A primeira homenagem do dia

Ao ser indagado sobre o modo de se fazer a oração da manhã, Dr. Plinio explica como ela deve ser feita de maneira a produzir maiores frutos.

 

Um membro de nosso movimento perguntou-me como fazer a oração da manhã mais conforme a nossa vocação.

Louvo muito a impostação do assunto, pois não se trata de uma boa oração da manhã genérica, mas segundo o nosso chamado. Um religioso jesuíta, por exemplo, deve fazer uma oração da manhã conforme a espiritualidade da Ordem à qual pertence, ou segundo a missão de que Nossa Senhora o incumbiu.

A oração da manhã deve variar segundo a necessidade

Porém, em vez de apresentar uma fórmula, parece-me que seria mais interessante dar alguns princípios relativos à oração da manhã.

É preferível que a fórmula seja mutável, porque a repetição perpétua de um mesmo texto, para um número enorme de almas, traz aridez e cansaço.

Os critérios para mudar são também variáveis, segundo as almas. Gostaria de indicar dois.

Há uma série de aspirações legítimas que nascem em nós, frutos da graça, a qual opera em cada alma de modo diferente; assim, devemos evitar a estandardização. Em certos dias, desde manhã, temos desejo de dizer algumas coisas a Nosso Senhor e a Nossa Senhora; devemos seguir essa aspiração e variar a nossa oração da manhã.

Pelo contrário, se durante anos e anos uma mesma fórmula nos convir, devemos então mantê-la.

Quando começamos a ter dificuldade em prestar atenção numa fórmula que se está usando, muitas vezes é motivo suficiente para mudá-la. Esse “muitas vezes” comporta diversos matizes, portanto, variedades segundo o indivíduo, como é próprio na vida espiritual.

Passarei agora a apresentar alguns pontos que podem servir para a oração da manhã.

Elementos para a oração da manhã: atos de culto e oferecimento

Em primeiro lugar, é bom que nela façamos os quatro atos de culto: adoração, ação de graças, reparação e petição. E depois um oferecimento.

O ato de adoração relacionado com a manhã poderia ser assim: “Logo que me levanto, ó Senhor, tendo em consideração que Vós sois o meu fim último, quero Vos declarar a minha adoração e a minha admiração total, meu amor completo e o meu temor inteiro”.

Vem depois a ação de graças: “Fui preservado durante esta noite; passei uma noite tranquila, sem tentações, sem pecado. (Ou então: “Tive uma noite atribulada com preocupações, fui tentado”.) Do que me aconteceu, tirei uma matéria para Vos agradecer”.

No momento de fazer a reparação, faço-a por todos os pecados que durante a noite se cometeram; pelo modo errado com que muita gente se levanta da cama e sai como um bicho do coxo a correr pelo pasto, e cuidando apenas dos seus interesses pessoais.

Como petição, incluamos as graças espirituais e temporais das quais precisaremos durante o dia.

Não se trata, portanto, de uma fórmula, mas sim de uma oração que deve ser articulada todos os dias.

Depois devemos oferecer o dia a Deus. Ele nos deu a vida, tem direito sobre tudo o que é nosso. Por isso lhe oferecemos tudo quanto vamos fazer naquele dia, segundo determinadas intenções.

Para nós, que somos escravos de Nossa Senhora segundo o método de São Luís Grignion, o mais adequado é oferecer o dia a Maria Santíssima para que Ela faça conosco o que quiser.

É necessário pedir a Nossa Senhora graças próprias à nossa vocação: um espírito voltado para as coisas sobrenaturais; a graça do desapego das coisas opostas à nossa vocação, de maneira que amemos somente a ela e não pensemos em outra coisa.

Além disso, devo pedir a Maria Santíssima a graça de amar nosso movimento e todos os seus membros, porém especialmente aqueles que são modelos para mim. Devo também pedir a virtude da obediência, como também a da castidade ilibada. Que Ela me ajude a multiplicar a eficácia de minhas ações.

Se eu tenho anotados esses pontos, não preciso ler todos eles diariamente, porque isso, para ser feito com todo o cuidado, levaria meia hora ou mais. Meu olhar, caindo sobre um item, posso dizer a Nossa Senhora simplesmente: “Minha Mãe, eu Vos peço tudo o que está aqui, mas especialmente tal coisa”.

Oferecer a Deus os sacrifícios do dia que começa e pedir graças para os que pertencem à nossa instituição

Às vezes, levantamo-nos de manhã e pensamos: “Que coisa horrorosa, hoje tenho tal coisa indesejável!” Está bem: “Sit nomen Domini benedictum” (O nome do senhor seja bendito). É a cruz do dia que vou oferecer a Nossa Senhora. Então me disponho a aceitá-la e caminho de boa vontade para a coisa desagradável. E o bom aproveitamento das coisas desagradáveis já é um fator extraordinário para o progresso na vida espiritual.

Entre muitas outras, estas são as considerações que podem alimentar nossa vida espiritual.

Deveríamos sobretudo oferecer nossa oração da manhã pelas almas pertencentes ao nosso movimento, e pelas que estão perambulando pelo mundo e que um dia serão chamadas a participar dele.

Nossa associação deve ser comparada a um conjunto de pessoas que está subindo em uma montanha escorregadia, em que cada passo oferece um risco ou apresenta uma dificuldade.

É verdade que se passam longos anos de tranquilidade. Mas durante eles é preciso estar com o olhar vigilante, porque do contrário a tranquilidade cessa. A paz virtuosa, em geral, decorre de uma prolongada vigilância. Devemos pensar nessa espécie de “drama da ascensão” e, assim, irmos subindo juntos.

Considerando todos os riscos, glórias e belezas que essa ascensão traz consigo, devemos pedir a Nossa Senhora que auxilie nossa alma e as dos outros membros de nosso movimento, como também dos que a ele devem pertencer — há cinco, seis ou sete anos, muitos dos que estão aqui neste auditório estavam perambulando por aí, sujeitos a quantos riscos, incertezas e dificuldades!

Precisamos rezar por essas almas, para que esse longo itinerário se realize e nenhuma desapareça no caminho: essa é uma das intenções que me parecem mais meritórias e aconselháveis para a oração da manhã.

Tais intenções podem ser relembradas na hora da comunhão, do rosário, nas visitas à capela, enfim, nos acompanhar o dia inteiro, mas enunciadas já pela manhã têm o mérito de projetar uma luz sobre toda a jornada. Há uma beleza especial e intrínseca nessa primeira homenagem da alma que acorda e se volta para Deus. Isto está na natureza das coisas.

Isto se dá até com os seres inanimados. Por exemplo, o primeiro raio da aurora: os primeiros acontecimentos se revestem de uma espécie de graça natural, que é uma imagem deste primeiro movimento da alma, a qual, voltando-se a Nossa Senhora, dá-Lhe uma glória especial. Por isso é bonito, logo ao acordarmos, dizermos ou pensarmos nisso.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/8/1965)