Mãe da Igreja e Rainha do mundo

São Luís Maria Grignion de Montfort diz que os Santos dos últimos tempos estarão para os das eras anteriores como carvalhos em comparação com graminhas. Isso por causa das orações extraordinárias que Nossa Senhora fará nessa ocasião.

Ela, como Mãe da Igreja, Rainha dos homens, Rainha do mundo, estará ainda mais associada ao curso dos acontecimentos. Suas orações também penetrarão como nunca até então, no âmago da História.

E enquanto o Inferno vomitar os mais horrendos monstros, Maria Santíssima suscitará, pelos desígnios da Providência sobre a História e a humanidade, esses homens extraordinários diante dos quais Moisés, Elias e outros Santos ficariam deslumbrados.

Nossa Senhora, Rainha da História

Inúmeras vezes, em suas conferências, Dr. Plinio falou a respeito da realeza de Nossa Senhora. Suas elevadas explicitações eram frutos  de uma autêntica piedade mariana.  Imaginando como teria  e desenvolvido a Humanidade no Éden,  caso não houvesse o pecado original, Dr. Plinio narra  o movimento ascensional da História rumo a Nossa Senhora.

 

Com que alegria eu atendo ao pedido que me apresentaram para fazer uma exposição a respeito de Nossa Senhora como Rainha da História!

Para se entender em que sentido Maria Santíssima tem esse título, é preciso compreender o que significa Rainha e História. Esses são temas familiares a nossas almas; tratarei apenas de explicitá-los.

A História tem necessariamente um “unum”

Imaginemos que alguém, ao fazer um histórico de um hotel, o concebesse da seguinte maneira: o que se passou nos quatrocentos ou quinhentos quartos do hotel. Não seria, portanto, a história dele como uma instituição, um estabelecimento que fornece comida, alojamento, com épocas em que os hóspedes são mais numerosos ou menos, a renda é maior ou menor; onde surgem problemas com os empregados, há mudanças de donos porque antigos proprietários morreram ou o venderam.

O histórico seria, portanto, composto de histórias do que se passa naquela população ambulante, os hóspedes que vêm de diversos lugares, passam lá algum tempo, depois voltam ou nunca mais aparecem; são eles animados por desejos, esperanças, realidades diversas, e um hóspede que entra não tem ideia de quem o antecedeu nem de quem o sucederá. Isso não forma a História.

Um historiador que trabalhasse essas informações poderia, quando muito, escrever “histórias em um hotel”. Escolheria esses e aqueles personagens interessantes que passaram pelo hotel, e explicaria em que períodos de suas vidas estiveram lá, quais eram presumivelmente seus pensamentos, suas preocupações, o que faziam, por que ali se hospedaram e, talvez pelo registro das ligações interurbanas do hotel, com quem teriam falado etc. Isto seriam histórias num hotel, mas não a história de um hotel.

Por quê?

A História, como um “unum”, é diferente das histórias fragmentadas e esparsas como as acima imaginadas. Ela é uma narração que tem o mesmo agente, temas conexos, e cuja ação é contínua através dos tempos. Essa é a perfeita História.

Por exemplo, História de uma nação: há um mesmo agente, quer dizer, a nação tomada no seu conjunto, que está agindo. Em geral, os temas têm certa continuidade: relações com os países fronteiriços, problemas internos culturais, sociais, econômicos que vão mudando com o tempo, mas nascem um do outro.

Mas, se não houver uma continuidade de agentes e de temas; mais ainda, se não existir uma continuidade daqueles em relação aos quais a História se desenvolve, ela não forma um todo.

Nossa Senhora é a Rainha de todos os povos

Ora, quando dizemos que Nossa Senhora é Rainha da História, não afirmamos que Ela é a Rainha apenas da História deste ou daquele país, nem sequer de um bloco de países. Por exemplo, Rainha da História dos povos cristãos Ela o é, sem dúvida, a título especial dos povos católicos. Mas a Virgem Santíssima é genericamente Rainha da História de todos os povos. E as relações longínquas entre a Coreia e o Japão, a Coreia e a China, a China e o Japão — relações triangulares complexas, atormentadas, que se desenvolveram entre esses três povos de raça amarela e vizinhos ao longo dos séculos — não tinham a Nossa Senhora como ponto de referência, mas sim como Rainha.

A triste História intertribal da América do Sul, das várias nações de índios cujas tribos se atacavam umas às outras, colaboravam entre si por terem inimigos comuns, se ignoravam e por vezes se perdiam nas vastidões da “jungle”(1) americana; toda essa movimentação dos homens é a História. E Nossa Senhora é a Rainha dessa História, ainda para os povos que A ignoravam. Ela é a Rainha da História inteira.

Digo de propósito “da História inteira”, porque não se refere apenas a tudo o que aconteceu em determinada época, mas desde que o homem foi criado até o momento em que os últimos justos vivos serão chamados a participar do julgamento dos outros — porque serão amados por Deus —, e os malditos escorraçados pela justiça divina. Enfim, enquanto houver homens vivos haverá História, e Nossa Senhora será a Rainha dessa História.

“Post-scriptum” marial da História

Qual é a relação de Nossa Senhora com o centro em torno do qual se move a História?

Compreendendo o “unum” da História, entenderemos melhor como Ela é a Rainha da História. Então, a glorificação de Maria Santíssima como Rainha da História aparecerá claramente aos nossos olhos.

No Reino de Maria haverá uma esplendorosa catedral em honra de Nossa Senhora Rainha da História. Será talvez a catedral de todos os esplendores do Reino de Maria. A vitória sobre o dragão da Revolução para a implantação do Reino d’Ela fecharia uma era na História e abriria outra. Mais ainda: de algum modo terminaria a História e começaria a post-História.

Há uma tese, que nos é cara, de que a História propriamente não se encerraria agora e, portanto, não estaríamos no fim do mundo, embora todas as aparências sejam de fim de mundo. Em razão dos acontecimentos que ocorrem atualmente, podemos dizer que é o fim de um mundo, mas não o fim do mundo.

Porque, pela intercessão de Nossa Senhora e para a realização de uma glória d’Ela, sem a qual a História não pode encerrar‑se — por causa d’Ela e não devido a nós —, a História terá a sua post-História. Como numa carta se pode colocar um “post-scriptum” mais belo do que a própria carta, na História será escrito o “post-scriptum” marial da História: o Reino de Maria. Todas as riquezas, todo o bom gosto e, sobretudo, toda a piedade do mundo devem se mobilizar para comemorar a abertura dessa post-História, que é o fecho de ouro da História do mundo.

Antes mesmo de nascer, Nossa Senhora já reinava na História

Vejamos qual será a continuidade dessa História.

Antes da Torre de Babel, os homens constituíam um só todo, moravam no mesmo lugar, ou em locais tão próximos que tinham contato contínuo entre si. Em suma, o gênero humano não estava disperso pela Terra, todos os povos giravam em torno de alguns acontecimentos centrais e eram o eixo da História.

Nossa Senhora ainda não havia sido criada, mas já era com vistas a Ela e a seu Divino Filho, o Qual haveria de vir, que a História era tecida.

Deus, ao governar a História — e quem pode duvidar que Ele seja o Rei da História? —, tinha em vista a Encarnação do Verbo no claustro puríssimo de Maria Virgem, e, por causa disso, dirigia a História caminhando para esse ponto, esse destino. Nossa Senhora estava, portanto, presente nos planos de Deus e, antes de nascer, já reinava na História, porque tudo era dirigido por Ele de modo tal que desse glória a Ela.

Há alguns reis que o são desde meninos; outros que, estando ainda no claustro materno quando lhes morre o pai, herdam a realeza antes mesmo de terem nascido; mas ninguém é rei antes de ter sido concebido. Nossa Senhora, séculos antes de ser concebida, já era Rainha. Desde sempre Ela estava nos planos do Padre Eterno, no amor do Verbo, nas ansiedades de seu Divino Esposo, o Espírito Santo, e, por causa disso, tudo corria em direção a Maria Santíssima. Isto é ser Rainha!

Depois da dispersão da Torre de Babel — que estava sendo construída por pessoas tomadas de orgulho, pretendendo que ela chegaria até o Céu —, os homens foram para as direções mais variadas. A História nos mostra que uns perderam contato com os outros. Como um planeta que tivesse explodido no céu, dando origem a muitas estrelas pequenas e algumas Vias Lácteas, a Humanidade eclodiu, fazendo surgir corpúsculos, grupos humanos que se ignoraram uns aos outros do modo mais completo.

Entretanto, acima disso pairava um “unum”, o qual fazia com que a História humana se desenrolasse. Qual era esse “unum”, e como Nossa Senhora é Rainha desse “unum”?

Fivela que prende o reino angélico ao reino animal

De fato, o gênero humano tem uma unidade. Nos planos de Deus, os homens constituem intermediários entre os anjos, seres puramente espirituais, e, de outro lado, os animais, seres materiais; e mais abaixo estão as plantas e os minerais. O ser humano é, por assim dizer, a fivela que prende o reino angélico ao reino animal.

Embora não sejamos, nem de longe, elevados como os anjos — os de menor categoria entre eles, quando têm aparecido a simples mortais, mostram-se tão esplendorosos, que quem os vê começa a tremer pensando estar diante do próprio Deus —, entretanto temos este título de glória: somos o liame que une o imensamente grande com o imensamente pequeno, onde, portanto, a harmonia se afirma, triunfa.

Essa é uma explicação pela qual convinha que nesse ponto de junção, ou seja, o gênero humano, o próprio Deus se encarnasse para honrar a Criação inteira. De nenhum modo o Criador poderia honrar tanto a Criação, quanto se encarnando. Ele se põe no centro de sua obra; a corola da flor do universo somos nós, homens. No centro dessa corola está Nosso Senhor Jesus Cristo e junto d’Ele, com o véu de mãe, está Nossa Senhora.

O homem simboliza, melhor do que o anjo, todo o universo

Na mente de Deus, esta categoria da criação tão magnífica, de uma posição tão excelente, tão honrada por Ele, deveria realizar uma glória especial.

O que vem a ser aqui a glória?

É o deleite que Ele tem com a honra que recebe pelo fato de que seres à sua imagem e semelhança Lhe prestam culto e veneração. E a homenagem oferecida pelo homem simboliza melhor a de todo o universo do que a homenagem prestada pelo anjo.

A estrela mais distante e da qual, talvez, não tenhamos conhecimento até o fim do mundo — corpo material com reluzimento e propriedades físicas e químicas no equilíbrio do universo —, entretanto, participa de nós e temos algo com que a honramos, porque ela é matéria, e a matéria está presente em nós. E se as estrelas não tivessem brilho, mas pudessem conhecer e soubessem que há homens, elas começariam a cintilar.

Deus quis que esse gênero humano assim constituído tivesse certa forma de beleza e de excelência física, que não fosse senão o espelho de algo muito mais magnífico, precioso e nobre, que condiciona a beleza física, que é a beleza espiritual: o “lumen” do intelecto, a força da vontade, o cognoscitivo e o vibrátil da sensibilidade, formando em cada homem um exemplar e um padrão especial de beleza.

História da Humanidade se não tivesse havido pecado original

Caso não tivesse havido o pecado original, Deus intencionava nesta linha criar cada ser humano com seu papel nesse universo de beleza: nasceria e, depois de passar algum tempo no Paraíso terrestre, seria chamado ao Céu, sem a morte, e brilharia por toda a eternidade, cintilando diante de Nosso Senhor.

É claro que, neste plano, toda a História desenvolvida no Éden teria como ponto central a Encarnação do Verbo. O amor de Deus por essa espécie de criaturas iria se manifestando cada vez mais, de maneira tal que os homens até então existentes, e a própria natureza, exprimissem um santo, calmo e ardoroso alvoroço: “O que virá agora, já que Ele nos ama tanto?” E, em certo momento, viria o insuspeitado, o inimaginável: o próprio Deus se faria carne e habitaria entre nós. E apareceria o Homem ultra‑ arquetípico, elevado a uma glória incomparavelmente maior do que a simples natureza pode dar, mas Homem, ligando sua natureza humana à natureza divina, formando uma só Pessoa, a segunda da Santíssima Trindade.

Movimento ascensional da História rumo a Nossa Senhora

Como se daria isso?

É claro que o gargalo magnífico, pelo qual se chegaria até esse acontecimento único, seria Nossa Senhora, a Virgem perfeita, da qual Ele nasceria. Ela, a incomparável, a única para cuja construção gradual tudo confluísse, de maneira que os profetas teriam dentro de si uma palpitação, que era um pressentir de Maria que viria. A perfeição de todos os seres humanos de algum modo prenunciaria a d’Ela; poderíamos assim imaginar uma ascensão gradual da Humanidade até Nossa Senhora, a flor que se abriria e o Verbo estaria em seu interior. Rainha da História…

Não estaríamos no alto do morro do qual se desce, mas depois haveria algo mais alto. Porque as criaturas, conhecendo a Encarnação do Verbo e Nossa Senhora, convivendo com Ele e com Ela — por quanto tempo não se sabe —, num convívio pacífico, amoroso, reverente, como gostamos de imaginar ter sido na noite de Natal, no dia de Pentecostes, nas grandes festas de Nosso Senhor Jesus Cristo; haveria aquela paz, alegria, glória, sabedoria, majestade e, ao mesmo tempo, misericórdia e bondade indizíveis; surgiria então — eu emprego um termo moderno e desdourado — uma pista de voo ainda mais alta.

No alto do morro se construiria uma catedral; e muito mais magnificente do que o morro seriam os séculos da História cristã.

Como seria a festa da gloriosa Ascensão do Verbo Encarnado? Ele subiria ao Céu certamente sem Paixão, sem cruz. E, depois, a Assunção de Nossa Senhora? Como seriam as alegrias de todo o gênero humano? Os homens ficariam no Paraíso terrestre e Nosso Senhor viria apenas nas espécies eucarísticas? Ou, com a ausência do pecado, a inocência do gênero humano — podemos imaginar a beleza do gênero humano inocente! — levaria Deus Nosso Senhor a tornar a presença d’Ele frequente entre homens?

Ninguém pode ter ideia, porque viriam alcandores sobrepujados por outros alcandores, no ápice dos quais sempre estaria Nossa Senhora, Rainha de todos os anjos e santos; Rainha de tudo aquilo quanto a graça engendrasse de grande, porque d’Ela nasceu Nosso Senhor Jesus Cristo, o Homem‑Deus.

Portanto, por mais que a História glorificasse Maria Santíssima e Nosso Senhor, Ela pairaria acima de tudo e atrairia a Si a História. Aí está a Rainha da História: o movimento ascensional de toda a História rumo a Ela para chegar a Ele.

Com a Virgem Maria a História se evanesce em santidade, virtude e beleza

Para que isto tivesse tido a sua verdade, não era preciso que, depois de Adão e Eva, nenhum outro homem pecasse. O pecado original propriamente, o pecado do gênero humano, foi cometido em Adão e Eva porque eles eram o gênero humano naquele tempo. Mas seus descendentes já não continham todo o gênero humano. De maneira que os pecados deles não seriam pecados originais, nem se transmitiriam aos seus descendentes.

Caso aqueles que pecassem fossem postos fora do Paraíso, deveriam aguentar a vida nesta Terra como pudessem. E surgiria a sub‑História, como as notas ao pé da página de um livro. O grande eixo central da História seria dos homens que teriam continuado no Paraíso.

Em determinado dia a coleção dos homens estaria completa. E Nossa Senhora representaria às Três Pessoas da Santíssima Trindade: “Vede, o número misterioso, intencionado por Vós, está completo. No Céu, os lugares dos anjos malditos, que apostataram, estão também preenchidos, vosso plano está realizado; a História chegou ao auge de sua glória!”

Como seriam esses homens perfeitíssimos do final da História? Como seria, então, o Reino de Maria? Aquela época em que os homens pudessem dizer a Nossa Senhora: “Vós realizais o que há de mais maravilhoso na História. Vós sois o ponto terminal, a História convosco se evanesce em santidade, virtude e beleza. Vós sois o aroma que se desprende da flor, ou seja, o melhor que a flor deita de si. Vós sois o aroma da História, o perfume de todas as misericórdias e todas as justiças daquele Infinito que nos criou”.

A História terminaria quando o último justo tivesse atingido o píncaro de sua justiça, e Deus dissesse ao gênero humano: “Ó salvos no Céu, ó salvos na Terra, ó amados por toda parte, acabou!”

Que glória e que hino! Todos os homens deixando o Paraíso terrestre para viver no Céu! Mas, não se restringindo às belezas insondáveis da visão beatífica e do Céu empíreo, eles de vez em quando desceriam à Terra e, olhando os diversos lugares, comentariam uns com os outros: “Lembra‑se? Lembra‑se?”

Devido ao pecado original, Deus não desistiu de seu plano, mas o transcendeu

Esse era o plano e essa seria a linha reta da História. Não se realizaram… O homem pecou. Mas, no momento trágico de sua expulsão do Paraíso terrestre, Deus revelou ao homem que a História continuaria, Ele realizaria seu plano e viria a Virgem que esmagaria a serpente. O Criador profetizou ao homem a História, a qual não seria de paz, de beleza e de harmonia, mas de luta, de guerra; o gênero humano cindido entre duas raças, a da Virgem e a da serpente, e a vitória permanente da Virgem sobre a serpente, calcando-a aos pés.

Nessa profecia estava contida a promessa do Salvador que viria. E, portanto, da Encarnação do Verbo e de tudo quanto aconteceu em virtude disso.

Deus não desistiu de seu plano nem da História que os homens desfiguraram pelo seu pecado. Ele os transcendeu em magnificência, fazendo dessa luta uma História de algum modo mais bela do que a História daquela paz.

A nossa grande guerra contra os filhos do demônio, por vários aspectos, é mais bela do que a própria História do Paraíso.

Considerem a hipotética História do Paraíso: que magnificência! Mas seria uma História que não teria mártires, cruzados, nem homens que estraçalhassem o erro pelo vigor de sua lógica.

Sendo verdadeiro o provérbio português “quanto maior a altura, tanto maior é o tombo”, também é verdade que quanto maior é o tombo, tanto mais alto é o soerguimento. E a altura da vitória se medirá pela profundidade do tombo, e por mais outro tanto que se elevará acima.

Esta é a História com a post-História, a História do Reino de Maria que vem se aproximando.

Se Nossa Senhora era a Rainha da História, nos planos cheios de bondade, impregnados de encanto paradisíaco de Deus Nosso Senhor, por essa mesma razão Ela é Rainha da história dos tormentos, das aflições, das lutas, das angústias, das incertezas, das batalhas, das polêmicas, da vitória. Portanto, Ela é verdadeiramente a Rainha da História.

Poder-se-ia perguntar: “E a História triangular de chineses, coreanos e japoneses, que ligação tem com tudo isso?” Aliás, é a História noturna, porque longe do Sol da Justiça, que é Nosso Senhor Jesus Cristo.

Para ver as coisas simplificadamente, toda essa História correu até o momento em que São Francisco Xavier chegou ao Japão, pregando a Nosso Senhor Jesus Cristo. De um modo ou de outro, tudo havia sido um conjunto de tentames da Providência para aproximar esses povos e prepará‑los para aquela hora de bem‑aventurança.

Uns rejeitaram, outros aceitaram e batalharam. Eles ignoravam qual era o ponto central em torno do qual lutavam, a fim de que se soerguessem tanto quanto possível de dentro da lama do paganismo, para poderem estender as mãos ao apóstolo magnífico que lhes fora mandado pelo zelo de Santo Inácio; e aos missionários que se lhe seguiram, ao longo da História desses povos.

O centro é este: o momento magnífico da vitória do Reino de Maria, em que eles deverão converter‑se. E Nosso Senhor e Nossa Senhora, ainda que eles não soubessem, eram o centro dessa História. Maria Santíssima é ou não é a Rainha dessa História?

Leme e figura de proa

Rainha em que sentido?

Como nós gostamos muito de lógica, de definições bem feitas, buriladas, lapidadas e de cada coisa colocada em seu lugar, estou certo de que todos desejam entender bem qual é aqui o papel da rainha.

Até aqui eu descrevi a rainha como uma espécie de modelo ideal, que exerce uma presidência honorífica, atrai pelo esplendor, inspira pela magnificência de sua ação de presença e de seu exemplo. Mas uma rainha não é apenas isso.

Em ponto muito pequeno, puramente terreno, “in partibus infidelium”, nas regiões dos infiéis, há uma rainha cujo papel, de certa forma, é análogo ao que foi dito: a Rainha da Inglaterra. Se se comparasse um fósforo com o Sol, ainda haveria exagero no tomar em consideração o papel do fósforo, de tal maneira é grande a desproporção entre essa Rainha e a Rainha da História. A Rainha da Inglaterra tem uma ação de presença, ela encanta, deslumbra, anima. Porém ela não reina, porque reinar não é só isso; é governar. Dizer que a rainha não governa, mas reina, equivale a afirmar que é uma figura de proa no navio.

A figura de proa tem seu papel no navio, porque é um estandarte. Mas é uma coisa inteiramente diferente do leme. Para reinar é preciso ser leme e figura de proa.

Maria Santíssima dirige a História…

Em que sentido Nossa Senhora tem nas mãos o leme da História?

Ela conhece as intenções de Deus a respeito da História; tais intenções são o plano de Deus condicionado às orações, aos atos de virtudes e aos pecados dos homens.

Depois da Redenção infinitamente preciosa de Nosso Senhor Jesus Cristo, os homens pertencem a seu Corpo Místico, formando com Ele uma unidade sobrenatural em cuja realidade interna o mais delicado disso se passa. Tomando essa verdade em consideração, é do modo pelo qual reagimos às graças, dizendo sim ou não, e também da maneira pela qual os outros aceitam ou recusam os favores divinos, que Deus realiza um balanço geral. Nesse balanço Ele faz pesar a sua bondade e a sua justiça infinitas.

Mas o próprio Deus, na sua insondável bondade, quer mais do que Ele mesmo faz. Os homens são tão ruins que Deus daria aos homens menos do que Ele quer. Por uma disposição de sua sabedoria, verdadeiramente magnífica, Deus constituiu esta situação: uma criatura inteiramente humana, mas absolutamente perfeita; além disso, Filha do Padre Eterno, Mãe de Deus Filho e Esposa do Divino Espírito Santo, que sempre está em condições de retocar, ao menos em parte, o que homens fazem e, por assim dizer, corrigir — se a palavra “corrigir” não fosse inadequada —, reformar, rever, segundo os planos da misericórdia de Deus, aquilo que sua justiça faria. De maneira que Maria Santíssima está sempre pedindo: “Meu Pai Eterno, meu Filho adorável, meu Esposo perfeitíssimo, recuai um pouco, adoçai um tanto, ajeitai aqui, fazei mais acolá…”

E a rogos de Nossa Senhora, que nunca deixou de ser atendida, Deus como que passa a borracha sobre o plano da História escrito a lápis, e deixa a Santíssima Virgem traçar a ouro o plano verdadeiro, o qual corresponde ao mais fundo da intenção d’Ele.

Deus não A teria criado se não fosse isso. Mas se não A tivesse criado, ficaria difícil ou impossível — hesito diante do termo — fazer a História tão bela como é. Nossa Senhora enfeita essa História. E somente por isso, de um lado, Ela é a Rainha da História, porque Ela imprime, por um profundo consentimento de Deus, à História um rumo, que Deus sem Ela não teria imprimido. Nossa Senhora, portanto, dirige o leme da História.

De outro lado, Maria Santíssima não se limita a isso. Ela pede também, para alguns, o castigo. É natural. Quando surgir o Anticristo, virá o momento em que o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, com um sopro de sua boca, o exterminará. Mas esse momento não será apressado por Nossa Senhora? Ela dirá: “Eis que os últimos bons que restam bradam e pedem que venhais! Vinde, por favor, vossa Mãe Vos pede.” E pelo sopro dos lábios de Nosso Senhor estará encerrada a História.

Compreendemos, então, a direção da História, direção “intercessiva”. Deus é quem dirige tudo, mas a intercessão de Nossa Senhora é segundo os planos do Criador. E Ela realiza a vontade de Deus, obtendo a modificação dos planos d’Ele. Deus reina, mas por meio de Maria Santíssima, a Quem Ele quis dar toda a glória que se pudesse imaginar a uma tão excelsa missão de intercessora de todo o gênero humano. Assim, Ela dirige a História.

…e a modela como um artista faz com a argila

Há mais. Nossa Senhora dirige a História geral dos homens, que é composta pelas Histórias de cada nação; e a História de cada nação é composta pelas histórias de cada família; e a história de cada família se compõe das histórias de cada homem. E, como família, entendo pai e mãe, unidos em legítimo matrimônio, e filhos dele decorrentes; e também as famílias espirituais, suscitadas por Maria Santíssima ao longo da História. É a reação delas que condiciona a História.

Nossa Senhora intervém na história de cada um de nós, do último mendigo que possa estar implorando misericórdia, porque é um bêbado e um inútil, até o maior potentado da Terra. Por todas as pessoas a Santíssima Virgem intervém até o último momento de suas vidas, pedindo ao Padre Eterno, a Nosso Senhor Jesus Cristo e ao Divino Espírito Santo que mandem graças para converter esse, melhorar aquele. E são derramadas graças que a pessoa pode recusar totalmente, ou só a meias. Por isso a história, mesmo dos malditos, sofre certa inflexão devido a algum pedido da Virgem Maria.

Até lá vai o poder de Nossa Senhora. E a oração d’Ela, interveniente junto a cada homem e “intercessivamente” junto a Deus, modela a História como um artista modela a argila para fazer uma imagem. Portanto, Maria Santíssima é operante na História.

O fator determinante de todo o curso da História é nossa atitude diante das graças que recebemos através de Nossa Senhora. Todos os nossos pedidos sobem ao Céu por meio d’Ela, e só são gratos a Deus porque são apresentados por Ela.

É conhecido o princípio de que, se o Céu inteiro pedisse sem Maria Santíssima não obteria; Ela, pedindo sozinha, obtém. Tal é a gloriosa, magnificente e régia intercessão de Nossa Senhora.

Considerando tudo isso, compreendemos bem o que significa o poder d’Ela como Rainha da História.

Aspecto “catedralício” da História

Um homem inteligente, que olha para uma catedral, não tem a visão apenas das pedras com as quais ela é construída; sobretudo ele vê o “unum”, que é a catedral.

Se a uma pessoa que foi olhar uma catedral perguntamos:

— O que você viu?

— Um montão de granitos.

Pensamos: “É claro que ele viu uma quantidade enorme de granito, mas se viu só isso ou principalmente isso é um estúpido.”

O modo de relacionar esses granitos entre si forma uma coisa muito superior: a catedral. O granito foi “per accidens”, por acaso, circunstancialmente, um meio para se chegar a ver a catedral.

Assim Nossa Senhora vê a História da Humanidade, da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, a História d’Ela e do seu Divino Filho.

Quer dizer, Maria Santíssima vê o plano de Deus e a inter‑relação do agir da Humanidade e do agir de Deus, mas da Humanidade formando um todo; e dentro da Humanidade, outros todos: as nações, as regiões, as famílias. Ou seja, Ela contempla todos os componentes e o grandioso todo do gênero humano que é a fivela entre o anjo e a criatura meramente material; o gênero humano ao qual Nossa Senhora e, em sua natureza humana, o Divino Filho d’Ela pertencem, com honra insondável para o gênero humano.

Então, Maria Santíssima vê o conjunto dos pecados que conduzem a um grande movimento único de pecado: a Revolução. Mas Ela observa também o conjunto das virtudes e um grande movimento único que combate os pecados. E, como um homem não estúpido contempla uma catedral, os olhos virginais de Nossa Senhora veem o aspecto “catedralício” da História, isto é, a Revolução e a Contra‑Revolução.

A Virgem Maria é Rainha da Contra‑Revolução e, em certo sentido, Rainha da Revolução.

Como? A Revolução como tal é uma rebeldia contra Nossa Senhora, e Maria Santíssima não pode ser Rainha dessa rebeldia, a não ser neste sentido: Ela tem o direito, a missão e o poder de punir, e manda como a rainha sobre o escravo revoltado.

Aí está uma exposição sobre Nossa Senhora como Rainha da História.

Que a misericórdia de Maria Santíssima pouse sobre esta reunião, e faça com que produza frutos de salvação para nós e dê glória a Ela.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/4/1982)

 

1) Selva.

 

A realeza de Maria Santíssima

Em Fátima, com a promessa de triunfo do Imaculado Coração de Maria, começou a se delinear nas páginas da história a era em que a realeza de Maria deverá atingir todo seu fulgor.
Esmagando o demônio, príncipe deste mundo, com seu calcanhar puríssimo, Nossa Senhora reinará, triunfará!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 31/5/1965)

Nossa Senhora, Rainha do universo

Muito se tem comentado sobre o trecho do Gênesis que descreve a Criação do universo. Nele observamos que, descansando no sétimo dia e apreciando ser boa cada criatura individualmente, Deus considerou que o conjunto era ótimo.  Qual será, entretanto, o papel da Santíssima Virgem nesse primeiro momento da Criação?

Quando a Terra era ainda “inanis et vacua”(1), podemos imaginar, com base nas descrições de astrônomos a respeito das estrelas, os estágios pelos quais teria ela passado antes de tomar seu aspecto atual.

Por exemplo, na etapa em que o globo terrestre não fosse senão uma matéria incandescente com coloridos diversos, estes constituiriam uma pirotecnia celeste, um divino fogo de artifício, o qual só Deus podia contemplar. Seria, de certa forma, um jato de fogo saído das mãos d’Ele para formar a Terra, com todo o “verum, o bonum, o pluchrum”.

Tem-se a impressão de que a Terra, a natureza, ainda em seus primórdios, tinha uma pujança extraordinária. Com o passar do tempo tudo ia se concatenando, se ordenando, e belezas incontáveis se estabelecendo.

Nessas eras primitivas não houve um aspecto dessas transformações que não significasse certa profecia a respeito do Divino Salvador e de Maria Santíssima.

Tudo isso são meras hipóteses, e seria bonito que um astrônomo ou geólogo, repleto de espírito de Fé, estudasse as fases pelas quais passou a Terra, relacionando os aspectos que deveriam simbolizar movimentos de alma de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Virgem Maria.

A Terra em formação

Consideremos que, após a Terra ter passado por fases assustadoras e aparentemente desordenadas por sua violência, Deus a foi temperando, fez com que ela se resfriasse e fosse mudando de aspecto.

Já não havia aquelas imensas labaredas, aqueles ruídos estrondosos, aquelas crateras que se abriam. Dir-se-ia que a Terra perdera a grandeza pré-apocalíptica daqueles primeiros tempos. Talvez um anjo, diante daquela transformação, tenha perguntado: “Senhor, por que deixais que isto fique assim? O que aconteceu para que as coisas revelassem menos a vossa magnificência?” E Deus simplesmente disse: “Vereis!”

E, ao verem tudo em ordem, os anjos compreenderam ser essa ordem mais bela do que a magnificência de uma só coisa; o equilíbrio de uma situação global, abrangendo todas as pulcritudes anteriores ordenadas, tinha uma beleza superior, que não tocava tanto os sentidos, porém era mais apreciável pela mente, por isso mais digna dos anjos.

Possivelmente, algum anjo ou todos eles tivessem cantado: “Graças Vos damos, Senhor, porque nós compreendemos agora o dom da inteligência que nos destes para inteligir aquilo que ficou menos chamejante e tonitruante, porém mais compreensível e belo do que tudo quanto Vós fizestes. A ordem global é mais bela do que a dos mais belos elementos, quando não cabem dentro dela”.

E se isso acontecesse, Deus sorriria e responderia: “Vós não vistes nada!”

Então, estando a Terra em ordem, Ele começa a criar vegetais, com exuberância colossal, árvores gigantes etc. Depois, ordena tudo: bosques, flores delicadas, frutos. Estabelecida a ordem entre os vegetais, Deus cria os animais enormes — talvez nessa etapa surgiram os dinossauros. Depois disso começa a pôr em ordem todos eles: os animais vão ficando menos terríveis, tudo vai se ordenando.

Um novo Adão, uma nova Eva…

Suponhamos que um profeta tivesse a revelação de quem seria Carlos Magno, e muito tempo antes mandasse preparar sua coroa, seu castelo, uma esplêndida sala com um imponente trono. Certo dia nascia Carlos Magno.

Foi o que se deu com a Criação: quando a sala do trono estava pronta para receber o rei, Deus cria Adão, para reinar; de certa forma, tudo tinha sido criado em função dele, mas faltava ainda um aspecto do Criador a ser representado, e este não cabia a Adão; então, Deus cria da costela do homem a primeira mulher, Eva.

Estavam criados o homem dos homens e a mulher das mulheres, ambos com dons extraordinários, capacidades incomparáveis. Quem seria capaz de imaginar como seria o homem antes do pecado?

Vemos assim a vastidão de horizontes de Deus no planejar, e a amplitude de poderes ao executar, tudo feito na plenitude da perfeição.

Porém, o primeiro casal deveria ser como a base de uma enorme montanha, que teria no ápice um novo Adão e uma nova Eva. No cimo deste monte estava uma Virgem, que deveria ser a Mãe perfeita e seria Esposa do próprio Deus, na qual Ele geraria o Homem-Deus. Este deveria ser o instante mais belo, mais nobre e mais elevado da Criação.

Quão grandioso não terá sido o momento em que Deus fez do barro um boneco e, soprando em suas narinas, lhe deu vida, criando assim o homem! Muitíssimo mais grandioso foi o instante no qual o Altíssimo tomou uma Virgem, pousou sobre Ela sua virtude, fazendo vir ao mundo o Homem-Deus.

Tudo isso Nossa Senhora conheceu. Porque Maria Santíssima compreendia o que se passava dentro d’Ela, admirava e amava. E sua correspondência à graça dava mais glória a Deus do que tudo o que houve no passado e haverá no futuro. O que dizer diante de tal grandeza?

Pois esse ato mais nobre do que a Criação do universo — a Encarnação do Verbo — se passou n’Ela, com a colaboração d’Ela. Sua alma santíssima e seu Sapiencial e Imaculado Coração tiveram alguma proporção com a Encarnação, enquanto que o Céu não tem proporção. “Hic tacet omnis língua” — Aqui se cala toda língua.

Maria Santíssima e o “Consummatum est”

Um estudo aprofundado desta temática nos ajudaria a compreender certas coisas inconcebíveis pelo espírito humano, como, por exemplo, o que se deu na alma de Nossa Senhora e na humanidade santíssima de Jesus no momento do “Consummatum est”.

Pois a morte é algo sumamente doloroso: o corpo fica em estado cadavérico — creio que a alma tenha consciência disso. Essa consciência deve coincidir com um pináculo de desdita, de infelicidade e de mal-estar no corpo, até a hora em que a alma o deixa e a pessoa morre.

Para se ter ideia do significado dessa separação, imaginemos que arrancassem de nossos dedos as primeiras falanges, depois as segundas e por fim as terceiras. Que dor sentiríamos? No entanto, esta dor seria muito menor do que a causada pela morte!

“Stabat Mater Dolorosa”

Somados aos sofrimentos próprios da morte, teve Nosso Senhor que padecer toda espécie de torturas e atrocidades. E, por não ter as fraquezas do subconsciente, Ele sentiu até a profundidade última de sua alma essa dissociação e ruptura.

Nossa Senhora, por sua vez, conhecendo-O como ninguém e possuindo uma sabedoria superior à de qualquer outra criatura, via todas aquelas dores, o sangue correndo, a respiração arfando, a vida bruxuleando, e percebia inteiramente o tamanho daquele sofrimento.

E em meio a tantas dores Ela nem sequer se sentou, e nem desmaiou. Mas, para o esmagamento do demônio, a redenção do gênero humano e pela glória de Deus, desejou que aquilo se desse, apesar dos sofrimentos causados a seu Divino Filho e a Ela. Que dores Maria Santíssima terá suportado! Que extraordinária força de vontade Ela possuía, para passar por cima dos sentimentos mais pungentes e fazer aquilo que a Fé e a razão indicavam! Isto tudo deveria formar um tumultuar harmônico na alma d’Ela, à semelhança do som de um órgão com todos seus registros ativados. Os fenômenos mais extraordinários da pré-história da Terra dão apenas uma ideia do que foi a força de alma de Nossa Senhora naquele momento.

Quando as águas saíam das entranhas da Terra — assim imagino, pois não estou dando uma aula de Ciência, mas fazendo uma digressão —, precipitando-se e esguichando de todos os lados nos mares, deveria haver um barulho, um burburinho do elemento líquido, fenomenal e cheio de grandeza. Era uma imagem pálida da resolução que brotava do fundo do ser de Maria, ao dizer: “Ele precisa morrer, porque a glória de Deus pede! Se é a vontade do Pai que meu Filho morra, Eu O ofereço!”

Dor pela Morte; indizível alegria pela Ressurreição

Mas há ainda outro momento de incomensurável grandeza: a Ressurreição de Nosso Senhor. O corpo d’Ele trancado, uma pedra, dois guardas romanos boçais, colocados ali com lanças, couraças, para enfrentar qualquer pessoa; uma noite e um silêncio profundos dentro da sepultura, uma escuridão tão completa como igual só havia num outro lugar do mundo: a alma de Maria.

O Filho d’Ela estava morto! Não definitivamente morto, a Santíssima Virgem bem o sabia, mas Ela, que tinha assistido à Encarnação do Verbo, agora presenciava o estraçalhamento! Podemos imaginar o que Nossa Senhora sentiu na hora da Morte de seu Divino Filho. A dor daquele pecado cometido e daquela separação consumada! E o que nunca deveria estar dissociado, ali estava separado, no escuro, abandonado pelos homens.

Nossa Senhora, entretanto, quando chegou a hora decretada pela sabedoria e bondade de Deus, viu uma luz sobrenatural entrando naquelas profundidades do sepulcro, os anjos afluindo às miríades e, de repente, o Corpo de Jesus estremecer…

Não é verdade que isto se parece com a Criação? E que entre o cadáver d’Ele e o corpo de Adão, feito para receber a alma, há analogias celestes?

Podemos imaginar o frêmito, o sobressalto de Maria Santíssima. Creio que nesse momento Ela se tenha levantado alguns passos acima do chão, ficado estática e talvez brilhado com uma luz extraordinária. É perfeitamente possível que tenha cantado o Magnificat!

Nossa Senhora, Rainha do universo

Este é o verdadeiro método para se ter ideia de quem é Maria Santíssima. Ela está no Céu, em corpo e alma, se digna conhecer o que estamos dizendo neste momento e de estar agindo, por meio da graça, na alma de cada um de nós, para inteligir, querer e sentir o que deve.

E Ela conhece incomparavelmente melhor o que está se passando, por exemplo, em mim ou em qualquer um dos presentes neste auditório, do que nos conhecemos uns aos outros, ou até mesmo o que ocorre em cada um.

Através do método de se fazer uma relação entre as coisas estupendas do universo e a Virgem Maria, pode-se, por exemplo, ao ver um rio que calmamente muda de direção, pensar em Nossa Senhora, Rainha do universo, a qual dá o rumo do rio da História e, de vez em quando, de modo sereno altera sua direção para sair uma maravilha maior.

Quando observamos uma cascata, cujas águas se precipitam e assim se purificam, reportamo-nos a Maria Santíssima intervindo nos acontecimentos e fazendo com que o curso da História seja purificado.

Falei do gáudio que teríamos ao ver as combustões do céu; podemos também imaginar nossa alegria se contemplássemos as chamas do Sapiencial e Imaculado Coração de Maria. Enfim, contemplando as criaturas, podemos fazer mil analogias com Nossa Senhora.

Maria e as vitórias da Santa Igreja ao longo da História

E considerar uma operação de Deus sobre as coisas, comparando com a ação da alma d’Ela, nas grandes ocasiões da História.

São Gregório VII excomungando o Imperador Henrique IV. Um a um os liames feudais no Sacro Império Romano Alemão iam se desfazendo. Ninguém empurra o Imperador, aos pontapés, para fora de seu palácio, mas sucede algo muito pior: o palácio se esvazia, de maneira que não havia mais criados para servi-lo. Todo o mundo o abandonou, no meio da sua pompa inútil. E o seu império cessou pela excomunhão do Vigário de Cristo!

Que é o poder das armas? Dois mil, cinco mil, dez mil — os exércitos naquele tempo eram pequenos — cinquenta mil homens em armas… Um ancião — colocado no castelo de Canossa, pertencente à Condessa Matilde, da Toscana — excomunga e declara dissolvidos os vínculos feudais; um império inteiro para de funcionar, porque esse ancião é sucessor daquele a quem foi dito: “Tu és Pedro e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra Ela.”

Então o Imperador consegue convencer alguns para o seguirem, porque explica que vai pedir perdão e precisa de ajuda para poder atravessar os Alpes. Coisa dificílima! Hoje se sobrevoam os Alpes… Ele sai num trenó, durante o inverno, talvez acompanhado de três ou quatro servidores, que têm horror do homem a quem servem, e o conduzem quase como a um leproso com o qual ninguém quer se contagiar. Sobem e descem montes, passam por precipícios, correm riscos de vida e Henrique IV não tem certeza de sua própria contrição; sabe, entretanto, que se ele morrer sem contrição, mas por mera atrição, pode ir para o inferno! E pede Àquela a quem ele ofendeu que o proteja e perdoe, de maneira a poder chegar à fonte de todo o perdão: o ancião venerável a quem ele insultou.

Por fim, Henrique IV chega a Canossa, mas encontra fechadas as portas do castelo. Oh! A grandeza dessas portas fechadas! Oh! A magnificência desta decisão de São Gregório VII: “Não perdoo, não te restaurarei no império! Absolverei a tua pobre alma, quiçá para uma vida de penitente. O diadema imperial, não o terás mais na fronte. Esta fronte pecou e sobre ela a glória máxima da ordem temporal não pousará!”

Durante quatro dias e quatro noites, ele fica ajoelhado na neve e pedindo! Afinal, as portas se abrem e se faz a reconciliação. Entoam-se hinos, há grande alegria e se restabelece a ordem normal das coisas: a vitória da Religião sobre a ordem temporal, a vitória do sobrenatural sobre o natural, a vitória do espírito sobre a matéria. Quantas vitórias mil vezes mais gloriosas do que a de um país sobre outro! Vitórias ordenativas de todo o conjunto humano.

À medida que eu falava, vi os corações de vários de meus ouvintes se encherem de entusiasmo, e Nossa Senhora gostou disso. Como se terá entusiasmado o Coração d’Ela, quando se passou esse fato?

Como seriam as labaredas do Coração dulcíssimo de Nossa Senhora, quando Godofredo de Bouillon e os dele saltaram por cima das muralhas de Jerusalém e entraram?

E vendo os missionários chegando num país onde não há Fé e que começam a pregar a Religião católica e ela começa a nascer?

Anchieta e Nóbrega vêm ao Brasil e iniciam a pregação — estou falando do Brasil, mas poderia apresentar outros exemplos —; o País começa a nascer e a se mover. Mais bela do que a natureza mineral, a vegetal, a animal e do que o próprio homem, era a graça que vinha pelas mãos dos missionários e conduzia as pessoas para a vida sobrenatural.

Maria Santíssima percebeu que isto era mais pulcro do que tudo quanto se tinha passado anteriormente. Anchieta, ameaçado pelos índios, canta as glórias d’Ela, escrevendo em latim um poema e decorando-o. O mar não ousa tocar nas areias sobre as quais o texto estava redigido. Nossa Senhora sorri, vendo o filho bem-amado do qual nasceria a evangelização deste País.

Que labareda, talvez áurea ou azulada, sairia do Coração de Maria!

E gotas de graças caindo! Já não é o dramático, o espetacular e o apocalíptico, mas outra forma de manifestação: o gracioso, o materno, o afável, o leitoso de certas pedras, o suave de alguns cristais, a brisa de auroras que havia no Coração d’Ela. Todas as modalidades possíveis de brisas que sopraram na Terra não têm o encanto de um só sorriso de Maria!

Quantos sorrisos Nossa Senhora dirigiu a Anchieta, que evangelizava este País!

A maternalidade de Maria Santíssima! O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. O Homem-Deus é Filho d’Ela, e Nossa Senhora nos ama por causa disso. Quando sofremos, Ela tem pena de nós. Quanto isto é magnífico! Sobretudo quando pecamos, Ela tem compaixão de nós. E é mais magnífico ainda.

Porque, quando sofremos, o sofrimento não nos torna inimigos de Maria Santíssima. Até, pelo contrário, quebra em nossa alma certa autossuficiência e tendência ao orgulho. Mas, quando pecamos, nós rompemos com Ela de um modo criminoso.

Nossa Senhora previu tudo isso quando estava na Terra e teve dor, porque Ela pensou: “Essa alma, maravilha criada por Deus, que meu Filho resgatou com aquelas gotas de Sangue incomparáveis que Eu vi florescerem n’Ele aos borbotões, agora vai se perder?” De modo semelhante ao gemido de Nosso Senhor: “Quae utilitas in sanguine meo? – Que utilidade tem o meu Sangue?”, Maria Santíssima diz: “Qual a utilidade do Sangue de meu Filho?”

Então Nossa Senhora pede a Jesus, pelo amor d’Ele ao pecador — o Redentor ama aquele que não O ama mais —, que lhe consiga a graça de atender ao que esta diz em sua alma: “Meu filho, converta-se! Meu filho, abra os olhos! Meu filho, tenha juízo! Meu filho, volte a ser meu!” E às vezes com insistências tão prementes que se diria que a alma está literalmente sitiada. Quantas doçuras cabem nisso! Quanto saber fazer! Quanta misericórdia e compreensão! Quanto esgueirar-se pelas anfractuosidades de uma alma, para se adaptar a tudo!

A participação d’Ela na Igreja Militante e na Igreja Penitente

Todas essas operações o Sapiencial e Imaculado Coração de Maria está fazendo no Céu e na Terra. Porque Nossa Senhora conhece, mais do que qualquer bem-aventurado, o que se passa em Deus, e Ela reage no suprassumo da elevação e da perfeição. E preside, dirige, rege tudo quanto sucede no Céu! Sabe o que se passa em todas as criaturas da Terra. Conhece a vida da Igreja Militante e, com esta intensidade, participa de tudo o que acontece.

Mais ainda, Ela conhece a Igreja Penitente e vê todas as dores no Purgatório.

Em tudo isto Nossa Senhora está continuamente presente, à maneira de uma brisa, um vulcão, um céu, um sol, um diamante, uma águia, uma pomba, um cordeiro, um leão. Ela é tudo! Muito mais do que tudo, Ela é a Virgem Maria, Mãe de Deus!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/11/1979)

1) Informe e vazia. Cf. Gen 1,2.

Rainha da Contra-Revolução

Nossa Senhora enquanto Rainha dos Anjos é a Rainha da Contra-Revolução. Ela dirige a Contra-Revolução dos Anjos que atuam sobre nós e os acontecimentos da Terra, de maneira a se passar tudo como Ela quiser.

Maria Santíssima tem todos os matizes, todas as glórias, todas as cores, todas as belezas da Contra-Revolução. É a Imaculada Conceição esmagando a cabeça da serpente, a Rainha dos Anjos que comanda o exército angélico, como o exército dos Santos – “Regina Sanctorum Omnium”, Rainha de todos os Santos. É a Rainha dos contrarrevolucionários, nossa Mãe, que nos guia e nos ama especialmente por esta razão. E Nossa Senhora é o arquétipo da virtude dos anjos que, tendo decaído, terminaram por ser lançados no Inferno, e que devemos substituir no Céu. Assim, há um nexo especial entre nós e Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/5/1988)

Vós sois Rainha

“Em mim, ó minha Mãe, Vós sois Rainha. Eu reconheço o vosso direito e procuro atender às vossas ordens.

Dai-me ‘lumen’ de inteligência, força de vontade, espírito de renúncia para que as vossas ordens sejam efetivamente obedecidas por mim. Ainda que o mundo inteiro se revolte e Vos negue, eu Vos obedeço.”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 31/5/1975)

Rainha dos Apóstolos

Como Nossa Senhora exercia sua realeza sobre os Apóstolos?

A situação era, debaixo de todos os pontos de vista, delicada; uma dessas situações que a sabedoria divina, por assim dizer, se empenha em resolver com brilho especial. A Santíssima Virgem era Rainha do Céu e da Terra. Portanto, Rainha e Mãe da Santa Igreja Católica. Porém, na Igreja, Ela não possuía um cargo especial de jurisdição.

Quer dizer, a Hierarquia Católica foi, desde o primeiro instante, constituída essencialmente pelo papa, pelos bispos e pelos sacerdotes incumbidos de participar, com os bispos e sob a ordem destes, do governo da Igreja. Ora, Nossa Senhora, sendo do sexo feminino, não podia pertencer à Hierarquia. Isso criava, então, uma situação bonita e complexa: Ela era Rainha da Igreja, mas na Igreja era súdita daqueles de quem Ela era Rainha. E Maria Santíssima devia prestar, enquanto membro da Igreja discente, homenagem, reverência, obediência àqueles de quem Ela era Rainha.

Mas, de outro lado, ponham-se, por exemplo, na posição de São Pedro — o Chefe da Igreja, o Príncipe dos Apóstolos: dar ordens a Nossa Senhora, sua Rainha? Ele ordenava e Ela obedecia. Mas, pensem um pouco… Que Rainha!

Imaginemos — para termos uma pálida ideia dessa situação — que a esposa de um rei fosse, de repente, parar numa ilha que é dirigida por um governadorzinho qualquer das terras de seu marido. A função de governador é dele, a rainha reinante propriamente não governa. Mas como ele vai dispor a respeito da rainha?

E essa comparação não é inteiramente verdadeira. Porque Nossa Senhora não era Rainha apenas, mas Esposa do Divino Espírito Santo e Mãe do Rei da Igreja, que é Nosso Senhor Jesus Cristo. Ela possuía uma autoridade de outra natureza, de outro tipo, sobre a Igreja Católica.

Ela obedecia a São Pedro, de uma obediência efetiva, humilde, enlevada, cheia de entusiasmo; nunca ninguém obedeceu melhor à Sagrada Hierarquia do que a Santíssima Virgem, porque, sendo a obediência à Sagrada Hierarquia uma virtude essencial, então Nossa Senhora a praticou de um modo inconcebivelmente perfeito. Mas, de outro lado, Ela possuía esse reinado sobre as almas dos Apóstolos, que Ela exercia de modo perfeito.

Quer dizer, Nossa Senhora tinha um conhecimento, antes de tudo, profundo, bem entendido, sobrenatural, da mentalidade de todos os Apóstolos, sacerdotes e discípulos de Nosso Senhor. Ela privava, conversava com eles.

O que era esse conversar? Não pensemos que consistia apenas numas consultinhas. Devia ser normalmente um trato por onde eles e Nossa Senhora discorriam; não iam eles contar novidades insípidas, banais, mas falavam das coisas de Deus e de tal maneira que havia uma comunicação de alma, propriamente uma conversa.

Naturalmente, compreendemos como seria a conversa de qualquer pessoa com Nossa Senhora. Quer dizer, a pessoa balbucia alguma coisa e Ela se põe a falar. O resto é enlevo, veneração, admiração, é absorção e tudo quanto podemos imaginar.

Mas eles também diziam algo. Não eram solilóquios em que apenas Ela falava. Eles conversavam. E, como boa Mãe, Maria Santíssima gostava de ouvir o que eles tinham a dizer. E Ela sabia qual a missão de cada um na Igreja, porque conhecia o passado, o presente e o futuro; na economia da Providência, Nossa Senhora conhecia não só a função que eles tinham, ou teriam, mas o que Deus queria que fizessem: de um, que convertesse um povo; de outro, que morresse lapidado; de outro, que construísse uma igreja; de outro, que transpusesse o mar e fosse fundar uma cristandade num ponto remoto.

Conhecendo tudo isso, em todo trato que tinha com eles, Ela ia dispondo a alma de cada um de acordo com os desígnios de Deus. Daí decorria um convívio lindíssimo, maravilhoso, que os Apóstolos e os que se aproximavam d’Ela sabiam notar e respeitar no mais alto grau.

Vemos assim o efeito de Pentecostes. Os Apóstolos, que tinham tratado com Nosso Senhor, foram tão frios com o Redentor na hora extrema; dir-se-ia que não entenderam Nosso Senhor. Mas depois de terem recebido o Espírito Santo, a vista deles ficou inteiramente clara; conhecendo a Mãe de Deus, insondavelmente perfeita, mas infinitamente inferior a Nosso Senhor Jesus Cristo, eles, entretanto, sabiam admirá-La, dar-Lhe o apreço e a veneração que deviam.

Assim, na Igreja nascente Ela irradiava, para um círculo inicial de pessoas, toda essa beleza. Houve, então, um altíssimo grau de devoção a Nossa Senhora. E a primeira expansão da Igreja foi intensamente iluminada por este fogo maravilhoso: a presença e a ação de Maria Santíssima.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  de 31/5/1972)

 

Rainha e Mãe…

Trazendo em seu seio virginal o Salvador do gênero humano, Maria Santíssima foi, de algum modo, Rainha do sagrado fruto de suas entranhas, o Messias esperado das nações!

 

Qual é o fundamento da realeza de Nossa Senhora? Por que Ela é Rainha? Em que consiste esse título?

Antes de tudo, cumpre considerar que convém a um rei ser filho de uma rainha. Ora, sendo Nosso Senhor Jesus Cristo Rei de todos os homens — quer enquanto Deus, quer enquanto homem —, a realeza de Nossa Senhora resulta do fato de ser Ela a Mãe do Rei. Entretanto, há também uma razão muito mais profunda.

Virgem concebida sem pecado original, cujas orações trouxeram o Salvador ao mundo

Desde o pecado de Adão, havia quatro mil anos de separação entre Deus e os homens, durante os quais não se podia ir para o Céu, ficava-se no Limbo à espera do momento em que Nosso Senhor Jesus Cristo nascesse e resgatasse a humanidade.

Aguardava-se, então, que Deus criasse aquela Virgem excepcional, dotada de uma santidade e de uma perfeição que os homens jamais poderiam imaginar, de cujo ventre nasceria o Salvador.

Vendo qual era o estado miserável da humanidade, Maria Santíssima pedia a Deus que enviasse o Salvador à Terra nos seus dias. Ela ansiava também conhecer a Mãe do Salvador e poder servi-La como criada ou escrava. Podemos imaginar o que deve ter sido o estremecimento de alma de Nossa Senhora quando teve conhecimento, pela saudação angélica, de que essa pessoa era Ela mesma. Qual foi o sobressalto virtuoso, santo e ao mesmo tempo jubiloso da alma d’Ela, vendo que era escolhida para ser a Mãe de Deus?!

Então compreendemos bem a perfeição da resposta da Virgem ao Anjo: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo tua palavra” (Lc 1, 38). Quer dizer: “Eu julgava que não merecia, não estava ao meu alcance, mas, uma vez que vem de Deus o convite, faça-se em Mim segundo a tua palavra”. Nesse momento o Espírito Santo atuou em Nossa Senhora e foi concebido n’Ela Nosso Senhor Jesus Cristo.

As relações de alma entre o Filho e a Mãe durante a gestação

Começava então o período belíssimo em que Nosso Senhor Jesus Cristo vivia em Maria. Durante todo o tempo da gestação, Ela foi o sacrário dentro do qual Nosso Senhor dava glória ao Padre Eterno.

Pelo conhecido processo do desenvolvimento da criança no claustro materno, Ele recebia d’Ela, continuamente, os elementos necessários para a formação de seu corpo. Mas não devemos imaginar que esta relação tão íntima entre a mãe e o filho, quando este vive no claustro materno, fosse apenas física e corpórea. Era também uma relação espiritual e sobrenatural.

À medida que, do corpo e do sangue de Maria, Nosso Senhor ia formando o seu próprio Corpo, estabeleciam-se relações de alma entre Ele e Ela cada vez mais íntimas, de maneira tal que, no momento do nascimento, o processo de união de Jesus com Nossa Senhora também chegou a seu termo. E em Belém, quando Ela, pela primeira vez, O contemplou com seus próprios olhos, havia terminado um processo intimíssimo de união cujo verdadeiro alcance só poderemos compreender no Céu, na medida em que não haja nessa realidade tão sublimes mistérios que sobrepujem a qualquer compreensão.

Nossa Senhora foi, de algum modo, Rainha de Nosso Senhor Jesus Cristo

Mas não devemos imaginar que, nascendo Nosso Senhor, a união d’Ele com Ela diminuiu; pelo contrário, sendo a Virgem Maria cada vez mais santa e perfeita, a união d’Ela com Ele se desenvolvia sempre mais, de maneira que aquela união havida durante toda a gestação de Nosso Senhor Jesus Cristo, depois do nascimento foi crescendo ainda mais. E Nossa Senhora tinha mais união com Ele no momento da morte de Jesus do que em qualquer outra ocasião da vida, porque ali as relações entre os dois tinham chegado a um ápice.

Ou seja, quando vivia em Nossa Senhora, Jesus estava em relação a Ela numa dependência completa, como está o filho no claustro materno, o qual não tem vontade própria, mas depende inteiramente da mãe. Nosso Senhor não iria ficar “independentoso” depois que nasceu. Pelo contrário, celebra-se  a obediência, a união d’Ele com seus pais. Quer dizer, Nossa Senhora foi tendo uma autoridade materna cada vez mais enriquecida em relação a Nosso Senhor, até o momento d’Ele morrer.

Então, a esse título, Nossa Senhora foi, de algum modo, Rainha de Nosso Senhor. E quem é Rainha de Nosso Senhor é Rainha de tudo, evidentemente. E a realeza de Maria vem do poder e autoridade que Ela exerceu sobre Aquele que é o Poder e a Autoridade, e que Nossa Senhora conservou até o fim de seus dias, e tem no Céu.

Assim compreendemos por que Nossa Senhora é chamada a onipotência suplicante. Ela não é senão uma criatura humana, uma escrava de Deus. Mas, como Mãe de Deus, sua súplica é onipotente. É pela vontade de Deus que todos os desejos d’Ela são atendidos. Aquela que sempre é atendida por Aquele que é o Rei do Universo, evidentemente é a Rainha do Universo. A realeza de Maria tem como ponto de partida a realeza d’Ela sobre Nosso Senhor Jesus Cristo.

Então é uma realeza que contém todas as outras realezas, todas as alegrias, todos os direitos, etc. A autoridade d’Ela sobre a Igreja, sobre cada católico, resulta deste fato: Ela é a Mãe de Deus e tem com Deus essa relação. Então Ela é a Rainha.

Por ser a Medianeira Universal, Nossa Senhora é a Rainha de cada alma individualmente

O que significa a realeza de Maria vista, não desse ângulo altíssimo, mas num aspecto mais acessível à consideração de todos nós, homens?

Todas as nossas preces, todos os nossos atos de adoração, de ação de graças, de reparação, de louvor que queremos fazer subir ao trono de Deus, devem ser feitos por meio de Nossa Senhora.

E, em sentido inverso, todos os dons que recebemos dos Céus nos vêm por meio de Nossa Senhora. De maneira que Ela é o canal necessário entre nós e Deus. Não necessário pela natureza das coisas, mas Deus, por um ato de sua vontade livre, estabeleceu que fosse assim. Ela é, portanto, a Medianeira de todas as graças.

É verdade de Fé que tudo aquilo que todos os santos pedissem, não por intermédio de Nossa Senhora, eles não receberiam. Mas tudo quanto Maria Santíssima pede, sem que nenhum santo peça, Ela recebe. Compreendemos, então, que qualquer oração que um de nós faça, ou é encaminhada por meio de Nossa Senhora, ou Deus Nosso Senhor ignora. Ela é a Medianeira Universal de todas as preces que vão para Deus, o canal de todas as graças que Deus concede aos homens.

Esta grande verdade coloca Nossa Senhora na posição que Ela deve tomar no culto católico. E está, em larga medida, imbricada no livro de São Luís Grignion de Montfort a respeito da verdadeira devoção a Maria Santíssima. Quer dizer, o princípio da escravidão a Nossa Senhora se funda em grande parte nessa verdade, que faz par com a verdade de que a Santíssima Virgem é a onipotência suplicante.

Minha vida é, em última análise, dirigida, ritmada, orientada segundo os desígnios da Providência, de acordo com as graças que eu recebo. Então, Nossa Senhora é minha Rainha, e Ela dispõe de mim como quer. Minha vida espiritual tem Maria Santíssima como centro. Ela é, portanto, Rainha de cada alma individualmente, pois, concedendo essas graças, Nossa Senhora governa as almas. Ela é, portanto, Rainha de todas as almas, Rainha dos Corações.

A Rainha dos Corações, pela ação da graça

Esta é uma linda invocação, cujo sentido é preciso entender, e que está muito relacionada com a devoção a Nossa Senhora conforme a escola de São Luís Maria Grignion de Montfort.

O que vem a ser a Rainha de todos os corações?

O coração não é principalmente símbolo da ternura e do afeto. Na linguagem da Escritura, que é evidentemente o sentido empregado pela Igreja quando fala de Nossa Senhora Rainha dos Corações, o coração significa o ânimo, a mentalidade, a vontade do homem.

Ser Rainha dos Corações significa que Maria Santíssima tem poder sobre a mente e a vontade dos homens. Ela pode desvencilhar os homens dos defeitos que eles têm e tornar tão vivo o atrativo para o bem, que os leve — não por uma imposição tirânica, mas pela ação da graça — para onde Ela entenda. Então, Nossa Senhora Rainha dos Corações é, por excelência, Nossa Senhora Rainha.

Nossa Senhora é também a Rainha da sociedade humana

Como Maria Santíssima é Rainha do coração, da mentalidade de cada homem individualmente considerado, podemos dizer que Ela é Rainha da sociedade humana, da opinião pública, porque esta não é senão todas as mentalidades enquanto imbricadas umas nas outras, influenciando-se reciprocamente.

O que quer dizer isso concretamente?

Deus não criou o universo ao acaso; tudo que Ele faz é com conta, peso e medida. Consideremos o número enorme de camarões que existem no mar, e o número dos que houve desde o início do mundo e haverá até o fim. Essa imensa quantidade de camarões forma uma coleção que exprime a natureza “camarônica”, se assim se pudesse dizer, em todos os seus aspectos, de maneira que quando chegar a vez do último camarão criado se extinguir, está constituída uma série admirável de camarões que desapareceram, mas ficam nas realizações de Deus, na história do universo como uma perfeição que Deus fez.

Assim também, quando estiverem reunidos no vale de Josafá para serem julgados, os homens notarão que são uma coleção e que tudo quanto há na natureza humana de possível foi de algum modo expresso por cada homem. De maneira que na obra de Deus faltaria algo se tal homem não tivesse sido criado. Cada um tem um papel num plano sublimíssimo, que se revelará por ocasião do Juízo Final. E depois ficará revelado para todo o sempre qual foi o plano de Deus com o gênero humano, e quais pessoas foram chamadas para o Céu porque mereceram, e quais foram para o Inferno.

Assim, os homens são passíveis de serem vistos num olhar de conjunto. E o gênero humano visto em torno d’Aquele que é a sua expressão mais perfeita, e contém e sublima tudo quanto há no gênero humano de belo: Nosso Senhor Jesus Cristo. E, infinitamente depois d’Ele, mas incomensuravelmente antes de todos os homens, a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora.

Essa coleção dos homens que há, houve e haverá se chama gênero humano. E dentro do gênero humano não existe um salto. Os grandes saltos não estão na regra geral da obra do Criador. Entre o gênero humano e cada homem individualmente, existem os grandes grupos humanos, que são as raças. Dentro das raças, as nações; dentro das nações, as regiões; das regiões, as cidades; das cidades, as famílias; e dentro das famílias, os homens. Quer dizer, formam um conjunto de grupos que ligam o homem ao grupo supremo, que é o gênero humano; constituem então, de A até Z, a estrutura da humanidade.

Nesse sentido o que é uma nação, um país? É, por sua vez, uma espécie de coleção, um dos aspectos da humanidade que se revela de certo modo; um denominador comum de todos os homens que constituem aquela nação e que exprimem uma virtualidade da natureza humana. Esse todo repete de algum modo dentro de si o que é o gênero humano. Essa coleção é como um mosaico constituído pelos indivíduos vivos, mas que têm uma projeção na História e uma continuação naqueles que viverão. É propriamente isto que constitui, na sua visão completa, a sociedade humana.

Nossa Senhora é, então, Rainha desta enorme alma coletiva — se se pudesse usar esta metáfora — da humanidade, que é a opinião pública, com todas as interações, as interinfluências que a constituem.

Uma sociedade que aceita o governo de Nossa Senhora

Como é uma sociedade que obedece a Nossa Senhora? Santo Agostinho definiu isso perfeitamente, apresentando uma imagem magnífica da sacralidade, do respeito, da ordem, do bem-estar da alma e do corpo.

Contra a afirmação dos pagãos de seu tempo de que a causa de tantas desordens no mundo era o fato de haver católicos, o Bispo de Hipona fez a seguinte apóstrofe: “Imaginai um reino onde o rei e os súditos, os generais e os soldados, os pais e os filhos, os professores e os alunos são católicos e procedem de acordo com a Doutrina Católica! Vós tereis a ordem humana perfeita. Ordem de paz, de glória, de sabedoria, de esplendor, de felicidade”.

Essa é a ordem que nasce do fato de todo mundo fazer a vontade de Deus, e, portanto, a de Nossa Senhora, que é a Rainha. Essa é a descrição da ordem humana, tão completamente diversa da desordem que hoje reina.

Qual é a razão pela qual reina essa desordem? No livro “Revolução e Contra-Revolução” tentamos explicar isso. A humanidade rompeu com Nosso Senhor Jesus Cristo e com Nossa Senhora, rompendo com a Santa Igreja, porque só está unido a Nosso Senhor Jesus Cristo e a Nossa Senhora quem está unido à Santa Igreja Católica. Rompendo cada vez mais com a Santa Igreja, a desordem foi entrando no mundo até esse auge em que estamos atualmente.

Então há os que são chamados para restaurar essa ordem, implantar o Reino de Maria: a sociedade humana fazendo a vontade de Nossa Senhora. Porque Nossa Senhora é a Rainha efetiva de cada alma, dos grupos humanos menores: família, município, região; e dos grupos humanos soberanos: nações. Porque Ela é a Rainha efetiva do gênero humano. Daí deve nascer aquela ordem perfeita que algum dia existirá na sua plenitude, antes do mundo acabar.

Rainha de cada um e do mundo inteiro

Então nós não olhamos apenas com saudades para as épocas católicas que foram, mas, sobretudo, com esperança para a época católica que virá, o Reino de Maria, onde todas as coisas serão assim.

Devemos viver apenas de uma grande saudade e de uma grande esperança? Não. Nós temos a possibilidade, cada um dentro de si mesmo, de proclamar o Reino de Maria, dizendo: “Em mim, ó minha Mãe, Vós sois Rainha. Eu reconheço o vosso direito e procuro atender às vossas ordens. Dai-me ‘lumen’ de inteligência, força de vontade, espírito de renúncia para que as vossas ordens sejam efetivamente obedecidas por mim. Ainda que o mundo inteiro se revolte e Vos negue, eu Vos obedeço”.

E nessa torrente de desordem e de pecado que há na Terra, a alma de quem afirma isso é como um puro e adamantino brilhante. Assim, Nossa Senhora continua a ter uns enclaves no mundo: aqueles que a Ela se consagram, reconhecem todo o poder d’Ela sobre eles e dizem: “Esteja o mundo revoltado como for, eu me levanto e declaro: em mim Maria Santíssima manda, e por causa disso começo a Contra-Revolução, para que Ela mande também nos outros”.

É a realeza de Nossa Senhora vista por dois lados: enquanto mandando em mim e, em segundo lugar, fazendo de mim um soldado da Contra-Revolução. Quer dizer, um varão que luta para tornar efetiva a realeza de Nossa Senhora na Terra.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 31/5/1972,  31/5/1974 e 31/5/1975)

Rainha da graça

Maria é o receptáculo no qual se encontram todas as graças criadas por Deus. Ela é tão imensa na ordem da virtude e da santidade, que corresponde de modo superexcelente a essa torrente de graças, que A faz grande como ninguém.

Proclamada a Rainha da graça, é a Rainha da ordem sobrenatural e, portanto, Rainha por plenitude.

Eu gostaria de ver uma catedral dedicada a Ela, onde se unissem num só olhar, estes dois aspectos: Rainha intangível, mas curvada, com um sorriso, sobre os mais indignos e miseráveis, a dizer-lhes: “Continuo sendo vossa Mãe, e por isso me curvo até vós, por mais que estejam baixo. Até lá chega minha misericórdia e vos salva!”

Essa harmonia que reúne os dois extremos da Criação é mais um título da grandeza d’Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/9/1990)

Rainha dos Profetas

“De Maria nunquam satis”. Esta frase, que ressoou nos lábios e nos corações de tantos santos ao longo da História, aponta para o oceano insondável de perfeições da Mãe de Deus, em cujos maravilhosos mistérios a Teologia sempre se aprofundará, sem jamais esgotá-los.

De fato, luminosas nuvens de mistério envolvem os diversos episódios da existência da Santíssima Virgem, como a sua Assunção e consequente Coroação como Rainha do Céu e da Terra.

Que relação se poderia estabelecer entre esses augustos acontecimentos, a ordem do universo e a História?

Considerando que Maria Santíssima é a mais excelsa das meras criaturas — pois Jesus é Homem-Deus —, todas as operações humanas tomam n’Ela um caráter especial, paradigmático e sublime.

O nascimento d’Ela, como causa do nascimento do Menino Jesus, foi o nascer dos nasceres. Em seu claustro virginal, o Verbo Se fez carne e habitou entre nós; pelo que, o conceber d’Ela foi o gerar dos gerares. Por vontade de Deus, Ela teve a mais suave das mortes, intitulada de “Dormição” pela Teologia. Sua ressurreição foi esplendorosa, mas não à maneira de um estampido, porque não era removida nenhuma pesada laje, mas apenas dissipava-se um leve sono pelo qual Ela havia passado. E, por fim, entre as meras criaturas, quem conheceu e amou a Deus como Ela?

Na vida espiritual, por sua vez, cada progresso de Nossa Senhora, de algum modo, era um nascimento, um crescimento, um apogeu que dava origem a outro nascimento, a outro crescimento, a outro apogeu, excetuada, é claro, a morte no sentido da perda da vida da graça.

A ação de Maria na História se desenvolve de modo a todas essas operações se centralizarem em Nosso Senhor e atingirem seu ápice no Céu, após a Assunção, ao ser coroada pela Santíssima Trindade como a Rainha do Universo.

Nesta vocação de conduzir tudo ao Pai Eterno, a Nosso Senhor Jesus Cristo e ao Divino Espírito Santo, encontra-se o dom profético de guiar, animar e fazer com que se realizem os planos divinos. Isso faz de Maria a Profetiza de toda a Criação.

Assim, a invocação “Rainha dos Profetas” reveste-se de um significado especial, porque é a Rainha de todos os acontecimentos da História. Daí vem a particular nobreza deste título, pois se trata da realeza das realezas, enquanto dando impulso a todo o acontecer histórico.

Maria é a Rainha de todos os nasceres, de todos os felizes e ascensionais desenvolvimentos, cheia de desvelo nos delicados períodos de crepúsculo, e repleta da glória de tudo quanto ressurge de dentro do anoitecer.

Por isso, se algo vai nascendo e desejamos para isso uma particular intensidade de viço, se alguma coisa vai indo bem e queremos que chegue ao seu progresso total, sem os mil desfalecimentos do caminho, devemos recorrer a Ela enquanto Rainha dos acontecimentos. E se algo tem que passar por eclipses, quando tudo parecer perdido, a Estrela d’Alva, ainda é Ela, que pode atrair a manhã e fazer tudo recomeçar.

Poder-se-ia perguntar, então, se o título de “Rainha dos Profetas” ou “Rainha da História” não A move especialmente.

Esta temática abre campo para outras belas indagações dentro da Mariologia:

Se todo caminho histórico tem magníficos nasceres, esplêndidos desenvolvimentos, terríveis eclipses e amanheceres ainda mais radiosos, não haveria uma forma de vida espiritual, de ritmo da própria vida sobrenatural em que a graça, como na natureza, ora instaura, ora confirma, ora prova, ora ressuscita e coroa? E que relação teria isso com o Segredo de Maria e com o Imaculado Coração d’Ela, fonte e impulso de todos os acontecimentos?

Eis cogitações próprias de uma devoção mariana considerada pelo prisma da Revolução e da Contra-Revolução.

 

Plinio Corrêa de Oliveira