Sobre São Nuno de Santa Maria, nome que o Condestável Nuno Álvares Pereira tomou em religião como religioso carmelitano, o Gal. Silveira de Mello, no livro “Os Santos Militares”, diz o seguinte:
“As primeiras atividades militares de Nuno Álvares Pereira foram, no seu dizer, simples escaramuças nas fronteiras de Portugal. Jovem impetuoso, revelou-se logo exímio condutor de seus homens. Certa ocasião, os castelhanos fizeram um desembarque com cerca de 250 homens para estabelecer uma cabeça de praia que facilitasse o desembarque. Nuno, de guarda nessa hora, não possuía senão dois pelotões de 60 homens que o acompanhavam. O chefe português podia opor-se ao desembarque do escalão inimigo, mas exporia a inferioridade numérica de seus homens. Preferiu atacar os castelhanos fora da praia, mas grande parte de sua gente intimidou-se. O inimigo desembarcou sem encontrar resistência e avançou em posição de ataque.
“Nuno, ajudado de poucos cavaleiros audaciosos, fez frente à primeira leva dos inimigos. Atacou-os com fúria, acometendo-os à lança e à pata de cavalo. Quebrando a lança, puxa da espada; o cavalo que montava cai ferido e prende, na queda, a perna do cavaleiro. Os castelhanos aproveitam do incidente e atacam. Vendo o chefe em perigo, os companheiros avançam em seu socorro. Entusiasmam-se os lusos, a princípio indecisos. Nuno não se ferira, protegido que fora pela armadura e pelo escudo. Entra na luta com novo ânimo, luta essa de quatro contra um. Mas aos portugueses vale o denodo do capitão. Os inimigos perdem terreno, debandam, são perseguidos e poucos se põem a salvo.
“A 15 de agosto de 1243, Nuno foi admitido na Ordem Carmelitana com o nome de Nuno de Santa Maria. Foi grande religioso, como fora grande soldado. Encontrou no convento um sacerdote que antes da ordenação fora também soldado e o servira. À sua passagem, o monge terciário … ia beijar-lhe o hábito em respeito à sua dignidade. Por seu lado, o sacerdote carmelita declarava que uma das grandes honras de sua vida fora ter sido pajem do Condestável.
“No último ano de sua vida, em 1431, alquebrou-se o velho guerreiro. O rei D. João foi vê-lo e ao abraçá-lo pela derradeira vez, chorou como quem se despede do melhor amigo. Quando percebeu que sua hora era chegada, Nuno pediu que lhe fosse lida a Paixão do Senhor, segundo São João. Expirou suavemente às palavras …
“Epitáfio de Nuno de Santa Maria: Aqui repousa aquele Nuno, Condestável, fundador da Casa de Bragança, general exímio, depois monge bem-aventurado, o qual, sendo vivo, desejou tanto o Reino do Céu que mereceu, após a morte, viver eternamente na companhia dos santos. Pois, após numerosos troféus, desprezou as pompas e fazendo-se humilde de príncipe que era, fundou, ornou e dotou esse templo.”
Num Canto dos Lusíadas Camões exalta a figura do grande herói português, quando este incita os fidalgos lusos à resistência:
“Atai as mãos a vosso vão receio, que eu só resistirei ao jugo alheio. Eu só com meus vassalos e com esta – Dizendo isso arranca meia espada – Deterei da força dura e infesta – A terra nunca de outrem subjugada. Em virtude do rei, da pátria… – Da lealdade já por vós negada – Deterei não só esses adversários – Mas quanto a meu rei for necessário.”
A grandeza camoniana!…
Os episódios aqui narrados são todos eles de grande significação, tanto a batalha árdua de Nuno Álvares Pereira, quanto depois a sua atuação no convento, e aquela linda reciprocidade de respeito entre ele e o sacerdote.
Ele que como simples donato, quando via passar o sacerdote se levantava e o sacerdote que fora pajem dele, que se honrava em ter sido pajem dele e que sentia uma profunda emoção de respeito quando via D. Nuno Álvares Pereira passar…
O espírito católico se compraz em reconhecer a superioridade e naquele tempo, ele se exprimia numas manifestações de mútua reverência, de mútuo respeito, de mútua admiração, que faziam crescer ainda mais os valores da Civilização Cristã.
Nós tivemos oportunidade de comentar, há algum tempo atrás, o encontro de Santo Ângelo, carmelita, com São Francisco de Assis e São Domingos, em Roma. E a tradição segundo a qual os três santos teriam caído de joelhos uns diante dos outros. É essa efusão de mútua veneração que não se resolve em igualdade, mas se resolve em profunda humildade.
É aqui que se vê bem o esplendor da Civilização Cristã.
Os senhores vêem no ardor da luta de Nuno Álvares como deve lutar o verdadeiro católico. O verdadeiro católico não é o sentimental que não tem o senso da guerra, mas, pelo contrário, Nuno Álvares lutava como os senhores acabam de ver, empenhando-se inteiramente e comunicando a coragem aos outros.
Vejam o verdadeiro católico como é: como era o venerável Nuno Álvares.
Pela revelação que contém da santidade da coisa, muito bonita também é a despedida do rei. Naquele tempo as pessoas não tinham medo de morrer e embora não houvesse o diagnóstico inexorável de certas radiografias de hoje, as pessoas muitas vezes pressentiam a morte. Quando pressentiam a sua morte, iam se despedir. E as pessoas que recebiam a visita de despedida achavam aquilo natural: entrava, conversava, tomava chá, depois, na hora de sair, despedia mesmo. Também depois não se viam mais antes de morrer.
Era a época da cortesia, em que as pessoas até para morrer, morriam com polidez, com elegância. Pois, quando se trata de sair da terra — a gente fazendo uma visita para despedir porque vai viajar —, por que não vai fazer uma visita para despedir quando vai morrer, quando essa é a grande viagem? E depois é preciso dar um bom conselho para um, para outro; por justiça, se deve um agradecimento. Então, a gente vai fazer o agradecimento. Para outro é porque a gente estima e quer rever mais uma vez antes de morrer.
E então o rei e ele se reviram. O rei chorou, abraçaram-se, depois cada um seguiu o seu destino. E naturalmente São Nuno de Santa Maria morreu e no céu rezou pelo rei. É a época da elegância. Os senhores vejam a elegância das maneiras, a polidez das maneiras como se interpenetrava com a piedade e dava à piedade uma excelência própria, porque foi um costume de alta elegância que foi embebido de piedade, e dava à piedade uma beleza especial essa forma de separação antes de morrer, com essa nobreza, com essa tranqüilidade e com esses olhos postos no céu.
E aí os senhores têm uma visão dos esplendores da Civilização Cristã, a propósito da vida de São Nuno de Santa Maria.
De maneira que aqui fica uma oração: Que Nossa Senhora e o Bem-aventurado Nuno Álvares nos obtenha precisamente essa coragem de que ele deu o exemplo e que Camões tão bem soube cantar.
Plinio Corrêa de Oliveira – Extratos da conferência de 5/11/1966