Transformando um pecador em santuário

Nossa Senhora, simplesmente pousando a sua mão virginal sobre uma alma cheia de defeitos e vícios, carregada de pecados, pode transformá-la num santuário.

Como pela oração d’Ela, em Caná, Nosso Senhor mandou que a água se transubstanciasse em vinho, assim também a Santíssima Virgem pode, a qualquer momento, obter de seu Divino Filho para um pecador graças tão abundantes, que a pessoa mais asquerosa e infestada pelo demônio volte a pertencer a Ela.

Peçamos a Maria Santíssima que, neste ano, seja feito conosco como nas Bodas de Caná. E nós, que somos hoje, na melhor das hipóteses, água misturada com um pouco de vinho, sejamos o vinho puro das Bodas de Caná.

Eis o pedido que fazemos ao Sapiencial e Imaculado Coração de Maria. Apoiados pelas preces de São José, esperamos que Ela o apresente ao Menino Jesus, com o nosso desejo de sermos inteiramente d’Ela. Que a Mãe de Deus nos dê a integridade desse desejo para levarmos o cumprimento de nosso dever até os últimos extremos do desempenho de nossa vocação.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 12/3/1970 e 23/12/1982)

Revista Dr Plinio 238 – Janeiro de 2018

PERFEIÇÃO INCOMPARÁVEL

Se possível fosse reunir numa única mãe as perfeições de todas as mães que houve e haverá até o fim do mundo, e constituir em seu espírito o mais requintado equilíbrio das virtudes maternas, fazendo dela um modelo de bondade e paciência, de força e solicitude extraordinárias — essa mãe ainda nada seria em comparação com a Mãe por excelência, Maria Santíssima, da qual nasceu Jesus.

Virgem e Mãe

Não há título maior que o de Mãe de Deus, nem foi dado a uma criatura ser elevada a uma honra superior à conferida pela maternidade divina.

Contudo, Nosso Senhor Jesus Cristo preza tanto a virgindade que desejou fosse sua Mãe, além de imaculada e adornada de todos os dons do Céu, igualmente virgem. Para isso, operou em favor d’Ela um estupendo milagre que excede à nossa imaginação: Maria permaneceu virgem antes, durante e depois do parto. Segundo a bela comparação que fazem os teólogos, assim como Nosso Senhor saiu do sepulcro sem esforço, assim deixou Ele o claustro materno, sem detrimento da inviolada virgindade de Maria Santíssima.

Escravidão de amor, desponsório místico e troca de vontades

Cada pessoa deve procurar levar uma vida de tal modo unida a Nosso Senhor que seus pensamentos, olhares e gestos, por mínimos que sejam, se conformem à mentalidade do Redentor.

 

Pedem-me para comentar a frase de São Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20). Embora nunca tenha lido comentários de exegetas sobre isso, vou dar a impressão que me causa este texto tão conhecido.

Cada um deve atingir um tipo de santidade para imitar perfeitamente Nosso Senhor

Nosso Senhor Jesus Cristo tem a respeito de cada um de nós um desígnio enormemente abrangente. Um modo superficial de considerar o texto de São Paulo seria afirmar que “não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” significa realizar os desígnios de Nosso Senhor a meu respeito e, portanto, devo abandonar meu próprio egoísmo e fazer a vontade d’Ele. Nisto está a vida d’Ele em mim.

Tudo isso é correto, mas é uma concepção muito limitada a respeito dessa vida d’Ele em cada um de nós. A meu ver, chega-se ao fundo do assunto considerando o seguinte:

O desígnio de Nosso Senhor para cada homem não é apenas que um, por exemplo, seja religioso; outro chegue a uma alta posição num governo e faça um decreto estabelecendo a união entre a Igreja e o Estado, em termos muito convenientes para a Igreja; e que outro funde uma escola, uma Universidade Católica… Sem dúvida, isso tudo faz parte dos desígnios da Providência, mas nunca, absolutamente nunca, os desígnios divinos sobre um homem se cifram exclusivamente naquilo que se poderia chamar a obra da vida dele.

Deus tem o desígnio de que sejamos inteiramente configurados em nossa alma, de maneira a realizar um tipo de santidade, pela qual, sendo cada qual o que é, imite a Ele perfeitamente, dentro desta via que procede das peculiaridades de cada um. E seja, por assim dizer, uma reedição d’Ele. É isso que Ele quer.

A personalidade de Deus é imensamente rica. E todos os homens que Ele criou, desde Adão até os últimos que vão existir, constituem uma série dentro da qual cada um deve imitar a personalidade d’Ele num ponto, como se Ele não tivesse sido senão aquilo. Assim todos os homens repetem de algum modo, num grau maior ou menor, Nosso Senhor Jesus Cristo, à maneira de uma coleção. De maneira que, visto o conjunto, dê uma superimagem de Nosso Senhor que apresente no Céu uma noção global d’Ele. De modo que Ele, olhando a humanidade toda glorificada no Céu, Se veja representado. E nessa representação encontre sua glória.

Esse é um pensamento que tem seu fundamento no fato de Deus ter feito a Criação ao longo de seis dias, e no sétimo descansou. E ao contemplar os seres criados, viu que cada coisa era boa, mas o conjunto era melhor (cf. Gn 1, 31).

O modo de fazer todas as coisas envolve uma perfeição espiritual

Assim também a Nosso Senhor Jesus Cristo, enquanto Homem-Deus, vai ser dada essa glória de que todos os homens no Céu, no seu conjunto, representarão a Ele, como a Criação representa a Deus. Cada bem-aventurado no Céu O representa bem, mas o conjunto representa melhor, e proporciona uma noção global d’Ele que nenhum homem deu; exceção feita da Santíssima Virgem. Porém Ela também faz parte do conjunto que representa a Ele, embora seja a parte mais esplêndida, mais gloriosa — de longe! — entre as meras criaturas. A tal ponto que sem Nossa Senhora tudo isso não valeria nada; mas com Ela vale inimaginavelmente.

Então, Ele quer que eu toque toda a minha vida — mas a minha vida abrange meus olhares, meus pensamentos, meus gestos, por mínimos que sejam, e que, no fundo, exprimem algo de minha mentalidade. Ele quer que seja como a mentalidade d’Ele, vista nesse ângulo minúsculo que se chama “a individualidade de Plinio Corrêa de Oliveira”. Mas isso é assim com todos aqueles que andam pela rua, inclusive os que estão se perdendo.

Por exemplo, eu poderia agora querer um copo d’água. Do ponto de vista moral, é inteiramente indiferente que eu beba ou não a água. Mas se eu bebê-la agora de modo oportuno, temperante, agirei de acordo com Ele; se eu ingerir essa água de um modo inoportuno, intemperante, por uma razão sem fundamento, embora o beber água seja neutro, a ocasião escolhida por mim para ingeri-la envolve uma razão moral.

O modo de fazer todas as coisas neutras envolve uma perfeição espiritual, com vistas a fazer a vontade d’Ele e ser a cópia d’Ele em tudo, mas aquela cópia que só eu serei, e mais ninguém. Se eu ratear, ninguém mais fará; e se fizer bem feito, estará bem feito por toda a eternidade.

Isso envolve a nossa vida inteira, em dois sentidos: toma-nos por inteiro, de um lado; e, de outro lado, é por uma vida procedida d’Ele que somos capazes disso. Porque Ele vê que pela nossa mera natureza humana, em consequência do pecado original, somos incapazes de alcançar essa perfeição. Por esta razão recebemos d’Ele a vida da graça, dom criado por Ele, que é uma participação na sua vida divina. Recebemos essa participação e passamos a viver com uma categoria por onde participamos da vida do próprio Deus, o que nos torna capazes de realizar o plano d’Ele a nosso respeito.  

Portanto, se eu considero minha vida assim e me entrego a isso, posso dizer que já não sou eu que vivo; nesse sentido de que não faço os meus planos, senão os planos de Deus.

É Ele que vive, mas de um modo singular, porque não sou como uma marionete nas mãos de Deus. Eu entendo, quero e sinto por iniciativa minha, proveniente da graça d’Ele, como Ele queria que eu fizesse. Ou seja, é um penetrar fundo, como mais profundo não se pode penetrar.

Belezas que dão realidades extraordinárias

Assim, compreendemos também os segredos da misericórdia de Deus, porque entendemos bem o amor que Ele tem a cada um de nós, para chegarmos a tal ponto que estejamos unidos com Ele. Quer dizer, ao sermos criados Deus teve o plano de que tal perfeição d’Ele, que nunca ninguém teria conhecido — ao menos entre os homens e exceção feita, naturalmente, de Nossa Senhora —, brilhasse em nós; é como se Ele tirasse de dentro de Si mesmo um raio de luz e o desse para nós. E é um dos como que infinitos modos de ser d’Ele. Ou seja, fazendo-nos isso, não poderia deixar de nos amar infinitamente, porque Ele é infinito.

O amor que o Criador tem a nós é um reflexo do amor que Ele tem a Si próprio. Compreende-se melhor também por que Nosso Senhor morreu por nós: para termos a graça e podermos realizar esse plano.

Estou apenas coligando dados correntes da Doutrina Católica. Mas esses dados conduzem a um plano suntuoso, fabuloso! E de um gênero de união como não se pode imaginar que exista, nem d’Ele conosco, nem entre nós. Porque como duas quantidades ligadas a uma terceira estão ligadas entre si, vê-se como o nexo existente entre todos os filhos da luz é uma coisa seríssima, gravíssima, dulcíssima.

Há uma realidade mais bonita ainda, que é a seguinte: De fato, nós constituímos assim um todo chamado Humanidade, que Deus honrou unindo a natureza humana hipostaticamente a Ele. Mas essa Humanidade é apenas uma unidade do universo, porque nós fazemos parte da Criação. E na Criação existem os Anjos; se bem que a união hipostática não se tenha dado neles, os Anjos por sua natureza são muito superiores a nós, são puros espíritos. E os Anjos deveriam realizar um universo assim também. Mas eles não realizaram porque muitos deles apostataram, e se tornaram demônios.

Os planos se superpõem, de maneira que nessa sociedade dos homens, tomados os que se salvem e entrem para o Céu, eles preenchem o lugar dos anjos decaídos. E nós ao mesmo tempo formamos com os Anjos um todo à parte. É de uma grandeza desconcertante! E isso, mais o Céu empíreo, mais a Criação que vai continuar — Sol, Lua, tudo isso vai continuar — forma então o todo dos todos, no pináculo do qual está Nossa Senhora, que é mera criatura. E acima d’Ela, Nosso Senhor Jesus Cristo.

Compreende-se nesta perspectiva a Encarnação, o “Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14); tudo isso forma, por sua vez, belezas que dão realidades extraordinárias, feitas para serem meditadas por cada um de nós.  

Às vezes nos regalamos, por exemplo, com um dito espirituoso francês. Entretanto muito mais são de regalar as coisas que Deus diz e faz. No Céu nós vamos contemplar isso eternamente.

E pensar que se põe em risco toda esta maravilha, por um mau olhar na rua… Cai-se morto na hora e vai-se para o Inferno. Quer dizer, o que nós nos expomos a perder, a qualquer momento, é uma coisa inimaginável! Somos uns doidos, uns cretinos, nem sei dizer o que somos, quando nos arriscamos a perder isso!

Desponsório místico que se realiza na alma de cada um que se entrega a Nosso Senhor

Há, entretanto, outra realidade a considerar que constitui um universo dentro desse universo.

Está na intenção de Nosso Senhor que certas perfeições d’Ele sejam especialmente representadas por outras criaturas; e para que essas perfeições brilhem bem, Ele quer uma família de almas. Então, às vezes, é uma nação; outras vezes, uma área de civilização; às vezes uma Ordem religiosa. São famílias de almas chamadas a representar de algum modo uma determinada perfeição ou uma constelação de perfeições d’Ele.

De todas essas representações, a família religiosa é a que tem mais riqueza de representação dos que as outras, porque a natureza do vínculo criado por ela é muito mais forte do que nas outras.

Entre os indivíduos de uma mesma pátria, por exemplo, há aquela vinculação natural baseada em tradições e laços históricos. Nesse conjunto natural há também os elementos sobrenaturais, que levam a constituir-se uma grande nação católica a qual pode formar um corpo místico dentro do Corpo Místico.

A doutrina do Corpo Místico chega a tal ponto que, por exemplo, eu vi certa vez uma referência antiga, da Idade Média, ao “corpo místico da Universidade de Paris”. A Universidade de Paris naquele tempo era uma espécie de crisol de ortodoxia muito especial, que a Santa Sé tomava muito em consideração.

Assim também uma família religiosa constitui um “corpo místico”, no qual o Fundador deve representar de modo mais excelente as qualidades que o corpo todo tem que espelhar. Mas cada um dos membros daquela família, chamado a espelhar determinada perfeição de Nosso Senhor, reflete essa qualidade enquanto existente no Fundador, e é uma repetição do Fundador, como o conjunto dos fundadores é uma repetição de Nosso Senhor.

Então, os vínculos de alma entre súdito e Fundador tomam toda a analogia com as relações existentes na sagrada escravidão a Maria, ensinada por São Luís Maria Grignion de Montfort.

A meu ver, a escravidão de amor não é senão o desponsório espiritual visto em seus efeitos. Porque se Nosso Senhor Jesus Cristo é o Esposo e a Igreja a Esposa, isso significa que a alma fiel deve portar-se face a Ele com a receptividade, o amor, a docilidade da verdadeira Esposa em relação ao verdadeiro Esposo.

Cada um de nós é um membro dessa Igreja. Portanto, esse desponsório místico se realiza na alma de cada um de nós.

Então, se alguém resolve fazer-se escravo de Nosso Senhor para ser obediente a tudo quanto os representantes d’Ele nos mandam, isto se dá por causa de um desponsório místico havido anteriormente, e que nós queremos tornar mais efetivo, mais consistente, mais durável, exatamente por meio dessa submissão.

Creio que a troca de vontades é a própria essência dos desponsórios. Feita a troca de vontades, está realizado o desponsório místico, o qual é um processo que se consuma no momento em que as vontades se uniram completamente. Assim, compreende-se que a escravidão de amor, o desponsório místico e a troca de vontades sejam aspectos de um mesmo processo unitivo; eles vão quase se revezando ou se sucedendo numa mesma realidade total.

Mas o ponto de partida é o momento em que nos enlevamos por Nosso Senhor Jesus Cristo, por Nossa Senhora, pela Igreja, e nos maravilhamos de tal maneira que aceitamos que Ele nos governe como acabo de expor. É a realização da frase de São Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 9/7/1988)

Confiança especial para cumprir a vocação

Nossa Senhora concede a certas pessoas a vocação especial de lutar pela Santa Igreja e pela Civilização Cristã. Ela as chama para uma via que supõe renúncias, privações, exigindo delas esforços para os quais se sentem fracas; por vezes, na hora da tentação elas cambaleiam e correm o risco de não terem coragem de seguir esse caminho. Mas devem ter a confiança inabalável de que a Santíssima Virgem lhes dará graças especiais para o cumprimento da vocação.

 

A virtude da confiança, como descrevê-la? No que ela consiste, definidamente? Para termos disso uma ideia, valeria a pena entrarmos nos pormenores do problema da vida de um homem.

Providência geral e especial

A Providência Divina é Deus enquanto amoroso para com cada homem, e provendo todo o necessário a fim de que ele realize aquilo para o que foi destinado.

Há homens que estão debaixo da regra comum da Providência, os quais recebem uma intenção de Deus a respeito deles muito genérica. Por exemplo, é intenção de que os homens se casem, com o  próprio trabalho ali mentem suas famílias, tenham uma progênie numerosa que se multiplique e deixe uma descendência vasta sobre a Terra.

Esses são os desígnios divinos sobre o comum dos homens, e que fazem parte da providência geral. Deus guia e auxilia de um modo genérico essas pessoas que Ele ama.

Assim, as chuvas se sucedem ao bom tempo e irrigam, preparam a terra, as plantações se formam, são colhidas, alimentam os homens, estes caminham para os seus trabalhos, os governos administram o trabalho humano, as pessoas dão uma educação cada vez melhor aos seus filhos, há uma cultura cada vez mais aprimorada, os povos progridem e, de um modo geral, a humanidade vai indo para a frente.

Existem certas pessoas sobre as quais Deus tem uma providência especial, ou seja, quer delas uma vida que não é a do comum dos outros homens e deseja que elas realizem uma missão especial. Para essas pessoas,  A Deus dá auxílios também incomuns. A Providência chama-as de um modo especial para o serviço da Santa Igreja em dois ramos distintos: inscrevendo-se nas fileiras sagradas do clero, das ordens religiosas; ou, continuando no estado laical, servindo a Esposa de Cristo por meio de um trabalho prestado à Civilização Cristã, esforçando-se para que a sociedade civil se organize de acordo com a Lei do Evangelho e, por esta forma, colabore com a Igreja para a salvação das almas. Dou um exemplo.

Também o Estado precisa cumprir o primeiro Mandamento

Deus ordenou dois Mandamentos a respeito da família: o sexto e o nono. Diz o sexto Mandamento: “Não pecarás contra a castidade”. E o nono: “Não cobiçarás a mulher do próximo”. Esses dois Mandamentos devem ser cumpridos por todo o mundo, são imperativos; enquanto o homem não se case, ele deve ser casto.

Quando se casa, ele vai praticar não mais a castidade perfeita, mas a castidade segundo o seu estado, que vem a ser a fidelidade matrimonial. Se a sociedade é toda católica, as pessoas não vão procurando praticar o ato impuro antes do casamento, também não se tentam umas às outras.

O marido e a mulher têm horror à infidelidade e são mais resistentes às tentações. As famílias se mantendo, a sociedade toda sendo assim, há poucas tentações para os homens, e as almas, então, se salvam em quantidade. A Civilização Cristã serve de meio para facilitar aos homens o  cumprimento dos Mandamentos. Com isso, ela dá  glória a Deus e ajuda aos homens a irem para o Céu.

Está escrito no primeiro Mandamento da Lei de Deus: “Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o coração”. Este é um preceito que todo homem deve praticar no domínio de sua vida particular, enquanto membro da Igreja. Mas também o Estado está sujeito ao mesmo Mandamento e toda nação é obrigada a servir e amar a Deus de todo o coração.

As cerimônias e solenidades da Igreja são grandes dias do Estado também. Por exemplo, dia 25 de janeiro é festa de São Paulo Apóstolo, patrono da cidade e do Estado de São Paulo. Em um país no qual a Igreja seja oficialmente unida ao Estado, todas as autoridades deveriam ir incorporadas assistir à Missa na catedral. Terminada a celebração, precisaria haver desfile solene de tropas diante das autoridades eclesiásticas e civis, reunidas no mesmo palanque. Seria natural que no dia de “Corpus Christi” o Santíssimo Sacramento desfilasse pelas ruas com as tropas formadas em alas de um lado e de outro, ajoelhadas ou apresentando armas. Por esta forma fica muito mais fácil aos homens darem toda a importância à Religião e, consequentemente, amarem a Deus sobre todas as coisas.

Compreende-se, assim, como a Civilização Cristã é preciosa para a realização dos desígnios de Deus. E Ele pode escolher determinados homens para a missão especial de figurar no mundo, como leigos, servindo a Civilização Cristã sob a inspiração da Igreja Católica. A esses, Deus escolhe e chama especialmente, dizendo: “Meu filho, olha como a sociedade civil está desgarrada! Não queres dedicar-te inteiramente para que ela sirva à salvação e não à perdição das almas?” A Civilização Cristã é fruto desse tipo de apostolado, e nós fomos chamados a fazer essa maravilha de dentro desse horror, de um mundo que caiu onde caiu, e está ao revés de tudo quanto Deus quer.

Como se constitui uma vocação

Se analisarmos como se constituiu essa vocação, notaremos, em quase todos os casos, verificar-se uma pequena história individual. Ora é um menino nascido em um ambiente ruim, cuja alma  anseia por algo melhor, o que o leva a sentir uma fricção, um desagrado em contato com os lados maus desse ambiente. Por vezes ele não sabe explicitar, mas é como se elevassem na sua alma harmonias que a inocência canta no seu interior. Ele experimenta em si algo de mais luminoso, e começa por se sentir incompreendido, com necessidade de migrar para um meio onde as coisas sejam de outra maneira.

Se, ao contrário, ele vive em um ambiente bom, digno, agradável, sereno, que convida à prática da virtude, mesmo assim em sua alma há anseios do maravilhoso e não apenas do suficiente. Ele pensa em combates, riscos e aventuras que não sabe como são, mas tem sede de outra coisa que não seja aquele casulo onde ele nasceu, e ao qual, entretanto, ele quer tão bem.

Como há larvas que em determinado momento se transformam em borboletas, assim também o menino sente que nasceu larva, mas há nele asas se formando e ele quer voar. Eis o início do chamado de Nossa Senhora, uma vocação, porque era a graça de Deus que punha na alma desse menino aqueles anseios que o levavam a procurar a Igreja, a Civilização Cristã.

Esses fatos são, mais ou menos explicitamente, passos da alma para conhecer mais de perto a Nosso Senhor Jesus Cristo e sua Mãe Santíssima, amá-Los e servi-Los.

Ora, ensina a Igreja Católica que ninguém é capaz de dar um passo em direção a Deus sem o auxílio sobrenatural da graça. Sem essa ajuda o homem não pode sequer dizer de um modo amoroso os nomes de Jesus e Maria.

Então, conclui-se que a graça, pondo na alma aquele desejo, chamou. “Vocare”, em latim, é chamar. Vocação é chamado. Não se trata, portanto, de uma fantasia, mas é uma questão de Fé.

Necessidade da graça para realizar qualquer boa obra

Como se insere nisso o tema da confiança? Aqueles sobre os quais Deus tem um desígnio geral precisam ter a confiança também geral de que realizarão esse desígnio. Mas aqueles a quem a Providência destina para uma missão específica, devem ter uma confiança especial de que Deus concederá auxílios excepcionais para o cumprimento daquela tarefa.

Suponhamos um clérigo que, sendo um grande orador, é sagrado bispo para dirigir uma diocese. Talvez ele julgue que, assim como outrora arrebatava as multidões com os seus discursos, agora, como bispo, irá ao púlpito e arrebatará as multidões para as verdades da Fé.

Por certo, a eloquência é um dom natural concedido por Deus e que, uma vez recebido, pode desenvolver-se naturalmente. Contudo, se esse bispo não acreditar que necessita de uma ajuda especial da graça, ele não converterá nenhuma alma, pois suas palavras não produzirão nenhum aumento do amor de Deus em quem as ouvir, e ele não trará ninguém para a Igreja Católica.

Dou outro exemplo. Imaginem uma pessoa que monta um grande orfanato católico. Um modo de combater a limitação da natalidade, o aborto, é erigir casas onde os pais desalmados, que não querem educar os seus filhos, os deixam nos braços amorosos da Igreja. Como para a primeira infância nada é comparável ao carinho materno, são Ordens religiosas femininas que se dedicam a acolher essas crianças.

Ora, essas Ordens têm problemas, falta de dinheiro, necessidade de remédios, de médicos, de mil coisas. São necessárias pessoas com boa capacidade administrativa para levar a bom termo a fundação e a organização de um orfanato.

Como se trata de uma obra destinada a servir a Deus, se o organizador do orfanato não entender que deve pôr sua principal confiança, não nas suas capacidades nem nos seus meios de ação – como parentesco, relações, etc. –, mas no auxílio divino, o orfanato vai água abaixo.

Prece do homem desconfiado e do confiante

Se Nossa Senhora nos chama para uma via que supõe renúncias, privações, exigindo de nós esforços para os quais nos sentimos fracos, e na hora da tentação cambaleamos, por vezes corremos o risco de não ter coragem de seguir esse caminho, então é preciso ter confiança de que a Santíssima Virgem nos dará graças especiais. Nunca é válido o seguinte raciocínio: “Esse caminho é muito  bom, mas não vou seguir, pois não tenho forças”. Porque o contrário é verdade: Dê um passo e mais outro… Basta que para este minuto você tenha força, o minuto que vem Nossa Senhora proverá. Ande para a frente e peça o auxílio d’Ela; a Virgem fará milagres! Maria Santíssima é a Mãe de Misericórdia  que nos pede muitas coisas, mas nos dá muitas outras também.

Às vezes, para realizar a nossa vocação, nós precisamos de certo dom natural. Por exemplo, uma boa saúde, um pouco de repouso para nos refazermos, e desejamos isso para tornar o nosso caminho um pouco mais leve. Devemos acreditar que, na maior parte das vezes, Nossa Senhora nos concederá tais favores. Então, precisamos rezar com confiança: “Salve Rainha, Mãe de  misericórdia, vida doçura, esperança nossa, salve!” Ou então: “Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tenha recorrido à vossa proteção, fosse por Vós desamparado. Animado eu, pois, com igual confiança, a Vós, ó Virgem singular, como a Mãe recorro e de Vós me valho…”

Nesse caso, a confiança é a virtude por onde confiamos na sabedoria e na bondade de Deus pelos rogos de Maria; no amor materno especialmente misericordioso e próprio a perdoar de Nossa Senhora, que fez d’Ela como que uma longa manus da misericórdia divina, pois até onde Deus, por assim dizer, não poderia chegar em sua misericórdia, Ele criou Nossa Senhora para que Ela chegasse.

A confiança é, pois, a virtude pela qual, tomando isso em consideração, pensamos: “Fui chamado, preciso de tais circunstâncias especiais para realizar meu apostolado. Confio em que Nossa Senhora as dará.” Quer dizer, Ela é lógica, segura, bondosa, Ela não fará essa coisa monstruosa de me chamar para que eu não realize aquilo para o qual Ela me chamou.

Essa certeza de que Ela dará, Nossa Senhora quer como condição para atender o nosso pedido. Ela atende, mas quer que confiemos. A prece do desconfiado sobe a Deus com mais dificuldade do que a prece do homem confiante. A prece do desconfiado em relação a Ela é como quem subisse ao Céu passo a passo. Pelo contrário, a prece do homem confiante faz com que ele voe.

Às vezes, a graça nos submete a provações tremendas

Há um matiz delicado nisso. Às vezes, não há uma razão especial para termos a certeza de que Nossa Senhora vai nos dar aquilo que que remos, e podemos pensar o seguinte: Nossa Senhora sabe o que me convém, eu não o sei. Como vou ter confiança nessa oração? Se Ela é minha Mãe e me dá o melhor, eu peço uma coisa que talvez não seja a melhor, não obtenho. É uma reflexão razoável, inteiramente conforme à Fé. Como é que vou confiar?

Às vezes, Nossa Senhora põe em nossa alma uma certa doçura, uma certa esperança especial de conseguir que é uma forma de promessa de que Ela dará se pedirmos. Quando vem essa moção interna da graça, a alma cometeria uma ingratidão se não compreendesse que, por causa daquilo que ela sentiu, deve esperar com confiança. É muito delicado, porque a pessoa pode se enganar e tomar como voz da graça algo que não é. Mas, normalmente, quando se sente uma forma de alegria especial e sobrenatural, um certo pressentimento bondoso de que aquilo se vai realizar, muitas vezes é algo dito pela graça que fala em nossa alma e nós devemos confiar.

Por vezes, a graça nos submete a provações tremendas. Considerem o episódio de São Pedro no Lago de Genesaré (cf. Mt 14, 22-31). Nosso Senhor estava caminhando vi sobre as águas, e chamou São Pedro para ir até Ele. O Apóstolo não teve dúvida, saltou da barca e principiou a andar. Em certo momento, olhou para a água e sentiu como aquilo era mole debaixo dos pés, teve medo e começou a afundar. Isso pode dar-se conosco. Começamos a fazer uma coisa desejada por Nossa Senhora, e aquilo parece afundar… Nesses momentos devemos nos ajoelhar e dizer a Ela:

“Minha Mãe, nesses transes permiti-me que Vos diga com todo o respeito que uma criatura Vos possa ter: Eu não tomo a sério o que está se passando. Sei que é uma provação permitida por Vós e que me põe numa situação dificílima, mas Vós fazeis isso para ver se eu confio. Se eu confiar, obterei. Minha Mãe, continuo a confiar em Vós e a ir para a frente!”

Às vezes, é preciso rezar e esperar anos, com uma série de fracassos pelo meio. Um dia, inesperadamente, aquilo tudo se realiza. Esta é a virtude da confiança!

Uma das maiores alegrias que o homem possa ter na vida é quando ele passa por um período onde parece que tudo vai contra a sua confiança, mas, apesar disso, em certo momento, ele vê que aquilo se realizou.

“Ainda que eu caminhe em meio às sombras da morte, não temerei os males”

Lembro-me de que eu era professor de História Medieval, Moderna e Contemporânea numa das faculdades da Universidade Católica de São Paulo, onde havia uma capela com o Santíssimo  Sacramento. Sempre que eu ia a essa faculdade, após as aulas, rezava diante do Santíssimo Sacramento, fazia uma visita à imagem de Nossa Senhora que estava lá e saía. Como em todas as épocas de minha vida, essa era também de muitas provações e da necessidade de muita confiança.

Certo dia, eu estava na capela – onde havia uma galeria de vitrais de um lado e de outro, com cenas da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo; e ao levantar-me, olho para um dos vitrais que estava mais abaixo, o qual representava, se não me engano, a Ressurreição do Redentor, onde estava escrito o seguinte: “Nam et si ambulavero in medio umbræ mortis non timebo mala…” (Sl 22, 4) – Ainda que eu caminhe em meio às sombras da morte, não temerei os males. E em outro vitral ao lado havia a frase: “…in lumine tuo autem vi debimus lumen” (Sl 35, 10) – Na tua Luz veremos a luz.

Aquilo me encheu a alma e compreendi: é preciso ter mais confiança. Plinio, anima-te! Nossa Senhora te ajudará! Então eu disse a Ela: “Nam et si ambulavero in medio umbræ mortis non timebo mala. Minha Mãe, ainda que eu ande nas sombras da morte, não temerei os males porque Vós me ajudareis. Minha Mãe, na luz de vosso olhar eu verei a Luz!” Pensei nessas coisas a propósito de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano. Maria Santíssima olha com o olhar tão interior, tão embevecido, não se sabe bem se para o Filho que Ela tem nos braços, ou para um filho ajoelhado diante d’Ela e que é qualquer fiel que vai ali rezar.

E temos a impressão de que podemos dizer-Lhe: “In lumine tuo videbimus lumen”. Na luz de vosso olhar veremos a verdadeira Luz, que é Jesus Cristo Nosso Senhor, que Vós trazeis nos vossos braços.

Vocação da Bem-aventurada Petruccia

Vejam a história da Bem-aventurada Petruccia. Ela recebe uma vocação: trabalhar para reconstruir e reformar uma igreja de Nossa Senhora nesse lugarzinho chamado Genazzano. De fato, a vocação era muito maior, ela não sabia. Não era só para Genazzano, mas para abrigar um dos maiores milagres da História, uma devoção que tem expansão pelo mundo inteiro. Ela gasta tudo o que tem e fracassa!

Aos 80 anos de idade, Petruccia, que esperava morrer depois de ver a igreja construída, recebe de todo o mundo sarcasmos e censuras: – Louca, gastou o seu patrimoniozinho, está aí vivendo de esmola, pesando sobre os outros e levantando aqui esses muros que nem chegaram até uma altura normal. Louca! Ela, com doçura, responde: – Não vos incomodeis… eu sei.

Ela poderia acrescentar: “Deus me falou na alma! Sei que antes de eu  morrer, essa igreja estará construída. Um dia, como tantos outros, a Bem-aventurada Petruccia devorava em silêncio a demora da promessa, quando, de repente, as nuvens se fazem sonoras, luminosas, e desce o afresco de Nossa Senhora, e permanece ali. Todos reconhecem o milagre: a pintura fica de pé, sem em nada se apoiar, e até agora ali está, sem ser segura por nada.

Entram as doações para a construção do templo que começa a se erguer logo, porque o afresco paira em cima da igreja apenas iniciada, no lugar onde, sem dúvida, Nossa Senhora desejava que fosse construído o altar.

Portanto, Ela queria aquela igreja. Assim, antes de Petruccia morrer, a igreja estava garantida. Pode-se imaginar a morte de Petruccia, em paz, dizendo um pouco como Simeão conforme narra o Evangelho: “Agora, Senhor, levai em paz a vossa serva porque meus olhos viram a igreja que me prometestes!” É a virtude da confiança.

“Você não morrerá sem ter realizado a finalidade de seu apostolado!”

No caminho que nós seguimos, devemos esperar de Nossa Senhora muito mais do que os outros homens esperam. Precisamos aplicar todos os nossos talentos e recursos para servir a Santíssima Virgem, mas compreendendo  que tudo isso, embora indispensável, não é suficiente. As coisas só funcionam se a Mãe de Misericórdia nos ajudar pela sua graça e pela sua providência.

É necessário termos confiança de que Ela nos ajudará, antes de tudo, para perseverarmos e sermos santos; e, em segundo lugar, para vencermos a grande batalha da Contra-Revolução. Em 1967, eu tinha passado por dissabores enormes devido a dificuldades de nosso apostolado. Foram tais os desgostos e os estorvos que adoeci gravemente. Fui levado ao hospital para exames médicos e, em face dos resultados, os médicos resolveram fazer-me uma operação.

Portanto, por cima de uma série de terríveis insucessos de apostolado, vinha uma doença grave que trazia, entre outros inconvenientes, o de constituir para minha mãe uma grande preocupação. No período que antecedeu a essa doença, caiu-me nas mãos fortuitamente – vejo que foi por desígnios da Providência, mas não lembro mais por que vias o fato aconteceu – um livro a respeito de uma devoção da qual eu já ouvira falar: Nossa Senhora do Bom Conselho, em Genazzano.

Apesar da amargura em que eu me encontrava, a leitura do livro causava na minha alma um bem-estar interno tão grande, que eu me dizia: “Não compreendo por que, mas isto me faz um bem espiritual extraordinário!”

Precisamente, alguém teve a caridade de me mandar vir da Europa uma estampa da Mãe do Bom Conselho, e levaram-me quando eu ainda me encontrava no leito do hospital. Quando fiquei colocado diante da estampa, deu-se comigo um fato que o livro, aliás, contava que acontecia frequentemente. Sem ocorrer nenhum milagre, sem haver movimentação na face de Nossa Senhora, a imagem mudava de expressão para estes ou aqueles que rezavam diante d’Ela.

E eu tive a noção de que a face da Santíssima Virgem mudava de expressão diante de mim e me olhava com muita ternura, muita bondade, muito materna, dando-me a certeza relativa ao ponto que mais me atormentava, e que era o seguinte: Quem sabe se esses insucessos de apostolado se devem a alguma imperfeição espiritual minha? Quem sabe se vou morrer prematuramente como castigo dessa imperfeição?

E por mais que eu faça exame de minha consciência, não encontro resposta para essas indagações. Há uma falta em mim e em que ponto? Tive a impressão de que a imagem respondia ao mais candente da pergunta: “Meu filho, esteja seguro de que você não morrerá sem ter realizado a finalidade de seu apostolado!”

Essa certeza me alentou depois em todas as outras provações. Posso garantir que os dissabores sofridos por mim posteriormente foram tão numerosos e terríveis que, se eu não tivesse essa promessa, teria morrido. Não tenho dúvida nenhuma. Se com os meus 76 anos tenho a alegria de estar rememorando esses acontecimentos, é porque essa imagem me deu esta confiança: a finalidade de meu apostolado, no fim, se realizará!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/2/1985)

A Jesus, por Maria

Para comungarmos bem, devemos pedir a Nossa Senhora que venha espiritualmente à nossa alma, e preste a Nosso Senhor atos de culto. Dessa forma, nossa Comunhão será inteiramente marial, conforme ensina São Luís Maria Grignion de Montfort.

Acho conveniente deter hoje nossa atenção na invocação de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, quer dizer, a Virgem Maria considerada especialmente em suas relações com a Divina Eucaristia.

Procurarei ser esquemático ao indicar alguns pontos para meditarmos, a fim de que caiba a maior quantidade possível de matéria dentro de pouco tempo.

Nossa Senhora obteve o Santíssimo Sacramento para o gênero humano

Consideremos o seguinte: uma das maiores graças que o gênero humano recebeu foi a instituição da Sagrada Eucaristia, ou seja, da presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo em todos os sacrários da Terra, até o fim do mundo, e a renovação incruenta do Sacrifício da Cruz.

Para medirmos a importância dessa graça, basta considerarmos como julgaríamos magnífico se, de repente, tivéssemos o Redentor visível aqui entre nós. Com toda razão, julgaríamos que uma eternidade não bastaria para agradecer esse favor.

Ora, Nosso Senhor, embora de modo não visível, está realmente presente no Santíssimo Sacramento.

Se recebemos todas essas graças é porque nos vieram a rogos de Maria, por meio d’Ela. De maneira que devemos esses favores insondáveis a Nossa Senhora. Ela obteve o Santíssimo Sacramento para o gênero humano. Mais ainda: todas as graças que Nosso Senhor distribui no Santíssimo Sacramento, Ele o faz pelos pedidos da Virgem Maria. Se Ela não pedisse, não as obteríamos.

Além disso, a única criatura humana que presta ao Santíssimo Sacramento um culto inteiramente digno e perfeito é Nossa Senhora. As outras criaturas humanas sempre têm algum defeito, que macula o alcance desse culto.

Nossa Senhora conhece todos os lugares da Terra onde há o Santíssimo Sacramento, e Ela, do alto do Céu, está adorando continuamente as Sagradas Espécies por toda parte.

Onde as Sagradas Espécies são adequadamente cultuadas, Maria Santíssima presta um culto jubiloso. Quando são tratadas com indiferença ou até com blasfêmia ou sacrilégio, Ela presta um culto reparador.

A devoção ao Santíssimo Sacramento é uma graça; logo, é obtida por Nossa Senhora.

Modo de um escravo de Maria comungar

Cada um desses pontos de meditação nos deve ajudar a comungar como São Luís Maria Grignion quer. Todas as nossas Comunhões são atos de culto a Nosso Senhor Jesus Cristo, mas com Maria, por Maria, em Maria.

Então, dadas todas essas relações que Nossa Senhora tem com o Santíssimo Sacramento, devemos preparar-nos para a Comunhão com o auxílio d’Ela. O que quer dizer isso?

Precisamos pedir a Maria Santíssima que venha à nossa alma, e diga por nós a Nosso Senhor tudo quanto Ela diria se estivesse comungando.

Devemos receber a Eucaristia junto com Nossa Senhora, ou seja, pedir que Ela esteja como que à entrada de nossa alma para acolher a Nosso Senhor e preste os atos de culto a Ele. Como todos sabem, os atos de culto são quatro: adoração, ação de graças, reparação e petição dos dons divinos que precisamos.

No momento de nossa Comunhão, digamos a Nosso Senhor o seguinte: “Meu Deus, Vós encontráveis vosso Paraíso estando em Maria durante vossa Encarnação e durante as comunhões d’Ela. Como é inferior a acolhida que eu Vos dou! Tende, entretanto, em consideração que em espírito vossa Mãe está presente em mim, dispensando-Vos uma acolhida incomparável. Recebei, assim, com benignidade, meus pobres atos de culto, enriquecidos por passarem através d’Ela a fim de chegar a Vós”.

Assim, nossa piedade eucarística se torna inteiramente marial, embebida do espírito de São Luís Maria Grignion de Montfort. Esse é o modo de comungar de um escravo de Maria.

Receber a Eucaristia com a alma plenamente confiante e jubilosa

Dessa forma, se evita que, ao comungar, caiamos em dois erros.

Um é a ideia da inacessibilidade de Deus.

Nosso Senhor Jesus Cristo é tão infinitamente Santo, que não há nenhuma proporção possível entre nós e Ele, debaixo de nenhum ponto de vista.

Então, tendo isso em vista, corre-se o risco de comungar acanhado, quase deprimido.

Mas se se considera que Nossa Senhora está em nós espiritualmente — não realmente como está Ele — comunga-se alegre, porque, apesar de sermos o que somos, Ela se encontra em nossa alma.

Dou um exemplo: imaginem um mendigo que vai receber a visita do maior rei da Terra. Ele não tem nada para oferecer ao monarca, mas consegue que a rainha-mãe lá esteja para acolher o rei. O mendigo está tranquilo; não lhe falta nada. Ao chegar o soberano, a rainha-mãe está na entrada do tugúrio e lhe diz: “Meu filho, eu quis honrar esta casa com a minha presença. Ela é minha, entre!” O dono da casa não tem outra coisa a fazer senão sorrir, regozijar-se, transbordar de alegria porque a recepção está à altura do rei.

Então, devemos comungar com a alma plenamente confiante, jubilosa.

Se cada um de nós for pensar em seus defeitos, ficará acanhado, encafifado. Mas em sua alma está Nossa Senhora! Que tranquilidade, alegria, paz de alma, esperança para tudo!

Conjunção da adoração com a maior das ternuras

Assim, evita-se também a falta de respeito, que teria, por exemplo, um mendigo a quem o rei vai visitar todos os dias. Nunca o mendigo tem algo para oferecer ao monarca. Certo dia, ele diz para o rei: “Sentai-vos ali e conversai comigo. Se vós quiserdes vir em minha casa, só possuo isto para vos oferecer: meu café velho e minha caneca rachada. Não tenho outra coisa; não posso me virar pelo avesso”.

Então, a devoção a Nossa Senhora equilibra isso. Tira o acanhamento, o encafifamento, e também a rotina, o desrespeito.

Há, portanto, uma espécie de equilíbrio da piedade eucarística simplesmente magnífico, pela conjunção da maior das venerações, que se chama adoração, de um lado, com a maior das ternuras. Assim, eu posso tomar com Nosso Senhor as liberdades mais afetuosas, porque fui trazido pela Mãe d’Ele.

Eu quisera que todo membro de nosso Movimento, habitualmente, comungasse nesse espírito, tomando cada dia um desses pontos para considerar.

Por exemplo: “Minha Mãe, eu Vos devo a instituição da Sagrada Eucaristia. Todo o gênero humano Vos deve essa instituição. Ajudai-me a agradecê-la a vosso Divino Filho, vinde à minha alma.” Ao receber a Comunhão, agradecer a Ele. Está feita uma Comunhão excelente.

Acho que este seria um método ideal para a Comunhão, evitando assim a falta de respeito e também a rotina: as Comunhões nas quais as pessoas têm a impressão de que não sabem o que dizer a Deus, como dois velhos amigos que se encontram todos os dias e já não têm mais o que falar um para o outro.

Para Nosso Senhor, nós sempre temos coisas novas para dizer, aprofundando esses horizontes. Cada um desses pontos encheria o tempo da ação de graças de uma Comunhão. Que Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento nos conceda a graça tão preciosa de uma piedade eucarística em união com Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/5/1969)