As realidades terrenas devem ser parecidas com o Céu

Na consideração da festa de São Rafael Arcanjo devemos impetrar-lhe a graça de ver em todas as realidades terrestres a semelhança com as celestes. Somente na medida em que amarmos as realidades terrenas parecidas com o Céu é que prepararemos as nossas almas para o Reinado de Maria Santíssima e para a eterna beatitude.

 

Oculto aos Santos Anjos está muito relacionado com a nossa espiritualidade, razão pela qual o estudo dos espíritos angélicos ocupa um papel muito importante em nossas cogitações.

Pedir graças espirituais e temporais

São Rafael, como um dos mais eminentes dos Anjos, naturalmente tem um lugar privilegiado em nossa devoção. Por outro lado, o fato de ele encaminhar as orações dos homens para Deus e, naturalmente, para Nossa Senhora, que é intercessora também para os Anjos, é um motivo especial para cultuarmos São Rafael.

O Arcanjo São Rafael é padroeiro dos que viajam e também dos enfermos. Há tanta gente entre nós que, a um ou outro título, é doente. Considero uma boa coisa a pessoa, em face de suas próprias enfermidades, situar-se assim: “Meu Deus, eu Vos peço que me liberteis desta doença, mas se não me libertardes, porque é de vosso desígnio, fazei-me, pelo menos, tirar todo o fruto espiritual dela.”

Alguém poderia pensar que pedir a saúde não corresponde a uma atitude perfeita, porque é uma graça temporal e não espiritual. Deus me livre de uma religiosidade que só peça as graças temporais, mas que Ele me livre igualmente de outra que julga haver uma imperfeição espiritual em pedir as graças temporais. Deve-se pedir também “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”.

Protocolo monárquico dos bons tempos

Uma das noções que se apagaram muito a respeito do culto aos Anjos, e que me parece interessante relembrar, é a de que o Céu constitui uma verdadeira corte. Antigamente falava-se muito em Corte Celeste, o que encontra seu fundamento na ideia de que Deus está perante os Anjos e Santos, na Igreja gloriosa, como o rei perante sua corte.

Mas o curioso é que algumas peculiaridades próprias às cortes existentes na Terra, pelas similitudes entre as coisas da Terra e as do Céu, acabam existindo na Corte Celeste também, constituindo-se uma corte no sentido muito mais literal da palavra do que se poderia imaginar.

Se considerarmos um protocolo monárquico dos bons tempos, veremos que não era, como imaginam alguns, uma coisa formal, completamente vazia. Mas era a maneira de reger a existência das várias pessoas a serviço do rei, de maneira a tudo se passar de um modo prático, simples e decoroso, facilitando de todas as formas a vida do monarca.

Assim, por exemplo, quando o rei se colocava à disposição para receber os pedidos de seus súditos, ele os atendia tendo em torno de si, nas grandes ocasiões, os príncipes da Casa real, pessoas de alta nobreza. As demandas eram entregues por escrito. Porém, o interessado comparecia diante do monarca e podia dirigir-lhe a palavra para dizer o que quisesse. Algum príncipe, uma pessoa de alta categoria ou alguém que fosse chegado ao interessado também podia dizer algo. Então o solicitante entregava a um dignatário um rolo de papel com seu pedido, que o rei examinaria depois. Havia uma mesa sobre a qual iam se acumulando os pedidos que depois eram despachados por um Conselho especial.

Vê-se como há uma espécie de hierarquia de funções, de dignidades, de intercessões que conduz ao rei e, depois, procede dele e chega aos particulares. Esse é o mecanismo de uma corte.

Padrão para todas as cortes terrestres

Na Corte Celeste o mesmo protocolo existe, em última análise, pelas mesmas razões. Deus Nosso Senhor, que evidentemente não precisa de ninguém, entretanto, tendo criado seres diversificados, era natural que entregasse a eles missões junto a Si, segundo uma disposição hierárquica. E também que esses seres possuíssem um brilho, um esplendor, uma dignidade na mansão celeste correspondente às tarefas das quais são incumbidos, tarefas essas que, por sua vez, correspondem à própria natureza deles.

Assim, é de acordo com a ordem do universo que os seres humanos sejam regidos pelos Anjos, e estes sejam intercessores dos homens junto a Deus. De maneira que é verdadeiramente uma vida de corte, com um protocolo, uma dignidade, que serve de padrão para todas as cortes terrestres, e indica a necessidade de existir um protocolo, uma hierarquia, uma diversificação de funções.

Temos o exemplo contrário disso nos discursos de chefes de Estado e de sindicalistas modernos, onde há uma pilha de gente atrás, dezenas de microfones, gente em volta conversando; o indivíduo interrompe a arenga, dá uma ordem para este e aquele, conta uma piada, depois continua a falar para a massa. Uma bagunça em que não há compostura nem dignidade. E essa carência de ordem, compostura e dignidade vão constituindo a igualdade e a democracia.

Ao contrário, no estilo aristocrático-monárquico nós temos essa diferenciação, essa hierarquia que é a própria imagem do Céu, e compreendemos melhor aquela afirmação de Pio XII de que, até mesmo nas democracias verdadeiramente cristãs, é indispensável que as instituições sejam de um alto tonus aristocrático.

Condição psíquica de sobrevivência na Terra

A festa de São Rafael nos conduz exatamente a essa ideia. É um intercessor celeste de alta categoria que leva nossas preces a Deus, porque é um dos espíritos angélicos mais elevados que assistem junto a Ele e, portanto, estão mais próximos d’Ele para pedir por nós, constituindo os canais naturais das graças que desejamos.

Essa consideração nos conduz à ideia de reforçarmos cada vez mais em nós o desejo de que as realidades terrestres sejam semelhantes às celestes. Porque apenas na medida em que amarmos as realidades terrenas parecidas com o Céu é que preparamos as nossas almas para a beatitude celeste. Se, ao morrermos, não tivermos apetência das realidades terrestres parecidas com as celestes, não teremos apetência do Céu.

Há, portanto, algo nesse espírito de hierarquia, de distinção, de nobreza, de elevação que corresponde a uma verdadeira preparação para o Céu; preparação esta tanto mais desejável quanto mais vamos afundando num mundo de horror, no qual todas as exterioridades com as quais tomamos contato são monstruosas, caóticas, desorganizadas.

É uma necessidade do espírito humano, para não afundar no desespero, que a pessoa possa pousar as suas vistas extenuadas e doloridas em algo digno e bem ordenado. Não é próprio ao homem viver no “mare magnum” de coisas que caem, afundam, se deterioram. Em algum lugar ele necessita pôr a sua alegria, a sua esperança.

Mas de tal maneira tudo quanto é digno está desaparecendo deste mundo que, ou temos cada vez mais o nosso desejo, a nossa esperança postos no Céu, ou não teremos mais condição psíquica de sobrevivência na Terra.

Houve uma Santa que teve uma revelação na qual ela viu o seu próprio Anjo da Guarda. Era um ente de uma natureza tão elevada, tão nobre e excelsa, que ela se ajoelhou diante dele para adorá-lo, pensando ser o próprio Deus. O espírito celeste precisou explicar-lhe que ele era apenas o seu Anjo da Guarda. Ora, sabemos que os Anjos da Guarda pertencem à hierarquia menos alta que existe no Céu. Em comparação com isso, o que podemos imaginar de um Anjo como São Rafael, das mais elevadas hierarquias?

São Luís, Rei de França, e São Rafael, Príncipe celeste

Mas para não ficarmos na concepção de um puro espírito, podemos nos servir de uma comparação antropomórfica que nos faça degustar melhor essa realidade, imaginando, por exemplo, São Rafael tratando com Nossa Senhora no Céu, à maneira de São Luís, Rei de França, falando com sua mãe, Branca de Castela.

É sabido que São Luís era um homem de alto porte, grande beleza, muito imponente, de maneira que, ao mesmo tempo atraía, incutia um respeito profundo e suscitava um imenso amor. Possuía o feitio de um guerreiro terrível na hora do combate, e era o rei mais pomposo e decoroso do seu tempo.

Esse rei, no qual transluziam todas as glórias da santidade e que era um filho muito amoroso, podemos imaginá-lo nos esplendores da corte da França, conversando com Branca de Castela. Quanta distinção, quanto respeito, quanta elevação, quanta sublimidade nessa cena! Ela nos dá um pouco a ideia do que seria São Rafael se dirigindo a Nossa Senhora. Um rei como São Luís era uma espécie de Anjo na Terra; São Rafael vagamente pode ser considerado como uma espécie de São Luís celeste. Ele é um Príncipe celeste, apenas com a diferença de que São Luís era rei e São Rafael não; e Nossa Senhora é Rainha a um título muito mais alto do que Branca Castela.

Por esta transposição podemos ter um pouco a noção, à maneira de homens, da alegria de que nós vamos estar inundados no Céu quando pudermos contemplar um Arcanjo como São Rafael, e tudo quanto veremos de Deus admirando esse Príncipe celeste.

Peçamos a ele que tenhamos essa contemplação, mas também que algo dessas ideias penetrem em nós nesta vida, e que a consideração dessa ordem ideal e realmente existente nos conforte para uma esperança do Céu e do Reinado de Maria, dissipando toda a tristeza crescente destes dias em que os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima vão se aproximando tão rapidamente de nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 23/10/1963 e 23/10/1964)

Revista Dr Plinio 258 (Setembro de 2019)

Nascimento da criatura perfeita

Por que a Igreja festeja especialmente o Santo Natal de Nossa Senhora? Porque Ela foi tão grande que a data de sua entrada no mundo marca uma nova era na história do Antigo Testamento, a qual podemos dizer que se divide, sob este ponto de vista, em duas partes: antes e depois da Santíssima Virgem.

Porque, se o Antigo Testamento é uma longa espera do Messias, esta espera tem dois aspectos: os milhares de anos pelos quais a Divina Providência permitiu que esta expectativa se espichasse e, depois, o momento abençoado em que Deus resolveu fazer nascer Aquela que obteria o advento do Salvador.

O nascimento de Maria Santíssima é a chegada ao mundo da criatura perfeita que encontra plena graça diante de Deus, da única pessoa cujas orações têm o mérito suficiente para acabar com a espera e fazer com que, afinal, os rogos, os sofrimentos de todos os justos e a fidelidade de todos aqueles que tinham sido fiéis conseguissem aquilo que sem Nossa Senhora não se teria obtido.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/9/1966)

Nossa Senhora de Coromoto Harmonia augusta, nívea e maternal

A insondável majestade e a infatigável solicitude materna de Maria Santíssima se unem e reluzem aos nossos olhos, salientadas nesses comentários de Dr. Plinio a uma bela imagem de Nossa Senhora de Coromoto, Padroeira da Venezuela, cuja festa é comemorada em 8 de setembro.

 

Ao contemplarmos essa linda imagem de Nossa Senhora de Coromoto, notamos de imediato o proporcionado do conjunto que com ela estabelece a base e a cadeira. Esta última possui um espaldar alto que sobrepuja a cabeça da Virgem, e apresenta em seu topo um arco singelo, porém elegante, semelhante a um dossel.

Majestade e intimidade

Trata-se de um detalhe interessante, pois ele frisa a ideia de que Maria Santíssima tem perfeita noção da própria majestade e, sendo a Rainha do Céu e da Terra, condescende em manifestar tanta bondade para conosco.

Por sua vez, a base, um tanto elevada, encontra-se numa proporção muito amena com a imagem, situando-a numa altura que transmite a noção da intimidade — repassada de sacralidade — que Nossa Senhora deseja estabelecer com seus devotos. Cumpre observar, entretanto, que a base e o dossel são apenas elementos auxiliares para visualizarmos o conjunto.

Nas laterais aparecem quadriláteros superpostos, encimados por dois triângulos que insinuam vagamente ­duas colunas, com seus capitéis, de uma hipotética catedral cuja abóbada seria representada pelo arco. Embora tais figuras geométricas pudessem ter sido concebidas de modo mais artístico, se fossem retiradas o conjunto perderia em expressão.

Brancura nívea

A qualquer hora do dia, a primeira impressão causada pela imagem é de uma brancura tal que se diria ser feita de uma matéria desconhecida nesta Terra. Ao substantivo “brancura” convém acrescentar o adjetivo “nívea”, que pode parecer exagerado, mas seria uma exceção permitida pelo rico vocabulário da língua portuguesa. Ele realça, exprime melhor esse tipo de brancura que admiramos na imagem de Nossa Senhora de Coromoto: brancura nívea.

Sobretudo à noite sente-se estar em presença de um material que teria vindo, por exemplo, da lua. Não da lua explorada pelos astronautas, mas da lua cantada em versos de poesia…

Escrínio da vida divina

Esta brancura nívea indica como a Virgem Santíssima está penetrada, repleta da graça de Deus. Realça uma transparência do Criador na alma de sua criatura eleita. Nas horas noturnas, naturalmente, tudo isso resplandece de modo mais acentuado. E não apenas porque a alvura se destaca no contraste com as sombras. Esta seria uma explicação verídica, mas evidente. O fato é que, de dia, tem-se a impressão de que o mármore reflete a brancura; e à noite, de que nele habita uma luz, causando-nos a sensação de que, se apertássemos aquela matéria da qual a imagem é feita, dela jorraria luz em estado líquido.

Mais ainda. A própria psicologia da personagem (no caso, Nossa Senhora) é imaculadíssima, puríssima, toda constituída para viver dentro desse níveo, que seria uma espécie de “substância” existente no Céu.

A meu ver, a primeira nota de majestade e grandeza que dela emana é um reflexo da participação de Nossa Senhora num outro mundo e da presença dentro d’Ela da vida divina, que A coloca acima de comparação com qualquer outra mera criatura.

Insondável solicitude materna

A partir dessas impressões iniciais, realçadas pela iluminação noturna, analisemos outras.

Maria Santíssima tem consciência de todos esses aspectos de sua pessoa, e demonstra estabilidade através da posição e atitude calmas, de quem se sente perfeitamente em ordem e não se acha impelido por pressa alguma. Para a imagem, o tempo como que não existe: Nossa Senhora passaria séculos acomodada onde está. É o que, com profundo respeito, se pode chamar “felicidade de situação”.

De outro lado, percebe-se que a Santíssima Virgem tem dupla atenção: uma para seus valores internos e celestes, e outra, minor, para a pessoa que d’Ela se aproxima. Dir-se-ia que Ela é toda solicitude materna, e não nota, porque não o quer, a extrema inferioridade de quem se ajoelha a seus pés. Maria não se compara com o filho que vem lhe apresentar uma súplica, dirigir-lhe uma prece. Assim, a Mãe de Deus eleva o devoto à categoria d’Ela, sem analisá-lo: “Você tem culpa ou não; é bom ou ruim”. Apenas diz: “Você existe e, portanto, tenho misericórdia. O que deseja?”

Nesta imagem transparece muito essa bondade maternal de Nossa Senhora, e a pergunta que dirige ao fiel — “O que deseja?” — é discernida no olhar e na leve inclinação da cabeça para frente, significando seu extremo desvelo e a disposição de atender até os nossos menores pedidos.

Rainha no pleno exercício de seu poder

Nota-se, também, um senso moral firmíssimo. Ela perdoa qualquer ofensa, mas tem total incompatibilidade com o mal. Quem, diante dessa imagem, pedisse algo de ruim, causar-lhe-ia horror e se sentiria fortemente censurado. Esses extremos harmônicos — bondade e rejeição do mal — fazem parte da beleza e da perfeição de Nossa Senhora de Coromoto.

Percebe-se outrossim sua majestade pela consciência que Ela possui de governo. É uma Rainha, tem a visão superior das coisas, as considera no seu conjunto e sabe como se compaginam na criação. Ou seja, por disposição divina, Ela tem o direito de mandar na ordem universal e o exerce de modo perfeito.

Esse governo se exprime de forma interessante pelo relacionamento d’Ela com o Menino. A Mãe de Deus O segura como quem pode lhe dar ordens; de outro lado, O aponta, como quem diz: “Se Eu tenho algum direito e valor, é por causa d’Ele, que é o Redentor. Se quiserem me agradar, voltem-se para meu Divino Filho, porque vivo para Ele. Sou apenas uma intercessora junto ao Verbo Encarnado”.

Ao mesmo tempo em que Ela manda n’Ele, é a primeira de seus súditos. O Menino é o cetro de Nossa Senhora, e a Virgem é o trono no qual Ele se senta. A soberania do Rei é realçada pela majestade da Rainha, e vice-versa.

Na delicadeza dos traços, a ideia de misericórdia

Julgo que a misericórdia se afirma no caráter virginal da imagem, na extrema delicadeza e harmonia dos traços de mãe e filho. Em suas fisionomias há um misto de medieval e sulpiciano(1), que são estilos incongruentes, mas aqui apresentam uma conjunção feliz: são hieráticos como o medieval, com qualquer coisa de sumamente acessível do sulpiciano.

O manto de Nossa Senhora, que cobre sua cabeça e deixa aparecer um pouco de seus cabelos, possui um pregueado muito amplo, bonito, majestoso, lembrando a toga de um magistrado e o manto de rainha. Indica também que Ela se acha inteiramente à vontade onde está e que — independentemente do que pensem, queiram, façam ou digam — tomou conta do lugar. É verdadeiramente a Soberana.

Augusta e maternal

Tudo o acima exposto seria a descrição da imagem. O passo seguinte é a exclamação que temos diante dela.

Desde logo: nívea! Porém, essa palavra requer um complemento que a enriqueça. Exclamar: “Ó Mãe nívea, ó Rainha nívea” não seria suficiente. Poder-se-ia acrescentar “augusta”, posto ser Nossa Senhora a obra-prima da mera criação.

Aprofundando essas cogitações, creio que os títulos “harmonia nívea, régia e maternal” exprimem em algo o conjunto da imagem. Corroborados pelo seguinte fato: a matéria de que ela é feita, considerada à luz dos presentes comentários, adquire um aspecto que cria a ilusão de estar numa relação de “transcendência” quanto à matéria comum da qual provêm esculturas semelhantes. Ela possui, ao mesmo tempo, predicados análogos e diversos dessa substância trivial, e nos introduz na ideia de branco absoluto, porque o níveo é uma impressão deste último.

Diante desse tipo de luminosidade nívea, tem-se uma sensação de contato com uma ordem de realidades parecida com a conhecida por nós, mas que não se imaginaria pudesse existir. Então, essa alvura nívea está para o branco comum, mais ou menos como as coisas divinas estão para as criadas. Possui algo da luz incriada. É semelhante aos outros brancos, mas inimaginável. Transcende-os. E nos conduz Àquele que é o transcendente por excelência, Deus.

Digamos, portanto, que a exclamação inteira, louvando essa linda imagem de Nossa Senhora de Coromoto, seria: ó harmonia nívea, régia, augusta e maternal!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

1) No século XIX, tendo como foco a igreja da Ordem Religiosa dos Sacerdotes de São Sulpício, em Paris, surgiu uma arte sacra denominada “sulpiciana”, que procurou realçar em suas imagens o afeto e a misericórdia dos personagens por elas simbolizados. Vale mencionar que os Sacerdotes de São Sulpício, além de sua presença na França, contam com membros em todo o mundo, especialmente no Canadá.

 

A maior fonte de bênçãos de todos os tempos

Com o nascimento de Maria Santíssima abriu-se a maior fonte de bênçãos de todos os tempos, cuja irradiação pessoal e ação de presença eram o prenúncio da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. Foi o início daquilo que iria derrubar, afinal, as muralhas do paganismo.

A Natividade de Maria é, pois, uma festa de altíssimo significado na qual podemos implorar que, assim como Ela veio à Terra e imediatamente começou a pedir o advento do Messias e o fim daquela ordem de coisas embargada pelo pecado, Nossa Senhora nos dê um desejo ardente, sapiencial, refletido, ponderado, sério e profundo do Reino de Maria, que não deixe em nossas almas apego a mais nada.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/9/1966)

O início da vitória!

Bendito o dia em que Nossa Senhora nasceu; benditas as estrelas que a viram pequenina; bendito o momento em que seus pais constataram o nascimento d’Aquela que, permanecendo sempre virgem, fora chamada a ser a Mãe do Salvador!

 

Por que se festeja o aniversário de alguém? A razão é muito simples: o aniversário de uma pessoa representa o momento em que esta entrou no cenário da vida, o momento em que a sociedade humana se enriqueceu com mais uma presença.

Cada nascimento constitui um favor, uma graça de Deus, porque todo homem — por mais que seja concebido em pecado original ou traga alguma deficiência de família — é uma criatura de grande valor. E essa criatura representa um enriquecimento altamente ponderável para a humanidade.

Concebida sem pecado e repleta de dons sobrenaturais e naturais

Nestas condições, a festa da Natividade de Nossa Senhora leva‑nos a perguntar qual o enriquecimento que Ela trouxe para a humanidade, e a que título especial o gênero humano deve festejar seu aniversário.

Colocando-nos nessa perspectiva, ficamos sem saber o que dizer… Pois Nossa Senhora foi concebida sem pecado original.

Sendo Ela livre de qualquer mancha, um lírio de incomparável formosura, seu nascimento deve alegrar não só o gênero humano, mas também todos os coros angélicos!

Além disso, Nossa Senhora possuía todos os dons naturais que uma mulher possa ter. Nosso Senhor deu a Ela, segundo a ordem da natureza, uma personalidade riquíssima, preciosíssima, valiosíssima e, a esse título, a presença d’Ela entre os homens representava um tesouro de valor verdadeiramente incalculável.

Além disso, com sua presença entre os homens, ganhamos os tesouros de graças que A acompanhavam e que são as maiores graças concedidas por Deus a alguém, graças verdadeiramente incomensuráveis.

Compreendemos, então, o que representa a entrada de Nossa Senhora no mundo.

O mais belo nascer do Sol é pálido em relação à beleza da entrada de Nossa Senhora no mundo; a mais solene entrada de um rei no seu reino nada é em comparação com isso.

A ação de Nossa Senhora nos períodos de provação

A Natividade de Nossa Senhora nos inspira também outro pensamento.

O mundo estava prostrado no paganismo; os vícios imperavam; a idolatria dominava a Terra; o mal e o demônio venciam inteiramente.

Mas, no momento decretado por Deus em sua misericórdia, tudo mudou! Nasceu Nossa Senhora, a raiz bendita da qual nasceria o Salvador da humanidade. Começava assim a derrocada do demônio.

Quantas vezes não se passa algo semelhante em nossa vida espiritual! Há ocasiões em que nossa alma está em luta, com problemas, contorcendo e revolvendo dificuldades! Sequer temos ideia de quando virá o dia bendito onde uma graça extraordinária, um grande favor acabará com nossos tormentos, proporcionando-nos um amplo progresso na vida espiritual. E, de repente, há um nascimento no sentido especial da palavra: Nossa Senhora aparece qual aurora em nossa vida espiritual.

Isso deve nos dar muita alegria e esperança, com a certeza de que Nossa Senhora nunca nos abandona. Nas ocasiões mais difíceis Ela nos visita, resolve nossos problemas, cura nossas dores, dá‑nos a combatividade e a coragem necessárias para cumprirmos nosso dever até o fim, por mais árduo que seja.

Desde o nascimento, influenciando o destino da humanidade

Assim como no Natal celebramos o momento bendito em que Nosso Senhor veio ao mundo e começou a fazer visivelmente parte da sociedade humana, a festa da Natividade de Maria exalta a ocasião em que Ela enriqueceu a humanidade com a sua presença.

Alguém dirá: “Mas o que um bebê, sem o uso da razão, pode acrescentar a uma sociedade?”

Ora, sendo concebida sem pecado original e possuindo o uso da razão desde o primeiro instante de seu ser, já no ventre materno Nossa Senhora tinha pensamentos elevadíssimos e sublimíssimos.

Se São João Batista, o qual não foi isento da culpa original, mas libertado dela antes de nascer, ao ouvir a voz de Maria saudando Santa Isabel estremeceu no seio materno(1), não poderia a Mãe do Redentor já em sua infância ter conhecimento do que se passava?

Nossa Senhora, desde o claustro materno, devido à altíssima ciência que lhe foi concedida pela graça de Deus, pedia pela vinda do Messias e pela derrota do pecado. Desta forma Ela influenciava os destinos da humanidade.

Diz-nos o Evangelho que da túnica de Nosso Senhor saía uma virtude capaz de curar(2). Se assim o era, também sua Mãe, o Vaso de Eleição, deveria ser uma fonte de graças a jorrar para todos que d’Ela se aproximavam.

E isto desde a sua mais tenra infância! Embora Ela fosse apenas uma criancinha, já em seu natal, graças enormes começaram a raiar para a humanidade. Seu nascimento constituiu o esmagamento do demônio e a vitória da Contra‑Revolução.

Compreende‑se, então, como a vinda de Nossa Senhora à Terra foi uma graça para todos os homens.

Qual “aurora” do luar…

Para concluir lembremo-nos da noite de Natal. Há séculos essa festa se repete, e nela temos a sensação de que uma bênção se renova, descendo do Céu sobre a Terra de maneira mais intensa. E, de algum modo, renova também as energias espirituais de todos os homens.

Nosso Senhor é o Sol que nasce para a humanidade, e seu Natal nos faz lembrar a aurora.

Assim sendo, sua Mãe Santíssima pode bem ser comparada à Lua. O nascer da Lua não tem a glória do nascer do Sol, mas quanto tem de análogo! Como ele é benfazejo, como ele alegra, como ele estimula, como ele consola!

O que pedir nesse dia?

Sendo filhos de Nossa Senhora — não por méritos, mas por vontade de Deus —, ao festejar seu nascimento podemos pedir a Ela uma graça especial. Peçamos, então, que a Santíssima Virgem estabeleça com cada um de nós uma aliança especial, um vínculo de filiação todo especial em nosso relacionamento com Ela, de maneira a tomar-nos sob seu amparo de modo todo particular.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/9/1963)

 

1) Cfr. Lc 1,41

2) Cfr. Lc 8,43-48

Um nascimento todo especial…

Quando Nossa Senhora nasceu, o mundo estava prostrado no paganismo; os vícios imperavam; a idolatria dominava a Terra; o mal e o demônio venciam inteiramente.

Mas, no momento decretado por Deus em sua misericórdia, tudo mudou! Nasceu Maria Santíssima, a raiz bendita da qual nasceria o Salvador da humanidade. Começava assim a derrocada do demônio.

Quantas vezes não se passa algo semelhante em nossa vida espiritual! Há ocasiões em que nossa alma está em luta, com problemas, contorcendo e revolvendo dificuldades! Sequer temos ideia de quando virá o dia bendito onde uma graça extraordinária, um grande favor acabará com nossos tormentos, proporcionando-nos um amplo progresso na vida espiritual. E, de repente, há um nascimento no sentido especial da palavra: Nossa Senhora aparece qual aurora em nossa vida espiritual.

Isso deve nos dar muita alegria e esperança, com a certeza de que Nossa Senhora nunca nos abandona. Nas ocasiões mais difíceis Ela nos visita, resolve nossos problemas, cura nossas dores, dá‑nos a combatividade e a coragem necessárias para cumprirmos nosso dever até o fim, por mais árduo que seja.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/9/1963)

A alegria do mundo inteiro

Por que a Santa Igreja Católica comemora de modo particular a natividade de Nossa Senhora? A razão é simples. O nascimento da Virgem Maria marcou o início de uma nova era na História, pois foi através d’Ela que o Sol da Redenção brilhou para a humanidade.

Até então, o mundo estivera prostrado no paganismo, gemendo sob o ímpeto dos vícios e da idolatria. Durante séculos, enquanto o mal e o demônio venciam inteiramente, almas santas haviam rogado a Deus pela vinda do Redentor, porém, a hora designada por Deus ainda não havia chegado…

A partir do momento bendito em que Maria iniciou sua trajetória entre os homens, as relações de Deus com humanidade se modificaram: através das portas do céu, até então trancadas, começaram a como que filtrar luzes de esperança no sentido de que seriam abertas em breve, de par em par.

Desde a mais tenra idade, Ela começou a pedir o advento do Messias e o fim daquela ordem de coisas estabelecida pelo pecado. A ação de presença d’Ela era o prenúncio da salvação que seu Filho viria trazer.

***

Em outras épocas, Nossa Senhora opera uma repetição daquilo que então se passou, e podemos dizer que, na época presente, há uma nova interferência d’Ela na história do mundo. Prova disso é o fato de haver almas que anseiam pelo Reino de Maria, trabalham e rezam para que ele venha.

Dr. Plinio, durante toda a sua vida, não quis ser senão um arauto do Reino de Maria, e viver na perspectiva dele. Quem assim atende ao apelo marial faz o papel de Nossa Senhora no Antigo Testamento: ainda não veio a Luz, a libertação, a vitória; mas algo que é prenúncio da vitória já está presente, começa a espalhar as suas graças e a determinar movimentos entusiásticos de adesão.

Atitudes como estas são como que natividades, que preparam o dia pleno de alegria em que Nossa Senhora reinará no mundo.

***

Que Ela nos dê graças abundantes para que, também nós — assim como foi Dr. Plinio — vivamos no desejo ardente da vinda do Reino d’Ela, pedindo que cesse o quanto antes o domínio do pecado e do demônio sobre a terra.

Plinio Corrêa de Oliveira

Olhos postos em Maria

A natividade de Nossa Senhora, celebrada em 8 de setembro, representa a aurora da redenção do gênero humano, posto que, com o nascimento de Maria, inicia-se a realização das promessas divinas de enviar ao mundo o seu Salvador”, comentava Dr. Plinio. “No momento decretado por Deus em sua misericórdia”, acrescentava, “Ele faz surgir Nossa Senhora, raiz bendita da qual brotaria Nosso Senhor Jesus Cristo, começando assim a obra de destruição do reino do demônio — no exterior, bem como no interior dos homens.

“De fato, na vida espiritual de quantas almas não se verifica situação semelhante à do mundo em que surgiu Nossa Senhora, imerso no império dos vícios e do pecado! A pobre alma está em luta com seus defeitos, se contorce em dificuldades, sem vislumbrar o dia bendito em que uma grande graça, um grande favor celestial porá fim aos seus tormentos e lhe franqueará o progresso na piedade. Pois na história dessas almas há como que irrupções de Nossa Senhora. Na noite das maiores trevas e aflições, Ela aparece e começa a solucionar todos os problemas. Maria surge então como uma radiante aurora em nossa existência, incutindo-nos um alento que não conhecíamos.

“Nesse sentido, vem muito a propósito a conhecida exortação de São Bernardo, aplicando a Nossa Senhora o simbolismo da Estrela do Mar: Ó tu que nesta vida andas flutuando entre borrascas e tempestades, antes que vagando por terra, não tires os teus olhos do fulgor desta estrela, se não quiseres que te arrastem os vagalhões. Quando te vires arremessado aos escolhos da tribulação, se te surgirem os ventos das tentações, olha a estrela e invoca Maria. Quando te vires perecer nas ondas da soberba e da ambição, da detração e da luxúria, olha para a estrela, invoca Maria.

“Contrárias às ilusões de que esta vida é um constante jardim de rosas onde tudo nos sorri, as palavras de São Bernardo — conformes ao ensinamento da Igreja — nos falam do vale de lágrimas no qual expiamos o pecado original e nossos pecados atuais. Segundo o conselho do santo, o quotidiano terreno é permeado de borrascas e tempestades, de rochedos que insidiosamente aguardam o navegante durante seu trajeto, e dos ventos das tentações que podem soprar e nos solicitar para o mal.

“Ora, sob essas condições adversas, não devemos nunca deixar de pôr os olhos em Maria Santíssima, senão os vagalhões nos arrastam. A exemplo dos antigos navegantes que se orientavam pela estrela polar a fim de alcançar o porto seguro, cumpre seguirmos as maternais coruscações da Estrela do Mar. Na incerteza das ondas, no singrar atribulado, jamais percamos de vista essa luz que nos orienta para a salvação; jamais nos esqueçamos de invocar Maria Santíssima.”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 8/9/63 e 24/9/66)

São Tomás de Vilanova, caridade milagrosa e dom de conselho

“No início do século XVI” — afirma Rohrbacher — “a Alemanha e a Espanha apresentavam um curioso contraste: a Alemanha fora dividida e desviada por um monge agostiniano: Lutero; a  Espanha fora edificada e santificada por um monge agostiniano: São Tomás de Vilanova”.

Ouçamos o que o Padre R. F. Rohrbacher nos diz, na sua “Vida dos Santos”, sobre São Tomás de Vilanova.

Nascido no ano de 1488, em Fuenllana, diocese de Toledo, Tomás era filho de velha nobreza empobrecida. Seus pais eram excepcionalmente virtuosos e incutiram no filho um extraordinário amor aos pobres. Sua mãe, mulher de raro valor, possuía até o dom dos milagres. O menino foi digno dos exemplos recebidos. Após uma infância virtuosa, formou-se brilhantemente em Alcalá, passando a lecionar Filosofia entre os eremitas de Santo Agostinho, professando a 25 de Novembro de 1517, no mesmo ano da apostasia de Lutero.

Dedicou-se depois à cátedra, ao púlpito e ao confessionário. Foi pregador e conselheiro de Carlos V, que nada lhe negava, pois dizia que ele tinha “o dom de vergar os corações”. Escolhido como bispo de Granada, recusou o cargo, mas anos depois foi obrigado a aceitar o de Valência. O imperador escolhera outro religioso, mas o seu secretário ouviu o nome de São Tomás e assim redigiu o diploma de nomeação. Ao saber do acontecido, Carlos V negou-se a retificar o engano, pois o considerou providencial.

Havia muito que o reino de Valência era vítima de seca e aridez. De súbito, quatro dias antes do Natal de 1544, ano da escolha do novo arcebispo, a chuva começou a cair em abundância, como a anunciar dias de graça e redenção. E, de fato, assim foi o governo de São Tomás. Dando ele o exemplo, reformou paulatinamente o clero de sua diocese, voltando-se depois para os demais fiéis. Continuou sua vida mortificada, vendo nos pobres sua maior riqueza. Liberal para com os outros, era tão parcimonioso para consigo mesmo que chegou a ser acusado de avarento por um alfaiate, a quem mandara reformar um velho gibão. Entretanto, a es-te mesmo alfaiate doou cento e cinqüenta moedas de prata como dote para suas três filhas.

Sua caridade era, frequentemente, acompanhada de milagres. Seus êxtases também eram tão comuns que deles chegou a falar, em seus vários sermões sobre a Transfiguração. Finalmente, após onze anos de episcopado, São Tomás caiu gravemente enfermo, vindo a falecer em 8 de setembro de 1555, dia da Natividade de Nossa Senhora, por quem demonstrara a maior devoção durante toda a vida. Já agonizante, doou a um pobre carcereiro a cama em que estava deitado, pois já nada mais possuía.

São Tomás deixou grande número de sermões, cujo magnífico estilo lembra São Bernardo, por quem sempre nutriu grande admiração.

Não é muito fácil comentar esta ficha, porque os traços que relata de São Tomás de Vilanova são de um lado, evidentemente admiráveis e, de outro, característicos de muitos santos, estando acima e além de qualquer louvor. Limito-me portanto, a ressaltar algumas coisas digna de meditação, por apresentar certa peculiaridade.

Homem suscitado pela Providência

Em primeiro lugar, o fato de Carlos V ter tido como pregador e conselheiro um tão grande santo quanto este. Vemos aí o dedo da Providência dirigindo os grandes homens de Estado. Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano-Alemão, o homem em cujos domínios o sol nunca se deitava, Rei da Espanha, e, portanto, de todas as colônias que esta possuía no Novo Mundo — para a execução da tarefa providencial que cabia à Casa d’Áustria, teve o auxílio de São Tomás de Vilanova.

Há revelações privadas tratando a respeito do papel dos Habsburg, dos desígnios da Providência sobre a Casa d’Áustria, e das graças que lhe concedeu para realizar esses desígnios. Conhecendo tudo isto, compreendemos como é belo ver a Providência amparar por esta forma a Carlos V, de maneira a ajudá-lo a cumprir um dever realmente pesado.

Dom de vergar os corações

De outro lado, entretanto, não se pode deixar de notar com tristeza o resultado causado pela falta de correspondência dos homens às graças de Deus. Carlos V teve um santo como conselheiro, mas, devido à sua moleza e espírito de contemporização, permitiu ao protestantismo se expandir tanto em suas próprias terras. É bem verdade que ele lutava com muitos inimigos, como, por exemplo, a Turquia e a França, a qual se tornou responsável, por este modo, pelo alastramento do protestantismo. Porém, ele desfrutou longos períodos de paz, e teria tido muitos meios para se opor mais seriamente ao alastramento do protestantismo. Suas famosas contemporizações causam tristes reflexões da parte de todos os historiadores da Igreja.

De outro lado, existe o reverso da medalha. Este homem terminou sua existência como penitente. Abandonou todos os seus bens e foi se encerrar no Mosteiro de Yuste, onde passou os Últimos anos de sua vida de um modo digno a edificar a Cristandade. Não foram os conselhos de São Tomás que teriam, afinal de contas, repercutido em seu coração? Dizia Carlos V que São Tomás tinha o dom de vergar os corações. Tudo dá a impressão de que ele falava por experiência própria: não teria São Tomás vergado esse coração de ferro?

Poder-se-ia objetar: Dr. Plinio, por que o senhor fala em ‘coração de ferro’? Um homem contemporizador é um mole, um brando, não pode ser considerado um ‘coração de ferro’. É Minha experiência, que já não é pequena, me ensina o seguinte: não há alma mais dura do que a do mole; não há coisa mais difícil do que levar o mole a ser enérgico. É mais árduo fazer um mole ser enérgico do que um enérgico seja moderado.

Por exemplo, se um santo tivesse conseguido que Luís XVI fosse enérgico, teria feito uma proeza sobrenatural “se se pudesse usar esta expressão” maior do que um outro que convencesse Luís XIV a não praticar alguns atos de energia, talvez exagerada, que ele tenha feito em seu reinado. De maneira que, se isso São Tomás de Vilanova conseguiu, foi realmente uma prova de que ele vergava corações de ferro.

Desprendido, nosso Santo mostrava as maravilhas feitas por Deus em sua alma, sabendo que com isto glorificava-O.

Uma via excepcional suscitada pela Esposa de Cristo

Outra coisa bonita é notarmos que os êxtases de São Tomás foram tantos que ele próprio chegou a falar deles em sermões. Essa naturalidade, sinceridade e nobreza com que ele contava, do “pápito”, as manifestações da vida da graça em sua alma, demonstram um espírito verdadeiramente elevado, capaz de fazer isso sem se envaidecer nem procurar dar a entender que era por mérito próprio, mas, pelo contrário, atribuindo tudo é  graça de Deus.

É o contrário de um certo modo protestantoso de entender a modéstia, que se generalizou mesmo em certos países católicos, segundo o qual o indivíduo seria imodesto sempre que se elogiasse a si próprio, deixando transparecer suas qualidades, porque a suprema modéstia consiste em escondê-las. Nem sempre isto é bem pensado. Porque os defeitos sempre aparecem. Se escondermos com muito cuidado as qualidades, pergunta-se o que iremos levar de bom para o convívio com os outros. Quer dizer, isso é um cálculo um pouco simplificado.

Que seja perigoso dizer a alguém: ‘Fale sobre suas qualidades’, eu compreendo. Pois é provável que a pessoa não tenha uma noção inteiramente objetiva a respeito delas. Mas afirmar que ocultar as virtudes seja uma obrigação, até lá não chego.

Desprendido, nosso Santo mostrava as maravilhas feitas por Deus em sua alma, sabendo que com isto glorificava-O. É uma via não-habitual, inteiramente justificável.

Natividade de Nossa Senhora

Fonte de toda elevação e grandeza, Nosso Senhor escolheu por Mãe aquela que, abaixo d’Ele, veio ao mundo para ser o píncaro da criação. E um ápice com esta característica de particular excelência: possuía tudo na ordem do necessário, acrescido da elegância que se alça para o terreno do supérfluo.

Ela nasceu com o florilégio de todos os charmes possíveis, mil graciosidades, mil distinções, mil belezas que constituem, também, a sua incomparável glória.

 

Plinio Corrêa de Oliveira