Equilíbrio por excelência

Comentando, a pedido de seus jovens discípulos, uma das últimas fotografias de Dona Lucilia, Dr. Plinio analisa um marcante e fundamental traço da personalidade de sua extremosa mãe: o equilíbrio.

 

O misto de seriedade, de gravidade, de bondade e até de meiguice que se exprimem na fisionomia dela são qualidades que existem nela de um modo tão excelente, e que se combinam para formar um todo tão agradável de ver no seu conjunto, que se fica com a vontade de olhar indefinidamente.

Profunda diferença entre Dona Lucília…

Combinam-se aí algumas qualidades que são difíceis de combinar porque têm qualquer coisa de antitético. Não é de contraditório, mas que poderia parecer à primeira vista. Qualquer coisa que, por outro lado, o espírito moderno recusa profundamente, mas que por causa disso mesmo agrada nossos espíritos também profundamente. Nós vemos nela uma espécie de corretivo para o espírito moderno; há qualquer coisa de equilibrado, de tal maneira que não se saberia dizer que pudesse ser maior nela.

Essa fisionomia é a do equilíbrio por excelência. Não há – pela graça de Deus, porque essas não são qualidades meramente humanas – nenhum perigo de sair, diante de um fato que a choque muito, uma palavra desequilibrada.

Digamos, por exemplo, uma coisa que a qualquer mãe chocaria no auge: imaginem que, estando ela numa sala de sua casa, entrasse uma pessoa e lhe dissesse:

— Dona Lucília, o Dr. Plinio acaba de ser assassinado aqui na sala ao lado.

Seria um choque imenso, ela era capaz de morrer. E o indivíduo acrescentasse:

— Quem o matou fui eu.

Ela poderia ter qualquer reação, menos a de insultar o assassino.

Qual seria a reação dela? Ela poderia ficar algum tempo desmaiada, chorar com um pranto muito longo e dolorido e até gemer alto:

— Ai, meu filho!

Poderia dizer ao homem:

— Mas, por que o senhor fez isso com o meu filho?

E como as mães são todas tendentes a se iludir com o filho, ela poderia acrescentar para ele:

— Ele era tão bom. Por que o senhor o matou?

…e muitas mães imbuídas da mentalidade moderna

Entretanto dizer a ele: “Cachorro! Bandido! Ponha-se fora daqui!”, não saía. Pegar um objeto e atirar nele, não tinha possibilidade; a reação seria equilibrada.

Mas digamos que o assassino quisesse, numa dessas atitudes desequilibradas de facínora, chegar perto dela para agradá-la e consolá-la. Ela tiraria o corpo, profundamente desagradada e afirmaria:

— Não toque em mim!

Infelizmente há muitas mães, imbuídas da mentalidade moderna, que agiriam com desequilíbrio nessa ocasião. Uma primeira atitude desequilibrada poderia ser de sentir pouco a morte do filho.

— Mataram? Mas o corpo dele onde está? Precisa avisar à polícia. Vamos arranjar, então precisa vestir o cadáver…

E a coisa iria por aí.

Poderia ocorrer – se fosse uma senhora com um feitio mais tradicional, mas dentro do desequilíbrio moderno – que ela pegasse um objeto e jogasse em cima do sujeito. Infelizmente, não estaria excluída a hipótese de ela falar um palavrão.

Dona Lucília poderia dizer ao indivíduo:

— Saia de minha casa já! Não a polua com a sua presença. Eu me arranjo na pior dor da minha vida. Saia!

Porém se o assassino dissesse, contrito:

— Minha senhora, eu não sou digno de estar na sua casa, mas lembre-se de que tive uma mãe que me quis bem como a senhora amou seu filho, e tenha pena de mim.

Ela era capaz de não chamar a polícia. Se alguém quisesse fazê-lo, ela não se oporia, mas ela poderia não chamar.

Ao cabo de um ano, digamos, depois desse episódio, mamãe estaria ainda “sangrando” pelo que acontecera nesse dia. Mas ao contar o fato e se referir ao assassino, poderia dizer “infeliz” ou “miserável”. Mas chamá-lo de cachorro, monstro, etc., não faria. Havia um equilíbrio, um limite para cada coisa.

Perda do patrimônio devido à omissão de um parente

De outro lado nota-se nela um fundo de tristeza. Mas não é uma tristeza que arranque dela expressões de revolta, nem de inconformidade com os causadores dessa tristeza. Ela está olhando para o passado, medindo mais uma vez o que foi feito e que não deveria ter sido realizado, e está chorando no interior de sua alma. Mas, no fundo, ela possui a calma de uma pessoa que almoçou e está descansando um pouco, depois da refeição. É o equilíbrio! O equilíbrio no bem, na verdade, no dever, mas sempre o equilíbrio. Este era o traçado contínuo da vida de Dona Lucília: em tudo e por tudo, em todos os aspectos da sua vida, acontecesse o que acontecesse, a atitude dela era de equilíbrio.

Passou-se com minha mãe o seguinte fato: Durante uma viagem que meu pai teve que fazer a Pernambuco, ele a aconselhou, e ela aceitou: dar uma procuração a um parente dela, para que este tomasse conta dos seus bens. Esse parente, entre outras “maravilhas”, fez a seguinte: ele devia renovar o seguro do edifício contra incêndio, mas deixou esgotar o prazo e o resultado foi que, no dia seguinte ao vencimento do seguro, o prédio pegou fogo e ela perdeu o patrimônio.

É ou não é verdade que os senhores conhecem senhoras que teriam atitude de desequilíbrio nesse caso? A começar por um conselho para o parente: “Não apareça tão cedo aqui!” E podia ser em termos muito mais quentes do que esses…

Dona Lucilia, na noite do próprio dia em que aconteceu isso, quando ela ainda estava “digerindo” a péssima notícia, ele aparece e a cumprimenta. Ela disse boa-noite para ele, com calma, com normalidade, fê-lo sentar e pediu:

— Fulano, explique-me um pouco como foi isso, porque eu não entendi bem.

Ele deu a explicação, e ela depois me contou:

— Coitado desse nosso parente, passou por um grande desgosto.

Uma outra pessoa diria:

— Que me importa o desgosto dele? Foi um relaxado. Se há uma coisa que um homem que tem uma procuração não pode fazer é deixar passar o prazo de vigência de um seguro contra incêndio. Ele está gravemente responsabilizado por isso, e agora deve entrar com o dinheiro dele para ressarcir o mal que me causou.

Mas a resposta de mamãe seria:

— Oh! coitado, ele tem muitos filhos. Nós podemos viver menos bem sem isso. Não vamos escangalhar a vida dele.

Sofrer na Terra para chegar ao Céu

É um equilíbrio com bondade, onde entra muito o coração, não um equilíbrio metálico; mas que não leva a bondade a dominar a justiça. Se esse procurador tivesse lesado terceiros em benefício dela, ela teria exigido que esse homem restituísse para a pessoa lesada tostão por tostão, inclusive com os juros devidos. Sem nenhuma dúvida.

Assim eu poderia contar cem episódios, se houvesse tempo e se não tratasse de pessoas às quais alguém que tome conhecimento desses fatos possa vir a identificar, pois não quero estar difamando ninguém. Tenho certeza de que no Céu, onde ela se encontra, mamãe está aprovando a minha conduta.

Vê-se, nesta fotografia, que é uma senhora que atingiu uma idade extrema. Ela estava com noventa e dois anos nessa ocasião, idade em que falecem os que morrem tarde. Foi uma pessoa que não exerceu nenhuma profissão. Entretanto percebe-se que ela carrega consigo um grande cansaço. Cansaço do quê? Em parte é o que nós poderíamos chamar o cansaço do equilíbrio.

Cansa estar procurando o equilíbrio em tudo, e cumprindo a justiça em tudo. Levar uma vida inteiramente dentro dos Mandamentos é preparar-se para o Céu, mas ainda não é o Céu. Pelo contrário, é o sofrer na Terra para chegar até lá.

Vemos aí o extremo cansaço de inúmeras dores, de incontáveis deveres cumpridos, de situações difíceis enfrentadas e vencidas sem a menor pretensão. Ninguém, olhando para ela, diria o seguinte: “Essa senhora se considera um colosso.” Nada, nem um pouco, nem passa pela cabeça dela isso. Por quê? Equilíbrio.        v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/1/1994)
Revista Dr Plinio 268 (Julho de 2020)

EUCARISTIA E A PAZ NA TERRA

Nestes dias em que as tensões armadas se avolumam em tantos pontos do globo, vem ecoar novamente a voz de Dr. Plinio, apontando o único caminho para a obtenção da paz: a Eucaristia. Solução “plinianamente”  original e ousada (e bem colada na realidade), como eram as desse líder católico.

 

Não é difícil (encontrar) conseqüência entre os Congressos Eucarísticos e a paz das nações. Guerras são sempre frutos de paixões exacerbadas. E como, entre os indivíduos, a virtude das partes domina os ímpetos do amor-próprio e conserva em harmonia as relações recíprocas, também entre as nações é mister reine a virtude cristã que impeça os excessos das paixões nacionais. Ora, para tanto, muito concorrem os Congressos Eucarísticos. Primeiramente, porque neles há uma consagração da realeza transcendente de Nosso Senhor Jesus Cristo. Reúnem-se representantes dos mais diversos países para, prostrados, reconhecerem a soberania suprema do Rei dos reis, de quem procede todo o poder na terra. Este espetáculo não pode não impressionar os soberanos deste mundo. […]

Sentirão a precariedade de sua soberania, perceberão que sua autoridade não é absoluta ou ilimitada, mas que deve curvar-se diante de outra mais excelsa, a que peça normas por que se regular.  […]

Esta humildade por parte dos governantes, este temor de Deus é o primeiro elemento de ordem e paz entre [as nações]. Pois na Soberania Divina encontrarão os soberanos o limite necessário às demasias do orgulho nacional. Depois, os Congressos Eucarísticos favorecem um conhecimento mais profundo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele já não aparece apenas como o Redentor que uma vez se sacrificou pelos homens para merecer-lhes uma coroa de glória na vida de além-túmulo. Sua vida eucarística, perpetuando o sacrifício, convida os homens a uma reflexão sobre a perenidade e sua Paixão, os motivos que a determinam, seu influxo diuturno nas almas. E vem à luz a vida da graça, a vida estabelecida por Nosso Senhor, como uma realidade que deve ser vivida, intensamente. Daí os frutos mais ocultos, que amadurecem no íntimo dos corações: a reforma dos indivíduos. Uma vida na qual a religião não é um acréscimo acidental, mas o móvel único que dá vitalidade sobrenatural a todas as ações do indivíduo. Um revestimento de Cristo, na frase de São Paulo.

Não se diga que, todos espirituais, estes frutos na sociedade são valores somenos. Absolutamente. Não é possível uma separação real entre os indivíduos e a sociedade. Não há uma sociedade abstrata à qual se apliquem normas e reformas sem considerar os homens que a compõem. Estes são sempre os membros daquela na qual ingressam inteiros, corpo e alma, vícios e virtudes que porventura possuam. E como os vícios concorrem para a desordem e intranquilidade, as virtudes são elementos de ordem e de paz.

A paz social depende, pois, e muito, da paz interna de seus membros. Esta só se obterá quando se compenetrem os homens de sua finalidade extraterrena, sobrenatural, e saibam que ela se subordina ao cumprimento exato de seus deveres para com Deus e para com o próximo. Tal compreensão, proporcionam os ensinamentos de Nosso Senhor; executá-la, facilitam os exemplos de Nosso Senhor: uma e outra coisa se obtêm nos Congressos Eucarísticos.

Há, pois, estreita relação entre os Congressos Eucarísticos e a paz na terra. Já o atual Pontífice gloriosamente reinante, apontava este benéfico influxo dos Congressos Eucarísticos, ao reatar a série dos mesmos, interrompida pela Grande Guerra. E realmente, a paz de Cristo só se pode obter com o reinado de Cristo nos indivíduos e na sociedade.

Plinio Corrêa de Oliveira (Transcrito do “Legionário”, nº 156, de 14/10/1934)

Revista Dr Plinio 41 (Agosto de 2001)

O papel da Eucaristia no mundo moderno

Diante de uma falsa concepção de modernidade, amplamente difundida em nossos dias, onde encontrar o equilíbrio que salvará o mundo hodierno? Dr. Plinio, por ocasião de um Congresso Eucarístico nos remotos anos 50, evidencia para seus ouvintes que a salvação só pode vir da Eucaristia.

 

Na linguagem corrente, “mundo” é o conjunto de toda a humanidade, ou o globo em que vivemos. Porém, “mundo” traz consigo um sentido mau, ele pode ser considerado como um reino das trevas, que tem Satanás por príncipe.

O que entendemos por “mundo moderno”?

Muitos são os sentidos que contém a palavra “moderno”. “Mundo moderno” pode ser considerado o mundo de hoje em relação ao de ontem, sendo que o de hoje não exclui o de ontem, pois foi graças ao de ontem que o de hoje existe.

Porém, por vezes a palavra “moderno” é empregada com o sentido de oposição ao passado.

Todavia, este termo tem um sentido ainda mais sutil e recôndito, e é este sentido que me cabe analisar.

Nós não poderíamos dizer que tenha se modernizado um país onde vigorasse o regime de separação entre a Igreja e o Estado, e este passasse ao regime de união; mas, muita gente dirá que se modernizou outro que passasse da união para a separação. Ninguém diria que passar do divórcio para a indissolubilidade do vínculo conjugal é modernizar; mas muita gente acha que passar da indissolubilidade do vínculo conjugal para o divórcio é modernizar.

Orgulho, sensualidade e modernidade

Nós temos então uma certa ideia de modernidade, em virtude da qual se entende que tudo quanto é laicismo, tudo quanto é igualitarismo, tudo quanto é conceder aos instintos do homem a liberdade de se divertir e de se satisfazer como entenderem, isso é verdadeiramente moderno.

De tal modo esse conceito existe e é ativo, que vós o podeis observar na vida contemporânea. Ela se transforma constantemente; a todo momento, um costume muda, uma instituição toma novo aspecto, outra instituição morre para dar lugar a alguma coisa de novo; observai todas essas mudanças, e, na sua quase totalidade, vós vereis nas transformações que se deram um progresso da ideia de igualitarismo, um progresso do princípio de laicismo, um progresso da sensualidade.

Observai na vida doméstica: a todos os momentos as barreiras que separam os pais dos filhos se atenuam, a autoridade do marido decai, a liberdade dos filhos cresce. E cresce para quê? Para que os filhos cumpram melhor o seu dever? Cresce para que sejam mais castos? Cresce para que eles sejam mais esforçados? Ou cresce, pelo contrário, para que eles tenham maior liberdade em fazer tudo quanto bem entenderem, de se atirarem às diversões imodestas, desonestas, de satisfazerem a sua sede de prazer, de romperem os grilhões de uma obediência indispensável que deve vincular os filhos aos pais?

Observai as relações entre as classes sociais. A todo momento mudam-se os trajes, e estes tendem a nivelar e equiparar as classes; a todo momento mudam-se as maneiras, e essas mudanças significam uma diminuição do respeito dos mais moços aos mais velhos, do homem à mulher, dos alunos aos seus mestres. De todos os lados, minguam as forças da autoridade, as forças da hierarquia, as forças da ordem, roídas por um movimento incessante, gradual, mas profundo, roídas por essa tendência imensa para o nivelamento, que acaba tendo no laicismo a sua expressão mais completa. Porque o homem, depois de não ter querido, na Terra, superior de nenhuma espécie, também não quer um superior no Céu, não quer saber de Deus, e, então, organiza a sua vida precisamente como se Deus não existisse.

O perigo da má concepção de modernidade

Este é o terrível fenômeno o qual mina a própria população católica, e no espírito do brasileiro — tão acomodatício, infelizmente — conduz a essa situação monstruosa: somos uma população de esmagadora maioria católica, as estatísticas indicam uma quase unanimidade de católicos no Brasil, mas se nós examinarmos a vida pública brasileira, a moralidade existente nela é como se Deus não existisse. Se nós examinarmos a nossa vida doméstica, veremos que cada vez mais ela vai sendo como seria se Deus não existisse. E, entretanto, as igrejas continuam cheias, os atos do culto continuam concorridos. É um fato indiscutível que todos se dizem católicos na ocasião do recenseamento!

Como explicar isto senão pela corrosão silenciosa, discreta, muda, terrível como uma lepra, feita por esse estado de espírito de organizar o mundo abstraindo de Deus, de conceber tudo ao signo da revolução e da desordem, de organizar tudo com base na sensualidade, o que é a própria desorganização?

E eu vos pergunto, minhas senhoras e meus senhores: se esta Nação, tão bela e tão digna de um melhor presente, se contorce neste momento numa das mais graves crises da História, não porque lhe faltem as condições materiais de existência, não é por que lhe falta aquela moralidade? Não é por que lhe falta aquela coerência da Fé com as atitudes práticas?

“Modernidade”, traço decisivo de nossa época

Assim definidos os vários sentidos da palavra “moderna”, nós podemos perguntar qual vem a ser o papel desta modernidade dentro do mundo moderno.

E nós poderíamos dizer que se no mundo a mentalidade dita moderna não conquistou tudo, ela é a grande força propulsora de quase todos os acontecimentos, a grande nota característica do momento. Ela é também o grande perigo, o traço forte e decisivo da época em que nós vivemos.

Onde buscar a salvação para o mundo moderno?

Mas, também é verdade que neste mundo — cada vez mais dominado pelo espírito acima descrito — há Alguém Eterno, Onipresente: Nosso Senhor Jesus Cristo. Presente em todos os sacrários da Terra, nos sacrários de ouro do Brasil e dos templos da Cristandade. Este Alguém, cuja presença não se percebe com os sentidos da carne, está presente na Sagrada Eucaristia. Ele é o grande Apóstolo do mundo contemporâneo, como de todos os tempos. E Ele fala constantemente às almas, ensinando-lhes pela linguagem muda — mas, infinitamente eficaz — que é a linguagem de Deus. Fala-lhes constantemente sobre a necessidade de o homem se opor às coisas que constituem a sua miséria, a sua degradação. Fala-lhes da necessidade de caminhar rumo a outro sentido, de se converter a Deus Nosso Senhor de todo o coração.

Por meio da Eucaristia Deus multiplica suas maravilhas

Minhas senhoras e meus senhores, neste mundo moderno terrível, dá-se o que sempre acontece quando se desafia a Deus. Deus multiplica as maravilhas, e, ao mesmo tempo em que a iniquidade vai chegando ao seu auge, nós notamos frutos admiráveis da Sagrada Eucaristia, frutos da graça, frutos que dão no apostolado um resultado incomparável. Enquanto multidões caminham para o prazer e para o vício, enquanto multidões silenciam diante do mal e se acovardam, vão se tornando, por toda parte, mais numerosas as almas que, elevadas por um anelo de perfeição absoluta, de ortodoxia completa, de obediência inteira à Igreja Católica, renunciam a tudo, dispostas a tudo enfrentar para afirmar apenas a doutrina da Igreja.

Eu me lembro, neste momento, da figura angélica de Santa Maria Goretti. Nesta época em que as praias são tomadas pelo neopaganismo que estadeia toda a corrupção da civilização moderna, uma virgenzinha entrega a sua vida com toda a resolução para não perder aquilo que tanto ama: sua virgindade. Quando se tem uma alma verdadeiramente eucarística, aprende-se a amar a virgindade como o dom mais precioso da vida.

Santa Maria Goretti é um fato culminante, será um fato único?

A Eucaristia faz de frágeis crianças, grandes heróis!

Eu me lembro, por fim, de um fato impressionante, ocorrido atrás da cortina de ferro, e noticiado pelo “L’Osservatore Romano”.

Os comunistas tinham invadido uma aldeia onde havia uma igreja católica. Alguns meninos ouviram dizer que, a horas tantas, eles iriam entrar na igreja, arrombar o sacrário e profanar as Sagradas Espécies.

Era noite, nevava, o luar brilhava de modo admirável. A igreja estava na solidão, e enquanto os fiéis dormiam em suas casas, a agonia se aproximava: o recinto sagrado vai ser assaltado. Nosso Senhor estará sozinho neste “Horto das Oliveiras”? Não, durante a noite inteira, três meninos, que pulam pela janela aberta, estão dentro da igreja.

Quando os comunistas entraram, uma das crianças tentou detê-los inutilmente a caminho do altar, e morreu massacrado. Outro defendeu a mesa da Comunhão, e morreu também. O terceiro pôs-se sobre o altar, cobrindo o sacrário com o próprio peito. O que fizeram, então, os bárbaros sacrílegos? Mataram este sacrário vivo antes de arrombar o sacrário de ouro, tão menos precioso do que aquele.

Por fim, apanharam as Sagradas Espécies e as profanaram. O inferno, certamente, exultou, mas muito mais exultou o Céu pelo sangue desses três pequenos mártires derramado na igreja, de modo não menos glorioso do que o dos mártires que derramaram seu sangue na arena do Coliseu.

Uma das maiores vitórias de todos os tempos

Aí está, como vedes, a ação da Eucaristia no mundo moderno. No momento em que a iniquidade está chegando ao seu cúmulo, a graça e a misericórdia chegam também ao seu auge. À fortaleza do vício e do mal, Deus opõe uma indômita fortaleza do bem. O triunfo da Igreja Católica se dará no mundo moderno. Esse triunfo se dará certamente pelo embate gigantesco entre as pequenas forças do bem e as enormes forças do mal, mas nós veremos talvez, e, a meu ver, provavelmente nos próprios dias em que existimos, nós veremos este fato com que a Igreja há de marcar uma das maiores vitórias de todos os tempos, e essa vitória será a vitória da Sagrada Eucaristia, fonte de graça aberta para o mundo por intermédio da intercessão de Nossa Senhora que, rezando sempre a Jesus Eucarístico, consegue para nós as graças de que nós precisamos.

A salvação vem da Eucaristia, por meio de Maria 

O papel da Sagrada Eucaristia no mundo moderno faz-me pensar em Nossa Senhora. Como não se pode falar em triunfos sem pensar em Maria Santíssima — Ela é a Medianeira necessária —, eu posso afirmar que um dos mais preciosos dons concedidos por Nosso Senhor, através da Sagrada Eucaristia, é a devoção a Nossa Senhora.

Esta devoção, tão característica e radicada em nossa Terra de Santa Cruz, há de salvar o Brasil. v

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência pronunciada na solene sessão da ­Semana Eucarística de Campos dos Goytacazes, em 23/4/1955)

Revista Dr Plinio 147 (Junho de 2010)

 

A grandeza do dom da Sagrada Eucaristia

Admirador da lógica de Santo Inácio de Loyola, Dr. Plinio fez uma série de reuniões, em 1973, sobre os exercícios espirituais inacianos, comentados pelo célebre jesuíta, Pe. João Pedro Pinamonti. Nestas linhas, Dr. Plinio comenta a grandeza do Sacramento da Eucaristia.

 

“Considera que três coisas podem concorrer para fazer um dom grandemente estimável: a grandeza do mesmo dom; o afeto de quem o dá; a utilidade de quem o recebe; as quais três coisas todas se acham maravilhosamente na diviníssima Eucaristia”(1).

Gostaria que analisassem o raciocínio para perceberem como é lógico.

Ele faz aqui consideração sobre o Santíssimo Sacramento enquanto dom, ou presente. Como preliminar do assunto, explicita uma teoria a respeito do valor de um presente, aplicável a todos os dons, em todas as épocas e sobre toda a face da Terra.

E indica os três pontos que tornam um presente muito apreciado:

  1. a) a grandeza do dom;
  2. b) o afeto de quem o dá;
  3. c) a utilidade de quem o recebe.

É uma ordem perfeita e reduzida à sua expressão mais simples!

Para compreender o valor de um dom, devo analisar o objeto, a pessoa que o dá e quem o recebe. Creio ser bem perceptível a limpidez de espírito que há nesta operação mental. Desta maneira como é apresentada não há nada que escape.

Esta é uma ordem hierárquica de valores muito diversa da usada em nossos dias.

Hoje, quando se dá um presente, grande parte dos indivíduos o recebe marcusianamente(2): fazem relambórios, não sabem analisá-lo, nem dizer qual o seu valor; afirmam que gostaram etc. É uma massaroca de impressões confusas. A pessoa de espírito católico analisa seus próprios sentimentos para verificar, no que são bons ou ruins, qual a razão deles, etc. Este é o verdadeiro espírito da Igreja.

Conhece-se o caso de Santo Inácio de Loyola em que ele afirmava ser capaz de escrever as dezesseis razões — pró e contra — pelas quais cumprimentou de certa maneira algum noviço da Companhia, quando este passou perto dele em determinado momento. Quer dizer, nele tudo era bem pensado, bem calculado.

Caso dois de meus ouvintes, por exemplo, se cumprimentassem, eu gostaria de vê-los escrever três razões pelas quais o cumprimento foi daquele jeito. Creio que haveria muita dificuldade em redigir alguma coisa…

A Escritura diz que todas as obras de Deus têm conta, peso e medida. Neste comentário — que muito reflete a mente de Santo Inácio — vê-se que tudo tinha conta, peso e medida.

Tendo penetrado no firmamento do espírito inaciano, entendamos que é um firmamento ordenado, no qual tudo tem conta, peso e medida.

A primeira coisa, pois, que ele considera é o valor do dom (hoje considerar-se-ia a utilidade de quem o recebe); a segunda, quem o deu; e a terceira, a utilidade de quem o recebe. Esta é a verdadeira hierarquia.

Se alguém, recebe, por exemplo, um brilhante, numa linda caixa, primeiramente indaga qual seu valor. Depois, quem o deu. Suponhamos que lhe informem: “Foi a Rainha da Inglaterra… Ouviu falar de suas singulares virtudes e resolveu mandar-lhe este presente. Sua reação imediata: “Que psicóloga essa rainha! Ela, de longe, percebeu minhas qualidades!” E manda logo colocar na caixa um cartãozinho: “Brilhante que a rainha da Inglaterra enviou-me.”

A terceira pergunta: “O que vou fazer com este brilhante?”.

Está tudo, portanto, magnificamente pensado. Assim eu quisera que fosse cada um de nós. É um convite para um firmamento que se abre.

Continua o Pe. Pinamonti:

“Considera, pois, em primeiro lugar a grandeza do dom. Grandes coisas tinha o Senhor já dado aos homens: tinha-nos dado a nós mesmos, e juntamente nos tinha dado inumeráveis criaturas para o benefício da nossa criação e conservação: estas coisas, ainda que muito estimáveis, eram limitadas. Deu, pois, o Senhor aos homens na Encarnação um dom infinito; porém este dom foi imediatamente dado à humanidade de Jesus Cristo, e a nós por ela só mediatamente; e por isso podia ainda o Senhor dar-se a si mesmo a cada um dos fiéis em particular, estendendo desta forma o benefício da mesma Encarnação”(3).

O pensamento dele aqui é o seguinte: para cada homem, Deus deu uma série de coisas.

Em primeiro lugar o ser, pois de nada adiantaria dar-lhe todo o resto se o homem não existisse.

Além disso, criou o Céu para a Humanidade no seu conjunto e para cada homem individualmente. Porque, se um só homem se salvasse, o Céu brilharia para ele da mesma forma.

Ademais deu-nos saúde, inteligência; em síntese deu-nos todas as coisas que existem.

Sobretudo, deu a Encarnação do Verbo: Ele se fez carne para nos salvar. É um dom enorme!

Imaginemos que uma pessoa empreendesse uma viagem a outro planeta para, chegando lá, fazer a doação de um olho a alguém necessitado; consideraríamos tal gesto de uma extrema generosidade. Se fizéssemos tal coisa, acharíamos que o beneficiado deveria a vida inteira cantar louvores a nossa bondade.

Ora, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade percorreu um espaço muito mais que planetário para vir a nós. Deus verdadeiro, abaixou-se, condescendeu em fazer-se, não anjo, mas homem, para nos salvar.

São Luís, Rei da França, introduziu o costume de inclinar-se quando, no Credo, se diz: “et Homo factus est”. Porque é um dom tão extraordinário, que temos de fazer vênia para agradecê-lo a Deus.

Mais ainda: fazendo-se Homem, passou trinta anos em vida oculta com Nossa Senhora, para glorificar a Deus e rezar pelo gênero humano. Durante todo esse tempo passou orando pela missão que posteriormente haveria de exercer.

Depois, durante três anos operou tais maravilhas, que São João chega a dizer que se as fosse narrar,  encheria a Terra com os escritos de Seus feitos. Os Evangelhos contam-nos apenas parte deles, e já são tão magníficos que nem se sabe o que dizer.

E Jesus além de todos os ensinamentos, o exemplo, de toda a manifestação de paciência, de carinho, e de perdão, ainda fez mais: como coroa de todos os dons anteriores, Ele deu a Sagrada Eucaristia.

Fazendo eco ao espírito de Santo Inácio em seus Exercícios Espirituais, o Pe. Pinamonti irá mostrar adiante que, dar a Sagrada Eucaristia é de algum modo mais do que ter-Se feito Homem: através dela Ele adquiriu uma união mais íntima conosco do que pelo fato de ter-Se encarnado. A Sagrada Eucaristia é um dom, fruto da própria Encarnação; compreende-se portanto quão prodigioso ele é.

Continua o Pe. Pinamonti:

“Isto, pois, é o que Ele faz na Eucaristia, comunicando-nos quanto tem de riquezas e de bens: o seu corpo, o seu sangue, os seus merecimentos, as suas virtudes, a sua alma,e a sua divindade, com uma invenção tão admirável, que por toda a eternidade não viria jamais ao pensamento dos serafins. Não se pode, pois, pedir outra coisa maior ao nosso Salvador nesta vida; e, se lha pedíssemos, poderia ele responder que, mesmo sendo Senhor de todos os bens, agora não tem mais que nos dar, tendo-nos dado tudo no pão dos escolhidos, e no vinho que gera virgens”(4).

É um pensamento admirável! Nosso Senhor, na Eucaristia, dá-Se a nós de um modo tão esplêndido como ninguém poderia inventar. Os mais altos anjos — os serafins —, se pensassem sobre o assunto por toda a eternidade, não poderiam excogitar a ideia de um Deus que Se dá ao homem sob as espécies de pão e de vinho, de modo a penetrar nesse homem e assumí-lo.

Não há na Terra, por exemplo, nas relações de pessoa a pessoa, nenhuma forma de união tão íntima como a existente entre Nosso Senhor Jesus Cristo, na Eucaristia, e nós.

E Pe. Pinamonti enumera os dons que isto representa: Seu corpo, Seu sangue e todos os Seus méritos.

Os méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo são tais que, por cada gota de Seu sangue, Ele resgataria o mundo inteiro. Ora, Ele derramou todo o sangue no alto da Cruz. Como, pois, haveríamos de calcular esse mérito? Ele é infinito!

Na Eucaristia recebemos o precioso dom: todo seu sangue derramado! Também todas as Suas virtudes. Quer dizer, toda a Sua santidade, por assim dizer toca-nos, contagia-nos santamente.

A santidade de Nossa Senhora é incomensurável, mas ela não é infinita. A de Nosso Senhor é estritamente infinita. Ele é “a” santidade.

Pois bem, Aquele que é “a” santidade condescende em vir a mim na Sagrada Eucaristia.

Que dom formidável Ele ficar no sacrário, trancado, até a hora em que chego para comungar! Nesse momento por mim escolhido, Ele vem e me visita, mais intimamente do que à casa de Lázaro e de Maria, enquanto estava vivo na terra. Porque, naquela ocasião, Ele não entrava em Lázaro nem em Maria. Aqui, Ele entra em mim.

É um dom verdadeiramente inestimável! Glória, saúde, todas as riquezas do mundo, nada são comparadas a uma comunhão. E nós que recebemos o chamado para comungar diariamente!

Alguns de nosso movimento, há dez, vinte anos comungam todos os dias; eu, há quarenta anos. Quantas comunhões isto representa! Quantos dons foram se acumulando ao longo desses anos em tais comunhões diárias! É verdadeiramente inimaginável! Esta é a amplitude do dom que Deus nos dá.

Como aproveitarmos esta meditação?

Podemos aproveitá-la, por exemplo, lendo ao menos um destes pontos, a fim de prepararmo-nos para a comunhão.

Suponhamos que uma pessoa esteja, com problemas de inveja. Deve ela considerar que vai receber Aquele que é a suma generosidade, a suma bondade, que nunca invejou ninguém; pelo contrário, alegrou-Se com o bem que fez a todos os outros.

E então dizer: “Senhor, vinde, e dai-me Vossa bondade. Lavai-me do defeito de inveja que noto em mim”.

E se a dificuldade for praticar a castidade, pensar: Nosso Senhor Jesus Cristo é a própria pureza. O sangue d’Ele é chamado vinho que gera virgens. Quem não tiver parte com Ele não consegue a pureza.

E pedir: “Senhor, vinde à minha alma para comunicar-me a Vossa pureza. Por meio de Maria Vos peço que me torneis puro, de uma pureza que lembre a d’Ela, o melhor espelho de Vossa própria pureza”.

Estes pensamentos são tão profundos que não há possibilidade de deter-se em todos antes da comunhão; basta um tomado a sério, para fazer uma comunhão bem feita.

Prossegue o Pe. Pinamonti:

“Em comparação pois duma liberalidade tão excessiva de teu Deus com a tua alma, quão enorme será a tua avareza para com Ele, se não lhe ofereces, pelo menos, aquela liberdade que te resta? Tens até agora feito resistências aos outros dons; mas poderás ainda resistir a um Deus que te dá a si mesmo?” 5

Imaginem que entrasse na casa de um de nós uma pessoa de suma importância e dissesse: “Fulano, vim aqui porque quero ser seu amigo e dar-lhe tudo o que possuo”.

Normalmente a reação seria perguntar-se a si mesmo: “O que tenho para retribuir-lhe? É um presente tão grande que ele me concede: sua fortuna, dinheiro, automóveis, aviões, tudo ele está me dando nesse momento! Alguma coisa deverei fazer por ele”.

Toma então um objeto fino que tenha em sua residência e diz: “Não está de modo algum na proporção do seu dom. Mas, para lhe manifestar o quanto estou grato, leve isto”.

Ou, uma bebida excelente que possua: “Sei que isto não paga em nada, mas peço-lhe aceitar esta bebida. É uma magra expressão daquilo que eu gostaria de fazer”.

A mais elementar das gratidões levaria a tais atitudes.

O Pe. Pinamonti, a respeito da Eucaristia, faz dessas perguntas sumamente lógicas, próprias a levar a alma quase que de elevador para o caminho da virtude.

“Estás recebendo tal dom: o que pretendes fazer? Tens resistido a outras graças: resistirás também a esta? Deus Se dá a ti, e tu não te darás a Ele? Que propósito tem não te ofereceres a Ele por inteiro nesta comunhão?”

Porque na verdade Nosso Senhor dá muito e pede pouco. O que sou para Deus Nosso Senhor? Nada! E eu não me ofereço a Ele?

Portanto, o corolário normal de uma comunhão é fazer um oferecimento: “Senhor, não sou digno de Vos receber, mas suplico que entreis em minha alma. Concedei-me a graça do desejo de dar-me a Vós, e de que um dia, o mais breve possível, eu efetivamente me dê a Vós inteiramente, isto é, abandone o pecado, deixe de Vos ofender, pratique a virtude inteiramente, seja um perfeito soldado de Vossa Causa; por meio de Maria, Vô-lo suplico”.

Esta é a retribuição forçosa. Quem recebe tanto, deve ao menos pagar um pouco pelo que recebeu. E, se Deus Se dá inteiramente a nós, tal será que não nos entreguemos completamente a Ele!

São reflexões que penetram até o fundo! Se a pessoa as tomar um pouco a sério, não pode deixar de persuadir-se. Porque, se em última análise eu acredito na Eucaristia, que é o corpo e o sangue de Cristo, como posso negar a validade de tal raciocínio? É o mais evidente que há!

Coisa muito boa é ter em mente durante o dia determinado pensamento. Por exemplo: de que, hoje, Nosso Senhor Se deu a mim. Pedir-Lhe-ei, portanto, a graça de me entregar a Ele em tal ponto. E farei nessa intenção algum sacrifício, entregarei algo que me custa, oferecerei a Ele tal tarefa difícil, etc.

Ou, então, se percebo que terei uma grande aflição certa coisa muito difícil diante de mim devo refletir: se Deus deu-Se a mim hoje, e novamente Se dará amanhã, não vou confiar n’Ele? Não irá ajudar-me nessa ocasião, sorrir para mim em tal oportunidade? É evidente que sim! Viverei esse dia com confiança, porque Deus Nosso Senhor me auxiliará.

Essas são atitudes normais de alma, de quem vive em função da comunhão que fez hoje e fará amanhã. É assim que se prepara uma alma verdadeiramente eucarística.

Os raciocínios do Pe. Pinamonti para os que praticam os exercícios de Santo Inácio pedem muita seriedade.

Porém, estas são meditações profundamente lógicas.

Imaginemos uma pessoa que resida num país aonde haja um rei, o qual lhe deu um principado. Em certa circunstância, ela precisa de um pequeno favor do monarca, por exemplo, que mande a outrem fornecer-lhe um certificado de vacina.

Não é razoável que ela tenha medo de fazer esse pedido ao rei, pois quem deu-lhe o muito mais dar-lhe-á o menos. Deve, entretanto, pedir muito não só coisas pequenas, mas grandes.

Assim precisamos ser com Nosso Senhor; preparar nossa vida em função d’Ele na Eucaristia.

Tudo isso é profundamente sério e estas conferências são um convite à seriedade. Se não formos sérios nessa vida, ao morrer teremos o maior choque que se possa imaginar: defrontar-nos-emos com a infinita seriedade de Deus.

Ele então nos dirá:

“Diariamente durante tantos anos dei-te a graça de desejardes a minha visita; e correspondeste a ela. Mas, em todas essas visitas não foste sério. Recebeste-me não refletindo no que o ato significava, nem tirando as consequência dele”.

O que iremos dizer-Lhe?  Compreende-se a importância de meditar sobre isto?

O ideal seria fazer um recolhimento com base nesse texto. Se tivéssemos um local onde pudessem revê-lo, com alguém encarregado de dar um desenvolvimento mais amplo à matéria… E meditar aos poucos, tomando notas para prepararem um “manual do comungante” a fim de ajudar a terem estas considerações no espírito, na hora de receberem a Eucaristia. Esta é a verdadeira seiva da vida espiritual. v

 

Continua no próximo número.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 15 de setembro de 1973).

 

 

1) Exercícios de Santo Inácio e Leituras Espirituais. 3ª ed. corr. Edições A.J. Porto, 1934, p. 170

2) Conforme Marcuse. Herbert Marcuse (1898-1979), filósofo de origem alemã, que se radicou nos EEUU, propugnador de uma filosofia baseada em Freud e Marx. Exerceu forte influência nos movimentos revolucionários estudantis que eclodiram a partir da Sorbonne, em 1968.

3) Pinamonti, op. cit. p. 170.

4) Ídem. p. 171

5) Ídem. p. 171

 

Lamparinas de Deus…

Dr. Plinio, arauto da Eucaristia, teve sempre especial apreço pelo valor simbólico das lamparinas que, junto ao tabernáculo, indicam a Presença Real de Jesus nas Sagradas Espécies. Acompanhemos uma analogia feita por ele, ao recordar o dia de seu próprio Batismo.

 

A lamparina acesa durante a noite diante do tabernáculo, até o momento em que raie o sol é a luz! E, quem passa toda a noite em adoração tem naquela fagulha um elemento de esperança do sol que vai nascer!

Em algumas almas percebemos a chama da graça que arde. De certo modo, cada alma humana é uma lamparina para a vida espiritual.

Imaginem uma igreja com uma lamparina em cada um de seus vários altares. Em algumas delas as chamas sobem, engrandecem, depois diminuem; parecem mover-se dentro da escuridão. Em outras são fixas, calmas, serenas, como que se imolam sem nenhuma excitação, até o ponto final. Às vezes crescem de um lado e parecem querer subir ao céu por uma via própria.

Imaginemos o universo das lamparinas de todas as igrejas! Como seria encantador, no silêncio da noite, observarmos a história de cada uma. Se tivéssemos o dom do discernimento dos espíritos, perceberíamos em cada alma como a lamparina da graça de Deus se move: ora se acende, ora pelo contrário enlanguesce, helas, às vezes toma vento, deita fumaça, suja o teto… E estende-se a mão meiga de Nossa Senhora que a limpa e, a lamparina continua a brilhar.

Se tivéssemos os olhos voltados para isso, compreenderíamos o que o Batismo deu a cada um de nós: ser algo à maneira de uma lamparina dentro da casa de Deus, mas com pavio aceso e não apagado; pavio que brilha e não pavio morto! E a história da alma de cada de um de nós poderia ser comparada à de uma lamparina.

Aqui está uma lamparina que, tendo demorado seis meses para acender-se , deveria arder pelo menos até setenta anos.

Quanto ao resto do tempo, Deus o saberá.

Se eu fosse estudar a história dessa lamparina, diria que no meio de mil provações e desventuras, uma alegria a manteve ereta como um gládio. E a alegria provinha deste fato: sou lamparina na casa de meu Deus, aos olhos de minha Mãe! De minha Mãe celeste e também aos olhos, tão insondavelmente menores, mas tão insondavelmente carinhosos, de minha mãe terrena.

Na presença deles ardi, procurando o teto o tempo inteiro e dessa maneira procurando dar a glória que dei! Sei que não foi o que deveria, Ela que perdoe; mas, algo está feito, algo está dado, algo resta para dar. 

 

(Extraído de conversa em 7 de junho de 1979)

Eucaristia

Imaginemos uma pequena capela onde um sacerdote dá a algum de nós a Eucaristia.

Visíveis apenas o padre, um de nós, e um discozinho de farinha e água. Porém, a fé nos ensina que todos os anjos e santos do Céu adoram cada partícula do Santíssimo Sacramento existente na Terra; e portanto presenciam aquela comunhão, cantando e louvando o Divino Redentor. Nossa Senhora, por sua vez, louva a Nosso Senhor porque Ele está Se dando a nós. De maneira que o Céu inteiro está olhando para aquela cena e pede a Nosso Senhor misericórdia por aquele que está recebendo a Eucaristia.

Pode-se conjecturar algo mais alentador? Quanta alegria e que beleza nessa cena! Se antes de comungar pensássemos um pouco nisto, não é verdade que iríamos receber a Eucaristia com mais esperança, mais confiança, mais alegria? É evidente!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Conferência em 15 setembro de 1973)

Preparação para receber a Eucaristia

Minha Mãe e Senhora do Santíssimo Sacramento, preparai-me Vós mesma para receber Nosso Senhor, dando-me todos os bons movimentos de alma, os bons impulsos para que eu tenha presente o que vai acontecer de extraordinário, a honra imensa que vou ter porque rezastes por mim e, por isso, vosso Divino Filho vem a mim.

Quando comungáveis, Vós compreendíeis inteiramente a grandeza desse ato. Peço-Vos, pois, que adoreis a Deus em meu lugar, porque não sou suficientemente grande para O adorar. Vinde espiritualmente à minha alma e cuidai de vosso Divino Filho como O tratáveis na Terra, porque não sou capaz de fazê-lo devidamente.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 5/1/1974 e 6/2/1981)

Grande lição de combatividade

Tendo fraquejado a coragem de proclamar os dogmas, houve uma diminuição da Fé em incontáveis pessoas que se dizem católicas. A Solenidade de “Corpus Christi” nos ensina a ser cada vez mais combativos por amor a Nossa Senhora e por adoração à Sagrada Eucaristia.

 

Deverei falar alguma coisa a respeito de “Corpus Christi”. Os aspectos da instituição do Santíssimo Sacramento e da presença da Eucaristia na Igreja já têm de tal maneira sido estudados por nós, que se fica um pouco embaraçado em dizer algo de novo. Mas uma vez que não estamos propriamente na festa da instituição do Santíssimo Sacramento, que é na Quinta-feira Santa, mas na solenidade de “Corpus Christi”, eu gostaria de dizer algo sobre a razão pela qual ela foi instituída.

Um dos maiores escândalos na Igreja, no século XVI

Todos sabem que os protestantes, hereges, negaram e negam a presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento. E esse foi um dos maiores escândalos sentidos ou realizados na Igreja, no século XVI, no qual houve tantos escândalos.

Os medievais tinham uma profunda Fé no Santíssimo Sacramento, na presença real e, portanto, uma devoção enorme à Santa Missa, à adoração do Santíssimo Sacramento. E a negação brutal da presença real, feita pelos protestantes, foi um dos pontos de fratura entre eles e os católicos, tendo sido recebida por estes como um dos piores ultrajes que jamais se tenham cometido contra Nosso Senhor.

Qual foi então a política – porque se pode aqui falar em política, no sentido elevado do termo –, quer dizer, a tática pastoral usada pela Igreja em face desse fato?

A Igreja tinha dois caminhos. Um seria o de dizer: “Nossos irmãos separados protestantes estão negando a presença real. Se formos afirmar de modo protuberante essa presença, nós sustentamos a separação. Como eles não querem saber de nenhum modo desse dogma, na medida em que nós o afirmamos, eles se afastam. Vale a pena, então, repensarmos o dogma da presença real. E tomando em consideração que os tempos mudaram – porque o ano de 1500 estava afinal de contas bem longe do ano I da era Cristã –, era muito natural que nós agora exprimíssemos a presença real num vocabulário diferente, que agradasse aos protestantes”.

“Não seria uma negação da presença real, pois é um dogma definido por Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas em vez de afirmar de forma tão acentuada que Ele está realmente presente, debaixo das aparências eucarísticas, com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, nós poderíamos dizer que há a presença de Cristo no pão aqui consagrado. O que essa presença significa? Deus está presente por toda parte, e os bons amigos protestantes podem entender que Ele se encontra ali como está, por exemplo, numa flor ou num pão qualquer. Nós compreendemos que não é isso, mas sim que Ele está realmente presente com Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Porém, não vamos declarar isso para não criar uma cisão. Vamos usar um termo confuso, equívoco e assim eles ficam unidos conosco. Depois, vamos começar o diálogo, no qual dizemos para eles: ‘Que tal seria se nós reestudássemos os fundamentos do dogma da presença real, para verificarmos em conjunto até que ponto ele tem ou não seu fundamento da Sagrada Escritura?’”

O protestante diria: “A sua dúvida é irmã da minha. E tenho vontade de re-pesquisar o assunto, como você tem também”. Eu não lhe iria afirmar que duvido, porque destruiria a Fé. Então eu lhe falaria: “Se você tem dúvidas, era bom estudar”. Ele fica com uma certa  impressão de que eu tenho dúvidas, mas eu não disse que tenho dúvidas.

Se satanás fizesse uso da palavra…

Então, começa uma conversa a respeito do Santíssimo Sacramento em que digo: “Seria mais interessante, em vez de eu tomar uma posição endurecida e você também, nós estudarmos qual é o modo pelo qual poderíamos chegar a um acordo. De maneira tal que, da tese ‘Jesus Cristo não está presente realmente na Eucaristia’, nós conseguíssemos deduzir uma terceira posição que não seria inteiramente uma coisa nem outra. Você cede um pouco e eu também. E nós afirmaremos juntos que Jesus Cristo está presente de fato na Eucaristia. Porém, se ele está presente apenas enquanto Deus, ou enquanto Homem-Deus, é um pormenor a respeito do qual cada um de nós reserva sua liberdade de posição. Então, teremos chegado finalmente a uma síntese”.

Por essa forma poder-se-ia evitar uma ruptura entre protestantes e católicos, e o mundo cristão seria hoje unanimemente católico. Essa unidade teria dado à Religião Católica um vigor, uma magnitude muito diferente da tristeza dessa bipartição que está aí.

“Vocês católicos – argumentaria um protestante – quando veem, do alto e de dentro de sua unidade, as seitas protestantes pulverizadas, riem dessa pulverização, imaginam bem de que desgraça, de que infortúnio estão escarnecendo? Vocês têm uma ideia de quanto isso representou para o rebaixamento moral desse mundo protestante assim dividido? Quanto significou de lutas, de divisões, de dores, de sofrimentos? A primeira cisão partiu de vocês, quando rejeitaram a nossa novidade. Depois, as outras cisões vieram em cadeia, por causa exatamente da rejeição que vocês praticaram. Vocês são os autores dos males dos quais se queixam.”

Se satanás tivesse que fazer uso da palavra, diria – com mais inteligência e mais charme – mais ou menos a mesma coisa.

O ensino deve ter clareza

Ora, os Santos, os teólogos, os papas daquele tempo seguiram uma política inteiramente diversa. Eles pensaram o seguinte: a Igreja Católica foi instituída por Jesus Cristo para ensinar a verdade. E ela não tem o direito de dar um ensinamento confuso porque não é um ensinamento digno desse nome. É indigno o ensinamento confuso, mesmo de um professor que, involuntariamente, por incompetência, deixe a confusão reinar sobre o conteúdo do que ele está ensinando. Porque a clareza é a primeira das qualidades do professor, ou seja, o ensino exige como pressuposto a clareza. Um homem pode ser sábio e não ser claro. Mas não pode ser professor e não ser claro. Seria mais ou menos como um fabricante de binóculos que os faz com um cristal excelente, com uma montagem muito boa, mas os cristais que ele usa são um pouco embaçados: é uma porcaria. Porque o binóculo foi feito para se ver à distância com clareza. Se não dá para ver com clareza, é uma porcaria, o resto não interessa.

Portanto, a primeira exigência do ensino é de ser claro. Se aquele que ensina não o faz com clareza intencionalmente, ele é pior do que um incompetente: é um desonesto. Porque é uma desonestidade, uma fraude, apresentar-se alguém a um outro com a segunda intenção de não lhe transmitir a verdade inteira, quando este supõe que a verdade inteira lhe será dada.

Em termos mais definidos: há uma questão a respeito de saber se os portugueses já conheciam ou não o caminho do Brasil, quando aqui chegou Pedro Álvares Cabral, e se o descobrimento do Brasil foi, portanto, realmente um descobrimento ou uma expedição mandada pelo Rei de Portugal para oficialmente descobrir o Brasil. Os portugueses julgaram que era o momento de revelar ao mundo a posse desta terra que eles já conheciam, mas não queriam que fosse habitada ainda, porque não sentiam ainda a nação portuguesa bastante pujante para iniciar o povoamento deste mundo que estava diante deles.

Há uma discussão sobre esse assunto na História do Brasil. Um professor tem o direito de sustentar uma dessas duas teses, que se apoiam em argumentos prováveis; tem o direito de dizer que não aceita nenhuma delas como demonstradas ainda, porque não as acha suficientemente elucidadas. O que ele não tem é o direito de, numa aula de História tratando da questão, tirar o corpo da solução e não dar a posição dele. Se, por uma razão política qualquer, ele evita tomar posição, não é honesto porque tem a obrigação de dizer a verdade a respeito das coisas.

Pode-se até compreender – não chego a dizer que se possa escusar – que um ou outro faça silêncio a respeito de um determinado ponto de História. Contudo, segundo pensaram aqueles grandes teólogos e doutores, se a Igreja fizesse o silêncio a respeito da Eucaristia, ela estaria fraudando os fiéis que receberiam dela um ensinamento confuso sobre uma verdade indispensável à salvação. E ela, assim, faltaria com a sua missão.

Necessidade de levar os princípios até suas últimas consequências

Ademais, se a Igreja silenciasse a respeito da Eucaristia faria com que os fiéis comungassem mal, porque eles, não tendo o ensinamento claro sobre o que estão recebendo, não podiam recebê-lo bem. Como fazer um ato de adoração ao Santíssimo Sacramento se não se tem certeza que ali está Nosso Senhor Jesus Cristo? Não é possível. Quer dizer, para manter uma unidade pútrida, a Igreja sacrificaria a vida espiritual de seus fiéis.

Por fim, viria um princípio que, embora não seja o mais forte, é o menos realçado, e por isso desejo salientá-lo: A força de toda instituição consiste em levar às últimas consequências seus próprios princípios. A partir do momento no qual ela julga que, para sobreviver, deve adoçar os seus princípios, reconhece que já morreu.

Tomem, por exemplo, o estado militar. As forças armadas constituem uma instituição do país. O próprio delas, na sua pujança, é deduzir da condição militar o estilo de vida militar levado tão longe quanto possível. A partir do momento em que, por exemplo, um ministro da guerra dissesse que o Brasil é um país ao qual repugna tanto o estado militar que, ou o militar toma ares de civil, ou não haverá mais militares, as forças armadas morreram no Brasil. Porque se a coerência do estado militar é inaceitável pelo país, afugenta as vocações; então é preciso reconhecer que o estado militar morreu.

Vocações clericais: um padre deve ser, pensar, vestir-se e viver como padre. Se alguém diz que em determinado país é preciso trajar os padres de macacão para atrair vocações, então esse país não quer ter mais padres, ficou pagão. 

Aplico o mesmo princípio à instituição da família. Alguém dirá: “Dr. Plinio, se não for aprovado o divórcio, muita gente começa a não se casar mais e a viver no amor livre.” A resposta é: “Então diga que morreu a instituição da família. Não vale a pena fazer uma familiazinha moribunda, caricatura abastardada daquilo que deve ser”.

Vamos, então, tomar a questão de frente e dizer logo: tal país morreu. Porque uma nação onde não há compreensão para o estado militar, para o estado eclesiástico e nem apreço pela família é uma nação morta.

Política de enfrentar, lutar, afirmar, proclamar 

Os padres do Concílio de Trento entenderam ser preciso fazer o contrário. E em oposição ao protestantismo, acentuar o culto ao Santíssimo Sacramento. Então, o Concílio fortaleceu o decreto da instituição da festa de “Corpus Christi”, prescrevendo ao clero a realização de uma procissão na qual o Santíssimo Sacramento saísse à rua, para se ver que as multidões O adoram de joelhos postos em terra, reconhecendo que debaixo das aparências eucarísticas está Nosso Senhor Jesus Cristo. Desde então, impulsionou-se o culto ao Santíssimo Sacramento de todos os modos, chegando a essa plenitude que era a adoração perpétua do Santíssimo Sacramento, instituída por São Pedro Julião Eymard.

Era a política de enfrentar, não conceder, lutar, afirmar, proclamar. A política da honestidade, da lealdade, da integridade, da coerência, de onde veio para a Igreja uma torrente de graças, exatamente as graças da Contra-Reforma, que representaram uma das maiores chuvas de bênçãos que a Igreja tem recebido.

Acentuar o culto ao Santíssimo Sacramento, a Nossa Senhora e a devoção ao Papa foi a resposta da Igreja ao protestantismo. Uma longa resposta de trezentos anos. No século XIX ainda, a proclamação da infalibilidade papal, do dogma da Imaculada Conceição; no século XX, o dogma da Assunção. Enfim, tivemos uma série de afirmações e instituições desdobrando e afirmando aquilo que o protestantismo negava. De maneira que quanto mais eles persistam no seu erro, tanto mais nós íamos proclamando alto a nossa verdade. Quanto mais eles se esfarelavam, tanto mais a nossa unidade se afirmava. Quanto mais eles morriam, tanto mais a nossa vitalidade se multiplicava.

Até que outros ventos sopraram… Vejamos a verdade de frente: há incontáveis católicos que não têm mais a coerência de sua Fé. Não possuem mais a pugnacidade, aquela integridade que caracteriza uma instituição quando está viva. A Igreja nunca diminui de vitalidade porque é imortal, sobrenatural, divina, mas a correspondência de seus filhos a ela pode diminuir e, portanto, a densidade de Fé minguar também no espírito de muitos deles.

Como, em nossos dias, a coragem de proclamar os dogmas diminuiu, há, portanto, uma diminuição da Fé em incontáveis daqueles que se dizem católicos!

A solenidade de “Corpus Christi” é a festa do Santíssimo Sacramento, mas também uma grande lição de combatividade. Aprendamos essa lição e procuremos ser cada vez mais combativos por amor a Nossa Senhora e por adoração à Eucaristia.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/5/1970)

O Pão dos fortes

A Sagrada Eucaristia é chamada Pão dos fortes. Na procissão de “Corpus Christi”, devemos querer glorificá-Lo e pedir que esse Pão comunique a sua força a todos, para obstarem a ação do demônio. Como seria bonito que, de trecho em trecho, a procissão parasse em um altar onde fosse dada uma bênção exorcística com o Santíssimo Sacramento!

 

A Solenidade de “Corpus Christi” é uma festa litúrgica instituída pela Igreja para comemorar, homenagear a presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento. Daí o nome “Corpus Christi”.

Reparação pelas blasfêmias proferidas por protestantes

Essa festa foi instituída pelo Papa Urbano IV, no século XIII, e teve um grande desenvolvimento no período da expansão protestante, como réplica à contestação feita por eles à afirmação de que Nosso Senhor está realmente presente na Sagrada Eucaristia, e com o intuito de estimular os católicos a oferecer uma reparação a Nosso Senhor por causa da blasfêmia que aquela heresia propugnava a esse respeito.

Com o curso dos tempos, e se tornando menos ativa a polêmica entre católicos e protestantes, essa nota polêmica da festa também diminuiu de carga e ela passou a ter como tônica a importância da devoção eucarística na vida espiritual dos fiéis. Cada vez mais a atenção dos católicos, no período que corresponde à História moderna e depois à História contemporânea, foi se concentrando nessa maravilha do amor de Nosso Senhor para com os homens, que é a sua presença real no Santíssimo Sacramento. No século XIX, a Igreja instituiu a Congregação do Santíssimo Sacramento, os sacramentinos, fundada por São Pedro Julião Eymard, especialmente para honrar continuamente o Santíssimo Sacramento na sua adoração perpétua.

São Pio X – já no século XX, portanto – instituiu a Comunhão para as crianças e deu forte impulso à Comunhão frequente, até mesmo quotidiana, para as pessoas que pudessem receber a Sagrada Eucaristia. Os congressos eucarísticos se espalharam por toda a Terra e, com essa irradiação da devoção eucarística, a festa de “Corpus Christi” tomou realce. É a própria glorificação de Nosso Senhor sacramentado.

Esta festa se celebra por meio de uma procissão nas ruas.

Compreendo que se possa dizer ao homem, premido por problemas pessoais, psicológicos e de toda ordem, vendo o mundo atormentado naufragando nas crises contemporâneas, que o mais importante é a adoração ao Santíssimo Sacramento. Entendo até que esse homem tire disso um proveito e invoque a Sagrada Eucaristia para não naufragar. A atenção dele está fortemente chamada para a sua condição de náufrago. E que, portanto, é preciso estabelecer uma relação entre sua situação e essa devoção. Do contrário, todas as conversas sobre a festa correm o risco de deixar o homem sem recursos, sem uma atração devida para um mistério tão augusto.

Tudo quanto dissemos a respeito dessa festa é perfeitamente verdadeiro. Entretanto, é como se, por exemplo, me mostrassem uma fotografia de uma árvore com tronco pujante, forte, mas na qual os galhos não aparecem. Aquilo é uma árvore verdadeira, forte; porém sem os galhos, só o tronco não dá ideia da árvore.

Bênção exorcística com o Santíssimo Sacramento

O que ficou dito é o tronco – realmente saboroso, venerável, perfumado – do assunto, mas esse tronco impõe uma irradiação para toda uma galharia.

Em primeiro lugar, a polêmica entre protestantes e católicos, tendo-se tornado menos acre, era o caso de perguntar se nisso não entrou moleza, tibieza da parte dos católicos, e se não se deveria tomar uma atitude que tornasse mais acerba essa polêmica. A festa de “Corpus Christi” até seria uma ocasião muito boa para isso. São só os protestantes? Naquele tempo, eles estavam no centro do panorama, porém, com o passar dos anos, toda espécie de heresias, de abominações se multiplicaram pela Terra como fruto do protestantismo. Este gerou seus filhos e com eles encheu a Terra. Assim, essa procissão não deveria ter um caráter contrário a todos esses filhos do protestantismo? Portanto, não deveria ser ainda mais polêmica?

Santa Genoveva, com o Santíssimo Sacramento, fez recuar os bárbaros que avançavam sobre Paris. Os bárbaros de nossos dias avançam e nós não podemos conceber essa festa como glorificação daquilo que é nossa arma para fazermos recuar os bandidos?

Eu sou entusiasta dessa festa e de tudo quanto foi dito a seu respeito, mas me sinto triste por ela ter sido privada desses complementos indispensáveis.

Para combater é preciso ter força. A Sagrada Eucaristia é chamada Pão dos fortes. Esse Pão dos fortes nós vamos levar pelas ruas para glorificá-Lo, fazendo um pedido para que Ele comunique a sua força a todos quantos se encontram na rua e para obstarem a ação do demônio.

Que coisa linda acrescentar uma intenção exorcística na bênção do Santíssimo Sacramento, dada no final da procissão! Como seria bonito que, de distâncias em distâncias, a procissão parasse em um altar onde fosse dada uma bênção exorcística com o Santíssimo Sacramento!

Por outro lado, é verdade que durante todo esse tempo a devoção ao Santíssimo Sacramento se desenvolveu muito. Mas não foi só ela. Cresceu muito também a devoção a Nossa Senhora. Não se deveria invocar muito mais a Santíssima Virgem ao longo das procissões, com cânticos louvando-A enquanto modelo da adoradora do Santíssimo Sacramento? Ela foi o tabernáculo vivo que abrigou Nosso Senhor até seu nascimento e que, depois da primeira Comunhão d’Ela, conteve-O até o momento de Ela morrer. Tudo isso precisa ser lembrado e é por meio d’Ela que devemos dirigir nossas preces ao Santíssimo Sacramento.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/6/1982)

Maravilhas da presença eucarística

Em 1164, enquanto o Papa Urbano VIII residia em Orvieto, produziu-se não longe dali, na cidade de Bolsena, retumbante milagre: um sacerdote tentado por dúvidas sobre a presença real de Nosso Senhor na Eucaristia celebrava Missa, quando, no momento da Consagração, brotou sangue da Hóstia, molhando os corporais e a pedra do altar. O Santo Padre fez trazer os corporais a Orvieto, e decidiu estender à Igreja universal a Festa de “Corpus Christi”, em honra do Corpo de Nosso Senhor na Eucaristia . Foi por essa ocasião que São Tomás de Aquino compôs o belo ofício da Festa com o hino “Pange Lingua” e a seqüência “Lauda Sion”.

No dia 15 deste mês recordamos, uma vez mais, essa verdade de Fé da presença real de Jesus Cristo sob as aparências do pão e do vinho. Presença que perdura nas espécies eucarísticas, ao alcance  de todos os fiéis nos sacrários do mundo inteiro, e à qual era Dr. Plinio particularmente sensível. Certa feita, a um pequeno círculo de discípulos seus, comentava:

“Imaginemo-nos surpreendidos pela notícia de que Nosso Senhor Jesus Cristo vem aparecendo, todos os dias, no alto de uma colina nos arredores de São Paulo. Se assim é, interrompemos de imediato nossos afazeres e nos dirigimos a esse local bendito, pois não há outra atitude a tomar. Onde está Ele, lá estaremos nós.

“Ora, quantas e quantas vezes Nosso Senhor se acha imensamente mais perto! A dois passos, na capela de nossa sede, realmente presente nas espécies eucarísticas conservadas no sacrário! Tão perto, e não raro tão pouco visitado. Ao vermos uma capela com o Santíssimo, quase vazia, a pergunta que nos contrista o coração é esta: não poderia ter mais pessoas junto d’Ele, a todo momento? Pois não existe lugar onde esteja Jesus Eucarístico, do qual se possa dizer tão frequentado quanto seria razoável.

“Na verdade, importa haver almas imbuídas de tal sofreguidão eucarística que, sendo-lhes possível entrar um instante na capela, adorar o Santíssimo e sair, não o deixassem de fazer; ou que, ao passarem perto da capela, não deixassem de abrir a porta e fazer uma genuflexão do lado de fora; ou que, ao menos, quando fossem se deitar no fim do dia, pensassem: Nosso Senhor está dormindo nesta casa. Que alegria! Almas que sofressem, não de uma escrupulosa obsessão eucarística, mas de uma fome eucarística, um ardente desejo de estar aos pés do tabernáculo, adorando Jesus Sacramentado e com Ele convivendo, um minuto que seja.

Todos somos convidados a ter essa fome eucarística. Já nos terá acontecido: entramos na capela meio estabanados, damos dois  passos e, de súbito, nos colhe a profunda sensação. . . Alguém está aqui! Um silêncio especial nos envolve, circunda, penetra em nossa alma .  Olhamos e não vemos senão as paredes, o sacrário e os motivos eucarísticos neste esculpidos ou pintados. Dir-se-ia não haver mais nada. Porém…

“Estejamos certos: o que nesses momentos sentimos não é fantasia, imaginação ou associação de imagens em virtude de outras emoções de natureza semelhante, experimentadas em outras ocasiões. Não. Trata-se de um agir da graça. Algo que, acima de todas as capacidades de intelecção se faz sentir à nossa alma, de maneira tal que compreendemos ter Nosso Senhor nos dito uma série de coisas superiores a toda palavra! É a sua voz divina a ressoar em nossos corações. Deveríamos, pois, saber nos aproximar de Nosso Senhor Sacramentado, contentes, e em silêncio: Falai, Senhor, porque vosso servo Vos escuta.

“Tudo isso é imensamente sutil, insondavelmente belo, e constitui uma realidade que é um tesouro, uma estrada na vida de piedade aberta para nós na Primeira Comunhão. A todos, no dia em  que inauguramos nosso convívio com Jesus Eucarístico, ofereceu-nos Ele essa palavra, essa ação. Por isso mesmo, ao me deitar à noite, sempre que olho para a lembrança de minha Primeira Comunhão sobre o criado-mudo, lembro-me daquelas graças então recebidas . E novamente me encanto. . .”

Plinio Corrêa de Oliveira