vez “charmante”, na qual, porém, a verdadeira piedade católica do cantochão não está presente.

Esse charme todo não teria podido nascer senão de uma civilização cristã. Mas o charme não basta para a sacralidade. Esse é o grande erro presente nessa canção. Porque o Natal é uma festa suma, essencial e “culminantemente” religiosa. O recolhimento, a ternura, a delicadeza e tudo quanto encontramos no cantochão – e mesmo no polifônico mais próximo do cantochão – não está presente nessa música. Está presente o salão.

Poderia apertar mais a crítica, mas não o faço porque essa delicadeza toda é aristocrática e, como tal, odiada pelos revolucionários. Portanto, não quero pô-la pura e simplesmente no pelourinho sem lhe ter manifestado muita admiração.

Os Anjos em nossos campos

Consideremos outro cântico cuja letra diz:

Les anges dans nos campagnes

Ont entonné l’hymne des cieux

Et l’écho de nos montagnes

Redit ce chant mélodieux

Gloria in excelsis Deo

Bergers, pour qui cette fête?

Quel est l’objet de tous ces chants?

Quel vainqueur, quelle conquête

Mérite ces chœurs triomphants?

Gloria in excelsis Deo

Ils annoncent la naissance

Du Saint Rédempteur d’Israël

Et pleins de reconnaissance

Chantants ce jour solennel

Gloria in excelsis Deo

Os Anjos em nossos campos

Entoaram um hino dos Céus

O eco de nossas montanhas

Repercute esse canto melódico

Glória a Deus nas alturas

Pastores, para quem é essa festa?

Qual é o objeto de todos esses cantos?

Que vencedor, que conquista

Merecem esses coros triunfantes?

Glória a Deus nas alturas

Eles anunciam o nascimento

Do Santo Redentor de Israel

E cheios de reconhecimento

Cantam nesse dia solene

Glória a Deus nas alturas

O Natal é uma festa sobrenatural

Essa canção é sensivelmente menos frívola que a anterior. Ela procura, como aquela, ressaltar a alegria e o esplendor da noite de Natal. Em qualquer cântico natalino esse é um elemento indispensável. Mas essa música busca essa alegria e esse esplendor na participação dos Anjos. Quem compôs a canção desviou a atenção do público, que está ajoelhado diante do Presepe e que deve aplaudir a canção, para o coro dos Anjos no Céu. O esplendor é, sobretudo, o dos Anjos, como algo feito para glorificar o Menino.

Entretanto, essa glorificação é dada menos pelos homens do que pelos Anjos. Os homens procuram interpretar e reproduzir o que os espíritos celestes cantaram em honra ao Menino. De maneira que tem mais força e sacralidade do que a canção anterior, na qual são homens de salão que dizem: “Ah, que criança engraçadinha…”

Assim mesmo, a meu ver, não tem todo aquele grau de sacralidade e sobrenaturalidade indispensável à música sacra, ou mesmo à música religiosa popular, que tem o seu papel, mas precisa ser mais sacral, fazer sentir mais o sobrenatural. Aqui se sente ainda a natureza cantada no que ela tem de mais belo, porém isso não esgota a beleza do Natal. O Natal é uma festa sobrenatural.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 4/1/1989)
Revista Dr Plinio 261 (Dezembro de 2019)