Desejo do paradisíaco

Na alma de uma criança inocente dorme um desejo do paradisíaco que acorda quando ela vê algo de maravilhoso, como uma árvore de Natal. É uma espécie de senso virginal de uma realidade existente para além desta que se vê. Numa educação verdadeiramente católica, os pais deveriam ensinar aos filhos a realidade inteira, mostrando como são belas as criaturas postas por Deus nesta Terra, mas incentivando-os a imaginar como elas seriam no Paraíso.

 

Por que uma criança fica maravilhada ao ver uma árvore de Natal?

Na inocência primeva os modelos ideais brotam na alma inteiramente inocente, que tem a noção fácil e imediata das coisas como elas devem ser e, portanto, do modelo ideal de tudo. Por isso, vendo uma árvore de Natal a criança fica encantada, pois ela possui no fundo de sua inocência a ideia – não inata, mas facilmente adquirida – do modelo ideal de como seria uma árvore paradisíaca. Pela mesma razão, a criança é facilmente sensível ao belo, encanta-se com ele.

Senso do metafísico, do maravilhoso, do sobrenatural

O espírito da criança não é fanado por certas coisas que fanam o espírito do adulto. Em geral, pelo efeito do Batismo – que é o mais importante – e por ainda não se ter corrompido com a vida, a criança tem uma propensão a crer, uma tendência a conceber as coisas sob a égide do maravilhoso e uma facilidade para admiti-lo, qualidades estas que o adulto vai perdendo até chegar ao tipo de velho desabusado, completamente cético, materialista, que representa o ocaso do espírito humano.

Assim, a alma da criança pede a árvore de Natal. Ora, a árvore de Natal é algo que imerge para o mundo do maravilhoso. A criança tem uma apetência para contos de fada. O que é o conto da fada? É o mundo do maravilhoso. A criança tem também uma grande aptidão para a Fé, acredita e não pergunta sobre as razões de crer, ela vai logo crendo.

Isso é uma espécie de senso virginal que tem a criança de uma realidade existente para além desta que nós vemos, a qual é mais bela e sacia anseios do espírito humano que o homem adulto já não possui, pois à medida que a pessoa vive ela vai se apegando às coisas terrenas e perdendo o senso do extraterreno, do metafísico, quer dizer, de uma realidade existente além do físico, e o senso do maravilhoso, do sublime, do sobrenatural. Tudo isso vai minguando na pessoa à medida que ela se torna adulta.

Essas primeiras posições de alma implicam não numa profissão explícita de Fé em Deus, mas na existência do Criador, ou porque a pressupõem, ou porque conduzem a ela, mas são corolários necessários da existência de Deus.

Aspiração por uma ordem ontologicamente mais perfeita

Por exemplo, às vezes a árvore de Natal é acusada de ser uma coisa laica, e realmente esta impostação tem algo de verdade. Mas, no fundo, ela não é laica, pois traduz a aspiração da criança para uma ordem ontologicamente mais perfeita do que a nossa, em que tudo seja de maravilhas constituídas não somente de bens para o corpo, mas de bens para a alma. Não é a árvore de Natal onde se penduram balas para comer ou brinquedos para divertir. Não é isto. Aquelas bolas coloridas, estrelas e outras coisas desse gênero são adornos inúteis para brincar. São feitos para contemplar. Contemplar o quê? No fundo, a hipótese de uma ordem de coisas maravilhosa existente fora da realidade palpável. A criança sabe que aquela árvore não é assim, que aqueles não são frutos daquela árvore. Mas por detrás está um desejo confuso, mas ardente, do extraterreno que se exprime naquilo. Ali há, portanto, a nutrição de um anseio da alma de uma coisa metafísica e, portanto, um impulso que é um ponto de partida para anelar a Deus.

Considerem uma criança na primeiríssima infância que entra numa sala onde está preparada uma árvore de Natal. Ali, naturalmente, há os objetos comuns próprios a uma sala de qualquer casa, como mesa, cadeiras, livros, quadros. Entretanto, ao entrar, a criança tem sua atenção atraída imediatamente pelos adornos natalinos maravilhosos ali colocados, e não pelos objetos comuns da vida cotidiana.

Alguém dirá que é natural porque os objetos maravilhosos não são habituais, e aquilo que é novo chama a atenção. Mas não é isso. Uma criança que vai pela primeira vez a uma casa para ver uma árvore de Natal não conhece os objetos ali presentes. Portanto, a árvore de Natal é tão nova para ela quanto os outros objetos que estão na sala. Porém, é a arvore que chama a atenção. Na primeiríssima infância, as luzes, as bolas prateadas, douradas, vermelhas, verdes, azuis, que pendem da árvore, atraem mais a atenção do que tudo.

Por que a atenção da criança fica mais atraída pelos enfeites, pelas luzes do que pela própria árvore de onde tudo isso pende? E mais atraída pela árvore no conjunto do que pelos outros objetos na sala? No fundo, é porque a criança tem uma ideia, correlata ao senso do absoluto, de que se algo fosse absolutamente como deve ser, seria muito mais maravilhoso do que é.

Uma educação verdadeiramente católica

Com efeito, sem a criança jamais ter ouvido falar de Paraíso, nem ter ainda inteligência para se representar o que seja um Paraíso, dorme dentro dela um desejo do paradisíaco que acorda quando vê aquelas coisas.

Os esmagadores, os incendiários de paraísos dizem que esse “élan” de alma de uma criança é um movimento tolo da primeira infância; quando ela ficar adulta vai se incomodar muito mais com a agência bancária das proximidades do que com a árvore de Natal armada em casa. Não se dão conta de que esse paraíso que dorme na criança é o melhor do talento e da inteligência dela.

Por estar nesta Terra de exílio, o homem não tem as coisas como as do Paraíso, onde tudo é muito mais bonito; então, ele imagina a árvore de Natal. E a criança se encanta porque sua alma é desejosa de uma perfeição não existente nas coisas desta Terra. Ela quereria uma ordem, uma natureza, outras pessoas, enfim tudo como não existe, porque a sua alma foi feita para coisas maiores.

Precisamente por desejar essas coisas maiores ela possui uma forma de talento por onde como que advinha a perfeição que tudo deve ter. Por causa disso também a criança tem uma imaginação muito criativa e o senso do maravilhoso levado a um alto grau.

Numa educação verdadeiramente católica, os pais deveriam ensinar às crianças a realidade inteira, mostrando como são belas as criaturas postas por Deus nesta Terra, mas incentivando-as a imaginar como seriam no Paraíso. Então, o esquilo é muito bonito, mas se pode conjecturar como seriam os esquilos se movimentando no Paraíso.

Por vezes, ao ver passar uma bela borboleta, um beija-flor, ou algum outro bicho bonito, a criança tem a tendência de ir atrás, pois é algo de maravilhoso que ela quer pegar, como se essas criaturas tivessem se extraviado do Paraíso e vindo parar aqui na Terra.

Diante dessa tendência os pais da criança deveriam dizer: “Olhe, Deus fez assim o Paraíso. Isso está aqui para você ter ideia de como as coisas poderiam ser. Observe o que Deus fez de maravilhoso, procure prestar atenção e imaginar como seria o Paraíso. Em tudo quanto você faça procure exprimir essa sua tendência para o Paraíso. Rume para a perfeição. Mas, pobre Paraíso terrestre em comparação com o celeste… Neste não há flores, existem Anjos. E por cima deles e de tudo está Nossa Senhora, mais sua Mãe do que sua própria mãe. Porque Ela a ama mais do que todas as mães juntas amariam o filho único que tivessem. E se você se sente um ratinho para ser amado assim por Maria Santíssima, acredite porque é de Fé, a cada “ratinho” humano Ela ama assim. Creia e confie, alegre-se e reze. Cuide de servi-La, de batalhar por Ela!

“Mas contemple os olhos de Nossa Senhora e você verá que no fundo há uma luz que vai muito além. Ela está olhando para você, mas ao mesmo tempo para o Divino Filho d’Ela! Há uma luz de Cristo n’Ela que vai além do humano. É humano, mas divino. Mais ainda, Ela está vendo Deus face a face. Fitando os olhos d’Ela é como se você olhasse num espelho para ver o Sol: o maravilhoso por excelência, a perfeição de todas as perfeições!”

Voltar a compreender e a amar o maravilhoso é uma verdadeira conversão

Se todos os homens tivessem isso presente, o mundo seria outro. É incalculável o bem que os sacerdotes fariam se nas igrejas pronunciassem sermões sobre isso. Ademais, realçado por algo que a palavra do padre tem e a do leigo não, isto é, a graça do sacerdócio, salientado pelo púlpito, pela dignidade e pelas bênçãos especiais que Deus põe no edifício sagrado.

Entretanto, já na remota época de minha infância a formação não era dada assim, mas se dizia: “Essas coisas são bobagens de infância, não pense nisso. Tudo quanto é maravilha é sonho. Você perde a partida da vida se pensar em coisas dessas. Seja prático! Para isso você precisa de duas coisas: ter saúde e ganhar dinheiro. Preocupe-se em ser saudável e fazer fortuna. Corra atrás do ouro! Não sonhe essas maravilhas. Que dinheiro ou que saúde elas lhe dão? Feche seu horizonte ao maravilhoso! Assim você terá o prazer e a riqueza”.

Ora, esta não é a perfeita formação.

Alguém objetará:

“Está bem, Dr. Plinio, mas se não nos empenharmos cem por cento em ganhar dinheiro, morremos mendigos.”

Nosso Senhor Jesus Cristo afirmou: “Olhai como crescem os lírios do campo. Não trabalham nem fiam, No entanto, Eu vos digo, nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um só dentre eles” (Mt 6, 28-29). Portanto, confiai, porque isso se arranja. É possível recuperar a saúde ou a fortuna perdida. Entretanto, não se recupera o tempo perdido. É necessária uma graça muito grande para que uma alma, que se tenha deixado trancar nesses horizontes mais baixos, volte a compreender e a querer o maravilhoso. É uma verdadeira conversão.

Tais considerações nos levam à ideia de que devemos pedir a Nossa Senhora essa inocência, para nós e para todas as pessoas, porque Deus é infinito no seu desejo de bem e quer abarcar com sua grandeza e bondade a Criação inteira.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 28/6/1969, 7/6/1974, 29/5/1981, 12/10/1985)
Revista Dr Plinio 261 (Dezembro de 2019)

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