Esplendor da ordem do Universo

Admirador entusiasmado de toda a hierarquia estabelecida por Deus na criação, Dr. Plinio, através de comentários sobre a nobre e santa família dos reis húngaros, nos mostrará a beleza da ordem universal fundada sobre as desigualdades.

 

Celebrada pela Igreja em 17 de novembro, Santa Isabel, Rainha da Hungria e Duquesa da Turíngia, pertenceu a uma família que se distinguiu por seus vários membros elevados à honra dos altares. Essa maravilhosa estirpe de santos inspirou a Dom Guéranger o seguinte comentário:

Se bem que todos os eleitos brilhem no Céu de um fulgor próprio, Deus se compraz em agrupar cada um deles em famílias, assim como faz com os astros no firmamento.

E para conferir maior esplendor à santidade, às vezes o Senhor outorga um patrimônio augusto de virtudes que se transmite de geração em geração, nos elementos de uma mesma descendência na Terra. Entre essas raças benditas está a antiga linhagem real da Hungria, a qual ocupa um papel de singular grandeza na constelação dos santos. E o jogo das alianças lhe permitiu levar a  todas as casas coroadas da velha Europa, o prestígio de uma perfeição espiritual adquirida por numerosos de seus filhos.

O mais ilustre e também o mais amável desses rebentos é Santa Isabel. Depois de Santo Estêvão, Santo Emmerick e São Ladislau, surge ela como filha de Gertrudes da Turíngia, tendo por tia Santa Hedwiges da Silésia, e por primos e sobrinhos-netos, entre outros, Santa Inês da Boêmia, Santa Margarida da Hungria, Santa Cunegundes da Polônia e Santa Isabel de Portugal, constituindo uma encantadora harmonia da natureza e da graça.

A ordem hierárquica, maravilha na Terra e no Céu

Alguns pensamentos contidos nesse interessante comentário merecem uma análise mais profunda.

Antes de tudo, a noção de que Deus agrupa as almas no Céu, de maneira a formarem famílias, não tanto pelos laços de consanguinidade adquiridos na Terra, mas pela afinidade espiritual existente entre elas.

Isto obedece a uma das regras da estética do universo. Se Deus, tendo criado um incontável número de almas, as levasse para o Céu e lá não compusessem grupos, elas se assemelhariam a uma espécie de poeira espalhada pelas vastidões do Paraíso. Ora, tal não apresentaria a beleza da ordem, que vem a ser o aspecto mais eminentemente nobre e pulcro de todas as coisas.

Explico. Se tomarmos alguns objetos lindos e distintos, considerados em si mesmos,  de sua justaposição harmônica nasce uma forma de beleza e de nobreza maior que essas qualidades residentes em cada um deles.

Por exemplo, o colar de pérolas vale mais do que a soma dos preços de cada uma delas isoladas. Porque aquelas pedras, dispostas pelo seu tamanho de modo a constituir um conjunto, possuem maior valor do que se vendidas separadamente.

O mesmo se verifica com os santos. Assim como Deus criou sistemas de planetas e satélites no mundo sideral, várias espécies de animais, raças de homens e coros de Anjos, haveria Ele de querer que no Céu todas as criaturas ficassem agrupadas hierarquicamente, segundo as ­suas excelências de caráter espiritual. Nisto se acha a beleza do universo.

Por essas considerações, podemos perceber como seria contrária aos planos divinos para a criação, uma ordem de coisas em que todos fossem iguais e onde, portanto, essas contexturas íntimas desaparecessem.

Aqueles para os quais igualdade e santidade são condições idênticas, na realidade não entendem nada a respeito desta última, e nutrem um ideal de perfeição oposto ao da heroicidade de virtudes. Pois o autêntico anelo de excelência espiritual supõe o amor à hierarquia, expressa na constituição de grupos cujos componentes estão dispostos conforme  a categoria de cada um. Por isso mesmo, a ordenação hierárquica é um dos maiores esplendores do Céu.

Famílias glorificadas pela santidade

Acrescenta muito bem Dom Guéranger:

Esse agrupamento se realiza pelas luzes primordiais e afinidades de alma. Mas, às  vezes,  Deus também tem o desejo de glorificar determinadas famílias, fazendo com que nelas apareçam muitos santos.

Sem dúvida, a mais ilustre de todas essas famílias é a Casa Real de David, no seio da qual surgiram personagens monstruosos, mas também santos insignes que prefiguraram o Redentor. Dela nasceram Nossa Senhora, São José e Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Filho da Santíssima Virgem. Além disso, à régia linhagem de David pertenceram mais de um Apóstolo, escolhidos por Jesus entre seus parentes.

Não se pode, portanto, imaginar uma família mais honrada com esta espécie de disseminação da santidade, do que a Casa do Rei-Profeta.

A exemplo desta, o mesmo se dará em várias estirpes nobres da Europa, como aquela de Santa Isabel da Hungria, singularmente abençoada por sua riqueza espiritual.

Cabe aqui uma consideração interessante. Muitas vezes, quando se estuda mais de perto a existência dessas famílias, nota-se nelas uma obra progressiva da santidade. Deus concede uma graça especial a determinada geração, aprimorada na seguinte, e assim por diante, de geração em geração, até alcançar um requinte de virtude, o qual se propaga por uma série de santos.

Tal se verifica porque Deus quer honrar a continuidade familiar. Ele a deseja tanto que, punindo com severidade o pecado original, se dispõe também a conceder as recompensas de acordo com essa continuidade. E não há prêmio maior do que a presença da virtude, ou seja, a eclosão de diversos santos dentro de uma mesma linhagem.

Estas são as famílias abençoadas, as famílias da destra de Deus, constituídas para, através das gerações, produzirem grandes obras.

Concluo esses breves comentários com uma recomendação. Para crescermos no amor a Deus, no enlevo pela infinita perfeição divina que estabeleceu a ordem do universo, devemos pedir a Nossa Senhora, ao glorioso Patriarca São José e a todos esses santos, que inculquem em nosso espírito essa noção da hierarquia, e a compreensão de como seria falsa e má uma ordenação de coisas, mesmo no Paraíso celeste, onde todos fossem iguais e como que esfarelados.

 

Santa Isabel da Hungria – Constância em meio à dor

A Idade Média pode ser comparada a uma catedral, em cuja fachada estão colocadas imagens de muitos santos. Uma dessas figuras foi Santa Isabel da Hungria, glória da Ordem Terceira Franciscana e um dos ornamentos da Cristandade

O calendário dos santos nos traz à memória Santa Isabel, viúva e religiosa, que viveu no século XIII, filha do Rei André II da Hungria e esposa de Luís, “Landgraf” da Turíngia.

O que era um “Landgraf”? Ao pé da letra, “land” significa terra e “graf”, conde. O “Landgraf” é um Conde da Terra. E foi com um grande senhor feudal, um príncipe, que ela se casou.

Muitos santos passam por dramas

Eu gostaria de considerar a biografia de Santa Isabel da Hungria debaixo de um ângulo muito interessante, que é o seguinte:

O itinerário, a linha geral, da vida de muitos santos se parece com o de Santa Isabel da Hungria. É uma situação inicial, um drama que leva a pessoa até ao heroísmo, depois se passam alguns anos de aperfeiçoamento e de estabilidade na quietude e no heroísmo, é a santificação, e por fim a morte.

Pode-se encontrar isso na vida de quase todos os santos que mudaram o seu estado de vida.

O santo mais característico nesse sentido é Santo Inácio de Loyola, um gentil-homem que frequentava a corte, era guerreiro e tinha todas as ambições costumeiras de um fidalgo de seu tempo. Entretanto, abate-se sobre Inácio o drama, que começa com o ferimento no cerco de Pamplona e termina quando ele fundou a Companhia de Jesus; foi uma fase convulsionada e difícil de sua vida. Fundada a Companhia de Jesus, inicia-se outro período de luta, mas com certa estabilidade. Depois de algum tempo ele morre.

Assim foi também com Santa Teresa de Jesus. Ela era tíbia, quer como pessoa do século, quer como religiosa, mas que depois se transformou tanto, a ponto de ser um vergel de santidade até os dias atuais. Mas é o drama: a religiosa tíbia que passa a ser fervorosa e fundadora e tem de enfrentar inúmeras dificuldades e tragédias. Depois, segue um período de estabilidade; a obra está fundada, ela é a Superiora Geral, dirige-a por algum tempo e morre.

No castelo de Wartenburg

A mesma coisa se passou com Santa Isabel. Ela era filha do Rei da Hungria e esposa do Duque da Turíngia. Era, portanto, uma senhora de alta posição social, que vivia na perfeita prática da virtude. Não se pode falar propriamente de sua conversão, mas ela vivia feliz no século. Deus a destinava a ser uma glória da Ordem Terceira dos Franciscanos, para iluminar e tornar-se um dos ornamentos da Cristandade medieval.

A Idade Média pode ser considerada como uma catedral, em cuja fachada estão colocadas imagens de muitos santos. Uma dessas figuras ornamentais e inspiradoras é exatamente Santa Isabel da Hungria.

Ela foi para o Castelo de Wartenburg, na Turíngia, aos quatro anos de idade. Naquele tempo prevalecia a ideia — pelo menos nas altas camadas sociais — de que era conveniente mandar as meninas para os castelos das famílias onde deveriam se casar. Pois poderiam receber toda a formação do lugar e assumir inteiramente todos os seus costumes, embora elas fossem livres de dizer “não” no momento em que atingissem a maioridade, e de fato não se casassem.

Santa Isabel foi para lá e teve uma vida muito feliz. Ela e seu esposo deram-se muito bem.

O leproso acolhido no castelo

Entretanto, o que acontece na realidade é que os verdadeiros filhos de Deus sempre acumulam em torno de si a inimizade das pessoas más e invejosas. Não existe nenhum verdadeiro católico que não seja perseguido. Nosso Senhor Jesus Cristo já prevenira aos seus de que todo autêntico discípulo d’Ele seria perseguido como Ele o foi.

Santa Isabel tinha contra si toda espécie de odiosidades, que vinham, muitas vezes, devido a sua prática da perfeição. Os ímpios e invejosos exploravam aspectos de suas virtudes que eram incompreensíveis a eles, pois tinham mau espírito.

Assim, por exemplo, em certa ocasião ela acolheu um leproso que viu passar pela rua e o convidou a entrar em seu castelo, deitou-o em seu leito e começou a tratar dele como se fosse o próprio Cristo, à vista daquela palavra de Nosso Senhor de que todos os sofredores representam a Ele. A sogra de Santa Isabel soube disto e procurou a Luís, seu filho, e lhe disse: “Veja o que sua esposa está fazendo! Colocou um leproso em sua cama, para que depois você seja contagiado! Vá até lá e veja que estou falando a verdade!”

Ele foi e encontrou o leproso deitado na cama, e disse:
— O que é isto? O que significa este homem deitado neste leito?

Ela respondeu:
— Meu esposo, este homem é Nosso Senhor Jesus Cristo.

No momento em que ela afirmou isto, deu-se o milagre e o Duque viu, no leproso, a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. E sentiu um admirável odor de rosas, que se expandia da pessoa do leproso. Ele ficou profundamente impressionado e a sogra perdeu a partida.

O Duque Luís era muito bom homem. Ele partiu para a Cruzada, foi contagiado pela peste e acabou morrendo.

Terrivelmente perseguida, refugiou-se numa floresta com seus filhos

Desde então, a perseguição se desencadeou contra Santa Isabel de um modo trágico. Ela, que era Duquesa da Turíngia e filha do Rei da Hungria, teve de morar num estábulo de porcos. Foi uma perseguição tremenda, que nos faz ver bem qual é a realidade das misérias humanas.

As pessoas que a desprezaram eram as que tinham sido beneficiadas por ela, mas que agora se manifestavam frias na hora do infortúnio. Em vez de irem ao encontro dela, afastavam-se, mantinham distância, pois estavam com medo das represálias que poderiam sofrer pelos que odiavam a Santa Isabel.

Certa noite ela acabou sendo acolhida num convento, no qual foi muito bem recebida, mas depois teve de se retirar, porque seu cunhado estava se aproximando. Antes de sair, pediu que se cantasse o “Te Deum”, para dar graças a Deus pelos sofrimentos pelos quais ela estava passando. Logo depois que saiu, caiu uma forte chuva sobre ela e seus filhos. E era uma chuva de inverno europeu, água gelada! E Santa Isabel, escondida numa floresta com seus filhos, sofrendo tudo aquilo teve um desfalecimento; parece ter sido tentada a ter dúvidas contra a Fé. Não se sabe qual foi o grau de seu consentimento, mas de qualquer maneira ela se penitenciou a vida inteira por isto. A Providência a perdoou, e ela chegou até a mais alta santidade. A fortuna lhe foi restituída, mas ela não quis voltar para as regalias antigas e dedicou-se de corpo e alma à Ordem Terceira dos Franciscanos.

A partir do momento em que seu marido vai para a Cruzada e morre, se inicia o drama para Santa Isabel: Ela fica sozinha, perde o ducado, é perseguida e começa para ela uma vida muito mortificada e miserável. Passa por dilacerações tremendas, e a boa moça se transforma numa heroína, depois na santa que vive todo o tempo na santidade e por fim morre. São três etapas que se pode verificar em muitas vidas de santos.

Isso também se verifica na vida comum: uma família se constitui, luta para ganhar a vida, formar e santificar os filhos, fazendo deles verdadeiros cumpridores da Lei de Deus. Quando essa batalha é vencida, os pais já estão velhos, têm um período de estabilidade e depois vem a morte.

Provavelmente isso se dará conosco. Nós temos um período de germinação, e depois de um período de lutas também chegará a ocasião de preparar a nossa alma e prestarmos contas a Deus.

A vida não teria sentido se não houvesse a luta

Devemos compreender, portanto, que todos os dramas da vida fazem parte dessa arquitetura e que a existência não teria sentido se não fosse exatamente esse aspecto de luta, de tragédia, de martírio, em função do qual todo o resto se desenvolve. Uma coisa é a preparação e outra é a conclusão, mas o importante é a parte da luta, a fase dramática, na qual o homem dá tudo quanto tem, tudo quanto pode dar!

E precisamos nos preparar para isso com muito entusiasmo, como um cavaleiro se preparava durante sua vigília de armas. Compreendendo que a fase mais importante da vida vai ser essa: algum momento, por vezes interior, em que a pessoa transpira sangue como Nosso Senhor no Horto das Oliveiras. Mas ela tem um ato de fidelidade e vai para a frente, confiando na misericórdia de Nossa Senhora. É o ápice da vida!

Feliz aquele cuja vida apresenta muitos ápices, que desfecha num ápice central! Compreendemos então a beleza da vida de cada homem, considerada sob este aspecto.

A vida de Santa Isabel da Hungria nos apresenta exatamente um exemplo muito frisante, muito importante. Peçamos a ela que nos dê a coragem nessas grandes horas e o desejo dessas grandes horas.

Devemos ver também na vida desta santa um exemplo de constância em meio às piores desgraças. Há duas formas de constância na desgraça: uma quando a desgraça acontece e a pessoa a suporta. Outra quando a pessoa prevê a desgraça, fita-a com olhos calmos e oferece a Nossa Senhora o sacrifício que vai ter, e faz a oração de Nosso Senhor no Horto das Oliveiras: “Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua!”

Essa foi a vida de Santa Isabel da Hungria, e assim deve ser a nossa. Na calma, a resignação de ver as desgraças pelas quais devemos passar e ter a constância no decurso delas. Isso não se pode conseguir a não ser seguindo o exemplo adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo: na hora da aflição vigiar e orar para não cair em tentação. Peçamos isso a Nossa Senhora, cuja prece é onipotente!

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 19/11/1965 e 18/11/1966)

São Gregório Taumaturgo

Se Deus fez grandes milagres para resolver pequenos assuntos, com muito mais razão realizará milagres extraordinários para solucionar questões de altíssima importância, desde que peçamos com muita insistência e confiança, através de Nossa Senhora.

Em 17 de novembro comemora-se a festa de São Gregório Taumaturgo, a respeito do qual temos os seguintes dados biográficos:

Gregório nasceu em Neocesareia, por volta de 213. Foi discípulo de Orígenes e se tornou bispo de sua cidade natal. Ilustre por sua doutrina e santidade, ele o foi ainda mais pelo número e pelo brilho dos milagres extraordinários — razão pela qual foi chamado o Taumaturgo — que o tornaram, segundo o testemunho de São Basílio, comparável a Moisés, aos Profetas e aos Apóstolos.

Por sua oração ele moveu do lugar uma montanha que o atrapalhava para construir uma igreja. Secou uma lagoa que era para seus irmãos uma causa de discórdia. Deteve as inundações do Rio Icus que devastavam os campos, introduzindo no rio seu bastão, o qual imediatamente criou raízes e se transformou numa grande árvore, formando um limite que o rio nunca mais excedeu.

Muitas vezes ele expulsou os demônios dos ídolos e dos corpos e realizou muitos outros prodígios, pelos quais multidões de homens foram conduzidas à Fé de Jesus Cristo.

Possuía também o espírito dos Profetas, e anunciava o futuro. No momento de deixar esta vida, tendo ele perguntado qual o número dos infiéis que permaneciam em Neocesareia, lhe responderam que não era senão dezessete. E dando graças a Deus ele disse: “Esse é o mesmo número dos fiéis, no começo do meu episcopado”.

Escreveu vários trabalhos que, como seus milagres, ilustraram a Igreja de Deus. Morreu entre 270 e 275.

Milagres incontestáveis e não fruto de sugestão

Sem dúvida, é um grande santo!

Cabe-nos analisar um pouco a natureza desses milagres, para entendermos alguma coisa da missão dele.

É interessante que no enorme conjunto de santos a Providência, que sempre faz com que a quase totalidade deles opere milagres, entretanto escolhe alguns para realizar muitos milagres. Isso tem uma razão de ser profunda, porque os milagres operados em grande número pela mesma pessoa indicam mais a ação extraordinária de Deus. Que uma pessoa faça um ato miraculoso, já é inverossímil. Mas que realize muitos e muitos é mais inverossímil ainda, de maneira que esses milagres dão muito mais glória a Deus.

E aqui está um homem que parece ter sido escolhido para mostrar que todos os dons de milagres do Antigo Testamento e da Igreja primitiva ainda se conservavam no século III, em que ele viveu. O que esses milagres têm de interessante é que nenhum deles pode-se explicar pela sugestão.

Posso compreender que um maluco diga que uma cura em Lourdes foi feita por sugestão. Mas nenhum doido pode dizer que uma montanha ficou sugestionada, e por isso mudou de lugar; ou que um lago secou por uma sugestão.

Alguém objetaria: “Ele sugestionou as pessoas que os viram”.

A sugestão não dura a vida inteira. Está um monte aqui, que se move para lá. É uma sugestão das pessoas que viram; quando passa a sugestão, onde se encontra o monte? O monte deveria ter voltado para o lugar anterior…

O lago estava cheio e, por um fenômeno de sugestão, as pessoas tiveram a impressão de que ele secou. Mas se assim fosse, quando passasse essa impressão, o lago deveria estar cheio de novo… Depois, aquele crescimento imediato de uma árvore porque ele colocou o bastão dentro da água. Terminada a impressão, as pessoas deveriam ver o bastão e não a árvore. Ora, viram uma árvore crescer imediatamente, a ponto de mudar o curso de um rio… Portanto, são milagres categóricos, incontestáveis. A Providência deu a este santo esse dom de milagres para que assim se compreenda como a Igreja é divina.

Deus nos atende com liberalidade magnífica

Mas foi só para isso? Não. Há ainda outras razões.

Primeiro, uma montanha que precisava ir embora, para ele poder ter um lugar cômodo a fim de construir uma igreja. Foi um prodígio enorme, feito por ocasião de um pedido não muito importante. Porque, afinal de contas, se não se pode edificar uma igreja aqui, constrói-se lá. Não é irremediável que uma montanha esteja atrapalhando a construção de uma igreja…

Por que a Providência deu a ele a graça de operar esse milagre, a propósito de uma coisa que parece não ser de primeira importância?

É para mostrar como Deus é paterno, como a Providência é materna para conosco. Os milagres não se operam somente quando estamos com angústia, presos pela “garganta” pelas maiores tragédias. Mas Deus é Pai, Nossa Senhora é Mãe, e nos dão graças muito grandes, com uma liberalidade magnífica, mesmo quando não nos encontramos na última aflição.

O “Livro da Confiança” insiste neste ponto: é preciso pedir muito e com insistência, mesmo coisas que não sejam muito importantes, e ser-nos-ão concedidas.

Aqui vemos um milagre enorme realizado apenas para simplificar a vida de um santo, a fim de que um desejo dele pudesse mais comodamente ser satisfeito.

Outro milagre: seus irmãos estavam brigando por causa de uma lagoa, e ele a secou. É uma espécie de malicioso castigo para os irmãos. “Vocês estão se estraçalhando pela posse dessa lagoa? Pois bem, ela se tornará seca e não ficará com ninguém!”

Provavelmente, se ele passasse uma boa descompostura nos irmãos, resolveria a contenda da mesma maneira; é um episódio íntimo, uma briguinha de família que não tem nada de mais trágico. Entretanto, foi feito o milagre para solucionar o caso.

O terceiro milagre era para evitar as inundações de um rio. Também é uma coisa que a humanidade poderia continuar a existir se esse rio transbordasse.

Agir com santa liberdade

Isso nos deve conduzir à ideia de que, se para bagatelas dessas um santo pode ser atendido, podemos ser acolhidos também quando pedimos coisas muito mais importantes. Porque quem faz o mais, faz o menos. E se é mais extraordinário fazer um milagre por uma bagatela, é menos extraordinário realizá-lo para uma coisa que não seja bagatela.

Portanto, pelas necessidades da nossa vida espiritual, quantas montanhas devem ser removidas, quantas lagoas têm que ser secadas, quantas inundações que transbordam e precisam ser remediadas! E com quanta confiança devemos, portanto, nos dirigir a Nossa Senhora pedindo a Ela esses favores!

Alguém me dirá:
— Ah, Dr. Plinio, antes fosse como o senhor diz… Mas a questão é que nós não somos São Gregório Taumaturgo. Ele era um santo e conseguia.

Eu respondo:
São Gregório está no Céu e se encontra ao nosso alcance; para quem olha as coisas sob o ponto de vista sobrenatural, é tudo tão simples. Não consigo obter porque eu sou eu, e não sou São Gregório Taumaturgo. Peçamos, então, a ele no dia de hoje em que se comemora sua festa.

É preciso agir com as coisas do Céu com esta santa liberdade, eu diria quase com essa santa candura. Quanta coisa se recebe por essa forma! E é este o incitamento a que se presta a vida deste santo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/11/1965)