Santa Joana de Valois

Santa Joana de Valois foi desprezada por todo mundo, até pelo pai e, por fim, repudiada pelo marido. Mas ela conduziu a vida com dignidade e serenidade. Fundou uma Ordem Religiosa e  governou muito bem o feudo adquirido depois de sua separação conjugal. Após sua morte, recebeu a honra dos altares.

Apesar de tudo quanto pudessem dizer dela, só uma coisa importava: ela era católica, e isso bastava. Para sua segurança, seu cartão de visita estava pronto: católica apostólica romana.

É um título lindíssimo! Essa ufania de ser católico é a raiz daquilo que Camões chamava “os cristãos atrevimentos”. Quando temos essa ufania é que nos atrevemos a nos lançar. Não porque sejamos mais na ordem humana dos valores; talvez até sejamos menos do que alguns.

Mas isso não importa. O que tem importância é o fato de sermos católicos, termos recebido o sinal do Batismo na fronte, sermos filhos da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/6/1967)

Meditação na festa de São Tomás de Aquino

Ao nos apresentar São Tomás de Aquino como o grande luzeiro suscitado por Deus para esclarecer e confortar as almas ao longo dos séculos, Dr. Plinio nos exorta a pedir a intercessão do Doutor Angélico a fim de que alcance para nós um senso católico e uma pureza da sabedoria semelhantes ao deste Santo, sempre submetidos e unidos à Sé de Pedro.

Em todos os recantos do globo celebrou a Santa Igreja (…) a festa de São Tomás de Aquino. Nas basílicas suntuosas da Capital da Cristandade, tanto quanto nos altares improvisados dos missionários perdidos nas selvas, nos mosteiros silenciosos das Ordens contemplativas tanto quanto nas trincheiras das linhas de combate, foi o Santo Sacrifício oferecido inúmeras vezes a Deus, naquele dia, em louvor do grande Doutor que Ele se dignou dar à Igreja. Pelas colunas dos jornais, do alto das cátedras universitárias, através do microfone das rádio-emissoras, através de todos os meios de que o homem dispõe para externar seu pensamento, o Santo recebeu as homenagens da Cristandade agradecida.

A um tão grande número de louvores não é supérfluo que o Legionário some os seus, embora seja pobre como o óbolo da viúva, que Deus recebeu com agrado pela intenção humilde e respeitosa com que era oferecido.

Inteligência possante e piedade ardente

São Tomás de Aquino foi um grande luzeiro posto por Deus no meio de sua Igreja a fim de esclarecer, confortar e animar as almas pelos séculos afora para que mais galhardamente resistissem às investidas da heresia.

Enfrentando com sua inteligência possante e sua piedade ardente todos os problemas que em seu tempo estavam franqueados à investigação da mente humana, percorreu ele as mais áridas, as mais obscuras e as mais traiçoeiras regiões do conhecimento, com uma simplicidade, uma clareza, uma energia verdadeiramente sobrenaturais.

Superando não apenas a sabedoria humana dos filósofos pagãos, mas a própria sabedoria dos Doutores da Igreja que o antecederam, compôs ele entre outras obras a Suma Teológica, em que deixou registradas todas as suas vitórias sobre a heresia, a ignorância ou o pecado. Sua doutrina se conservou sempre tão pura, que a Santa Igreja a aponta como fonte indispensável de toda a vida intelectual verdadeiramente católica.

Inteira submissão à Santa Igreja

Se houve um intelectual que nunca teve a menor mácula de heresia, esse intelectual foi São Tomás de Aquino. Seu senso católico foi prodigioso. Ele, de um lado, nunca colidiu com as verdades já definidas pela Santa Igreja em seu tempo. Por outro lado, resolveu um sem número de questões sobre as quais a Santa Igreja ainda não se tinha pronunciado, e, por sua solução, preparou e apressou o pronunciamento infalível da Esposa de Jesus Cristo.

Finalmente, a nota característica e constante de sua vida foi uma submissão tal à doutrina católica que, ainda mesmo que a Igreja viesse a definir ulteriormente, em sentido contrário ao de São Tomás, alguma verdade, ele se tornaria imediatamente o paladino mais humilde, mais amoroso e mais caloroso do pensamento que impugnara, e o adversário mais irredutível do erro que houvesse ensinado como verdade.

Admirável senso católico

Assim, São Tomás realizou plenamente os três graus do senso católico. Há católicos que pensam de modo diverso da Igreja e cuja Fé é tão fraca que é a custo e penosamente que se submetem às determinações que ela estabelece. Outros há, que não sentem relutância em admitir o que a Igreja ensina, mas, postos em presença de um problema qualquer, dificilmente atinam com a verdadeira solução, se não estiverem informados previamente do pensamento católico. Finalmente, o mais alto dos graus consiste em aceitar prontamente e com facilidade amorosa tudo o que a Igreja ensina, em estar tão imbuído do espírito da Igreja que se pensa como Ela ainda mesmo que, no momento, não se conheça o pronunciamento das questões. E, por fim, se pense de tal maneira sobre os assuntos que Ela ainda não definiu, que, quando Ela os definir, estejamos prontos a modificar nossa opinião, o que, aliás, raramente será necessário, porque teremos sabido pressentir na grande maioria dos casos o pensamento da Igreja.

Assim, se há uma virtude que devemos admirar em São Tomás, que devemos procurar imitar, e cuja obtenção devemos ardentemente pedir a Deus por intermédio do grande Doutor, esta virtude é a do senso católico.

Quanto mais unidos estivermos à vinha, maior a seiva que teremos em nós

Todos sabemos como devemos amar a pureza, e qual a magnífica promessa com que a galardoou o Senhor no Sermão das bem-aventuranças. Ninguém ignora a dileção ardentíssima com que o Coração de Jesus ama as pessoas que nunca se macularam com o pecado da impureza. Basta pensar no amor que Ele teve a Nossa Senhora e a São João Evangelista, o apóstolo virginal, para que se compreenda o que significa, para Nosso Senhor, a pureza.

Mas se existe uma pureza que, segundo nosso estado, devemos conservar íntegra em nosso corpo e em nosso coração, existe também uma pureza virginal de inteligência, que devemos cultivar ciosamente, e que certamente agrada de modo incomensuravelmente a Nosso Senhor. É a pureza da inteligência verdadeiramente católica, templo vivo e imaculado do Espírito Santo que nunca sentiu atração e nem deu apoio a qualquer doutrina herética, que detesta a heresia com todo o vigor indignado com que as almas puras detestam a luxúria, e que se preserva de toda e qualquer adesão a um pensamento que não seja o da Igreja, com cuidado com que as almas castas sabem manter longe de si todas as impressões impuras.

Disse Nosso Senhor que Ele é a vinha, e nós os sarmentos. Quanto mais unidos estivermos à vinha, tanto maior será a seiva que teremos em nós. Ora também se pode dizer que a Santa Igreja é a vinha, e nós os sarmentos, e que quanto mais estivermos unidos a ela, tanto maior será a seiva que teremos em nós. E como estaremos tanto mais unidos à Igreja quanto mais unido estiver a ela nosso pensamento, tanto mais intensa será nossa vida espiritual, quanto mais completo for nosso senso católico.

Incondicional obediência ao Trono de São Pedro

Não convém, entretanto, que nos conservemos em generalidades. Na época de confusão em que vivemos, não basta que se fale em submissão à Igreja. Convém ser explícito, e falar desde logo na infalibilidade papal. A pureza virginal de nossa inteligência só pode decorrer de nossa afetuosa e incondicional obediência ao Trono de São Pedro. Se estivermos inteiramente com o Papa, estaremos inteiramente com a Igreja, com Jesus Cristo e portanto com Deus.

Que na festa do grande Doutor, nosso senso católico encontre o apoio de graças sempre mais vigorosas, e que estas graças recebam de nossa vontade uma cooperação sempre mais entusiástica: esta deve ser a conclusão prática de nossa meditação.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído do “Legionário”, nº 391, de 10/3/1940)

Ao contrário do moço rico do Evangelho, Santo Antão disse sim a Nosso Senhor

Em sua mocidade, Santo Antão era muito rico. Quando tinha 18 anos, seus pais morreram, tendo ele herdado enorme fortuna.

Certo dia, ele caminhava para uma igreja, meditando sobre a vantagem de se despojar dos bens terrenos a fim de seguir mais de perto a Nosso Senhor. Ao entrar no templo, encontrou o sacerdote fazendo um sermão sobre o moço rico do Evangelho, o qual recusou o chamado de Nosso Senhor por não querer abandonar tudo quanto possuía.
Diante disso, Santo Antão tomou a seguinte resolução:

“Eu serei o moço rico que vai dizer sim para Cristo; o convite d’Ele não ficará sem uma resposta afirmativa; darei o que o outro não deu”. E entregou tudo, foi para o deserto e tornou-se um gigante do eremitismo antigo.

 

(Extraído de conferência de 7/3/1970)

A Imaculada Conceição, obra-prima do Criador

Na Bula “Ineffabilis Deus” com a qual Pio IX definiu o dogma da Imaculada Conceição (cuja festa se comemora no dia 8 de dezembro), encontra-se este trecho: “A doutrina que sustenta que a Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi  preservada e imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis”.

O Sumo Pontífice afirma, portanto, que Nossa Senhora, por uma graça singular e em vista dos méritos de Cristo, a partir do primeiro instante de seu ser foi isenta da mancha do pecado original.

Essa doutrina foi revelada por Deus, ou seja, está na Bíblia, e por isso deve ser “crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis”. Para se avaliar o extraordinário significado da Imaculada Conceição, é preciso ter em conta que, em conseqüência da queda de Adão, todos os seus descendentes haviam de nascer com o pecado original. Lamentável herança em virtude da qual os sentidos do homem continuamente se revoltam contra a sua razão, expondo-o a novos e incontáveis pecados.

Durante milênios verificou-se, inexorável, essa lei da maldição. Em determinado momento, porém, os Anjos assistem atônitos a um fato sem precedentes na história da Humanidade decaída: Deus quebranta a funesta lei, e um ser é inteiramente concebido sem pecado original. É Nossa Senhora que surge imaculada, resplandecente, com todo o brilho e todo o fulgor de uma criatura perfeita, como o foram Adão e Eva ao saírem das mãos do Onipotente.

Pode-se imaginar que, nesse sublime instante, um frêmito de júbilo e de glória percorreu todo o universo, acentuado pelo fato de que Maria, isenta do pecado original, era também a obra-prima da criação. Acima dEla haveria de estar, apenas, a humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Narra a Sagrada Escritura que o Padre Eterno, depois de concluída a obra da Criação, repousou na enlevada consideração do que Ele tinha feito. Descansou, porém, tendo-se proposto criar um ser que superasse em maravilha tudo o que até então sua onipotência realizara, uma mulher da qual haveria de nascer o Verbo Encarnado. E foi precisamente no momento da Conceição Imaculada de Nossa Senhora que Deus executou essa sua obra-prima.

Plinio Corrêa de Oliveira

Herói na luta contra os inimigos da Igreja

Devido a tramas efetuadas por hereges contra São João Damasceno, sua mão direita foi amputada por ordem do califa. O Santo recorreu a Nossa Senhora e a mão milagrosamente uniu-se ao  antebraço. Ele tornou-se um dos maiores Doutores da Igreja, famoso por seu talento, sua doçura e implacável heroicidade na luta contra os inimigos da Igreja.

Comentaremos uma ficha tirada do livro “Vie des Saints”, de Emanuel d’Alzon, a respeito de São João Damasceno.

Um eremita muito culto é salvo da morte

A narração explica que São João Damasceno era do Oriente Próximo. Seu pai, Sérgio Mansur, católico e ministro de um califa maometano, Abdal Malique, homem terrível, mas que gostava muito de Mansur porque este era um personagem de muito valor, criterioso.

Certo dia, Mansur saiu à rua e viu um número enorme de católicos sendo conduzidos para a morte. Então prometeu interceder por eles e salvá-los, o que efetivamente conseguiu do califa, junto a quem gozava de enorme prestígio.

Mas ele notou entre os prisioneiros – vejam os vaivéns da Providência – um que portava os trajes e tinha todo o jeito de um eremita. Naquele tempo, os eremitas usavam uma roupa que  vagamente lembrava o burel de um franciscano, moravam no deserto, em grutas, inteiramente sós, e eram personagens grandiosos. Ele notou que esse eremita estava com muito receio de morrer, e lhe disse:
– Eu compreendo que os outros estejam receosos; mas o senhor, um homem que abandonou o mundo, com medo de morrer? Confesso ao senhor o desapontamento que isso me causa. E o eremita deu-lhe esta resposta:
– “De morrer não tenho medo. Mas o que me causa apreensão é tudo quanto estudei em minha vida, e que o senhor não sabe.

Então vem uma dessas enumerações orientais pitorescas de tudo quanto ele estudou. Um homem sozinho, numa toca qualquer, tinha, além de tudo, aprendido oratória. Subia num montículo e falava para populações inexistentes.

Continuou o eremita:
– “Eu achava que tudo isso era para o serviço de Deus. E eis que agora estou fadado a morrer com a inutilidade de tudo que aprendi.

– Mas eu obtive do califa libertação de todos: o senhor está salvo – tranquilizou-o Mansur.

O eremita deu extraordinárias manifestações de contentamento. Mas o benfeitor lhe disse:
– Há uma condição: tenho dois filhos, e queria que o senhor viesse morar comigo e utilizasse toda a sua ciência para ensiná-los. Um desses filhos, o do segundo casamento, era João, futuro Doutor da Igreja e conhecido como São João Damasceno.

O eremita respondeu:
– Depois de o senhor salvar minha vida, estou ao seu dispor.

Hereges envolveram São João Damasceno numa intriga

Pelos desígnios da Providência, esse homem tinha sido chamado para uma ermida e ali encher-se de uma ciência extraordinária, sem saber definidamente o que Deus queria dele. Possuía, porém, uma noção interior tão grande e firme de se tratar realmente de um desígnio divino, que quando ele se viu condenado à morte, sem que esses conhecimentos fossem utilizados, sofreu um verdadeiro golpe.

Ele não sabia que essa tragédia a qual iria aproximá-lo da morte e consagrar a inutilidade de todos os seus esforços, na realidade fá-lo-ia encontrar o aluno em ordem a quem toda essa sabedoria tinha sido acumulada. E que ele seria célebre enquanto São João Damasceno o fosse, exatamente por causa do seu papel nessa celebridade. Esse anacoreta era como uma abelha, dotada de todo o mel da cultura antiga para nutrir um Doutor da Igreja.

A nota biográfica conta que São João Damasceno era muito bom aluno, inteligente, e aproveitou profundamente a ciência de seu preceptor. Entretanto, como se tratava daquele regime de politicagem do Oriente, os hereges envolveram São João Damasceno numa intriga.

O Imperador de Constantinopla estava em guerra contra o Califa de Damasco ao qual servia o pai de São João Damasceno. Um inimigo de Mansur, querendo comprometê-lo para que ele – ou seu filho João – fosse morto, escreveu uma carta falsa em nome de São João Damasceno ao Imperador de Constantinopla, na qual dizia admirar muito o Imperador, e que sendo católico não podia resignar-se diante da ideia de que os católicos fossem presos. Então, convidava o Imperador a invadir e tomar conta do califado, pois João e seu pai se levantariam para derrubar o califa.

O Imperador – herege iconoclasta chamado Leão III, o Isáurico – mandou a carta para Abdal Malique, dizendo estimá-lo tanto que lhe enviava aquela missiva como prova de lealdade, pois, podendo levantar esses súditos contra o califa, enviava-lhe a carta para que ele pudesse exterminar aqueles traidores.

O califa manda cortar a mão direita de São João Damasceno

Ao receber a carta, o califa ficou indignado e, sendo um homem de temperamento explosivo, mandou que carrascos agarrassem São João Damasceno e lhe cortassem a mão direita, como castigo. E só não o mandava matar por causa do grande prestígio que Mansur tinha junto a ele.

A ordem foi cumprida e São João Damasceno perdeu a mão, mas pediu ao califa que, ao menos, lhe entregasse o membro amputado para enterrá-lo. O califa acedeu ao pedido, pensando em tudo, menos no que poderia vir a acontecer.

São João Damasceno, de posse da mão cortada foi para o Oratório e começou a rezar, pedindo a Nossa Senhora que lhe restituísse a mão perdida. Deu-se, então, um milagre espetacular: a mão uniu-se ao corpo.

Diante do milagre, o califa contemporizou, soltou São João Damasceno que retomou seus escritos e sua pregação, tornando-se um dos maiores Doutores da Igreja, famoso por seu talento, por sua doçura e por sua implacável heroicidade na luta contra os inimigos da Igreja.

Imaginem o golpe para a Cristandade se São João Damasceno não pudesse expandir em todo o seu esplendor o brilho de sua palavra, em defesa da Igreja nas crises daquela ocasião.

Por outro lado, com o mestre se dá algo à maneira do que se passou com o discípulo: condenado à morte, vai perder todo o seu talento. Nesse episódio o mestre conhece o discípulo para o qual ele nasceu, e seu talento se eterniza na pessoa de São João Damasceno. Este, por sua vez, tem a mão cortada, a carreira prejudicada, a vida golpeada. Depois, um magnífico milagre e a prova de que Deus estava com ele. Admiração para todos os católicos da Ásia Menor e para a catolicidade inteira, ficando assim com um grande prestígio para pregar a palavra de Deus. Antes disso, porém, Deus quis levá-lo às sombras da morte.

“Em tua luz veremos a Luz”

Não posso me esquecer de que na Faculdade “Sedes Sapientiæ”, onde fui professor, havia uma capela que não era bonita, mas na qual existiam coisas muito bonitas: um vitral representando Nosso Senhor e, embaixo, esta frase da Escritura: “Ainda que eu caminhe nas sombras da morte, não temerei os males” (Sl 22, 4). Depois, outro vitral, do qual não me lembro a figura, com uma frase belíssima: “Iluminados por tua luz, veremos a Luz” (Sl 35, 10).

“Ainda que eu caminhe nas sombras da morte, não temerei os males”. O que significa isso para nossa vocação? Mesmo que os mais tenebrosos obstáculos se oponham ao caminhar da nossa vocação, não temeremos os males e continuaremos a andar serenamente, porque Nossa Senhora abrirá os caminhos e nós os transporemos, e chegaremos até o fim, desde que sejamos verdadeiramente devotos d’Ela.

“Iluminados por tua luz, veremos a Luz”. Embora eu não seja um exegeta, creio que essa frase pode ser aplicada a Maria Santíssima. Ela é uma luz, e à luz d’Ela vemos a Luz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Essas duas frases têm relação com a vida de São João Damasceno. As sombras da morte rodearam o preceptor dele, mas este encontrou a vida achando seu discípulo. O mesmo na vida de São João Damasceno. As sombras da morte o rodearam nesse golpe tão duro. Ainda aí ele não temeu os males; sua mão se recompôs e ele recomeçou.

Isso nos leva a uma confiança cega em Nossa Senhora. Se confiarmos, teremos tudo; se não confiarmos, nada possuiremos.

A expressão “Em tua luz veremos a Luz”, como é adequada quando estamos diante de uma imagem da Santíssima Virgem tendo ao colo o Menino Jesus! É uma luz e, junto a Ela está a Luz das luzes. E à luz de Nossa Senhora de Coromoto, vemos o Menino Jesus. Não pode haver nada mais bonito do que isso! Aí fica a figura enternecedora dessa imagem e a graça dada a um índio da América do Sul, fixadas no firmamento da Igreja à memória gloriosa de São João Damasceno.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/5/1976)
Revista Dr. Plinio 237 – Dezembro de 2017

São Francisco Xavier

Grande missionário da Companhia de Jesus no Oriente, comparável aos Santos Apóstolos da Igreja nascente, São Francisco Xavier deixou-se modelar pela abundância das graças que recebeu de Deus, tornando-se um varão de extraordinário espírito sobrenatural.

Exemplo de homem que soube enfrentar as dificuldades, as provações e os reveses desta existência, era como o cavaleiro medieval, que se entregava às vicissitudes das batalhas ávido de perigos e de heroísmos, na defesa da causa para a qual fora suscitado.

Também nós devemos fazer face às nossas aflições e necessidades, como o fazia São Francisco Xavier: resolutos, tranquilos e com inteira confiança na misericórdia divina. É essa a maneira pela qual o homem verdadeiramente cresce na sua estatura moral e pode alcançar o ápice de santidade para a qual é chamado.

Santo Elói Ourives, ecônomo e apóstolo perfeito

Perpetuado numa canção popular francesa, a figura do “grande Santo Elói” resplandece em sua época, unindo o extraordinário talento artístico ao discernimento ímpar de diplomata e, sobretudo, à excelência de suas virtudes. Dr. Plinio nos evoca as principais facetas da vida deste modelo de apóstolo, artesão e político.

Santo Elói distinguiu-se no seu tempo pelas qualidades sui generis que o caracterizaram, tendo sido sua vida semeada de fatos interessantíssimos dos quais nos dá conhecimento uma biografia escrita pelo Pe. Rohrbacher. Desta, algumas passagens merecem ser aqui comentadas.

Hábil ourives e diretor das finanças do reino

Escreve o ilustre hagiógrafo:
“Santo Elói foi dotado de invulgar personalidade. Viveu de 588 a 659. Natural de Limoges [França], revelou desde criança grande aptidão para os trabalhos manuais. Encaminhado para a profissão de ourives, tornou-se um dos mais hábeis artistas de seu tempo. Famoso é o caso da confecção do trono do Rei Clotário, que o queria ímpar e incrustado de pedrarias. Com o ouro recebido para tal fim, Elói fez não um, mas dois tronos igualmente preciosos.”

A ideia de um santo confeccionar um trono para um monarca, contribuindo com sua arte para a pompa real, talvez contrarie não poucos espíritos modernos, adeptos de uma simplicidade equivocada. Mais ainda os chocariam a iniciativa de Santo Elói de fazer algo aparentemente inútil: dois tronos em vez de um só…

“O rei então o nomeou seu ourives e diretor da Moeda.”

ais cargos tendiam a ser conexos naquele tempo, porque as moedas eram de ouro e quem exercia a função de ourives do rei poderia igualmente ser escolhido para dirigir a economia.

Como se vê, não era fácil a existência de alguns personagens daquela época.

Grande político e diplomata

“Sucedendo a Clotário seu filho Dagoberto, Santo Elói tornou-se grande amigo do soberano, revelando-se então insigne conselheiro, hábil político e diplomata.”

Vemos assim a ascensão de Santo Elói: de ourives passou a diretor da Moeda e, em seguida, diplomata.

“Afirma-se que os enviados de príncipes estrangeiros avistavam-se primeiro com ele, antes de se dirigirem ao monarca. Sua influência junto a Dagoberto era suficientemente grande para que o santo pudesse repreendê-lo contra sua moral, bastante relapsa, e também quanto ao seu modo desmazelado de trajar-se.”

Esta circunstância da vida de Santo Elói deu origem à conhecida canção popular francesa “Le bon Roi Dagobert” (ver quadro). Percebe-se, entretanto, que o bom Rei Dagoberto não era tão louvável assim, merecendo algumas censuras. Mas, possuía esta qualidade: simpatizava-se com Santo Elói, apreciava-o e devotava-lhe grande amizade. Mais ainda. Quando o santo conselheiro lhe chamava a atenção, o rei acatava a reprimenda com submissão e alegria.

Muito interessante o fato de Santo Elói corrigir o Rei quanto ao desmazelo de seus trajes, querendo assim que ele se vestisse com distinção e bom-gosto. Essa atitude do homem de Deus pode chocar certos espíritos contemporâneos, notadamente aqueles que chamaríamos de “heresia branca”. Pois, segundo esta, um rei deve usar roupas comuns e baratas, e desejar desfazer-se das galas e preeminências que cercam seu cargo.

Artífice de relicários e fundador de mosteiros

Continua a biografia:
“O tempo que lhe sobrava de seu trabalho na corte, de suas orações e obras de caridade, empregava-o em honrar com sua arte as relíquias dos santos.”

Hoje em dia vemos muitas pessoas aplicarem seu tempo livre em ninharias. O passatempo de Santo Elói era fazer relicários!

Imaginemos uma sala de estilo românico, pressagiando o gótico, cujas porta e janela dão para um pátio. A tarde começa a se confundir com o anoitecer. Nosso Santo, terminado seus afazeres, senta-se junto a uma mesa de ourives no palácio real, acende as velas de alguns candelabros, e continua a trabalhar nos lavores e polimentos de um bonito relicário, ornado de pedras preciosas, no qual ele guardará os restos de um bem-aventurado de sua devoção. Nessa tarefa, emprega ele toda a sua piedade e todo o seu talento artístico! É uma cena maravilhosa.

E se pensarmos que, na linguagem atual, Santo Elói era o Ministro da Fazenda daquele rei, que diferença em relação a certos estadistas contemporâneos!

“Atribuem-se-lhe os relicários de São Germano de Paris, São Denis, São Severino, São Martinho, Santa Colomba e Santa Genoveva. Além desses trabalhos, Santo Elói fundou numerosos mosteiros.”

Cumpre assinalar o extraordinário vigor de Santo Elói e sua intensa atividade. Afinal, era diplomata, político, ecônomo, ourives, artífice de relicários e ainda encontrava tempo e meios de fundar mosteiros! Foi um desses homens dos quais emanam mil obras, todas repletas de pensamento e santidade.

Zelo, sabedoria e bondade

“Tendo sido ordenado sacerdote, foi sagrado Bispo, ocupando a Sé episcopal de Noyon. Como muitos outros prelados da época merovíngia, foi um grande organizador, um apóstolo repleto de zelo, sabedoria e bondade.”

As fecundas ações deste homem de Deus evocam as de São Martinho de Tours, comentadas por nós em oportunidade anterior. Quer dizer, nas épocas de estruturação e organização da Cristandade medieval, a Providência suscitou vários santos que empreenderam inúmeras obras admiráveis. Um deles foi Santo Elói.

“Sua atividade irradiou-se para Flandres, Holanda e, segundo afirmam, Suécia e Dinamarca.”

Isso significa uma alta e árdua missão, pois naquele tempo a Suécia e a Dinamarca eram ainda habitadas por povos bárbaros. E até lá propagou-se o zelo apostólico do grande Santo Elói.

Velado por uma santa

Após essa vida de intenso serviço a Deus e ao próximo, ele receberia afinal o prêmio por suas virtudes. E o Pe. Rohrbacher registra esse tocante fato:
“Era grande sua fama, a tal ponto que, sabendo-o agonizante, a Rainha Santa Batilde fez longa viagem para vê-lo antes de morrer. Mas chegou a Noyon no dia seguinte ao de seu falecimento.”

Portanto, a magnífica existência de Santo Elói se encerra e logo se verifica esta bela cena: a Rainha Batilde, santa ela mesma, tendo notícia de que o Bispo de Noyon se achava à beira da morte, desloca-se por estradas difíceis, correndo riscos, protegida por um grande séquito, rezando para encontrar Santo Elói ainda vivo. Naturalmente, desejava receber algum conselho dele. Porém, alcança Noyon quando aquele já entregara sua alma a Deus.

Podemos imaginar a chegada de Santa Batilde à cidade, o cortejo de autoridades e de pessoas do povo que vão recebê-la e lhe transmitem a notícia da morte de Santo Elói. A Rainha se dirige imediatamente para junto do esquife, venera os restos mortais e eleva suas preces — por ele e a ele. É uma santa ao lado do cadáver de outro santo!

Eis um maravilhoso epílogo para uma vida pontilhada de episódios também maravilhosos, numa época repleta de maravilhoso.

Plinio Corrêa de Oliveira

Na vossa luz veremos a luz

Ó minha Mãe, Medianeira de todas as graças, na vossa luz veremos a luz.

Mãe, antes ficar cego do que deixar de ver vossa luz, porque  vê-la é viver. Na sua claridade contemplaremos todas as luzes; e sem ela, nenhuma luz refulge.

Não considerarei vida os momentos em que ela não brilhar; e eu, da vida, não quererei ter mais nada do que a mente banhada por essa luz.

Ó luz!, eu vos seguirei custe o que custar: pelos vales, montes, desertos e ilhas; pelas torturas, pelos abandonos e olvidos; pelas perseguições e tentações, pelos infortúnios, pelas alegrias e triunfos. Eu vos seguirei de tal maneira que, mesmo no fastígio da glória, não me incomodarei com ela, porque só me preocuparei convosco.

Eu vos vi, e até o Céu não desejarei outra coisa, porque, uma vez, vos contemplei!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Santa Catarina de Alexandria, virgem heroica e grandiosa

Enfrentou a morte com grande Fé e serenidade. Após seu martírio, os Anjos levaram o seu virginal corpo para o Monte Sinai, a montanha mais augusta que há na Terra, depois do Gólgota.

No dia 25 de novembro, comemoramos a festa de Santa Catarina de Alexandria, virgem e mártir. Sobre sua morte, o Abbé Darras, em sua obra Vida dos Santos, traz a seguinte narração:

”Lavai minha alma no sangue que vou derramar”

Maximiliano, Imperador, ordenou a morte de Santa Catarina. Foi ela conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte. A virgem caminhava com grande calma. Antes de morrer, fez a seguinte oração:

“Senhor Jesus Cristo, meu Deus, eu Vos agradeço terdes firmado meus pés sobre o rochedo da Fé, e terdes dirigido meus passos na via da salvação. Abri agora vossos braços feridos sobre a Cruz, para receber minha alma que eu sacrifico à glória de vosso Nome.

“Lembrai-Vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância, e lavai minha alma no sangue que vou derramar por Vós.

“Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam.

“Baixai vosso olhar sobre este povo e dai-lhe o conhecimento da verdade.

“Enfim, Senhor, exaltai, em vossa infinita misericórdia, aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que vosso Nome seja para sempre bendito.”

Em seguida, mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe.

Era o dia 25 de novembro. Numerosos milagres logo foram constatados. Os Anjos, como ela o desejara, transportaram seu corpo para a santa montanha do Sinai, a fim de que repousasse onde Deus escrevera sobre a pedra sua Lei, que ela guardara tão fielmente escrita em seu coração.

Contrastes da graça: lágrimas das companheiras e serenidade da mártir

Este é um trecho de tal elevação, que até lamentamos ter de comentá-lo. Ficar-se-ia mais satisfeito deixando o texto assim, brilhando ao céu, no horizonte, suspenso e emitindo luzes. Mas já que é preciso comentar, vamos aos pormenores.

Foi ela conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte.

Chama a atenção o fato de se tratar, principalmente, de senhoras de alta condição as que constituem o séquito da Santa mártir. Quantas possibilidades de salvação tem ainda um país onde as senhoras de alta condição acompanham ao lugar do suplício, solidarizando-se e chorando junto a ela, uma mártir fulminada pela cólera do Imperador! Um monarca onipotente, o qual pode mandar matar todos aqueles que se desagradarem de alguma atitude dele. Entretanto, todas essas damas seguem Santa Catarina, e vão chorando.

Vejam a diversidade dos dons do Espírito Santo e dos efeitos da graça: é bom e belo elas irem chorando. Contudo, esse dom das lágrimas manifestado nas mulheres nesse momento contrasta, pela sublimidade, com o fato de Santa Catarina não chorar. Ela permanecia quieta e com uma grande calma, caminhando de encontro à morte, inundada de graças do Espírito Santo, de outra natureza, por onde a mártir não derramava por si as lágrimas que a graça queria que as outras vertessem por ela.

Como deveria ser impressionante este cortejo de damas andando entre os soldados, e ela no meio, a única calma, a aconselhar todas a manterem a tranquilidade, consolando-as até chegar o momento em que ela deveria morrer.

Palavras que se projetam como raios de luz

Então, no fim da vida, ela emite uma oração com uma forma especial de beleza: um conjunto de afirmações e pedidos que se projetam como raios de luz, e brilham no horizonte com um encanto próprio.

Senhor Jesus Cristo, meu Deus…

Com isso Catarina afirmava ser Jesus Cristo seu Deus, e que ela não reconhecia outra divindade senão Ele. Em seguida, o primeiro pensamento, a primeira palavra, a primeira graça mencionada por ela, no momento de morrer, qual é?

…eu Vos agradeço terdes firmado meus pés sobre o rochedo da Fé, e terdes dirigido meus passos na via da salvação.

Como quem diz: “Eu Vos agradeço por ter pertencido a Vós, que sois a fonte da minha salvação, o ponto de partida de todo o bem que possa haver em mim. Eu sou boa porque Vós sois bom e me destes a bondade. Eu Vos agradeço a Fé que me doastes e a firmeza que me concedestes nessa Fé. Eu Vos agradeço o amor à virtude que me destes e a firmeza que Vós me outorgastes no amor a essa virtude. É esse o primeiro benefício que Vos agradeço, reconhecendo que tudo quanto em mim há devo à vossa iniciativa.”

Sacratíssima e augustíssima familiaridade com o Divino Redentor

Abri agora vossos braços feridos sobre a Cruz, para receber minha alma que eu sacrifico à glória de vosso Nome.

Pode haver uma imagem mais bonita do que essa? O Divino Crucificado que desprende da Cruz seus braços sangrando para acolher a alma dessa Santa, que sai também inundada do sangue do martírio, para ser recebida por Ele.

Que maravilhosa intimidade nesse encontro do Mártir dos mártires com uma mártir heroica e grandiosa! Que bela ideia a do sangue dela misturando-se ao Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo! Que elevada e profunda noção do Corpo Místico de Cristo há nisso! Que sacratíssima e augustíssima familiaridade com o Divino Redentor!

Santa Catarina possuía de tal maneira a convicção de estar sua alma unida à d’Ele, e de que a morte selava essa união, que Lhe pedia a abraçasse tão logo ela entrasse na eternidade. Tal era sua certeza de ir para o Céu!

Depois acrescentava:
Lembrai-vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância, e lavai minha alma no sangue que vou derramar por Vós.

Ela temia ter cometido, por ignorância, algum pecado. Era isso o que essa alma tinha para acusar contra si própria. Então suplica a Nosso Senhor o perdão das faltas, como se dissesse: “Antes de derramar o meu sangue por Vós e de ir para o Céu, quero que Vós laveis a minha alma no vosso Sangue”.

Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam.

Monjas contemplativas, no alto do Sinai, velam seu corpo

Tendo pensado em sua alma, suplicando que esta fosse lavada das faltas e recebida por Nosso Senhor, Santa Catarina cogita, então, no corpo dela, e pede que ele não seja deixado em mãos de seus inimigos, daqueles que a odeiam porque têm ódio a Ele.

Vejam o respeito que devemos ter pela santidade do próprio corpo, o qual constitui um todo com nossa alma na prática da virtude.

Também, que atendimento magnífico dessa oração! Foi só ela morrer, os Anjos vieram e levaram o seu corpo para a montanha mais augusta que há na Terra, depois do Gólgota, do Monte Calvário: o Sinai, onde a Lei de Deus nos foi dada.

Até hoje os restos mortais desta virgem mártir encontram-se no Monte Sinai, onde há um mosteiro de monjas contemplativas que guardam esse corpo e meditam sobre a Lei de Deus, ali concedida aos homens.

Baixai vosso olhar sobre este povo e dai-lhe o conhecimento da verdade.

Ela já não pensa em si, mas nos circunstantes.

Enfim, Senhor, exaltai, em vossa infinita misericórdia, aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que vosso Nome seja para sempre bendito.

Portanto, ela intercede desde já junto a Deus para atender todo mundo que por meio dela venha pedir alguma graça.

Pedir a graça da serenidade diante dos riscos

Em seguida, mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe.

A calma e a resolução. Feita a oração, nenhum tremor, nenhum desejo de contemporizar um pouco. Também nenhuma precipitação de quem tem medo de enfrentar a morte, correndo em direção a ela. Não! Ela diz tudo quanto tem a dizer e, terminado isso, entrega-se às mãos de Deus. Os soldados a matam e a oração dela é atendida.

Qual o efeito, de caráter espiritual, que a consideração dessa grande Santa mártir nos leva a desejar?

Devemos pedir a ela que, quando surgirem circunstâncias nas quais tivermos de enfrentar riscos, ou talvez até perder a vida, na luta contra os adversários da Santa Igreja, tenhamos aquela serenidade que só a graça dá perante a morte.

A morte, essa dissolução da unidade entre a alma e o corpo, é uma coisa tão tremenda, que só se compreende a serenidade diante dela quando o homem está dominado pela graça divina. Vamos pedir, então, que em todas as ocasiões da vida nós tenhamos, diante dos riscos, essa calma levada até o sacrifício extremo, caso seja esta a vontade de Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/11/1965)

 

Santo Odon, a formação de elites e o amor aos pobres

A Idade Média, com suas catedrais, castelos, universidades e outras instituições, causa admiração até entre os não católicos. O espírito dessa época histórica nasceu de Cluny, uma pujante Abadia que teve Santo Odon como primeiro abade. Graças à sabedoria deste grande santo, Cluny pôde influenciar toda a Europa.

No dia 18 de novembro comemora-se a festa de Santo Odon. Na “Vida dos Santos”, de Omer Englebert, encontramos a seguinte síntese biográfica deste santo abade de Cluny:

Graças a Santo Odon, a influência de Cluny espargiu-se por toda a Cristandade

Odon era filho de fidalgos que viviam na Alsácia, os quais atribuíam seu nascimento à intercessão milagrosa de São Martinho. Foi mandado ainda criança para a corte de Fulk, o Bom, Conde de Anjou, e mais tarde passou para a de Guilherme, Duque de Aquitânia. Aos 16 anos foi acometido de dores de cabeça, que só foram curadas quando o jovem ingressou no cabido de São Martinho, em Tours. Dedicou-se durante vários anos ao estudo dos clássicos e dos Santos Padres, seguindo em Paris, em 901, os cursos de Filosofia de Remígio de Auxèrre. Aplicou-se também profundamente ao estudo da Poesia e da Música, as quais cultivou durante toda a vida. Após ter sido cantor do cabido e de ter escrito várias obras, Odon ingressou no mosteiro beneditino de Baume-les-Messieurs, na Borgonha, mudando depois para Cluny, quando da fundação desse mosteiro, onde foi nomeado abade. As escolas que ele criou em Cluny atraíram em breve tudo quanto havia de mais nobre no Ocidente. Era costume dizer-se que um príncipe, no palácio de seu pai, não recebia educação mais apurada que os alunos de Cluny. Graças ao santo abade, a influência da abadia espalhou-se por toda a Cristandade. Os Papas a ele recorriam em suas dificuldades, e os príncipes chamavam-no para reformar os mosteiros em seus estados.

Nas cortes de Fulk, o Bom, e de Guilherme da Aquitânia

Tudo nessa biografia é digno de nota. É muito bonito observarmos, primeiramente, a nomenclatura dos personagens e lugares envolvidos nessa narração.

Por exemplo, os nobres a quem ele foi mandado para servir, quando ainda menino. Conde Fulk, o Bom: representa de tal maneira o conde medieval, em seu castelo, bom homem, ao mesmo tempo amável, gentil, mas valente no combate, que realmente chama a atenção. Dá-nos a impressão de uma figura de vitral.

Aliás, é preciso dizer que a palavra “bom” não tinha apenas o sentido que se costuma dar-lhe hoje. Não se tratava, portanto, apenas de uma pessoa caridosa, amável, mas de alguém capaz de cumprir eximiamente suas obrigações. Então, Fulk, o Bom, é o conde capaz de levar a cabo aquilo que tem de fazer.

Depois, Santo Odon passa para a corte de Guilherme, Duque da Aquitânia. Vem-nos à mente tudo quanto representa o ducado da Aquitânia, um grande feudo francês, um verdadeiro principado, uma miniatura de reino, na parte talvez mais poética da França, que é a França dos jograis, dos trovadores. E, apesar das heresias e erros morais ali surgidos, representava a França com um dos aspectos da Idade Média que era, precisamente, o aspecto poético.

Podemos imaginar, então, o Duque Guilherme da Aquitânia sentado num trono de carvalho trabalhado, recebendo homenagens de seus súditos à tardinha, no alto de uma escadaria do castelo, que dava para o pátio onde se adestravam os pajens. De repente, toca o Ângelus, todos interrompem suas atividades e rezam. Nesse ambiente é que Santo Odon formou sua mentalidade.

Música filosofada e Filosofia musicalizada

Após ter conhecido personagens tão interessantes, o jovem Odon foi estudar Filosofia, Poesia e Música na Universidade de Paris. Imaginemos um estudante daquele tempo, vestido com uma espécie de batina que vai até os pés, de cores variegadas, com um chapéu encimado por uma pluma, e que anda por Paris com alaúde ou algum outro instrumento; ele para à beira do Sena, toca um pouquinho e sai andando novamente… Eis a atmosfera inteiramente poética em que essa vida se passava.

Que riqueza uma pessoa estudar Filosofia e Música ao mesmo tempo! É aquela síntese da cultura medieval, por onde tudo é Filosofia e Música conjuntamente, e há uma Música filosofada e uma Filosofia musicalizada. Como isso é superior!

É uma tal visão das coisas, que se tem a impressão de serem figuras de vitrais, panoramas de iluminuras, e que toda a luz da Idade Média se irradia. É um prenúncio da luz do Reino de Maria.

Santo Odon cultivou essas duas coisas durante a vida inteira. Pode haver algo mais bonito do que imaginar um abade imponente, majestoso, que, numa hora de silêncio na abadia, entra sozinho na igreja e vai fazer seus exercícios de Música no coro, como grande conhecedor? Esse abade é um santo e sente-se algo da santidade dele modulando o próprio som do instrumento por ele tocado

São Gregório VII foi monge de Cluny

Odon ingressou no mosteiro beneditino de Baume-les-Messieurs, na Borgonha…

Tem-se a impressão de que Baume-les-Messieurs é uma cidade pequena, cultivada, distinta, em cuja praça pública há continuamente “messieurs” conversando de um modo agradável e delicado. É um encanto, uma pedra preciosa engastada numa joia chamada Borgonha, uma das mais fabulosas regiões da França.

…mudando depois para Cluny, quando da fundação desse mosteiro, onde foi nomeado abade.

Cluny foi a grande abadia beneditina, que chegou a ter sob sua regência mais de mil abadias espalhadas pela Europa inteira, e que deu o espírito da Idade Média. Para não dizer mais nada, São Gregório VII era monge de Cluny. Então esse homem, depois de ter estudado Poesia, Filosofia, Música, vai ser abade de Cluny.

Quem forma elites demonstra compaixão pelos pobres

As escolas que ele criou em Cluny atraíram em breve tudo quanto havia de mais nobre no Ocidente.

Mostraram-me um documento com as conclusões de um congresso no qual se criticava a Igreja e instituições eclesiásticas por se dedicarem demasiadamente à formação das elites.

Isso significa não compreender as coisas, porque se queremos favorecer a muitos ao mesmo tempo, devemos fazer bem àqueles que depois poderão ajudar os outros. É evidente. Seria um pouco como dizer: “Fulano não tem pena dos pobres porque fundou em tal lugar uma escola de Medicina”. Ora, assim formam-se os médicos que vão cuidar dos pobres. Portanto, quem fez isso demonstrou a máxima compaixão para com os pobres. Quem tem verdadeiro amor ao povo, forma elites capazes de fazer bem ao povo.

Assim, numa época de muito analfabetismo, a primeira coisa que Santo Odon faz é fundar escolas para a elite, atraindo toda a nobreza da Europa. Vem, então, aquele comentário transcrito na ficha: o menino educado em casa não poderia ter, nem de longe, a mesma finura e educação que se fosse educado em Cluny. Eis, exatamente, o empuxe de partida que Cluny deu a toda a Europa por sua influência sobre a nobreza europeia, como também sobre os clérigos.

Saudades de nossa casa paterna: a sacrossanta Idade Média

Como sempre acontecia na Idade Média, os grandes santos eram convidados para serem conselheiros dos Papas e dos reis. Esse homem foi um pilar da Europa também enquanto conselheiro de Pontífices e de monarcas.

Temos, assim, uma vida que mereceria toda ela ser representada em vitrais como os da Sainte-Chapelle, ocupando um lado e outro de uma catedral, começando com o nascimento dele, depois naturalmente os milagres, aparições; ele deve ter tido lutas, episódios como, por exemplo, encontros com o imperador que ia consultá-lo, etc.; até a narração de sua santa morte: ele esticadinho, à maneira medieval, numa cama feita de uns panos caídos por todos os lados, e uma pombinha saindo de sua boca, simbolizando sua alma que voava para Deus.

Como isso serve para matarmos as saudades daquilo que não conhecemos!

Pensa-se que as maiores saudades vêm daquilo que tivemos conhecimento. É muito maior a saudade daquilo que não conhecemos, que sabemos ter sido nossa casa paterna, roubada e destruída séculos antes de nós nascermos, e que é a nossa sacrossanta Idade Média.

Narrações como essa servem para alimentarmos nosso desejo do Reino de Maria.

Que Santo Odon acenda em nós esse desejo e a vontade de rezar para que Nossa Senhora apresse a vinda do Reino d’Ela, porque realmente estamos num ponto em que é preciso empenhar todas as forças da alma e fazer todos os sacrifícios para acelerar esse dia. Devemos ser chamas ardentes a pedir que se apresse a conversão ou a punição dos maus, e a implantação do Reino de Maria.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/11/1966)