Madonna del Miracolo: altíssima obra de Contra-Revolução

Num mundo em que o demônio, através da impureza e do orgulho, vai arrastando as almas para a Revolução, Nossa Senhora nos comunica o gosto pela despretensão e pela castidade. Estas são considerações de Dr. Plinio ao analisar o quadro de Nossa Senhora do Miracolo.

 

Ocorreu-me a ideia de fazer um “Ambientes, Costumes e Civilizações”, procurando exprimir os imponderáveis existentes no quadro de Madonna del Miracolo, ou Nossa Senhora do Milagre.

A figura é muito semelhante à de Nossa Senhora das Graças, um pouco alterada.

Maria Santíssima está vestida como se trajavam as senhoras no tempo de sua existência terrena: uma túnica grande e uma capa. Esta é azul-celeste, a cor de Nossa Senhora; a túnica é de um discreto rosado, enquanto que nas imagens de Nossa Senhora das Graças costuma ser branca. Ela está com a fronte encimada por uma coroa, o que as imagens de Nossa Senhora das Graças geralmente não têm. Um círculo de doze estrelas serve a Ela de resplendor. É uma alusão à aparição de Nossa Senhora no Apocalipse. Como se pode notar, Ela não está esmagando a cabeça da serpente. Das suas mãos partem raios em abundância, que significam as graças por Ela concedidas.

Misto de grandeza e misericórdia

Sua fisionomia é discretamente sorridente. Maria Santíssima não está propriamente sorrindo, mas olhando para a pessoa que está ajoelhada diante d’Ela, de um modo muito afável, acolhedor, com uma enorme vontade de atender o pedido, de ajudar. Mas, ao mesmo tempo — e as coisas se completam bem —, Ela é muito régia, não só por causa da coroa, mas ainda que se Lhe tirassem a coroa. Notem o porte d’Ela. Tem-se a impressão de que é uma pessoa alta, esguia, muito bem proporcionada, e qualquer coisa de imponderável da consciência de sua própria dignidade aí transparece. Quer dizer, percebe-se que é uma Rainha, muito menos pela coroa do que pelo seu todo; enfim, pelo misto de grandeza e de misericórdia que d’Ela emanam.

Efeito apaziguador

Parece-me que o elemento mais tocante dessa imagem é algo de inexprimível, que, à primeira vista, não encontra sua explicação em nenhum elemento concreto do quadro. Não só por causa do sorriso, mas é um todo que vou tentar depois explicar; essa imagem trás consigo qualquer coisa de apaziguador. Quem olha para essa estampa tende a ficar apaziguado, serenado, tranquilizado, como quem tem as suas más paixões em agitação acalmadas, suas angústias favorecidas por uma distensão, por certa calma, como se ouvisse: “Meu filho, Eu dou jeito em tudo, Eu arranjo tudo, não se impressione, haverá um modo. Eu estou aqui ouvindo-o; você precisa de tudo, mas Eu posso tudo, e o meu desejo é de lhe dar tudo. Portanto, não tenha dúvida, espere mais um pouco. Mas super abundantemente você terá o que Eu quero”.

Acima de tudo, a imagem — a meu ver, este é seu elemento mais apaziguador e encantador — tem qualquer coisa indicando que Nossa Senhora Se oferece à pessoa que está diante d’Ela, dizendo-lhe: “Meu filho, Eu sou toda sua, você pode pedir o que quiser. Eu para você não tenho reservas, recuos, recusas e nem recriminações pelos seus pecados. Eu o estou olhando num estado de alma, numa disposição de ânimo, por onde você de Mim consegue tudo o que você pedir e muito mais ainda”.

A estampa deixa isso tudo em certo mistério; mas um mistério suave, diáfano, mais ou menos como o de um dia com céu muito azul em que se pergunta o que haverá para além do azul; não é um mistério carregado, de um dia nublado, onde se indaga o que existirá por detrás das nuvens. Maria Santíssima como que diz o seguinte: “Se você conhecesse o dom de Deus, se soubesse quanta coisa Eu tenho para lhe dar, e que maravilhas há em Mim… Eu transbordo do desejo de lhas conceder. Como você compreenderia bem o que Eu sou se quisesse abrir os olhos para essas maravilhas!”

Esse apaziguamento que Ela comunica é uma espécie de primeiro passo para a pessoa que queira se deixar maravilhar. Recebendo esta misteriosa ação da graça, ela começa a admirar e perguntar o que a imagem está exprimindo.

Felicidade da pureza e da despretensão

Ela exprime uma excelsa impressão de pureza que quase ofusca, mas não de um ofuscamento que machuca. É tanta pureza que, no início, nem nos lembramos bem de pensar nesta virtude; de tal maneira é pura que, por assim dizer, transcende a pureza.

Contemplando essa estampa, a pessoa não só admira essa pureza, mas ela lhe comunica algo do prazer de ser pura. Muitos têm a ilusão de que a felicidade está na impureza; essa imagem faz com que se compreenda a inefável felicidade que a pureza dá, perto da qual toda felicidade da impureza é lixo, tormento, aflição. Nossa Senhora está inundada de felicidade, a qual é inseparável de sua pureza.

Outra coisa é a humildade. Maria Santíssima está aqui como Rainha, mas em sua atitude Ela faz abstração de toda a sua superioridade sobre a pessoa que reza diante d’Ela. E trata-a como se fosse, não digo de igual a igual, mas uma pessoa que tem proporção com Ela; quando nenhum de nós, e nenhum santo, tem proporção com Ela. Nossa Senhora é completamente fora de proporção em relação a todo mundo; entretanto Ela se coloca assim tão acessível!

Além disso, percebe-se que se Lhe aparecesse Nosso Senhor Jesus Cristo, Ela está toda feita para se ajoelhar e adorar. Nada existe n’Ela que contenha uma repulsa a reconhecer o que é mais alto. Pelo contrário, uma alegria: “Que maravilha! Apareceu quem é mais do que eu”. Compreende-se, então, o modo enlevadíssimo de Maria Santíssima olhar para Aquele que é Filho d’Ela e, ao mesmo tempo, infinitamente mais do que Ela.

Debaixo desse ponto de vista, n’Ela há,  entre outros traços, uma comunicação do prazer da humildade, da despretensão.

Vemos, então, de um lado, a felicidade inefável da despretensão. E de outro, a felicidade inefável da pureza.

Maria Santíssima e a Contra-Revolução

Diante de um mundo que o demônio vai arrastando para o mal, pelo prazer da impureza e do orgulho, Nossa Senhora nos comunica o gosto pela despretensão e pureza, como que dizendo suavissimamente, sem pito nem recriminação: “Meu filho você não se lembra dos tempos primitivos de sua inocência? Não se lembra de como você era antes de ter pecado? De como havia coisas boas em você? Olhe para Mim, abra sua alma, Eu restauro tudo isso. Venha! No caminho que conduz a Mim só existe perdão, bondade e atração. Venha logo!”

Não é difícil estabelecer uma relação entre esses dois traços e a Contra-Revolução. Maria Santíssima está aqui apresentada, não no seu aspecto belicoso, esmagando a cabeça da serpente, mas no seu lado materno, enquanto Ela procura tirar, pelo sorriso, das garras da Revolução aqueles que esta vai vitimando. E dessa maneira fazendo uma altíssima obra de Contra-Revolução.

Um espírito que se deixa influenciar por essa imagem fica sumamente propício à admiração, a admitir a hierarquia das coisas mais altas sobre ele; e a querer, pela sua própria dignidade, que todas as coisas abaixo dele também estejam em hierarquia. É uma coisa inteiramente evidente; entra pelos olhos.

Debaixo desse ponto de vista, sem querer dizer que esta imagem seja a de Nossa Senhora da Contra-Revolução, porque seria forçar a nota, poderíamos afirmar, entretanto, que, para quem luta pela Contra-Revolução, o quadro é de uma altíssima expressão quanto a um dos aspectos da Mãe de Deus, na sua permanente Contra-Revolução, até chegar o fim do mundo. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/1/1976)

Bondade régia da Virgem do Miracolo

Segundo afirma Dr. Plinio, um estupendo milagre ocorrido no século XIX prefigura os prodígios de conversão que a Santíssima Virgem deverá operar em nossos dias, tornando-se Ela a Rainha de todos os corações.

Entre as centenas de igrejas que a piedade católica edificou na Cidade Eterna está a de Santo Andrea delle Fratte (Santo André dos Frades), onde se venera uma linda imagem de Nossa Senhora, sob a invocação de Madonna del Miracolo, ou Nossa Senhora do Milagre.

Como facilmente se intui, esse título se refere a um grande milagre realizado pela Mãe de Deus, no mesmo lugar onde hoje é cultuada por seus inúmeros devotos: A conversão do judeu Ratisbonne.

Era 20 de janeiro de 1842. Que se passou naquela ocasião?

Para a maioria dos que então se encontravam em Roma, era apenas mais um dia frio e corriqueiro de inverno. Não o seria, porém, para um turista de passagem pela capital da Cristandade.

Afonso Tobias Ratisbonne, francês aparentado com a influente família dos Rotschild, era judeu de raça e religião. Mais dado ao ceticismo, alimentava uma não pequena animosidade contra a fé católica. Naquele dia, porém, cedendo aos rogos do Barão de Bussières (que desejava a conversão dele), e um tanto por bravata, concordou em colocar ao pescoço a Medalha Milagrosa, muito difundida no período imediato às aparições de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré, em 1830, na capela das Filhas da Caridade, na rue du Bac, em Paris.

Além disso, a convite do mesmo amigo, dirigiram-se à igreja de Santo Andrea delle Fratte, onde o Barão devia encomendar uma missa de sétimo dia pela alma de um conhecido. Chegados ali, o amigo foi até a sacristia, enquanto Ratisbonne, por um interesse artístico, mas com ar meio de mofa, começou a percorrer o recinto sagrado, detendo-se aqui e ali, diante dos altares laterais.

Quando o Barão retorna, depara com esta cena surpreendente: o judeu ajoelhado, completamente em êxtase, transfigurado, rezando com inusitado fervor em frente de uma das capelas  secundárias.

O Barão de Bussières apressou-se em lhe perguntar o que acontecera, e Ratisbonne comovidíssimo abraçou-o dizendo:
— Eu vi a Mãe de Jesus Cristo! Ela me apareceu…. aqui!

E descreveu a aparição de Nossa Senhora, cuja celestial figura correspondia em tudo à que vira Santa Catarina Labouré, alguns anos antes, em Paris. Segundo ele, a Santíssima Virgem cingia uma coroa de Rainha e vestia uma bela túnica comprida, presa à cintura por uma faixa preciosa; pousava os pés virginais sobre a toalha de linho do altar, e lhe sorria maternalmente, com os braços estendidos e as mãos abertas. Como se vê, a mesma silhueta da imagem esculpida na medalha que ele então trazia.

Ante essa extraordinária visão, Ratisbonne compreendeu que se encontrava na presença da Mãe de Deus: caiu de joelhos e se converteu no mesmo instante. Poucos anos depois tornar-se-ia o Padre Afonso Maria Ratisbonne, secundando seu irmão na fundação da Congregação do Sion, voltada de modo particular para o apostolado católico com os israelitas.

Estratégia da Providência contra a impiedade

A notícia dessa conversão logo se difundiu, revestindo-se de profundo significado no contexto psicológico e doutrinário da época. No século XIX, a impiedade insistia no sofisma de que o homem racional, procurando julgar as coisas de acordo com a razão, não encontra fundamentos suficientes para afirmar a veracidade da Igreja Católica. Não tem meios de provar que Deus existe, que  Jesus Cristo é Deus, que a Igreja tenha sido fundada por Ele. Portanto, todo o edifício das doutrinas e da Fé no catolicismo não passa de um arcabouço inaceitável e ilegitimável pela razão humana.

É um mito, como qualquer outro da antiguidade romana ou grega, como os da religião hindu ou das crenças africanas. Não poucas almas estavam perdendo a Fé, cedendo culposamente ao dilúvio de objeções — a maior parte das quais constituída por chicanas e sofismas, além de alguns argumentos capciosos contra a Igreja Católica. A fim de combater essa investida diabólica, a Providência  fez milagres em diversos lugares, e o ocorrido na Igreja de Santo Andrea delle Fratte foi um dos mais insignes a comover a Cristandade.

Qual fato poderia causar maior estupor do que um filho do judaísmo, aparentado com uma das famílias mais ricas do mundo, sem a menor necessidade de agradar a Igreja Católica, declarar-se de repente convertido por ter visto Nossa Senhora? E que, como prova de sua sinceridade, abandona a vida mundana e abraça para sempre uma existência de renúncia e sacrifício. Ainda por cima, ajuda a fundar uma Congregação religiosa destinada a trabalhar pela conversão de seu povo. Maior manifestação de autenticidade, ele não poderia dar.

Para a humanidade daquele tempo, sacudida pela multidão de argumentos dos inimigos da Religião Católica, esse evidente milagre caía como uma refrescante gota d’água num deserto.

Nossa Senhora desferia um golpe sumamente estratégico e bem calculado, pisando na cabeça da serpente infernal. Pelo testemunho de um ex-adversário, Ela demonstrava de modo maravilhoso quanto a Igreja Católica é verdadeira.

Pouco depois, como num requinte desse “plano de ataque ”, Ela daria início aos milagres de Lourdes, que viriam a constituir a mais acentuada série de celestiais prodígios na história da Igreja.

Diante da imagem, uma contínua “aparição”

Logo depois da aparição a Ratisbonne, foi pintada a imagem da Madonna del Miracolo, de acordo com as indicações do vidente. Como sói acontecer, o símbolo ficou devendo à Simbolizada, pois, por mais bela que seja a figura retratada por mãos humanas, a formosura de Nossa Senhora excede a qualquer esplendor. Ela não é pintável, assim como não é descritível.

Trata-se de uma imagem romântica, bem no estilo do século XIX, bastante comunicativa, e que deve ser vista com certo recuo. Ou seja, contemplada com olhos que sejam capazes de ver muito mais e além do que os próprios olhos possam apreender. Há nela um sorriso, uma express ão de fisionomia, uma afabilidade no gesto, que transcendem a cor do vestido e outros pormenores dos adornos.

Considerando-a, certas almas chegam mesmo a sentir algo do autêntico sorriso de Nossa Senhora. Ela cria em torno de si uma atmosfera sumamente benfazeja. As pessoas que rezam diante do quadro, na Igreja de Santo Andrea delle Fratte, mantêm-se em geral recolhidas, deixando perceber em suas faces o quanto se sentem penetradas pelas graças efundidas pela Santíssima Virgem.

Envolve-as uma impressão de paz e calma, de céus abertos, e de que Nossa Senhora, exorável, dispõe-Se a atender a todos os pedidos. Uma sensação de que o tempo não se encontra apartado da eterna bem-aventurança, e de que a benignidade de Nossa Senhora transpõe distâncias incomensuráveis para se nos tornar acessível e acolhedora. Experimenta-se uma verdadeira consolação, uma verdadeira confiança, uma verdadeira resignação, uma certeza de que, em última análise, tudo dará certo.

Lembro-me, emocionado, de que venerei essa imagem em dias de muitas e penosas preocupações. Nesse período, o sorriso dela era a grande esperança que me iluminava e guiava, beneficiando-me da unção característica que ela comunica em torno de si.

Em diversos momentos, era tomado pela impressão singular de que a pintura continuava a aparição, adquirindo uma luminosidade cambiante, uma luz que me sorria mais ou menos conforme o dia e conforme o modo de Nossa Senhora olhar-me. Isso trazia uma espécie de garantia de graça concedida, de bondade dada, de favor outorgado, a sensação de que o sorriso de Nossa Senhora cicatrizava todas as dores e sofrimentos do dia, e me armava de alento para a jornada seguinte.

Nesse tempo que passei em Roma, cheio de momentos aprazíveis, mas também de graves apreensões, essa imagem me animou numerosas vezes com uma contínua efusão de graças. Consolou-me, fazendo-me sentir que Ela estava mais próxima de mim, a espargir seu incansável amor materno. Pedir e esperar grandes milagres que renovem o mundo Uma consideração final.

A Virgem do Miracolo é, portanto, a Virgem que praticou um grande milagre. Ela converteu, de um momento para outro, um homem mundano, com toda espécie de preconceitos contra a Religião Católica. Passando por cima dessas tremendas barreiras, Nossa Senhora fez o milagre de o converter, maior até que o de lhe aparecer. Por assim dizer, Ela entrou na alma dele e o transformou completamente.

É o milagre moral, mais estupendo que qualquer milagre material.

Cumpre observar que, em virtude de uma lei superior da Providência, milagres assim tornam-se mais freqüentes nas épocas em que são mais necessários. Desse modo, sempre que a situação no mundo vai se apresentando mais precária, que a impiedade vai crescendo — como vemos em nossos dias —, o número de milagres deverá aumentar. Poderão demorar mais ou menos tempo para começar, mas virão na hora certa e farão sua obra.

E nós, católicos, devemos contar com eles para abrirmos caminho no meio de tantas provações, confusões e decadências. Deus tem desígnios e mistérios que não nos cabe alcançar. Apenas  devemos confiar e esperar que Ele, a rogos de Maria Santíssima, intervenha de modo miraculoso para tocar o coração da humanidade contemporânea.

Por ocasião da festa de Nossa Senhora do Miracolo, nada mais oportuno do que pedirmos com fervor e empenho que Ela, como fez com Ratisbonne, entre triunfalmente em nossas almas e nas de todos os homens, vencendo nossos vícios, nossos pecados, nossas misérias e quaisquer outros obstáculos que pudéssemos Lhe opor. De maneira que Ela se torne verdadeiramente Rainha de  nossos corações, e opere um maravilhoso milagre moral que transmude e renove a face do mundo.

Plinio Corrêa de Oliveira

Miliciano de Nossa Senhora e de Nosso Senhor Jesus Cristo

Podemos imaginar São Sebastião na força da idade, na glória do uniforme romano, no esplendor do capitaneio da coorte imperial, que se esgueira e, sem encontrar resistência da parte das sentinelas das prisões, por ser ele quem era, vai entrando pelos cárceres, pelas enxovias e alimentando, com a sua coragem, os anciãos, os jovens de ambos sexos, as pessoas de todas as condições que ali estavam para serem martirizadas.

São Sebastião sabe que sua atitude vai acarretar para ele também o martírio, mas caminha rumo ao suplício com aquela serenidade, deliberação e superior entrega de si mesmo à Cruz de Cristo, Nosso Senhor, que faz com que ele não estremeça, mas permaneça, durante todos esses riscos, sempre heroico e senhor de si, até entregar a sua alma a Deus, com uma tranquilidade diante da morte própria a um militar miliciano de Nossa Senhora e de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/1/1967)

Papa São Fabiano “O homem da rua sobre quem a Pomba pousou”

Em artigo estampado na Folha de São Paulo de 3/12/1976, Dr. Plinio procura conceder a si mesmo algo de refrigério diante da crescente agitação que tomava o mundo moderno. Como? Tecendo um hino de amor à santidade do Papado, a propósito da eleição providencial de São Fabiano ao Trono de Pedro.

 

A poluição em todas as suas formas, continua problema atual. Mais especialmente tenho em vista aqui a poluição moral inerente à vertiginosa decadência dos costumes, e a poluição mental provocada pela trepidação da vida hodierna. (…)

Uma excursão ao passado

O meio de fugir disso? Uma excursão, por exemplo, ou a audição de alguns belos discursos, a leitura de um romance, contentam a vários. Há os que se satisfazem com menos, isto é, com a ingestão de qualquer comprimido que favoreça a evasão para as profundidades de sonos insondáveis. Entre tantos recursos despoluentes, há também a excursão às extensas regiões do passado, ou seja, a leitura de narrações históricas. No píncaro destas, existe a legenda, com o encanto de sua leveza, de seu simbolismo, de seu esplendor.

Para a decepção da maioria e o possível contentamento de uns poucos, é uma viagem ao passado que proponho neste fim de semana. Não ao passado histórico, mas ao passado legendário, tão lato, tão belo, que por alguns lados parece tocar na própria eternidade. Acabo de ler um conto tomado mais ou menos a esmo na Légende Dorée, de Jacques de Voragine. Queres viajar comigo nas regiões etéreas deste conto, leitor?

De um simples passeio para a maior das dignidades

Fabiano era um simples romano como outro qualquer. Um “homem da rua”, como hoje se diria. E sequioso de notícias como são em todos os tempos os seus congêneres.

Ora, havia em Roma, ainda recente uma grossa novidade: morrera o Papa. E estava em gestão uma novidade ainda maior: ia ser escolhido pelo povo o novo Pontífice. Nosso “homem da rua”, segundo o costume, saiu de casa e se misturou na multidão, reunida para a augusta escolha(1). Fabiano julgava chegar atrasado, isto é, a tempo somente de conhecer o resultado.

E este veio, bem diverso do que Fabiano podia imaginar. Do alto do Céu baixou uma pomba de esplendorosa alvura, e pousou sobre a sua cabeça. Por esse fato simbólico, o Espírito Santo deixava claro que designava Fabiano. A multidão, piedosamente entusiasmada, escolheu-o Papa. E Fabiano, que saíra à rua para passear, se viu alçado assim à dignidade inigualável de sucessor daquele de quem o Salvador disse: Tu és Pedra, e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja. E as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mt 16, 18). E a partir daquele momento a “solicitude de todas as igrejas” (2 Cor 11, 28) passou a ser a única preocupação e a única atividade de sua vida.

Suma veneração pelos mártires

Aqueles remotos tempos se assemelhavam de algum modo aos nossos. A Igreja tinha adversários poderosos e implacáveis. O sangue dos mártires corria às torrentes em toda a vastidão do Império Romano. Também hoje a Igreja tem inimigos poderosos. E, por toda parte, também os católicos são perseguidos. É certo que os adversários de hoje (…) não são brutais como os de outrora.

Perseguem com o sorriso hipócrita nos lábios, e a mão estendida para a colaboração dolosa. (…) Hipocrisia ou brutalidade são acidentes. Em substância, o ódio é o mesmo.

Fabiano, cheio de veneração pelos mártires, começou seu Pontificado enviando por todo o Império sete diáconos e sete subdiáconos, para que recolhessem por toda a parte as atas dos martírios. Homem previdente, queria ele legar assim para toda a posteridade, estas narrações de uma heroicidade sem igual, escritas pelo sangue dos homens por amor ao Sangue de Cristo. De sorte que até a consumação dos séculos servissem de adorno à Igreja.

Vencedor de feras

Mas Fabiano não recebera em vão a visita da Pomba. O “homem da rua”, presumivelmente pacato e mediano, transformou-se em herói, e não apenas em colecionador e compilador de feitos heróicos de outros.

O imperador Filipe levava uma vida cheia de pecados. Sem embargo, quis assistir às vigílias da Páscoa e participar dos Santos Mistérios.

Fabiano, (…) em lugar de aceitar a presença escandalosa do pecador, (…) impediu que Filipe transpusesse os umbrais sagrados enquanto não confessasse seus pecados e não aceitasse de se colocar no lugar reservado então aos pecadores penitentes dentro da Igreja. Filipe cedeu.

E Fabiano, pela graça da Pomba [isto é, do Espírito Santo], venceu assim a fera. Feliz da Igreja quando é governada por varões que, fortalecidos pela Pomba, não teme as feras!

Bem entendido, as feras não gostam deste trato. No 13º ano de seu Pontificado, o Imperador Décio mandou decapitar Fabiano. Este é o fim sinistro do “homem da rua” visitado pela Pomba, e transformado por Ela em um vencedor de feras.

Na glória celeste, aos pés de Maria

Fim sinistro?

Consideremos o desfecho da história, tão e tão elevado, que a legenda áurea apenas o deixa discretamente subentendido. No momento em que a cabeça venerável de Fabiano foi cortada, uma corte rutilante de Anjos, provindo das alturas excelsas onde reinam o Padre, o Filho e o Espírito Santo, baixou para receber a alma santíssima do novo mártir. Fabiano subiu, subiu, levado pelos Príncipes celestes. Mas, por mais que ele subisse, a Santíssima Trindade parecia irremediavelmente inacessível. Depois de um glorioso itinerário através das Hierarquias infindáveis dos Anjos que o aclamavam e o elevavam com o cântico de seu afeto, Fabiano, extasiado de felicidade e de glória, foi deposto pelos Anjos aos pés de Nossa Senhora. E assim como através de um telescópio os astros mais distantes parecem aproximar-se de nós, assim também junto ao Coração de Maria, Fabiano se sentia inteiramente saciado pela presença de Deus. Como é doce e glorioso contemplar Deus face a face, aos pés do trono de Maria!

Rogai por nós e pela Igreja!

Nessas alturas celestes terminou o passeio do “homem da rua”, que fora pacatamente à procura de notícias sobre quem tinha sido eleito Papa. E até o fim do mundo haverá homens que digam: “São Fabiano, rogai por nós”. Eu, por exemplo. E tu também leitor.

“Rogai por nós”. Só isto? Rogai, São Fabiano, pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana. (…)

Ó, rogai pela Igreja, São Fabiano!

 

1) Nos primórdios do Cristianismo os papas eram eleitos pela aclamação do clero e do povo congregados nas ruas de Roma para esta finalidade. A partir de 769 ficou estabelecido que o Sumo Pontífice seria escolhido apenas pelo clero romano, mantendo-se a aclamação popular como mera formalidade. Em 1059, o Sínodo de Latrão reservou aos cardeais o direito de eleger o novo sucessor de Pedro (cf. Legenda Áurea, Cia. das Letras, São Paulo).

Plinio Corrêa de Oliveira

Madonna del Miracolo – O triunfo da Mãe de Deus em nossas almas

Num período particularmente significativo de sua gesta apostólica, Dr. Plinio se viu objeto de grandes consolações e favores celestiais, ao venerar a imagem de Maria Santissima del Miracolo, em Roma, na igreja de Sant’Andrea delle Fratte. Ao evocar o célebre milagre que resultou na conversão do judeu Ratisbonne — em 20 de janeiro de 1842 —, recorda-se ele uma vez mais daquela efusão de graças recebidas junto ao tocante quadro da excelsa Mãe de Deus.

Há em Roma uma igreja chamada Sant’Andrea delle Fratte(1), pertencente aos frades menores de São Francisco de Paula. Devido à nossa estada na Cidade Eterna durante a primeira fase do Concílio Vaticano II, de outubro a dezembro de 1962, íamos quase todos os dias nessa igreja. Além de se situar próximo ao local onde nos hospedávamos, esse templo nos atraía por uma de suas imagens, a da Madonna del Miracolo, à qual tributávamos particular devoção.

Miracolo é uma palavra italiana que significa milagre. De fato, naquele lugar se realizou um milagre insigne cujo teor já tivemos ocasião de comentar(2), pelo que o relembro apenas de modo sucinto.

Rothschild e Ratisbonne

No século XIX, a família dos Rothschild iniciou sua ascensão na França, no período em que o regime napoleônico se encontrava no auge de seu poder. Os membros dessa família possuíam imensa riqueza, e a celebridade da estirpe baseava-se preponderantemente no fator financeiro.

Como sói acontecer, as famílias abastadas constituíam seu círculo próprio, onde se frequentavam umas às outras, casavam seus filhos, etc. E sucedeu que uma Rothschild uniu-se em matrimônio a um membro da família Ratisbonne, também de origem hebreia. Como se sabe, não raro os israelitas adotam sobrenomes de cidades, e o desse personagem é a tradução do latim para o francês do nome da pitoresca cidade bávara de Regensburg.

O casal recém-formado, herdando o prestígio granjeado pelo importante patrimônio dos Rothschild, introduziu-se na alta nobreza da Europa, a qual ainda gozava de muita fartura e ocupava a primeira categoria social do Velho Continente. Assim, viviam no luxo, ostentavam roupas de célebres estilistas, equipagens magníficas e tudo quanto havia de melhor.

Conversão espetacular

No grêmio dessa nova linhagem surgiria Afonso Tobias Ratisbonne, francês, bastante inclinado ao ceticismo. Tornou-se influente banqueiro, afeito à vida mundana e apreciador de viagens pela Europa. Quando realizava uma dessas excursões, em 1842, passou por Roma e, por obrigações familiares, teve de visitar o Barão Teodoro de Bussières, secretário e amigo íntimo do embaixador da França em Roma. Esta não era ainda a capital da Itália, uma vez que a Península não se encontrava unificada, mas dividida em diversos reinos. Um deles, os Estados Pontifícios, dos quais o Papa era o soberano e a Cidade Eterna, a sua metrópole.

O barão se interessou pela pessoa de Afonso e pediu que este lhe contasse sobre seus passeios no centro da Cristandade. Durante a conversa, esforçou-se por incutir na alma do Ratisbonne sentimentos que o levassem a se converter e a aceitar a Fé católica. Não obtendo sucesso, insistiu que o visitante ao menos concordasse em portar uma Medalha Milagrosa, oferecida como presente. Um tanto relutante, Afonso condescendeu, e os dois se despediram, quites a se verem de novo nos próximos dias.

Ora, tendo falecido de modo inesperado o embaixador francês, o Barão de Bussières combinou com Ratisbonne um encontro na Igreja de Sant’Andrea delle Fratte, onde providenciaria as exéquias para o defunto.

Na hora aprazada, Afonso compareceu, e enquanto o barão se achava na sacristia para tratar dos detalhes da Missa, começou a percorrer o interior do templo, detendo-se aqui e ali na consideração das imagens, dos ornamentos, dos belos mármores, etc. Terminadas as tratativas, o Barão de Bussières retornou à igreja e, surpreso, avistou o seu amigo judeu ajoelhado diante de um altar próximo à entrada. Ratisbonne, transfigurado, rezava.

Com intensa emoção, Afonso revelou-lhe:
— Você não sabe o que aconteceu! A Mãe de Jesus Cristo me apareceu aqui!

E passou a descrever Nossa Senhora, tal qual o fizera Santa Catarina Labouré, a quem a Rainha do Céu aparecera 12 anos antes na Capela da Rue du Bac, em Paris. Claro, alheio às coisas da religião Católica, Ratisbonne não sabia daquele acontecimento nem conhecia as narrações feitas por Santa Catarina. Circunstância que conferia ainda maior autenticidade à revelação de que fora objeto.

Segundo suas indicações, pintou-se um quadro com a imagem de Nossa Senhora, a qual passou a ser venerada como Maria Santissima del Miracolo.

Após este prodigioso episódio, tocado no fundo da alma pela graça divina, Afonso Tobias Ratisbonne se converteu, tornou-se padre e, ao lado de seu irmão (fundador da Congregação de Nossa Senhora de Sion), também convertido e ordenado sacerdote, dedicou-se ao apostolado junto aos judeus.

Sorriso que cura todas as dores

Embora sem renomado valor artístico, essa pintura é muito bonita e expressiva, e grande é o afluxo de fiéis a venerá-la, posto que o movimento de piedade na igreja é também intenso, com diversas missas celebradas ao longo do dia.

Como já disse, lá estive várias vezes para assistir a Missa, comungar e rezar diante do quadro. Eu ficava verdadeiramente maravilhado diante da pintura. No meu espírito vincava-se a impressão de que o sorriso de Nossa Senhora aliviava todas as dificuldades daquele dia e me concedia alento para o seguinte.

Pedir a entrada triunfal de Maria em nossas almas

Ao considerar esse lindo episódio da conversão do Ratisbonne, alguém poderia pensar não haver nada de extraordinário nessa mudança de vida: pois se a própria Mãe de Deus apareceu ao homem, tornou-se patente para ele a veracidade da Religião Católica. Outra coisa não lhe restava senão se consagrar inteiramente a esse credo.

Ora, as coisas não se verificam assim tão simplesmente com a miséria humana. Elas se passam de um modo bem diverso. O homem poderia ter sido beneficiado pelo milagre e, apesar disso, manifestar um fervor muito fraco e pequeno.

No caso de Ratisbonne, vê-se que Nossa Senhora venceu imensas e difíceis barreiras: tratava-se de uma pessoa mundana, imbuída de toda espécie de preconceitos contra a Religião Católica. Porém, a Santíssima Virgem conseguiu tocar sua alma, e o maior milagre não foi o de ter aparecido a ele, e sim o de tê-lo convertido.

Por assim dizer, Nossa Senhora penetrou na alma dele e a mudou, transformou-a completamente. E Afonso correspondeu a essa graça, fez-se católico ardoroso e padre exemplar.

Percebe-se por esse fato o quanto vale a entrada triunfal de Nossa Senhora nas almas. E, portanto, na festa da Madonna del Miracolo, devemos pedir a Ela que penetre em nossas almas e faça ali o seu reino, vencendo os obstáculos que possamos Lhe opor. De maneira tal que Ela seja verdadeiramente a Senhora nossa, e nós, seus verdadeiros escravos.

 

1) Santo André delle Fratte: Fratte, plural no italiano de fratta, porção de campo geralmente utilizada como pasto para rebanhos de ovelhas.
2) Cf. “Dr. Plinio” número 46, janeiro de 2000.

 

Plinio Corrêa de Oliveira