O principal ponto de adesão entre Dr. Plinio e sua mãe era o fato de ela estar continuamente voltada para uma “trans-esfera” muito nobre, elevada, doce, serena, lúcida, do alto da qual mantinha relações com todo mundo. Isso que poderia parecer etéreo se exprime muitíssimo bem no Quadrinho de Dona Lucilia, especialmente nos olhos.
Dona Lucilia era uma senhora de família ou, como se diz hoje de uma maneira horrível, “de prendas domésticas”.
Vivia para o trabalho de uma existência de senhora, para dentro de sua casa. Não foi uma senhora de estudos, pois no tempo dela não era costume as senhoras estudarem. Tinha as ideias gerais das senhoras que viviam no ambiente de homens cultos. Era profundamente católica.
Mas eu não ousaria dizer que este ponto fosse o principal da adesão entre mim e ela. Certamente não haveria adesão se ela não fosse assim. Isso é certo, mas não é o fundamental. O principal ponto de adesão era um modo de ser da alma dela que me parecia estar continuamente voltado para uma “trans-esfera”1 por onde, embora ela tomasse conta de tudo muito bem, o melhor da atenção, do afeto dela estava voltado para essa “trans-esfera” muito nobre, elevada, doce, serena, lúcida, do alto da qual ela mantinha relações com todo mundo, de tal maneira que se percebia estar sua alma, ao mesmo tempo, na “trans-esfera” e na pequena coisa concreta.
Lembro-me de que ela gostava muito de uma flor chamada primavera.
Na fazenda do Amparo de Nossa Senhora, onde eu costumo me hospedar, há uma trepadeira com essa flor. Sabendo que mamãe apreciava a primavera, os membros de nosso Movimento ali residentes cortavam muitas daquelas flores e me davam para levar para ela, cada vez que eu voltava a São Paulo.
Quando chegava, eu lhe entregava as flores, e via os jeitos dela olhar encantada para elas. Às vezes, suave e discretamente, mamãe até parava um pouquinho a respiração e depois fazia algum comentário. Mas eu notava que o comentário não era nada em comparação com o que estava no espírito dela a respeito daquilo. Entretanto, o que ela dizia estava relacionado com uma “trans-esfera” da qual aquelas flores não eram senão o símbolo. Em última análise, uma relação com Deus Nosso Senhor, com Nossa Senhora e tudo o mais que tange o mundo sobrenatural.
Desse sentido elevadíssimo no qual Dona Lucilia habitava procediam todos os seus estados de alma, os quais constituíam o meu maior encanto por ela, e que procurei haurir e transformar em meus, tanto quanto pude.
Este era o principal ponto de atração. É um pouco nebuloso, etéreo, mas a pessoa se dá conta disso olhando o Quadrinho. Porque vendo-o percebe-se o que isso quer dizer de concreto, embora seja um pouco inexplicável.
Se querem saber qual é o principal ponto de atração da alma de mamãe para a minha, olhem para o fundo do olhar dela no Quadrinho e compreenderão. Aquilo diz muito mais do que qualquer palavra ou descrição.
Quando um discípulo meu pintou aquele quadro – tendo como base uma das últimas fotografias tiradas dela – fê-lo durante uma longa viagem, dentro de uma “Kombi”, nas condições mais desfavoráveis que se possa imaginar para um trabalho desse tipo.
O resultado foi que ele terminou a pintura e não gostou. Então, apagou tudo, exceto os olhos, que lhe pareciam ter ficado bons. Assim, no pano restaram apenas aqueles dois olhos. E ele tinha a impressão de que os olhos dela lhe suplicavam que retomasse a pintura. Ele então fez e, apesar de outras vicissitudes, saiu aquela obra-prima.
Pois bem, eu me comovo imaginando aqueles dois olhos no tecido. Seria quase o que mamãe foi para mim: dois olhos ao longo da vida…
Todo o resto, um tecido. Mas aqueles dois olhos eram, para mim, um firmamento! Recordo-me de quantas e quantas vezes eu olhava para os olhos dela profundamente. E mamãe tinha uma coisa curiosa: quando ela se sentia analisada, tomava uma atitude bem fixa e se deixava olhar. Eu tinha a impressão de que pegava com a mão no fundo da alma dela, de tal maneira me ficava claro quem ela era. E ficava encantadíssimo, mas encantadíssimo!
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/2/1978)
1) Termo criado por Dr. Plinio para significar que, acima das realidades visíveis, existem as invisíveis. As primeiras constituem a esfera, ou seja, o universo material; e as invisíveis, a trans-esfera.
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