O Magnificat, hino de sabedoria, humildade e grandeza

Único cântico que se sabe proferido por Nossa Senhora em sua vida terrena, o “Magnificat” despertava na alma de Dr. Plinio enlevadas considerações que ele, em mais de uma ocasião, comprouve-se em transmitir a seus jovens discípulos. Como essas, que abaixo transcrevemos.

 

Entoado por Nossa Senhora no encontro com Santa Isabel, o “Magnificat” é um maravilhoso hino inspirado pelo Altíssimo, é Deus cantando sua própria glória pelos lábios da mais amada das suas filhas. É, também, uma linda mensagem, coerente, lógica e séria, que Ele transmitiu a todos os homens de todos os séculos, pela voz virginal de Maria.

O cântico se inicia com a palavra “Magnificat” do latim “magnus”, isto é, grande para enaltecer Aquele que é a Grandeza personificada, reconhecendo que Deus merece este superlativo de louvor e de honra na sua glória extrínseca, passível de crescimento, por haver realizado n’Ela, Virgem bendita, o cumprimento da maior e mais alvissareira promessa divina feita à humanidade: a Encarnação do Verbo.

A exultação em Deus, seu Salvador

Então a alma d’Ela se apressa em extravasar o seu sentimento de profunda gratidão, proclamando como o Senhor assim se revelava o magno por excelência.

Em seguida, vem a alegria: “Et exsultavit spiritus meus in Deo salutari meo” (“E o meu espírito exulta!”).

Exultar é sentir um júbilo intenso, e não uma qualquer satisfação, como a que poderia experimentar alguém se soubesse que os seus investimentos renderam um pouco além do esperado. Esta seria uma alegria pequena, perto daquela que se exprime pela palavra “exultação”.

Por isso Nossa Senhora a emprega, para significar como seu espírito transbordou de gáudio em relação a Deus, o seu magnífico Salvador.

Essa felicidade se mostra tanto mais intensa quanto, conforme o pensamento que se completa no versículo seguinte, Ela considera a sua pequenez e vê como Deus a salvou de modo extraordinário, super-excelente, não só fazendo d’Ela a Mãe do Verbo Encarnado, mas dispondo que Ela tivesse em toda a existência de Nosso Senhor Jesus Cristo o papel admirável que sabemos.

Legítima alegria por ter sido engrandecida

Depois de afirmar a sua exultação, a Santíssima Virgem manifesta então o motivo dessa imensa alegria: “Quia respexit humilitatem ancillae suae – porque Deus olhou para a humildade da sua Serva”. Em conseqüência dessa atenção do Senhor para com Ela, “ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes”, eis que “todas as gerações”, isto é, todos os homens até o fim do mundo, vão por sua vez enaltecê-La, chamando-A “bem-aventurada”.

“Quia fecit mihi magna qui potens est” – porque me fez grande Aquele que é poderoso”. Percebe-se aqui, mais uma vez, o gáudio de Maria por ter sido objeto de um especial desígnio do Onipotente: Ela, tão humilde, tornou-se grande pela força d’Ele.

Há, nessa passagem, um interessante ensinamento que deve ser considerado.

Alegrando-se com a grandeza divina, Nossa Senhora ao mesmo tempo se alegra com o fato de ter sido também engrandecida por uma condescendência d’Ele, e sabe que essa sua magnitude Lhe valeria o louvor e a devoção das gerações vindouras. É uma glória única, que a cobre de felicidade, e pela qual, cheia de reconhecimento, agradece a Deus.

Ora, essa atitude de Nossa Senhora aceitando, auferindo e amando a própria excelência, demonstra como é legítimo nos alegrarmos com a grandeza que Deus eventualmente nos conceda. Desde que, a exemplo de Maria, esse júbilo esteja alicerçado no amor a Ele, compreendendo que essa glória estabelece uma relação mais íntima entre nós e o Criador.

Eis outra importante lição a ser colhida do “Magnificat”.

O temor se divide em servil e reverencial. O temor servil é aquele que tem, por exemplo, um escravo ao fazer a vontade de seu dono pelo receio de sofrer duros castigos se não obedecer. O temor reverencial é aquele que alguém demonstra em relação a outrem, não por medo das penalidades que lhe possa infligir, mas por respeito e veneração pela superioridade dele, por não querer ultrajá-lo nem violar a obediência que deve a ele.

Um exemplo maravilhoso de temor reverencial encontramos nas ardorosas palavras que Santa Teresa de Jesus dirige a Nosso Senhor: “Ainda que não houvesse Céu, eu vos amara; ainda que não houvesse inferno, eu vos temera”. Quer dizer, ainda que Deus não lançasse à geena aqueles que se revoltam contra Ele, por temor de Deus experimentavam, antes de serem tocados pela graça e se converterem.

Pode-se supor, por exemplo, que São Paulo na via de Damasco não tivesse temor de Deus. Mas, atingido por um raio, ele caiu do cavalo, perdeu a visão, e logo ouviu a voz de Nosso Senhor que o interpelava. Quando se levantou, era outro homem, tornando-se o grande Apóstolo dos gentios. Era uma extraordinária ação da misericórdia divina muito provavelmente a rogos de Maria estendendo-se sobra uma alma que até então não temia a Deus.

Queda dos soberbos e exaltação dos humildes

“Fecit potentiam in brachio suo, dispersit superbos mente cordis suis – Manifestou o poder do seu braço, e dissipou aqueles que se orgulhavam nos pensamentos do seu coração”.

“Et sanctum nomen eius – E o Seu Nome é Santo”. Quer dizer, “Deus agiu assim para comigo, e procedeu santamente”. Essa fabulosa obra que o Senhor realizava na sua serva, vinha marcada pela infinita perfeição com que Ele modela tudo quanto sai de suas mãos onipotentes.

Misericórdia para os que temem a Deus

Após ter manifestado de tal maneira a grandeza de Deus e a sua própria, Nossa Senhora evoca o aspecto de bondade: “Et misericordia eius a progenie in progenies, timentibus eum – e a misericórdia d’Ele se estende de geração em geração, sobre aqueles que O temem”.

Significa que o fato de Deus A ter feito tão grande redunda num benefício e numa obra de misericórdia de que se aproveitarão todos os homens ser Ele quem é e pelos infinitos títulos que Ele possui acima de nós, temeríamos não fazer a vontade d’Ele. É essa a forma altíssima e nobilíssima do temor reverencial.

Então, aos que amam a Deus com um amor tal que até O temem não apenas por causa do inferno, mas sobretudo por não querer desagradá-Lo na sua infinita santidade -, para estes se abre a inesgotável misericórdia de Deus: “et misericordia eius a progenie in progenies, timentibus eum”. Cumpre salientar que, muitas vezes, a bondade divina não se prende a essa restrição, superando-se em requintes de solicitude até mesmo para com homens que pouco ou nenhum

Entendamos o que significa “manifestar o poder de seu braço”. Trata-se de uma metáfora, pois Deus, puro espírito, não possui braço. Este, porém, é no homem o membro pelo qual ele mostra a sua força e executa os decretos de sua inteligência e de sua vontade. Então, ao se referir ao “braço de Deus”, Nossa Senhora nos faz ver como Ele age energicamente em relação aos soberbos e orgulhosos, àqueles que se fecham para a ação da graça e não O temem nem O amam nos seus corações. Para com esses, Deus manifesta o poder de seu braço.

O pensamento se completa no versículo seguinte: “Deposuit potentes de sede, et exaltavit humiles – Depôs de seus tronos os poderosos, e exaltou os humildes”.

Por meio da Encarnação do Verbo, Deus quebrou o poder com que o demônio e seus sequazes neste mundo atormentavam os bons. Então, depôs aqueles de seus tronos, e exaltou a estes que eram perseguidos.

Alguém poderia objetar: “Mas, Dr. Plinio, não foi o que aconteceu. Deu-se o contrário! Anás, Caifás, Pilatos e congêneres, todos se achavam nos seus tronos, perseguiram e mataram Nosso Senhor!”

É verdade. Mas essa história não está narrada até o fim. Porque depois de Jesus ter sido morto, aconteceu precisamente o que aqueles poderosos queriam evitar: Ele ressuscitou, triunfando sobre a morte e sobre todos

os seus algozes. Com Ele, triunfava a Santa Igreja, venciam os Apóstolos e Nossa Senhora, os humildes até en-

tão desprezados. E para todo o sempre, serão estes glorificados e exaltados, enquanto Anás, Caifás e Pilatos serão mencionados com vitupério e horror. Então se comprovou a veracidade do dito: “deposuit potentes de sedes, et exaltavit humiles”.

Essa ideia ainda prevalece na seqüência do cântico: “Esurientes implevit bonis, et divites dimisit inanes – Cumulou de bens os famintos, e despediu os ricos com as mãos vazias”.

Nossa Senhora não pretende fazer aqui uma alusão aos recursos materiais ou financeiros. Ela se refere, antes de tudo, aos que se acham na carência de bens espirituais, aos indigentes das dádivas celestiais. A esses pobres de espírito que, humildemente, suplicam essas graças, Deus os atende na abundância infinita de sua misericórdia. Pelo contrário, aos “ricos”, àqueles que se julgam inteiramente satisfeitos no seu orgulho, Deus os despede de mãos vazias, isto é, sem torná-los partícipes do tesouro de seus dons sobrenaturais.

Em Maria, cumpre-se a promessa feita a Abraão

Por fim, Nossa Senhora volta à ideia central que inspira esse hino maravilhoso: “Suscepit Israel puerum suum: recordatus misericordiae suae – Tomou cuidado de Israel, seu servo, lembrado da sua misercórdia”.

Quer dizer, o Povo Eleito receberia em breve o Messias há milênios prometido, a Quem Deus enviaria ao mundo, recordando que

sua misericórdia assim havia disposto. Daí a conclusão: “Sicut locutus est ad patres nostros, Abraham et semini eius in saecula – Conforme tinha dito a nossos pais, a Abraão e à sua posteridade para sempre”.

A promessa feita a Abraão, fundador da raça hebraica, e aos descendentes dele ao longo dos séculos, de que o Salvador nasceria de sua progênie, acabava de ser cumprida. Nossa Senhora já trazia em seu claustro materno o Esperado das nações. Ela, uma filha de Abraão, daria à luz o Filho de Deus.

E assim o “Magnificat”, esta joia inapreciável, este maravilhoso cântico de sabedoria, humildade e grandeza, muito harmoniosamente se encerra pensando na Encarnação do Verbo, como o fizera na primeira estrofe.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Visita a Santa Isabel

Episódio sumamente rico em importantes aplicações para nossa vida espiritual, a Visitação de Nossa Senhora nos mostra como Santa Isabel, prima da futura Mãe de Deus, teve um conhecimento imediato de que o Messias se achava ali presente, encarnado no seio puríssimo de Maria. Ela o soube, não só por uma inspiração da graça, mas também por uma espécie de sentimento, de percepção do divino, excelentes, que a fizeram discernir a presença de Jesus.

Essa percepção, esse sentimento, cada católico deveria ter — em grau proporcionado — para amar todas as coisas que sejam segundo Deus, e para rejeitar aquelas que Lhe são contrárias.

Dizei uma só palavra…

Na Visitação de Nossa Senhora à sua prima Santa Isabel, vemos o poder da Mãe do Redentor: o eco de sua voz santifica um homem de um momento para o outro. É isto que devemos esperar de Nossa Senhora e pedir a Ela: que sua voz fale no íntimo de nossas almas e nos santifique, concedendo-nos uma virtude que às vezes anos de lutas e trabalhos não nos proporcionaram.

Todos aqueles que tenham algum desânimo, tristeza ou perplexidade na vida espiritual podem dizer a Maria Santíssima: “Senhora, eu não sou digno de ouvir a vossa voz, mas dizei uma só palavra e a minha alma será transmudada de um momento para o outro se Vós assim o quiserdes”.

Eis uma graça a pedir à Santíssima Virgem no dia da Visitação: que Ela fale em nossas almas e estas estremeçam de júbilo como estremeceu o Precursor no ventre materno, e que elas se santifiquem num instante, como a alma de São João Batista.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/7/1970)

Visitação de Nossa Senhora a Prima Isabel

Episódio sumamente rico em importantes aplicações para nossa vida espiritual, a Visitação de Nossa Senhora nos mostra como Santa Isabel, prima da futura Mãe de Deus, teve um conhecimento imediato de que o Messias se achava ali presente, encarnado no seio puríssimo de Maria. Ela o soube, não só por uma inspiração da graça, mas também por uma espécie de sentimento, de percepção do divino, excelentes, que a fizeram discernir a presença de Jesus.

Essa percepção, esse sentimento, cada católico deveria ter — em grau proporcionado — para amar todas as coisas que sejam segundo Deus, e para rejeitar aquelas que Lhe são contrárias.

Visitação de Maria a Santa Isabel

Uma inusitada e benéfica forma de se meditar o Mistério da Visitação seria, por exemplo, considerá-lo sob o prisma de duas perfeições que se harmonizavam na alma de Nossa Senhora: a sublimidade e o charme, tomados no mais alto grau em que possam existir numa mera criatura, abaixo do Homem-Deus.

A nossa pobre imaginação quase se desnorteia, procurando conceber então os fulgores de charme e sublimidade que se desprenderam no momento do encontro de Maria com sua prima Isabel. Ambas compenetradas da grandiosidade daquela situação, pois,  muitíssimo mais do que unidas pelo parentesco, o estavam pela magnitude de suas vocações — uma trazia consigo o Salvador, a outra, o Precursor que Lhe prepararia as veredas de Israel…

O "Magnificat", cântico de jubilosa despretensão

Após haver recebido a excelsa comunicação de apressou-se em partir ao encontro de Santa Isabel, nas montanhas da Judeia. Ao chegar, exaltada por sua prima e profundamente reconhecida pelo ápice de dons com que fora galardoada, Maria entoou seu imortal Magnificat.

Deus, autor da grandeza de Nossa Senhora

O pensamento fundamental desse cântico poderia ser assim expresso por Nossa Senhora: “Deus realizou em mim coisas extraordinárias, as quais são obra d’Ele e não minha. Não sou a autora de toda essa grandeza. Foi Ele que houve por bem depositá-la em mim, e Eu a aceitei em obediência aos seus superiores desígnios. Essa grandeza, portanto, enquanto habita em mim tornou-se minha, mas a causa dela vem de fora e do alto. Por mim mesma, não sou senão uma pequena criatura”.

De fato, embora concebida sem pecado, e tendo correspondido à graça do modo mais perfeito possível, Nossa Senhora era uma mera criatura, e assim tais grandezas não podiam ter origem na natureza d’Ela. Provinham-Lhe de Deus Nosso Senhor. Este é o pensamento despretensioso e fundamental do Magnificat.

Cabe aqui uma aplicação a nós, filhos e devotos de Maria, que tanto desejamos imitá-La. Se era essa a posição que a Imaculada tomava em face de suas excelências, a “fortiori” deve ser a nossa diante das graças que Deus nos concede, a nós que somos pecadores a dois títulos. Primeiro, porque concebidos no pecado original; segundo, porque agravamos essa condição com as faltas perpetradas em nossa vida, de sorte que, mesmo perseverando no estado de graça, trazemos conosco o fardo dos pecados que outrora cometemos.

De outro lado, as honras que possam nos caber são incomparavelmente menores que as de Nossa Senhora. Desse modo, é preciso nos esforçarmos em adquirir o mais elevado grau de despretensão ao nosso alcance. Não incorramos no erro dos presunçosos, que julgam inerentes à sua própria natureza, e não a um dom ou misericórdia de Deus, todas as suas qualidades e aspectos bons.

Pelo contrário, compenetremo-nos de que todo o bem existente em nós é dado e favorecido pela graça divina, embora conte com nossa voluntária aceitação e nosso empenho em desenvolvê-lo. São qualidades e talentos que não nasceram de nossa natureza decaída, mas foram nela depositados pela generosidade do Criador. Se formos despretensiosos, teremos consciência disso, não nos embevecendo com o que devemos a Deus.

Esse é, precisamente, o ensinamento que nos deixou Nossa Senhora, quando elevou aos céus o seu Magnificat.

Alegre e contínua retribuição a Deus

Diz Ela: “A minha alma engrandece o Senhor”. Ou seja, canta, vê, admira, ama e proclama com amor a grandeza de Deus, Aquele que domina, Aquele que pode, Aquele que é tudo.

“E o meu espírito exulta em Deus meu Salvador”. Então a alma d’Ela se transporta em santas alegrias,

porque Deus “lançou os olhos sobre a baixeza de sua serva”, e por isso “de hoje em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada”.

Nossa Senhora proclama a magnitude de Deus por ter deitado o olhar sobre Ela, por Lhe ter conferido uma tal excelência que todas as nações passariam a aclamá-La como bem-aventurada. E ao reconhecer que isto Lhe vem d’Ele, seu espírito atinge o ápice da alegria!

Como não ver nessa atitude a perfeição da despretensão? Nada de falsa e dolorosa probidade: “Ó Senhor! como gostaria de dizer que tudo vem de mim, mas sou obrigada a declarar o contrário”, etc. Não! “Meu espírito exulta em proclamar que veio de Vós”.

Ao mesmo tempo, porém, Ela afirma a glória que Deus Lhe outorgou: “Todas as gerações me chamarão bem aventurada”. A palavra bem-aventurada encerra um matiz que a faz designar uma pessoa não apenas nimbada de felicidade, mas também aquela que alcançou êxito em todas as suas realizações. Portanto, acertar na vida, ser bem aventurado, é tornar-se santo e servir a Deus.

E Nossa Senhora continua a cantar: “Porque fez em mim grandes coisas Aquele que é poderoso, e cujo nome é santo”. O adjetivo poderoso tem aí todo o cabimento, pois Ela se reconhece objeto de maravilhas tais, que só um Ser onipotente as poderia operar. Ora, Maria se sabia não-onipotente. Logo, proclamava que apenas Deus podia ter feito n’Ela aquelas “grandes coisas”.

É um modo indireto de dizer: “O que foi realizado comigo é tanto que eu, simples escrava, por mim mesma jamais o teria alcançado. O Todo-Poderoso, cujo nome é santo, fez essas maravilhas, essas excelências que só poderiam sair de suas divinas mãos”. Em última análise, trata se de uma contínua e alegre retribuição a Deus da grandeza d’Ela.

Uma cordilheira de misericórdias

“E cuja misericórdia se estende de geração em geração, sobre aqueles que O temem”.

Nossa Senhora manifesta neste trecho a ideia de que a misericórdia da qual Ela foi objeto é o lance supremo de uma imensa série de misericórdias que, desde o início até o fim do mundo, alcança os que têm o temor de Deus. Pode-se dizer que este seria o Everest, o ponto muitíssimo mais alto da compaixão divina, acima de um universo de montículos, colinas, montes e montanhas de misericórdias que ao longo da história têm sido espargidas sobre os homens.

É como se Maria Santíssima dissesse: “Essa misericórdia é ainda mais bela porque é o marco central de um incontável número de excelsas benevolências dispensadas por Ele, o Rei, o Deus, o Pai de todas as misericórdias”.

A soberba é causa de decadência

Continua a Santíssima Virgem: “Manifestou o poder de seu braço; transtornou aqueles que se orgulhavam nos pensamentos de seu coração”.

Ou seja, ao passo que estende sua misericórdia aos que O temem, Nosso Senhor mostra o poder de seu braço confundindo os desígnios dos soberbos. Quem são estes? Os que se vangloriam e se exibem pretensiosos em relação a Deus, que não consideram a grandeza d’Ele, nem Lhe têm temor. E que, portanto, não O amam. Para estes não há misericórdia. Então Deus os humilha, os quebra, os dissipa, mostrando sua força.

Essa atitude de Nosso Senhor com os que se afirmam independentes d’Ele é um belo convite para estabelecermos uma filosofia da história. Para isto, temos de observar não só os acontecimentos históricos, mas também os fatos de nossa vida cotidiana, e neles verificar a confirmação desta regra: os homens tementes a Deus, conscientes de que não valem nada, atribuindo seus predicados e aptidões à misericórdia divina, progridem na vida espiritual. Os que são voltados a adorar-se a si próprios, a considerar tudo quanto têm como vindo deles mesmos, estes são os soberbos que Deus dissipa, e declinam na prática da virtude.

Quantas vezes não observamos, nessa ou naquela alma, um processo de decadência cuja causa é a pretensão? Em determinado momento, a pessoa começou a se embevecer consigo mesma: “Que maravilhosa, grande e estupenda criatura sou eu, considerada nos predicados morais de minha natureza!” É o primeiro passo de uma lamentável deterioração.

Portanto, Nossa Senhora lança o princípio: os soberbos não vão para a frente, enquanto progridem os que temem a Deus. Donde tudo nos coloca em relação a Ele numa postura de inteira despretensão.

O triunfo dos humildes

“Depôs do trono os poderosos, e exaltou os humildes.”

Temos aqui uma seqüência do pensamento anterior. O poderoso é o que atribui a si todo o poder, que precede a Deus e não O teme, julgando-se capaz de tudo fazer sem Ele. Esse é deposto de seu trono, ou seja, daquilo do que  se ensoberbece. O humilde, pelo contrário, é glorificado e favorecido por Nosso Senhor, obtém resultados nas suas ações, na sua vida interior, no seu apostolado, etc.

Completando essa linha de pensamento, Maria acrescenta: “Cumulou de bens os famintos, e despediu os ricos com as mãos vazias”.

Os famintos são os necessitados, os que se abaixam diante de Deus e Lhe suplicam auxílio. Estes são atendidos, e saem repletos de bens. Os ricos são os orgulhosos, aqueles que se aproximam de Nosso Senhor dizendo não precisarem de nada. Então são mandados embora sem receberem qualquer benefício.

Cumpre-se a promessa do Messias

Em seguida, a Santíssima Virgem faz uma referência à exaltação do Povo Eleito, por nele ter se verificado a Encarnação do Verbo. Diz Ela: “Tomou cuidado de Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia; conforme tinha dito a nossos pais, a Abraão, e à sua posteridade para sempre”.

Com efeito, Deus havia misericordiosamente prometido que o Messias, seu Filho unigênito, se encarnaria e nasceria do povo de Israel. Ele se lembrou de sua promessa, gerando Jesus Cristo nas entranhas puríssimas de Maria.

A Igreja, muito belamente, completa esse hino maravilhoso com o “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo; assim como era no princípio, agora e sempre, pelos séculos dos séculos. Amém”.

Esta seria uma interpretação do Magnificat como o cântico da despretensão jubilosa de Nossa Senhora.

“Minha alma engrandece a Igreja Católica!”

Para concluir, cabe ainda um último desdobramento dessas considerações.

Como eu gostaria de, com toda  a alma, poder cantar o Magnificat em relação à Igreja Católica! Como é verdadeiro dizer: “Magnificat anima mea Ecclesiam, et exultavit spiritus meus, in matre salutari mea” – A minha alma engrandece a Igreja Católica e o meu espírito exulta na Igreja minha mãe!

E assim por diante, que lindíssima paráfrase do Magnificat poderíamos fazer contemplando a Igreja, que é a Arca da Aliança, a imagem visível de Deus e de Nossa Senhora na terra.

Sirvam, pois, estas palavras de incentivo para que reportemos todos os nossos dons, nossas virtudes e predicados a Deus em Jesus, a Jesus em Maria, e a Maria na Santa Igreja Católica Apostólica Romana, da qual nos vem tudo o que temos de bom. Dessa maneira, o enlevo, o encanto, o entusiasmo, a fidelidade, a dedicação de nossa vida, nossa alma e nosso sangue sejam inteiramente oferecidos para o serviço e glorificação da Esposa Mística de Cristo.

Visita de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel

Ao entoar o seu Magnificat, Nossa Senhora se alegra pelo fato de Deus, tendo considerado a sua pequenez, querer exaltá-La, estabelecendo com Ela uma gloriosa relação. “Engrandeceu-me, e nisto agiu santamente Aquele que é poderoso, pois o me ter feito grande redundará em benefício e obra de misericórdia para todas as gerações, em todas as épocas da História” — é o pensamento que A inspirava.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 27/9/1990)

Senso da presença de Deus

Santa Isabel foi dotada pelo Espírito Santo de um dom que a fez sentir a presença do Menino Jesus em Nossa Senhora.

Em certa medida, o verdadeiro católico também recebe essa graça, de tal forma que, quando a ela corresponde, ele deve saber discernir onde está e onde não está Deus, não física, mas moral e sobrenaturalmente. Todo autêntico membro da Igreja deve ser munido de um senso tal, que lhe indique quando as coisas são ou não segundo Deus.

Para isso não é preciso ter grande cultura, inteligência ou conhecimento teológico; basta ter este verdadeiro senso católico, privilégio dos que correspondem à graça do batismo. Disto Santa Isabel nos dá um maravilhoso exemplo ao perceber a presença do Menino Jesus no claustro materno de sua Santíssima prima.

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 2/7/1970)