Missão profética dos três Arcanjos

São Gabriel, São Rafael e São Miguel formam um unum. Conforme o matiz de nossa atividade apostólica, somos mais beneficiados por um ou por outro, tornando-nos eficientes na ação, terríveis no combate, e às vezes nos sentindo tão convidados à meditação, que temos a sensação de não existirmos senão para ela. É uma espécie de síntese dos três Arcanjos.

Na vida do ser humano é possível distinguir três aspectos: a contemplação, a luta e a ação.
Diferencio a ação da luta no seguinte sentido: A ação tem como fim principal a construção; ela, per accidens, derruba os obstáculos que encontra no caminho. A luta é a derrubada de algo que não deve estar de pé.

São Gabriel: o Arcanjo da contemplação

Isso tem uma correlação no mundo angélico? Para encontrar a resposta a essa questão, consideremos o seguinte:
Quando o Divino Espírito Santo convidou Nossa Senhora para ser sua Esposa, no dia da Anunciação, enviou um mensageiro para essa missão. Mas seria contra toda e qualquer ordem celeste das coisas imaginar que esse mensageiro fosse se incumbir de um recado sem ter nenhuma semelhança com a mensagem que ele levava.
Eu posso, por exemplo, mandar uma mensagem de alta nobreza e significação por meio de um portador qualquer que estiver ao meu alcance, dizendo: “Você chega lá, entrega a mensagem e pede um protocolo comprobatório.”
Mas na ordem angélica isso não é assim. São Gabriel deveria representar magnificamente o Divino Espírito Santo para Nossa Senhora, de maneira que fosse a própria figura do Esposo convidando-A. Portanto, ele precisa ser visto como o Arcanjo da contemplação, da chama que leva a alma a se embevecer com o Espírito Paráclito.
Se assim não fosse, São Gabriel não seria um mensageiro, mas um porta-recado. Ele tem que ser a imagem da mensagem que leva. Por aí podemos perceber o que Nossa Senhora sentiu quando viu o Arcanjo São Gabriel.
Compreende-se, assim, que logo que a Santíssima Virgem disse o “sim”, o Espírito Santo Se tenha unido a Ela. O Divino Paráclito preparou a alma d’Ela para ver face a face o “Original”, o Arquétipo, do qual São Gabriel não era senão um tipo. Claro está que o Espírito Santo é infinitamente mais do que um arquétipo, Ele é o Criador. Mas se poderia conceber essa relação à maneira de uma arquetipia.
Nesta concepção, o Arcanjo São Gabriel é aquele que nos traz o lumen, convida-nos para o recolhimento, a oração, a fim de sentirmos o gosto das coisas celestes e o desdém das terrenas, o que é uma graça insigne do Espírito Santo.

Agilidade diplomática de São Rafael

 

A única passagem da Bíblia onde vem descrita a atuação de São Rafael é o episódio narrado no Livro de Tobias. Pelo que me lembro da narração, Tobit, pai de Tobias, tendo ficado cego acidentalmente, empobreceu, precisando ser sustentado pelo trabalho da esposa.
Vê-se que Tobias era um rapaz casto, direito, sério, alegria de seu pai.
Em determinado momento, Tobit resolveu mandar Tobias a uma cidade onde morava um parente dele para cobrar uma dívida, pois isso os ajudaria naquela situação.
Tobias se põe a caminho e aparece um companheiro que era o Arcanjo São Rafael. A certa altura da viagem, chegam junto a um rio e aparece um peixe misterioso que ataca Tobias. Então, sob a orientação do Anjo, Tobias agarra e mata o peixe. São Rafael o ensina a abri-lo e a tirar de dentro dele um certo óleo que iria curar a cegueira de Tobit.
Chegando à cidade, encontra um parente, homem abastado e influente, cuja filha era lindíssima. Sete homens tinham querido casar-se com ela, mas movidos pela sensualidade. Ora, Deus não permitia que um homem sensual se casasse com a moça. Por isso todos os maridos tinham morrido, e ela já ficara viúva por sete vezes sem ter sido tocada por nenhum homem, pois não aparecera o varão casto que deveria desposá-la.
Apresenta-se Tobias e, com o assentimento do pai da jovem, casam-se. Então, acompanhado de sua esposa, ele volta para junto de Tobit.
Quando Tobias estava fora de perigo, já na casa paterna, o companheiro de viagem anunciou que era São Rafael, um dos sete espíritos que assistem na presença do Altíssimo, e sumiu.
Notem como toda a dificuldade de Tobias não era uma situação de guerra, mas um problema de ação. Seu pai é pobre e Tobias tem uma dívida para cobrar, uma viagem arriscada a fazer, uma jovem a desposar, uma vida para arranjar; pela intervenção do Anjo, essas atividades se consertam em cadeia.
Na ação entra a agilidade diplomática, a continuidade, tudo aquilo quanto representa o operar ao longo de situações incertas. São Rafael é também o protetor nessas circunstâncias, porque se vê que Tobias foi sujeito a toda espécie de vicissitudes até a situação da família dele se regularizar, tendo ele de agir arduamente, e só se saiu bem por meio de milagres.
Por isso, São Rafael é protetor na linha do princípio axiológico1, da confiança, da misericórdia, enfim, de toda a bondade para se restabelecer e se levar uma vida normal.

São Miguel: o Arcanjo da luta

 

Embora, absolutamente falando, a contemplação seja superior à ação, não corresponderia à realidade comparar a atuação dos três Arcanjos a um triângulo em que São Gabriel estivesse sempre no ângulo superior e os outros dois abaixo, em situação de igualdade. Isso torna-se particularmente claro ao considerarmos São Miguel, o Arcanjo da luta.
O empenho do combate, de si, tem algo de destrutivo de quem o trava. Mesmo quando não conduz necessariamente à morte, a luta corresponde a um esforço superior ao desgaste normal do mero trabalho. Por isso traz consigo um aspecto de oblação, na qual o caráter de desinteresse é maior. Por exemplo, o desprendimento manifestado no episódio de Abraão com Isaac é fabuloso! Aquilo é puro amor. Pois bem, pode-se lutar por puro amor indo para uma Cruzada, como Isaac caminhou para ser morto pelo pai.
Aliás, Nosso Senhor Jesus Cristo afirmou que a imolação é a maior prova de amor: “Não há maior prova de amor do que dar a vida pelo amigo” (cf. Jo 15, 13). E dizia isto de Si mesmo para nos explicar como devemos estar certos de seu amor por nós.
Por aí podemos ver a magnificência da luta e, portanto, da atuação de São Miguel Arcanjo.

Profetismo da luta e do holocausto

Em face deste quadro, a ação parece muito inferior à contemplação e à luta. O problema está em termos uma concepção muito material da ação. Com o próprio São Rafael fica-nos na mente o desenhinho – aliás, encantador e bobinho –, que ilustrava os livros de História Sagrada para crianças, dele andando a pé, com um bastão do qual pendia uma espécie de moringuinha, e conversando com Tobias animadamente.
Ora, São Rafael foi um Anjo de uma sabedoria ativa superior, que ajudou Tobias a ver o que de fato ele deveria querer na viagem, encontrar os meios para realizá-la, e cuja companhia lhe dava força e ânimo para empreendê-la com êxito. O aspecto material da viagem para o Anjo não era nada. Fazer com aquele boneco fabricado por ele – o qual Tobias tomava como sendo um homem – falasse e caminhasse, para um espírito angélico não era coisa alguma.
Compreende-se, então, que para nos referirmos a São Rafael como o Arcanjo da ação devemos escolher os mais altos graus e padrões da ação. Portanto, muito mais do que a atuação operacional, meramente ativa, a ação pensante. Algo à maneira, por exemplo, daquela frase do Marechal Foch2: “Ma droite est pressé, ma gauche est menacé, ma arrière est coupée… que fais-je? J’attaque”3. Isto é magnífico! Quer dizer: “Eu estou num apuro total, então vou atacar!” Esta é uma ação, se assim se pode dizer, “rafaélica”, no sentido de que é o pensamento sobre a ação de uma alta categoria.
A arte de reinar, governar, dirigir profeticamente, a missão profética no conjunto da ação da vida diária estaria com São Rafael, enquanto que com São Miguel estaria o profetismo da luta e do holocausto. Assim se compreende a beleza da distinção entre o agir desses Arcanjos.

Os três Arcanjos em episódios da vida de Nosso Senhor

Poder-se-ia perguntar, na vida santíssima e augustíssima de Nosso Senhor, qual desses aspectos brilhou mais e em quais episódios Ele Se conduziu como o Deus de Gabriel, o Deus de Rafael e o Deus de Miguel. Seria um estudo do Evangelho muito bonito.
A meu ver, na Transfiguração do Monte Tabor Nosso Senhor pode ser simbolizado eminentemente por São Gabriel. Na Paixão, por São Miguel, pois é o holocausto e a luta, foi quando Ele venceu o mundo. Ademais, agonia, em grego, significa a luta do atleta; os atletas eram chamados agonistas. Depois, enquanto Mestre, percorrendo a Terra Santa e fazendo apostolado em sua vida pública, é simbolizado por São Rafael.
Com base nestas considerações poderíamos imaginar a nossa vida como uma ação concomitante dos três Arcanjos, com momentos em que ora prepondera São Rafael, ora São Miguel, ora São Gabriel.
Os três Arcanjos formam um unum e, conforme o matiz de nossa atividade apostólica, somos mais beneficiados por um ou por outro. De maneira que, às vezes, nos tornamos tão eficientes na ação que temos a impressão de existir só para agir. Outras vezes, somos tão terríveis no combate que parecemos viver só para a luta. Mas há ocasiões nas quais nos sentimos tão convidados à meditação, que temos a sensação de não existirmos senão para ela. É uma espécie de síntese dos três Arcanjos.
Donde se poderia deduzir que o objetivo de nossa ação apostólica é uma “angelização”. Há uma espécie de presença angélica entre nós, um prolongamento angélico de uns para os outros, e uma representação angélica correspondente ao fundo de nossos espíritos e de nossas almas, que explica a nossa escravidão e união a Nossa Senhora.v

(Extraído de conferências de 28/3/1976 e 12/12/1976)

1) Princípio que leva o homem a ser fiel a sua axiologia, ou seja, ao eixo em torno do qual devem girar todas suas ideias, volições e atividades, visando a glória de Deus e o bem de sua alma.
2) Ferdinand Foch (*1851 – †1929). Militar católico francês que comandou os exércitos da França e da Inglaterra durante a I Guerra Mundial.
3) Do francês: Minha direita é comprimida, minha esquerda é ameaçada, minha retaguarda é golpeada… Que faço eu? Eu ataco.

Escudo da Igreja e gládio contra os demônios

Suscitado por Deus para precipitar no inferno os demônios, proteger a Igreja e os homens contras as investidas diabólicas, São Miguel Arcanjo, cavaleiro arquetípico da milícia celeste, é escudo e gládio em defesa dos planos divinos.

 

A respeito de São Miguel Arcanjo temos uma pequena nota:
São Miguel, Príncipe da milícia celeste, na batalha que houve no Céu combateu os anjos rebeldes. Compete-lhe continuar essa luta para nos livrar do demônio. Dele dependem os Anjos da Guarda. É o Anjo protetor da Igreja e o que apresenta ao Padre Eterno a oblação eucarística.

Cavaleiro leal, forte, puro e vitorioso

Eu chamo a atenção para o fato de que São Miguel comandou a luta contra o demônio e o precipitou no inferno e, além disso, é o chefe dos Anjos da Guarda dos indivíduos e das instituições. Ademais, é ele mesmo o Anjo da Guarda da Instituição das instituições, que é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.
Ele tem, portanto, uma função tutelar a respeito da qual podemos nos perguntar que relação há entre a sua missão, derrubando no inferno os que se levantavam contra Deus Nosso Senhor, e a proteção por ele dispensada à Igreja e aos homens neste vale de lágrimas, nesta arena que é a vida.
Estas duas missões se concatenam. São Miguel defendeu a Deus que quis servir-Se dele como seu escudo contra o demônio, e quer que ele seja também o escudo da Santa Igreja e dos homens contra as investidas diabólicas. Porém, um escudo que é, ao mesmo tempo, um gládio. Portanto ele não se limita a defender, mas derrota e precipita no inferno. Eis a dupla missão de São Miguel.
Por causa disso São Miguel era considerado na Idade Média como o primeiro dos cavaleiros, o cavaleiro celeste. Ideal e perfeitamente leal, forte, puro, vitorioso como um cavaleiro deve ser, pondo toda a sua confiança em Deus e em Nossa Senhora.

É, portanto, esta figura admirável de São Miguel que, vista assim, devemos considerar enquanto sendo nosso aliado natural nas lutas, porque não queremos ser outra coisa senão homens que executam, no plano humano, a tarefa de São Miguel Arcanjo, ou seja, defender a honra de Deus, a glória de Nossa Senhora, a Igreja Católica, a Civilização Cristã, mas em nível de contraofensiva, de maneira a prostrar no chão o império do demônio e a estabelecer nesta Terra o Reino de Maria.
Há, por conseguinte, uma afinidade enorme com nossa missão e procedem muito bem aqueles dentre nós que queiram constituir São Miguel Arcanjo seu especial patrono.

“Para a frente, não esmoreçam, ataquem!”

Em Anna Catarina Emmerich1, Visões e Revelações completas, encontramos os seguintes dados a respeito de São Miguel:
Vi novamente a Igreja de São Pedro com sua grande cúpula. Sobre ela resplandecia o Arcanjo São Miguel vestido de cor vermelha, tendo uma grande bandeira de combate nas mãos.
A Terra era um imenso campo de batalha.
Os verdes e azuis lutavam contra os brancos. Estes, sobre os quais reluzia uma espada de fogo, parece que iam sucumbir.
Nem todos sabiam por qual causa combatiam.
A Igreja era de cor sangrenta como a roupa do Arcanjo.
Ouvi que me diziam: “Terá um Batismo de sangue. A Igreja vai ser purificada no sangue do martírio e da perseguição.” Quanto mais se prolongava o combate, mais se apagava a viva cor vermelha da Igreja e se tornava mais transparente.
A purificação ia fazendo dela algo de diáfano, de puro.
O Anjo desceu e se aproximou dos brancos. Estes adquiriram grande coragem sem saber de onde lhes vinha. O Anjo derrotou os inimigos que fugiram em todas as direções. A espada de fogo que estava sobre os brancos desapareceu.
Era uma espécie de ação diabólica, de maldade, uma coisa assim que oprimia os brancos.Em meio ao combate, aumentava o número dos brancos. Grupos de adversários passavam para eles. E numa ocasião passaram em grande número. Sobre o campo de batalha havia, no espaço, legiões de Santos que faziam sinais com as mãos, diferentes uns dos outros, porém animados do mesmo espírito.

São sinais que exortavam: “Para a frente, avancem, não esmoreçam, ataquem!”, enquanto os bons combatem embaixo sob esse sopro. É, portanto, o Céu inteiro aberto para os bons, e estes vencendo os maus para a implantação do Reino de Maria.

Senso da bem-aventurança

Temos também uma ficha de Dom Guéranger a respeito da vocação contemplativa dos Anjos:
Assim, a Igreja considera São Miguel como o mediador de sua prece litúrgica. Ele se mantém entre a humanidade e a divindade. Deus que distribui, com uma ordem admirável, as hierarquias visíveis e invisíveis, emprega por opulência, para louvor de sua glória, o ministério desses espíritos celestes que contemplam sem cessar a face adorável do Pai, e que sabem, melhor do que os homens, adorar e contemplar a beleza de suas perfeições infinitas.
Mi-Ka-El: quem como Deus? Este nome exprime por si só, em sua brevidade, o louvor mais completo, a adoração mais perfeita, o reconhecimento mais inteiro da transcendência divina e a confissão mais humilde do nada da criatura.
Modelo, portanto, de humildade. Porque quem exclama que ninguém é como Deus, afirma que não é nada. E esta é a humildade perfeita.
A forma de humildade própria do cavaleiro é esta: Deus é tudo e ninguém é nada. Agora, a partir disto vamos conversar.

Também a Igreja da Terra convida os espíritos celestes a bendizer o Senhor, cantá-Lo, louvá-Lo e bendizê-Lo sem cessar. Esta vocação contemplativa dos Anjos é o modelo da nossa, como nos faz lembrar o belo prefácio do Sacramentário de São Leão: “É verdadeiramente digno render graças a Vós, que nos ensinais por vosso Apóstolo que nossa vida é dirigida aos Céus; que com benevolência quereis que nos transportemos em espírito ao lugar onde servem esses que veneramos, especialmente dirigirmo-nos para essas alturas na festa do Bem-Aventurado Miguel Arcanjo.”
Aqui está um traço da devoção aos Anjos que é preciso muito notar. Os Anjos são habitantes da corte celeste, onde vivem na eterna contemplação de Deus face a face. E as visões de todos os grandes místicos nos referem as festas que há no Céu e que são verdadeiras solenidades. Não são imagens ou quimeras, mas autênticas festas em que Deus vai manifestando sucessivamente suas grandezas e eles aclamam com triunfos novos, que não terminam jamais.
Há uma felicidade celeste, um senso de que é a pátria de nossa alma e propriamente a ordem de coisas para a qual fomos criados, que corresponde de modo pleno a todas as nossas aspirações. Algo desse senso da bem-aventurança celeste pela contemplação face a face de Deus, que é a perfeição absoluta de todas as coisas, pode e deve passar para a Terra. Nas épocas de verdadeira Fé alguma coisa dessa felicidade filtra, algo dessa piedade é sentida e comunicada pelas almas mais notavelmente piedosas, como um tesouro comum para toda a Igreja.

Desejo das coisas celestes

É isto que tanto falta hoje em dia, de maneira que não se tem a ideia de uma felicidade celeste. E sem essa ideia não se possui apetência do Céu, e as pessoas se chafurdam na pura apetência dos bens terrenos. Mas se pudessem compreender por um instante o que é uma consolação, uma graça do Espírito Santo, esse tipo de felicidade que a consideração dos bens celestes comunica, então começaria o desapego dos bens da Terra, viria a compreensão de como tudo é transitório, como há valores que estão acima das coisas terrenas e que tornam a Terra toda um pouco de poeira.
É exatamente isso que os Santos Anjos podem nos obter, eles que estão inundados dessa felicidade, a qual de vez em quando se comunica sob esta forma aos Santos. Há um modo de fenômeno místico que se manifesta como um concerto muito longínquo, de uma harmonia maravilhosa e extraterrena. Santa Teresinha do Menino Jesus teve isto e ela até menciona na História de uma alma. É um pouco do eterno cântico dos Anjos que chega, por esta forma, aos ouvidos dos homens para lhes dar a apetência das coisas do Céu.
Em nossa época esta apetência falta fabulosamente. As pessoas só se interessam e se empolgam pelas coisas da Terra, pelo dinheiro, pela politicagem, pelo mundanismo, pelas trivialidades do noticiário de todos os dias, mas não se empolgam pelos assuntos elevados, doutrinários e, menos ainda, pelas coisas especificamente celestes.
Vamos pedir aos Anjos que nos comuniquem o desejo das coisas celestes de que eles estão inundados. Esta é uma excelente intenção para ser apresentada na festa de São Miguel Arcanjo, junto com o pedido de que ele nos faça seus imitadores, perfeitos cavaleiros de Nossa Senhora nesta Terra.v

(Extraído de conferência de 28/9/1966)

1) Anna Catarina Emmerich (*1774 – †1824), terciária agostiniana alemã, beatificada em 2004. Recebeu os estigmas da Paixão e foi favorecida por muitas revelações místicas sobre Nosso Senhor Jesus Cristo, Maria Santíssima e outros temas religiosos.

Vínculo entre Anjos e homens “angelizados”

Quando os medievais se referiam aos Anjos, falavam muitas vezes da Cavalaria Angélica. Diziam que os espíritos celestes foram os primeiros cavaleiros porque lutaram contra os primeiros maus: os anjos revoltosos.

Não nos é fácil compreender como foi o “prœlium magnum”, esse grande combate travado no Céu entre os Anjos e os demônios. Como um puro espírito luta contra outro? Quais são os recursos de um espírito para vencer o outro, a ponto de precipitá-lo no Inferno? Como se dá a expulsão de um espírito por outro, de um determinado lugar?

Por certo, esta guerra deu-se de um modo intrinsecamente muito mais nobre do que as Cruzadas. Aqueles espíritos angélicos, no momento em que se punham em luta contra os demônios, eram confirmados em graça e conquistavam para todo o sempre a coroa eterna.

O chefe dessa Cavalaria Celeste é o Arcanjo São Miguel que, constituído o patrono dos cavaleiros, resume em si todo o espírito das Cruzadas, da Cavalaria e, consequentemente, todo o espírito da Idade Média.

Nós achamos tão nobre alguém derramar seu sangue por uma grande causa. Mas a nobreza de um espírito como São Miguel, desdobrando toda a sua força contra o demônio, é inimaginável! É tal a beleza do Príncipe da Milícia Celeste que o intelecto humano não é capaz de captar, mas de algum modo pode suspeitar, entrever, conjecturar, à maneira de um degrau para imaginarmos a infinita perfeição de Deus.

Sem dúvida, também nessa guerra incruenta em que estamos engajados – guerra psicológica, de graças e carismas contra as tentações e insídias diabólicas; de um espírito de inocência contra o de cumplicidade e toda espécie de indecência, de crime e de fraude da Revolução – há muito maior nobreza do que na própria Cavalaria terrena.

Contudo, não poderemos contrarrestar a ofensiva revolucionária se não formos tais que os Anjos se reconheçam afins conosco e nossos naturais aliados; sem que estabeleçamos com a Cavalaria Angélica essa consonância por onde os celestiais guerreiros venham lutar conosco e dentro de nós com uma naturalidade como se o abismo que nos separa deles não existisse.

Este vínculo entre Anjos e homens, e de homens por assim dizer “angelizados” entre si, agindo sobre a opinião pública no sentido contrarrevolucionário, em continuidade com a Cavalaria Celeste, é isto que deve nos caracterizar(*).

* Cf. conferências de 16/10/1970, 12/2/1978 e 6/10/1981.

Luta espiritual cheia de amor, amor cheio de doçura

O Arcanjo São Gabriel é aquele que mais conhece a Deus e comunica melhor este conhecimento. Daí o papel dele na Encarnação. Seu conhecimento não é meramente abstrativo, teórico, doutrinário, mas é evidentemente todo amoroso, com um amor que se manifesta na luta entendida assim: Luta espiritual cheia de amor, amor cheio de doçura. Há, portanto, uma espécie de “prœlio” no qual está, como ponto de origem e ponto terminal, o amor.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 5 e 12/12/1976)

Guerreiros implacáveis contra o demônio e seus sequazes

Pode-se afirmar que todas as grandes almas que combateram as diversas heresias, ao longo dos séculos, foram especialmente suscitadas por Nossa Senhora. É o que insinua de modo muito bonito o brasão dos claretianos, onde figura, além do Imaculado Coração de Maria, São Miguel Arcanjo e, no alto, a divisa: “Os seus filhos se levantaram e A proclamaram bem-aventurada”.

Essa presença de guerreiros que, como soldados de São Miguel Arcanjo, levantam-se para combater os inimigos de Deus, proclamando bem-aventurado o Coração de Maria, não é também uma forma de irrupção da Santíssima Virgem, como magnífica aurora, nas tramas da História? Portanto, os verdadeiros devotos de Nossa Senhora devem desejar e pedir a Ela a graça de serem esses guerreiros de ferro, indomáveis e implacáveis contra o demônio e seus sequazes que, em nossos dias, procuram conspurcar a glória da imortal Igreja de Cristo.

(Extraído de conferência de 8/9/1963)

Beato Carlos de Blois: Patrono dos guerreiros

A índole das instituições feudais, as quais eram hierárquicas, conduzia à santidade, enquanto as instituições que pressupõem uma igualdade completa levam ao contrário da santidade, que é o espírito da Revolução.

A respeito do Beato Carlos de Blois, o General Silveira de Mello, no livro “Os Santos Militares”, diz o seguinte:

Herda o Ducado da Bretanha

Carlos de Blois era filho do Conde de Blois, Guy I, e da Princesa Margarida, irmã de Filipe de Valois.
Recebeu educação esmerada e foi muito adestrado militarmente.

Casando-se com Joana, filha de Guy de Penthièvre e sobrinha de João III da Bretanha, por morte deste último, Carlos de Blois recebeu, com sua esposa, o ducado como herança, no ano de 1341. Assumiu o governo dessa província com grande entusiasmo dos nobres e dos seus vassalos mais humildes.

O povo do seu ducado da Bretanha, olhando para ele, pensando nele, admirando-o, venerando-o, tinha nele um reflexo de Deus na Terra.

Batalha de La Roche-Derrien
Biblioteca Nacional da França

Entretanto, o Conde de Montfort, irmão do Duque falecido, reclamou o direito à sucessão e pegou em armas para reivindicá-lo. Foi apoiado pelos ingleses, enquanto a França tomava o partido de Carlos.

O jovem Conde de Blois fez frente ao seu contendor. 23 anos durou essa luta que os ingleses sustentavam de fora.

Em 1346, no combate de La Roche-Derrien, Carlos sofreu um revés e caiu prisioneiro. Encerraram-no na Torre de Londres, onde permaneceu encarcerado durante nove anos. As orações que rezou neste cativeiro foram de molde a assegurar a continuidade do governo da Bretanha.

Nunca afrouxou seus exercícios de piedade

A Princesa Joana, sua enérgica esposa, assumiu a direção dos negócios públicos e da guerra e manteve atitude de energia pela libertação do marido.

Livre, Carlos prosseguiu com maior denodo as operações militares.

Sucederam-se reveses e vantagens de parte a parte, até que por fim, em 1364, aos 29 de setembro, festa do Arcanjo São Miguel, o santo e bravo duque caiu morto na Batalha de Auray. Esta jornada heroica, última de sua vida, iniciou-a Carlos com a recepção dos Sacramentos da Confissão e da Eucaristia.

Morreu como vivera, pois, em meio a todas as lutas que enfrentava, nunca afrouxou seus exercícios de piedade e austeridade, assim como nunca deixou de empreender obras de interesse para a Religião e para seus súditos.

Tão evidentes foram as suas virtudes, que logo após sua morte, em 1368, deram início ao processo de beatificação. São Pio X confirmou o seu culto em 14 de dezembro de 1904. É venerado no dia de sua morte, 29 de setembro.

Luta contra um vassalo infiel e revoltado

Trata-se de um Santo que é, de um modo especial, o patrono dos guerreiros. Há dois modos de ser patrono dos guerreiros: um, considerando o guerreiro enquanto guerreiro da Fé, lutador pela Doutrina e pela Igreja Católica. Mas neste caso é a função do guerreiro com um acréscimo que lhe é extrínseco e não necessário à condição do guerreiro. Quer dizer, o guerreiro realiza a maior sublimidade de sua vocação quando ele luta pela Fé, mas nem todo guerreiro luta necessariamente pela Fé.

O próprio do guerreiro é lutar, e o normal dele não é lutar apenas pela Fé. Mas o guerreiro pura e simplesmente, que não acrescenta a seu título essa auréola de cruzado, é aquele que luta na guerra justa pelo seu país, para defender o bem comum, ainda que seja o bem comum temporal daqueles que estão confiados à sua direção.

Temos aqui o exemplo do Bem-aventurado Carlos de Blois. Como vimos, ele era Duque da Bretanha, em virtude de uma herança recebida de sua esposa. Mas o tio desta, contestando a  legitimidade desse título, revoltou-se e moveu uma guerra contra ele. Ele era, portanto, a legítima autoridade em luta contra um vassalo infiel e revoltado.

Além disso, tratava-se da integridade do reino da França, porque o tio da Princesa de Blois era ligado aos ingleses, que queriam dominar a França. E ele lutava então pela integridade do território francês, batalhando pela independência da Bretanha em relação à Inglaterra.

Combate com um remoto significado religioso

Essa luta pela França, por sua vez, tinha um remoto significado religioso, mas que ele não podia prever, não estava nas suas intenções. A França era a nação predileta de Deus, a filha primogênita da Igreja. A Inglaterra era nesse tempo uma nação católica, mas futuramente haveria de tornar-se protestante. E se ela tivesse domínio numa parte do território francês, daí a alguns séculos isso seria muito nocivo para a causa católica.

Entretanto, esta consideração de ordem religiosa, que nos faz ver o caráter providencial da luta, não estava na mente desse Beato. Ele tinha em vista, como Duque, lutar pela integridade do  território de sua pátria próxima, que era a Bretanha, e de sua pátria mais genérica que era a França.

Ele levou nesta luta uma vida inteira. Foram perto de 30 anos de reveses, nove dos quais ele esteve preso. Mas o Beato soube comunicar o seu ardor guerreiro à sua esposa que, durante os nove anos em que ele ficou encarcerado na Torre de Londres, também lutou valentemente para conservar o ducado.

Ao beatificá-lo, a Igreja quis elevar à honra dos altares o senhor feudal perfeito, governador e patriarca de suas terras, aristocrata e, além disso, batalhador que sabia derramar o sangue pelos seus. Esta é a síntese do senhor feudal.

Para determinados revolucionários que vivem falando contra o feudalismo, e apresentam o cargo e a dignidade de senhor feudal como intrinsecamente má, o exemplo do Beato Carlos de Blois e o  gesto da Igreja beatificando-o constituem um desmentido rotundo, porque mostram bem que o cargo pode e deve ser exercido digna e santamente, e que através dele se pode chegar à honra dos altares.

Mostra-nos, com mais um exemplo, quantas pessoas de alta categoria da hierarquia feudal se tornaram santas.

Vemos também por este exemplo a índole das instituições. As instituições têm uma índole, uma psicologia, uma mentalidade como os indivíduos. A índole das instituições feudais levava à  santidade, enquanto que, de outro lado, as instituições que pressupõem uma igualdade completa levam ao contrário da santidade, que é o espírito da Revolução.

Acabando com as desigualdades, se elimina a ideia de Deus

Algum tempo atrás, tive a oportunidade de ler um livro de um dos chefes do Partido Comunista Francês, chamado Roger Garaudy, que sustentava a seguinte tese: É ridículo nós querermos fazer  suprimir no povo, por meio das perseguições, a ideia de Deus. A ideia de Deus, o povo a tem por causa das desigualdades. É considerando pessoas desiguais que o homem inferior pensa, concebe a  ideia de um Deus, o qual é a perfeição daquilo de que o seu superior lhe dá certa noção. Por causa disso — diz ele — nós não devemos primeiro exterminar a Religião, para depois acabar com a hierarquia política e social. Precisamos eliminar as desigualdades políticas, sociais e econômicas, para depois então exterminarmos a Religião. E afirma ele que, implantada por toda parte a igualdade, os símbolos de Deus desaparecem, e a ideia de Deus morre na alma dos povos.

O exemplo do Beato Carlos de Blois nos faz pensar nisto. O povo do seu ducado da Bretanha, olhando para ele, pensando nele, admirando-o, venerando-o, tinha nele um reflexo de Deus na Terra. A duplo título, porque o santo é um reflexo do Criador na Terra, e o general, o governador, o chefe, o mestre é um superior que representa a Deus. Assim, olhando para ele, a ideia de Deus se tornava mais clara na mente de seus súditos.

O gesto da Igreja beatificando Carlos de Blois mostra bem que o cargo pode e deve ser exercido digna e santamente, e que através dele se pode chegar à honra dos altares.

São Tomás abençoa a desigualdade, Garaudy blasfema contra ela

Aliás, é precisamente o que ensina São Tomás de Aquino quando trata da desigualdade. Ele diz que deve haver desiguais, para que os maiores façam às vezes de Deus em relação aos menores, e  guiem os menores para o Criador. É o pensamento do Garaudy, a mesma concepção a respeito da relação entre a desigualdade e a ideia de Deus. Entretanto, enquanto São Tomás de Aquino  abençoa essa desigualdade, porque ela conduz a Deus, Garaudy blasfema contra ela, por esta mesma razão.

Assim, nós vemos bem como a hierarquia feudal encaminhava as almas para Deus, e como este Santo brilhou como a luz colocada no lampadário, iluminando a França e a Europa do seu tempo com sua santidade.

Essas considerações conduzem a uma oração especial para ele.

Nós estamos numa profunda orfandade! Neste mundo de ateísmo, nesta época em que o igualitarismo fez por toda parte devastações tão tremendas, podemos olhar para o Bem-aventurado Carlos de Blois como verdadeiros órfãos que não têm o que ele representou para os homens do seu tempo.

Então, podemos pedir a ele que se apiede de nós nesta situação em que estamos, e que pelas suas orações faça suprir em nossas almas essa deficiência. Que o amor à desigualdade, à sacralidade, à  autoridade, o gosto de venerar, a necessidade de alma de obedecer, de se dar, de ser humilde brilhem em nossas almas de maneira tal que possamos dizer que verdadeiramente é a Contra-Revolução que vive em nós.

Beato Carlos de Blois, rogai por nós!

(Extraído de conferência de 28/9/1968)

Escudo e gládio da Santa Igreja

São Miguel comandou a luta contra os demônios e os precipitou no Inferno. Ele é, pois, o chefe dos Anjos da Guarda dos indivíduos e das instituições. E é ele mesmo o Anjo da Guarda da Instituição por excelência, a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Nele, portanto, duas missões se concatenam. Deus quis servir-Se dele como seu escudo contra o demônio, e quer que ele seja também o escudo dos homens e da Santa Igreja. Mas o Príncipe da Milícia Celeste não é meramente escudo, é também gládio. Não se limita a defender, mas ele derrota e precipita no Inferno. Eis a dupla missão de São Miguel Arcanjo.

Por causa disso ele era considerado, na Idade Média, o primeiro dos cavaleiros, o cavaleiro celeste, leal, forte, puro, vitorioso como deve ser o cavaleiro que põe toda a sua confiança em Deus e em Nossa Senhora.

Esta é a figura admirável de São Miguel, que nós devemos considerar nosso aliado nas lutas.

(Extraído de conferência de 28/9/1966)

3 Arcanjos

Numa hipotética analogia com aspectos da vida humana, seríamos levados a atribuir aos três arcanjos — Miguel, Gabriel e Rafael — predicados pelos quais eles reluzem na história sagrada. Assim, São Gabriel é o anjo da contemplação, do ideal, da chama que leva a alma a embevecer-se com o Espírito Santo, como o fez diante da Santíssima Virgem, ao representar junto a Ela o seu Divino Esposo. São Miguel, o anjo da justiça, paladino da supremacia de Deus sobre todas as criaturas, o anjo da luta vitoriosa pelo bem. E São Rafael, o anjo da caridade, da confiança, protetor dos desvalidos, dos Tobias da vida de todos os dias, amparando-os com requintes de bondade e misericórdia.

Plinio Corrêa de Oliveira

Intercessor celeste de alta categoria

Temos em São Rafael um intercessor celeste de alta categoria que leva nossas preces a Deus, porque é um dos sete espíritos mais elevados que assistem junto do Altíssimo e, portanto, são os canais naturais das graças que desejamos.

Houve uma mística que, ao lhe ser dado ver seu Anjo da Guarda, ajoelhou-se em adoração, pensando tratar-se do próprio Deus, tão elevada, nobre e excelsa era a natureza daquele ser. Ora, sabemos que os Anjos da Guarda pertencem à hierarquia menos alta do Céu. Em comparação com isso, é inimaginável um Anjo das mais altas hierarquias. De que alegria vamos estar inundados no Céu quando pudermos contemplar um Arcanjo como São Rafael, e tudo quanto nele veremos de Deus!

Peçamos a ele para termos essa contemplação, e que a consideração dessa ordem angélica ideal e realmente existente nos conforte para uma esperança do Céu e do reinado de Maria, dissipando toda a tristeza crescente destes dias em que os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima vão se aproximando tão rapidamente de nós.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/10/1964)

A Inter-relação entre os Três Arcanjos

São Gabriel, São Rafael e São Miguel, tendo sido líderes contra a Revolução chefiada por Lúcifer, no Céu, ajudam possantemente os contrarrevolucionários na Terra. Dr. Plinio discorre sobre a inter-relação das missões desses três Arcanjos com vistas ao Reino de Maria.

 

Poderíamos nos perguntar que relação existe entre as tarefas dos três Arcanjos: São Miguel, São Gabriel e São Rafael.

Primazia por natureza

Parece que eles constituem uma espécie de circuito fechado, uma totalidade, como que uma trindade.

Como essa “trindade” se prende ao conjunto do mundo angélico? Por exemplo, são eles Serafins? Tanto mais que para calcular as missões e as importâncias deles, entram duas ordens de valores distintas: uma é o que eles são por natureza; outra é a conduta deles durante a prova, porque é certo que os três se conduziram de um modo perfeito naquela ocasião.

Mas a perfeição tem graus e, por exemplo, São Miguel vê-se que foi super exímio na prova. Alguém comentou comigo que São Luís Maria Grignion de Montfort diz ter sido São Miguel aquele que teve mais amor a Nossa Senhora durante a prova, e por isso foi mais combativo. Trata-se de uma primazia por causa da atitude durante a prova, o que é diferente do primado por natureza.

Então haveria dois títulos de primazia diversos para considerar. Vamos tratar aqui apenas das relações de natureza a natureza, e não vamos considerar a primazia efetiva como ela existe no Céu, posta a reação durante a prova.

Na primazia por natureza nós poderíamos ver o que e como eles fazem, e assim entender como se completam na tríade.

São Gabriel: conhecimento amoroso

São Gabriel é aquele que comunica o conhecimento de Deus. Daí o papel dele na Encarnação. São Rafael é quem ajuda os homens nas dificuldades da vida, e São Miguel o que os auxilia na luta.

O conhecimento de São Gabriel é evidentemente todo amoroso, não é um puro conhecimento abstrativo, teórico, doutrinário.

Que relação existe, então, entre as formas de ser desses Anjos?

Deve-se notar que o conhecimento do homem a respeito de determinado ponto se completa inteiramente quando ele é capaz de dizer, de formular em palavras, escrever ou exprimir de alguma forma aquilo que ele tem na mente. Enquanto não houver a representação, o conhecimento não está acabado. E com o conhecimento não concluído, o ato de amor também não está completo.

Ademais, é só depois de o indivíduo ter completado o conhecimento essencial de algo que ele delibera agir enfrentando as maiores dificuldades, e consagrando a sua vida àquilo. Quer dizer, a consagração do trabalho e da vida é uma espécie de deliberação que provém de um conhecimento já atuante, executivo, que é o termo final do conhecimento.

E, por fim, ninguém conhece inteiramente algo se não compreende por contraste. O contraste ajuda enormemente a conhecer. Sobretudo quando o contraste existe; não notá-lo revela uma grande falta de conhecimento.

Há, portanto, um conhecimento puramente especulativo e amoroso que convida à ação, e um conhecimento que convoca à luta. Esse conhecimento especulativo e amoroso não convida à mera especulação propriamente, mas convida também a falar o que a pessoa sente. É uma contemplação da qual é próprio emanar o verbo, a conscientização que na explicitação adquire sua luz. Portanto, a palavra, a exclamação é própria do conhecimento inteiramente feito, do amor completamente adquirido que dá no cântico de louvor inteiramente desinteressado.

Por exemplo, o canto que um Santo entoaria sozinho no deserto, apenas para louvar o Criador. Existe nele a capacidade de cantar criada por Deus, pela qual ele sabe que, cantando, o Altíssimo gosta de seu canto, e que ele, portanto, deve cantar para Deus. O Criador quer isso, é de acordo com a natureza de Deus.

Então poderíamos dizer que esses três Anjos formam na ordem especulativa três maneiras de ação, sendo que esta é muito pequena naquele que é maior na ordem especulativa. E a especulação é menor naqueles que estão na ordem ativa. Há uma espécie de reverso como Maria e Marta.

São Miguel: luta, oblação e holocausto

De onde se poderia afirmar que estou preparando o terreno para a figura de um triângulo equilátero, no qual eu diria que o ângulo de cima é São Gabriel, depois embaixo, em igual posição, São Rafael e São Miguel.

Mas não é verdade porque, conforme o ângulo em que se olhe a coisa, é um triângulo equilátero no qual se pode colocar qualquer um dos três Arcanjos na ponta sem derrubar o triângulo, o que é sobretudo claro com São Miguel. Por quê?

Porque o empenho da luta é algo meio destrutivo daquele que combate; mesmo quando o indivíduo não morre na luta, ou quando esta não é de morte, quer dizer, cujo desenvolvimento normal não é a morte, o combater é fazer um esforço completamente superior ao desgaste normal do organismo; de si é desgastante, tem qualquer coisa que é uma oblação.

Por exemplo, um homem que seja obrigado a trazer para um jardim zoológico uma onça na qual puseram focinheira. Ele não vai ser comido pela onça porque ela está com focinheira, mas tem que fazer uma tal força para levar aquele bicho, que esse homem é considerado um lutador. Esse lutador tem uma glória especial por causa de um quê de imolação existente naquilo.

É ele que se aproxima para ser golpeado e golpear. Digamos que a arma dele seja uma seringa com a qual dará anestésico na onça; portanto o homem não vai morrer; mas o que ele deverá sofrer tem um quê de evidente imolação.

Ora, Nosso Senhor disse que a imolação é a maior prova de amor, e que ninguém pode amar mais a outrem do que lhe dando a sua vida. Aliás, é de toda evidência, e o Redentor afirmou de Si mesmo para explicar como devíamos estar certos do amor que Ele tem por nós.

De outro lado, é verdade também que se trata da oblação na qual há maior desinteresse. Abraão com Isaac, por exemplo, mostrou um desinteresse fabuloso, foi puro amor. E pode-se lutar por puro amor, indo, por exemplo, à Cruzada, como Isaac caminhou para ser morto pelo pai; é uma coisa que é perfeitamente possível.

A oblação, nesse sentido, é a extinção da vida de uma pessoa em holocausto a outrem, a Deus, portanto.

Por aí nós vemos que, por mais bela que seja a palavra de São Gabriel, quando consideramos a magnificência da ação de São Miguel, percebemos ser um outro título, e nos resta perguntar qual dos dois títulos, absolutamente, é maior.

São Rafael: ação pensante

Acontece que cai dentro disso a ação. Esta parece muito menor do que a contemplação, e do que a luta, a oblação. Pode-se dizer que a ação é uma luta ela mesma; e nesse sentido um homem, quando vai trabalhar, afirma: “Vou para a luta”.

Ele é, por exemplo, datilógrafo da Prefeitura, e quando ele sai de casa a mulher lhe pergunta: “Para onde você vai?”, e ele responde: “Vou para a luta”.

Tudo isso se explica em vista de uma concepção muito material da ação. Com o próprio São Rafael, fica-nos na mente, ao menos a mim, o desenhozinho — aliás, encantador e bobinho — que ilustrava minha História Sagrada: São Rafael andando a pé com um bastão do qual pendia uma espécie de moringuinha, e conversando com Tobias animadamente. Então, São Rafael, o Anjo que anda, que transpõe distâncias, etc.

Não é verdade. São Rafael foi um Anjo de uma sabedoria ativa superior, que ajudou Tobias a ver o que de fato ele deveria querer na viagem, deu-lhe a força e o ânimo — esse é o sentido da companhia — bem como os meios para executá-la. O andar a pé, o aspecto material da viagem, fazer com que aquele boneco que São Rafael fabricou — e Tobias tomava como um homem — falasse, isso para o Anjo não era nada. E nem havia cansaço em fazer um boneco andar. Ora, sabe-se que ele estava animando um boneco.

Então se compreende que para se falar em São Rafael como Arcanjo da ação, deve-se escolher os mais altos graus e padrões da ação. Quer dizer, muito mais do que a ação operacional completamente ativa, a ação pensante. Para recorrer a um exemplo correntemente usado entre nós, aquela frase do Marechal Foch(1): “Ma droite est pressée, ma gauche est menacée, ma arrière est coupée… Que fais-je? J’attaque”(2). Isso é magnífico! Ou seja, “eu estou num apuro total, vou atacar”. É uma ação, se se pode dizer “rafaélica” nesse sentido da palavra, que mostra o pensamento sobre a ação, uma alta categoria.

A arte de governar, de dirigir profeticamente, a missão propriamente profética no conjunto da ação da vida, estaria com São Rafael, enquanto que com São Miguel, o profetismo da luta e do holocausto, e não da vida comum. O reinar seria com São Rafael.

E aí se compreende a beleza da distinção entre as várias coisas.

São Luís Grignion e os três Arcanjos

E São Gabriel seria mais o profeta que inspira o rei, digamos ele traça a metafísica. Quem dá a “meta-política” é São Rafael, com toda a execução da política. Quem proporciona a “meta-luta” é São Miguel.

Notem como se compreende bem o tema até o fundo, tomando em consideração o seguinte: a tarefa especial de repelir os demônios e da luta contra eles é de São Miguel.

Mais ainda: enquanto contrarrevolucionários, qual o papel dos três Arcanjos?

Eu diria que São Gabriel insufla o espírito verdadeiramente contrarrevolucionário, com todo o ideal carolíngio e, para lá de carolíngio, o Reino de Maria, com todo o desejo e a concepção das coisas altíssimas, de tal maneira que nos dá uma ideia dos lineamentos fundamentais de como uma ordem humana deveria ser.

A “metapolítica”, quer dizer, a partir dessa ordem suprema, quais são os modos executivos de organizá-la? E quais são as maneiras de levá-la a efetivar-se? Quem os indica é São Rafael. E lutar contra os adversários que se opõem é a missão de São Miguel.

Transpondo para o campo humano, vemos que em São Luís Maria Grignion de Montfort deveria haver necessariamente horas “gabriélicas”, horas “rafaélicas” e horas “micaélicas”, conforme a preponderância. Lendo o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem sente-se isso, porque há trechos em que se tem a impressão de que é São Gabriel que anuncia alguma coisa. E ele, enquanto um apóstolo que monta a argumentação para convencer um terceiro, e que acende um fogo de alma para chamá-lo, é São Rafael.

E São Luís Grignion tem movimentos de indignação, em que há de ponta a ponta do livro dele uma intransigência sublime, adamantina: essa é a hora de São Miguel. Quer dizer, existem tônicas. O que não elide o problema mais profundo que é o de saber qual dessas coisas absolutamente falando, em Deus, é a tônica.

Que aspecto angélico brilhou mais na vida de Nosso Senhor?

De outro lado, há o seguinte: poderíamos perguntar se na vida santíssima e augustíssima de Nosso Senhor, qual desses aspectos brilhou mais, e quais seriam os aspectos em que Ele se conduziu como o Deus de Gabriel, o Deus de Rafael e o Deus de Miguel.

Seria uma pergunta que daria motivo para um estudo do Evangelho muito belo. Aliás, é propriamente assim que eu gostaria que o Evangelho fosse consultado, porque o bonito é fazer perguntas dessa natureza.

Então eu diria que, por exemplo, Nosso Senhor no Tabor, a mim me parece eminentemente São Gabriel.

Na Paixão d’Ele, evidentemente São Miguel; é o holocausto e a luta, quando Ele venceu o mundo. Agonia, em grego quer dizer “a luta do atleta”; os atletas eram chamados “agonistas”.

E São Rafael é enquanto Mestre fazendo apostolado, na vida pública d’Ele.

A vida íntima d’Ele com Nossa Senhora, não era Gabriel?

Enfim, 30 anos, 3 anos, 3 dias. Aliás, o papel do número 3 aí é bastante bonito.

É muito ilustrativo para o espírito passear dentro desses problemas e remexê-los. Eles emitem luz ainda quando não os resolvamos. E se depois de pensarmos assim consultarmos um livro sobre Angelologia, em dez minutos está resolvido.

A meu ver, estaria dentro dos nossos métodos mentais, e eu acho que Nossa Senhora abençoa este modo de agir — não quero dizer que seja o único —, primeiro com as luzes que Ela nos deu, tratarmos de fazer as hipóteses, e depois ir estudar para ver o que a Igreja diz, num espírito de submissão, de querer aprender. Aí se entende bem o ensinamento da Igreja. Parece-me um modo de operar muito digno, muito correto.

É o que eu quis fazer um pouco nesta conferência, e também porque reputo este tema um tanto exorcístico. 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/12/1976)

 

1) Militar francês que comandou as forças dos Aliados em 1914, de forma decisiva, levando-os à vitória (*1851 – †1929).

2) Minha direita é pressionada, minha esquerda é ameaçada, minha retaguarda é golpeada. O que faço?
Ataco!