A Cruz, glorioso símbolo da vitória

As  festas litúrgicas, sabiamente instituídas pela Santa Igreja, nunca carecem de profundo significado e inestimável riqueza. Dessa forma, a doutrina católica explica que mais valem as cerimônias do que até mesmo os documentos pontifícios, alegando serem elas mais marcantes e benéficas às almas que nelas tomam parte.

Entre tais cerimônias, distingue-se a da Exaltação da Santa Cruz. A cruz, na qual morriam os condenados por graves delitos, era por esse motivo símbolo de ignomínia e repulsa por parte dos antigos, como bem expressou São Paulo em sua carta aos Coríntios: “escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (Cf. Cor. 1,23). Foi esse o instrumento pelo qual o Redentor abriu ao gênero humano as portas do Céu, transformando-a em sinal de nossa Fé.

Vejamos o significado e a riqueza dessa festa, como explica Dr. Plinio a seguir:

“Hoje, 14 de setembro, comemora-se uma das mais bonitas festas como título e significado: a Exaltação da Santíssima Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Exaltar quer dizer tornar alto. E neste dia a Igreja proclama e lembra ao mundo que Ela levanta acima de todas as coisas, pondo na maior de todas as alturas possíveis, a Cruz de Nosso Senhor.

“A Cruz é o símbolo da Paixão de Cristo, de todo sofrimento que o católico carrega nesta vida, com o qual ele abre para si, em união com o Redentor, as portas dos Céus.

“Colocar a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo no ponto mais alto foi uma constante preocupação da Civilização Cristã. Antigamente, os edifícios mais elevados de uma cidade eram as igrejas, em cujas torres colocava-se a cruz; o mesmo se fazia no alto das coroas dos reis. Quando se queria elaborar um documento muito importante, em seu início se inscrevia a cruz. Enfim, em tudo aquilo que o homem concebia de mais elevado, estava a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, a qual trazia consigo a ideia de que a missão d’Ele, não se esgotando na Cruz, tinha, entretanto, nela o seu ponto central; e entre todas as coisas que o Divino Salvador tinha feito, o mais admirável e adorável era ter sofrido e morrido na Cruz.

“A aceitação do sofrimento é uma imolação e representa um ato de fidelidade do homem à sua própria vocação, em função da qual ele enfrenta as lutas, os tormentos e as dificuldades.

“Nosso Senhor Jesus Cristo, para redimir o gênero humano, aceitou a morte. Manteve a luta no Horto das Oliveiras, depois caminhou até o alto do Calvário e foi crucificado, para realizar a sua missão. E a Cruz é a afirmação de que nós, católicos, aceitamos ser humilhados, odiados, combatidos, isolados, escarnecidos, perseguidos de todos os modos, não como um armazém de pancadas, mas caminhando de encontro ao sofrimento como um cruzado.

“A verdadeira alegria da vida não consiste em ter prazeres, mas sim na sensação de limpeza da alma que temos quando olhamos nossa cruz de frente, e dizemos “sim” para ela. Fazemos, assim, como Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual não apenas permitiu que o tormento caísse sobre Ele, mas caminhou em direção ao tormento. O Redentor previu, entregou-se porque quis e, com passo valoroso, levou sua Cruz até o alto do Calvário e ali se deixou crucificar.”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/9/1964)

A exaltação da Santa Cruz

Em todos os episódios da Paixão, nota-se o desejo de humilhar Nosso Senhor. A Cruz, de modo especial, representa as humilhações que Ele sofreu. Ela é a primeira das humilhações que, até o fim do mundo, todos os católicos haverão de sofrer por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Por esta razão, a Cruz foi tomada como sinal de honra de tudo quanto há de mais sagrado e de mais santo, pois a honra não consiste em não sermos humilhados, mas, isto sim, em receber a humilhação com ufania.

Ter presente a contínua exaltação da Cruz é a graça que devemos pedir na festa da Exaltação da Santa Cruz.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Conferência de 14/9/1965)

Glorifiquemos a Cruz com ufania!

Dr. Plinio nunca deixou de denunciar um catolicismo sentimental que se afasta da Cruz, pretendendo que os cristãos vivam uma vida de langor que não segue as vias do Divino Mestre. A festa da Exaltação da Santa Cruz, comemorada a 14 de setembro, deu-lhe certa feita o ensejo para uma dessas importantes admoestações.

 

A cruz era um instrumento de suplício, usado na antiguidade, que representava uma ignomínia para toda pessoa que fosse crucificada. Era uma vergonha tanto para o sentenciado como para sua família.

Os cidadãos romanos não eram sujeitos à crucifixão, por isso São Paulo, tendo direito às honras de cidadão romano, foi em seu martírio decapitado e não crucificado.

A cruz representou o auge de todas humilhações sofridas por Nosso Senhor

Nosso Senhor recebeu tremendas humilhações durante sua vida terrena. Essas correspondiam a um ódio crescente contra ele, e desfecharam na maior de todas as humilhações possíveis, que foi o  sacrifício da Cruz.

Durante a Paixão, a intenção de humilhar a Nosso Senhor ficou evidente, por exemplo, na coroação de espinhos, na túnica de irrisão com que O cobriram e na cana que lhe puseram na mão à guisa de cetro.

As pessoas que O maltratavam revelavam o desejo de atormentá-Lo na sua Alma Santíssima, e não apenas no seu Corpo Puríssimo.

Sendo por fim crucificado, Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu uma humilhação tremenda, pois com esse tipo de morte proclamava-se que Ele era um bandido, um ladrão, do mesmo gênero que os dois outros facínoras com os quais Ele foi crucificado.

E é neste sentido que a cruz não foi uma humilhação a mais, mas foi o auge de todas as outras humilhações que Ele sofreu durante a sua existência terrena. A cruz inaugurou também todas as  humilhações que até o fim do mundo os católicos haveriam de sofrer por causa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não há um só católico bom que não tenha sido humilhado por causa de sua fidelidade a Nosso Senhor. Mas isso é uma honra, é exatamente uma das bem-aventuranças: ser perseguido por amor a Jesus Cristo.

Nós, católicos, sofremos essas humilhações e havemos de sofrê-las até o fim do mundo, porque a impiedade nunca cessará de ultrajar a Deus.

Símbolo de glória, para reivindicar a honra de Jesus Cristo

Mas a honra de Deus, a honra de Nosso Senhor Jesus Cristo foi reivindicada pela Igreja. Os católicos adotaram a Cruz como um símbolo de glória, como o símbolo de quanto há de mais sagrado e  santo, e assim tivemos as três manifestações características dos tempos de Fé: a Cruz colocada no alto das coroas; a Cruz como sinal heráldico dos mais nobres galardões das famílias da alta  aristocracia e a Cruz colocada como insígnia das condecorações.

Foi uma exaltação da Cruz o que se deu, para revidar aquela humilhação, e revidá-la com ufania cavalheiresca, com ufania sobrenatural. A honra consiste em receber a humilhação com ufania O aparecimento da Cruz a Constantino na Ponte Mílvia e a promessa: “Com este sinal vencerás!”, significava isto: a Cruz se levantava no céu e ia definitivamente se incorporar ao horizonte do  undo, humilhando por sua vez os ímpios e os demônios.

E ao mesmo tempo, a Cruz passaria a ser o sinal da honra dos católicos. Nossa honra não consiste em não sermos humilhados, mas consiste em receber a humilhação com ufania, gabando-se da humilhação e, mais ainda, com espírito de desafio. Em face daqueles que nos humilham, nós revidamos como cavalheiros e proclamamos com ufania ainda maior a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A exaltação é a proclamação da glória da Cruz com ufania

Exaltação é propriamente isto: é a proclamação da glória da Cruz, com tal ufania que aniquila as humilhações que o adversário procura mover contra Cristo. Daí vem a palavra exaltar. “Exaltare”, de  ex (em direção a) e “altus” (alto), levar para o alto, ou seja, pôr no alto aquilo que estava humilhado, que estava rebaixado.

A exaltação da cruz é a glorificação da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A causa de Deus precisa ser defendida com espírito de Cavalaria. Portanto, se alguém injuria a Cruz diante de nós, devemos redarguir com energia. Porém, não como quem defende a própria honra, porque honra pessoal é coisa muito insignificante, mas como quem defende a honra de Nosso Senhor Jesus Cristo. O amor pela contínua exaltação da Cruz, com esta espécie de espírito de cavaleiro, que está lutando continuamente pela glória da Cruz, é a graça que devemos pedir na festa da Exaltação da Santa Cruz.

Plinio Corrêa de Oliveira

A exaltação da Santa Cruz, em nós e fora de nós

Cada um tome sua Cruz e siga-Me”. Nestas palavras de Nosso Se- nhor estava, para Dr. Plinio, a chave da felicidade humana. Só quem amorosamente aceita as cruzes que Deus lhe envia, encontra paz de espírito. Tema apropriado para este mês em que se comemora a exaltação da Cruz por excelência – a de Cristo.

 

A exaltação da Santíssima Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo é uma das mais belas festas da Igreja, como título e como significado.

Consideremos, antes de tudo, o que a palavra “exaltação” traz consigo.

Segundo a linguagem comum, impregnada de pieguice, o indivíduo exaltado é aquele que facilmente se irrita, derramando sua bílis sobre os outros. A verdadeira exaltação, porém, nada tem a ver com o mau gênio. Do latim “exaltere”, significa tornar-se alto, elevar-se, subir.

A exaltação da Santa Cruz de Nosso Senhor é, portanto, a festa pela qual a Igreja recorda e proclama aos olhos do mundo que ela ergue o símbolo da Redenção acima de todas as coisas, colocando-o na sua devida e suprema altura.

O auge das humilhações sofridas por Jesus

Este louvor se reveste de grandeza e de júbilo ainda maiores, quando consideramos que a cruz, originalmente, era um instrumento de suplício usado em toda a antiguidade, que representava a ignomínia e a vergonha para toda pessoa que sofresse a pena da crucifixão.

Por isso, ao ser pregado na cruz, Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu tremenda humilhação. Esta equivalia a dizer que Ele morria como um bandido, um ladrão, equiparado aos dois facínoras com os quais foi crucificado no alto do Gólgota.

Neste sentido, a cruz representa o auge de todos os desprezos e escárnios que Jesus padeceu na sua vida pública, sobretudo nos trágicos dias da Paixão. Essas humilhações correspondiam ao desejo dos algozes de acrescentar aos tormentos físicos um martírio moral, ainda mais doloroso. Então, a coroa de espinhos, a túnica de bobo, a cana à guisa de cetro, as bofetadas, etc., na intenção de atormentar a alma adorável de Nosso Senhor, e não apenas o seu corpo santíssimo.

Mas, sendo verdade que a Cruz de Nosso Senhor foi o ápice de todas as humilhações sofridas por Ele, ela é também o começo de todos os desprezos que até o fim do mundo todos os católicos haveriam de suportar em nome do Filho de Deus. Porque a impiedade não se desarma nunca. Ela visa sempre menosprezar e abater a autêntica moral cristã. Raros, se não inexistentes, são os católicos que não tenham sido humilhados, de uma forma ou de outra, por causa de sua fidelidade a Jesus Cristo. O que constitui, aliás, uma bem-aventurança, pois significa ser perseguido por amor à justiça divina, contra a qual continuamente se erguem os ímpios.

Cumpre, porém, frisar que a Cruz de Cristo, e as cruzes que por Ele carregamos, são igualmente símbolos de nossa honra. Esta consiste em recebermos a humilhação com ufania, gabando-se dela. Mais: com um espírito de desafio. Em face daqueles que nos injuriam, proclamamos com brio e júbilo ainda maiores o supremo símbolo de nossa religião. O que corresponde inteiramente à ideia de exaltação: manifestar a glória da Cruz, com uma altaneria que esmague os ultrajes que os adversários procuram fazer a Cristo.

Vem a propósito recordar que essa ufania já fora ratificada nos primeiros séculos do Cristianismo quando, às vésperas da batalha de Ponte Mílvia, o Imperador Constantino teve uma visão da Cruz, circundada pelas palavras: “In hoc signo vinces — com este sinal vencerás!” Era um anúncio de que a Cruz se levantava no céu e iria ficar definitivamente no horizonte do mundo, humilhando por sua vez os maus.

Essa galhardia é o que falta ao católico piegas. Este, diante de qualquer humilhação, mostra uma cara preguiçosa, baba e foge. Enche de vergonha a causa que deveria proteger. Nossa religião precisa ser defendida com espírito de luta e, portanto, se alguém injuria a Cruz em nossa presença, devemos redarguir com destemor e bravura. Não como quem resguarda a própria honra, mas como quem responde pela honra infinitamente mais preciosa de Nosso Senhor Jesus Cristo e, em união com a d’Ele, a da Santíssima Virgem.

No alto das torres e das coroas

Paralelamente, essa honra do Homem-Deus é também reivindicada pela Igreja. E, por causa disto, os católicos tomaram a Cruz como sinal de distinção, como símbolo de tudo quanto há de mais sagrado e santo. E o colocá-la no alto de todas as coisas foi uma preocupação constante da Civilização Cristã. Vieram então as manifestações características dos tempos de Fé: a Cruz encimando as elevadas torres das igrejas e catedrais; a Cruz no topo das coroas de reis e imperadores, ou adornando os mais nobres galardões das famílias da primeira aristocracia, ou servindo de insígnia nas condecorações. E quando se queria significar a magna importância de um documento, iniciava-o com uma cruz. Enfim, em tudo quanto o homem concebia de supremo, estava a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, trazendo consigo a ideia de que, entre todas as maravilhas por Ele operadas neste mundo, o mais admirável e o mais adorável era o ter sofrido e morrido naquele instrumento de vergonha. Trazendo consigo, ainda, o revide a essa humilhação, um revide cavalheiresco e sobrenatural a exaltação da Santa Cruz!

A Cruz glorificada em nosso interior

Outro ensinamento há, porém, que encontramos na Cruz.

Nosso Senhor Jesus Cristo é o Redentor do gênero humano. Ele tinha de redimi-lo aceitando a morte. Por isto suportou a agonia no Horto das Oliveiras e os flagelos da Paixão, caminhou até o alto do Calvário e se deixou crucificar, a fim de cumprir a missão que O trouxe ao mundo.

A partir desse momento, a Cruz tornou-se a afirmação dos sofrimentos, dos tormentos e das dificuldades que o homem aceita para realizar os desígnios de Deus sobre ele na terra. Então enfrenta tudo, a exemplo de Nosso Senhor, para seguir a superior vontade divina. Tal é a lição que nos dá a Cruz: abraçar a dor, o sacrifício, o holocausto, num ato de fidelidade do homem à sua própria vocação.

Fidelidade esta que implica não só na luta de uma vida inteira para que a religião católica vença e a Cruz de Nosso Senhor seja elevada sobre todas as coisas, como também na vitória em nossos combates interiores. Com efeito, continuamente travamos uma batalha dentro de nossas almas, na qual se opõem virtudes e pecados. Este antagonismo redunda num atrito e numa fricção interna que, em determinados momentos, chega a ser pungente. Pois bem, esta luta, é preciso que a olhemos de frente, e que tenhamos sempre a iniciativa audaciosa de derrotar o pecado. Esta batalha é, de certo modo, a glorificação da Cruz de Nosso Senhor dentro de nós.

A verdadeira alegria está na Cruz

Essa consideração encerra um importante corolário.

Desde os primórdios do cristianismo, os homens se batizaram à sombra da Cruz, casaram-se sob a proteção dela, a colocaram no melhor lugar de seus lares, e, chegados ao derradeiro instante de suas vidas, morreram olhando para ela. Quer dizer, a Cruz tem marcado toda a existência do católico. É mais uma expressão da ideia

fundamental de que o cotidiano terreno foi feito para o sofrimento e para o heroísmo. E quem fala em heroísmo, fala em cruz.

A verdadeira alegria da vida não consiste em desfrutar prazeres grandes ou pequenos, em ter fartura no comer e no beber, nem qualquer outra espécie de conforto. A autêntica satisfação da vida é aquela sensação de limpeza de alma que se possui quando fitamos de frente a nossa cruz e dizemos “sim” a ela. Desse modo, agimos como Nosso Senhor Jesus Cristo que, sem esperar a chegada do sofrimento, previu-o e se dirigiu ao lugar onde haveria de encontrá-lo. Ele se entregou porque quis, e, com passo valoroso, carregou sua Cruz até o cimo da montanha onde seria imolado. Portanto, evitemos a ilusão das alegrias efêmeras, e muitas vezes falsas, que nos prometem as diversões mundanas, as vaidades e os êxitos temporais, porque não constituem a verdadeira essência de nossa existência. “Mititia est vita hominis super terram” a vida do homem é um constante combate, dizia o santo Jó . Como afirmamos, a essência da vida é uma luta dentro e fora de si, aceitando o sofrimento de frente e fazendo dele a sua alegria. Isto é verdadeiramente a exaltação da Cruz em nós.

E não há católico sincero que não seja um ardoroso amigo da Cruz. Que, confiante na misericordiosa assistência de Maria Santíssima, não compreenda e não fique feliz em saber que as dificuldades e penas ocupam parte saliente no seu peregrinar por esta terra de exílio. É conhecendo e aceitando essa condição de batalhador contra seus próprios defeitos, assim como contra a impiedade -, é unindo-se aos méritos infinitamente preciosos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, que ele abrirá para si as portas da eterna bem-aventurança.

Imitemos Aquela que mais amou a Cruz

Tudo o que acabamos de considerar constitui o espírito de cruz, pelo qual se concebe crucificadamente todas as coisas, pelo qual batalhamos e vencemos, pois os grandes guerreiros da vida foram os que se revestiram desse espírito, desse amor à Cruz, dessa naturalidade no sofrimento, que caracteriza o genuíno filho da Santa Igreja e seguidor de Cristo.

Para adquirirmos esse espírito, nada melhor poderíamos fazer do que suplicá-lo a Nossa Senhora, pedir-Lhe que nos conceda o amor que Ela mesma teve à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Podemos imaginar, sem ferir os ensinamentos da ortodoxia católica, que passados os tormentosos dias da Paixão, vividas as alegrias da Ressurreição e após a gloriosa partida de Jesus deste mundo duas grandes felicidades restaram a Nossa Senhora na terra: uma, a da presença de seu Divino Filho na Eucaristia; outra, a meditação da Cruz. Que pensamentos, que cogitações e preces fazia a Co-Redentora nas suas horas de solidão e recolhimento, recordando o patíbulo em que se imolou o Cordeiro de Deus?! Quanto Ela reverenciou aquela cruz! Quanto Ela a honrou! E que meditações sublimíssimas Ela fez aos pés do Madeiro, no próprio instante em que nele morria o Salvador! E a que alto grau, inimaginável, elevou-se n’Ela o espírito de sofrimento o espírito de cruz -, tornando-se para nós um luminoso exemplo de alma crucificada! Então, devemos pedir a Maria, em nome dessas meditações solitárias d’Ela diante da Cruz, nas quais talvez Ela tenha tido em vista a cada um de nós, esse mesmo espírito de cruz. Que nos incuta esse respeito, essa admiração e esse entusiasmo pelo verdadeiro sofrimento e, mais ainda, esse desejo heroico de sofrer, que é o característico do verdadeiro católico. Numa palavra, roguemos a Ela a graça dessa contínua exaltação da Santa Cruz em nós, para a exaltarmos continuamente fora de nós.

Errata: Por um problema técnico, no artigo de agosto desta seção faltaram as duas últimas linhas: “… segundo a promessa que fiz em Fátima o Meu Coração Imaculado triunfou!”

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Zelo pela glória de Maria

O nome é o símbolo de uma realidade psicológica, moral, espiritual, contida na pessoa e, por causa disso, o nome de Nossa Senhora, como o santíssimo Nome de Jesus, deve ser considerado como a afirmação da glória e dos predicados interiores d’Ela.

 

A  Festa do Santíssimo Nome de Maria é uma especial manifestação de glória de Nossa Senhora. Não se trata apenas do nome de Maria, mas de algo que está por detrás do nome. Os antigos consideravam o nome como uma espécie de símbolo da pessoa, e durante bastante tempo se difundiu muito o uso das iniciais, que são uma espécie de símbolo do nome.

Simbolismo do nome

O nome é o símbolo de uma realidade psicológica, moral, espiritual, mais profunda contida na pessoa e, por causa disso, o nome de Nossa Senhora, como o santíssimo Nome de Jesus, deve ser considerado simbólico da virtude excelsa, da missão, enfim, de tudo aquilo que a Santíssima Virgem é verdadeiramente. O nome de Maria é a afirmação da glória e dos predicados interiores d’Ela.

Comemorando esse nome, festejamos a glória que Nossa Senhora teve, tem e terá no universo, e a glória que Ela possui no Céu. Quanto a esta glória não é preciso dizer nada; já está tudo dito: Ela é a Rainha de todos os Anjos e Santos, colocada incomensuravelmente acima de todas as criaturas, de maneira que, na ordem criada, Ela é o cone para o qual tudo converge, sendo nossa medianeira junto a Deus Nosso Senhor.

A glória que Ela com isso tem é simplesmente inexprimível; é uma decorrência de sua condição de Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Entretanto, na Terra também Nossa Senhora deve ser glorificada. O normal seria que a Virgem Maria fosse venerada na Terra e seu nome santíssimo glorificado de modo inexprimível.

Indignação por ver a Rainha não ser reconhecida no papel que Lhe compete

Imaginemos um mundo imbuído do espírito de São Luís Grignion de Montfort, uma Cristandade na qual os discípulos desse Santo fossem o sal da terra e dessem realmente o tom da piedade mariana; então compreenderemos como a glória de Nossa Senhora no mundo seria incomparavelmente maior do que é hoje.

Vemos Maria Santíssima tão glorificada pela Santa Igreja, e essa glória nos parece imensa, mas não é nada em comparação com a que Ela deveria ter no mundo, uma glorificação dentro do espírito de São Luís Grignion de Montfort.

Essa glória de Nossa Senhora nós a devemos amar ardentemente, porque é insuportável que Ela não receba toda a glória a que tem direito. É simplesmente a coisa mais odiosa, mais execrável que o vício, o crime, a Revolução, a maldade dos homens, o demônio, enfim, consigam diminuir a glória que a Santíssima Virgem deva receber dos homens.

Em relação à glória de Nossa Senhora nós deveríamos ser zelosos como filhos na casa de sua mãe. Imaginem se um de nós poderia sentir-se bem, quando vê recusarem a ela as atenções que lhe são devidas. Como podemos estar contentes na Terra, sujeita ao reinado de Maria Santíssima, vendo serem recusadas as honras e as atenções a que Ela tem direito?

Isto deve ser para nós uma ocasião contínua de pesar. Muito mais do que pesar, de indignação enorme por ver a Rainha não ser reconhecida por todos no papel que Lhe compete.

Peçamos a Nossa Senhora, tão injuriada pelos homens em nossos dias, que aceite o nosso desagravo por tantas ofensas que Ela está continuamente recebendo! E que Ela disponha nossas almas para uma reparação completa.

Necessidade de uma reparação digna

Nós devemos juntar a isso uma outra consideração. Precisaríamos pensar como a nossa reparação deveria ser, e fazer um exame de consciência perguntando-nos se a nossa reparação estará à altura. E, portanto, se não precisaríamos também oferecer uma reparação pela deficiência de nossa reparação. Porque não podemos, sem maior cerimônia, rogar a Nossa Senhora perdão pelo que fizeram os outros, sem pedir perdão pelo que fazemos nós também. Seria como se nos aproximássemos do trono d’Ela sem culpa, como se fôssemos ilibados e os outros carregados de culpa. Não posso me aproximar do trono d’Ela sem lembrar do que eu faço. E, portanto, pedir a Ela que também aceite uma reparação pela chocha reparação de seus pobres reparadores.

Como seria uma noção plena de tudo quanto Ela é? Não é apenas uma noção teórica, mas prática, viva, concreta, que se deve ter. E, depois, nos perguntarmos se durante todas as horas do dia, em todas as ocasiões – quando estamos trabalhando, vendo uma revista, lendo um livro, ou fazendo qualquer outra coisa –, o zelo pela glória de Deus e de Nossa Senhora verdadeiramente nos devora. Ou se há ocasiões em que somos fracos, chochos, e nossos interesses pessoais, nossas questões de amor-próprio, nossos problemas de mil suscetibilidades e de coisas desse gênero, interferem e empanam o zelo que nós devemos ter pela glória de Maria Santíssima.

Porque se esses problemas interferem e empanam, e se pensamos demais em nós e pouco n’Ela, nossa reparação não será tão plena como deveria ser.

Então, aqui aparece mais uma vez a oportunidade de recorrermos aos nossos Anjos da Guarda e aos nossos Santos protetores, pedindo que eles se unam a nós para dar à nossa reparação um valor que, de si, ela não tem, para que nossa reparação seja adequada, reta e que, de fato, satisfaça a todos nós.

Sugiro, portanto, que rezemos para sermos perfeitos reparadores. Levando essas disposições ao altar de Nossa Senhora, tenho a maior esperança de que isto tenha como consequência que Ela nos dispense abundantes graças, e que o sorriso d’Ela receberá, se não a nossa reparação, pelo menos a nossa humildade, a qual nós podemos e devemos levar aos pés d’Ela.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/9/1964)

Natividade de Maria: aurora de esperança para as almas

Alegrias e sofrimentos sucedem-se na existência humana. E se as primeiras são sempre bem-vindas, estes últimos raramente são aceitos ou mesmo compreendidos. Afinal, quem não estremece diante da dor?

As duas festas marianas celebradas no mês de setembro, a Natividade da Virgem Maria e Nossa Senhora das Dores, entremeadas pela Exaltação da Santa Cruz, nos trazem preciosa lição a respeito.

A Igreja, Mestra infalível da verdade, ao nos propor a celebração da Santa Cruz, enaltece sua beleza e importância, sem negar as dores que a acompanham. “Pai, tudo é possível para Ti. Afasta de mim este cálice! Mas seja feito não o que Eu quero, porém o que Tu queres”(1)., foi a exclamação de angústia do Homem-Deus ao suar sangue na perspectiva de tudo o que sofreria.

Esta pungente oração, repleta de filial submissão, fora precedida por outra, introduzida por estas palavras: “Pai, chegou a hora. Glorifica o teu Filho, para que teu Filho Te glorifique…”(2)

O próprio Verbo encarnado, que após a última Ceia proclamara assim a certeza de que sua Paixão e Cruz manifestariam sua própria glória e a do Pai, sentiu pavor e angústia(3) ao considerar a enormidade dos padecimentos físicos e morais pelos quais deveria passar.

Se a perfeitíssima natureza humana do Homem-Deus, de tal maneira convicta da necessidade de seu sacrifício, tremeu diante da dor, o que dizer da nossa, tão frágil e insegura?

Sem dúvida, necessitamos, ainda mais do que o Redentor, de alguém que nos dê forças para levar com ufania a cruz que a Providência nos destinou. E esse alento podemos encontrar na filial meditação da Natividade de Maria feita por Dr. Plinio: “Quantas vezes a alma deste ou daquele está em luta, com problemas, contorcendo e revolvendo dificuldades! A pobre alma nem se dá ideia de quando virá o dia bendito em que uma grande graça, um grande favor vai acabar com seus tormentos, com suas lutas e, afinal de contas, proporcionar-lhe um grande progresso na vida espiritual.

“Há aqui o nascimento — a natividade, num sentido especial da palavra —, irrupções de Nossa Senhora em nossas almas. E na noite das maiores incertezas, das maiores trevas, de repente, Maria Santíssima aparece e começa a quebrar as dificuldades com que nós nos defrontamos. Ela desponta como uma aurora a representar algo de novo em nossa vida espiritual.

“Isso nos deve dar muita alegria e muita esperança, com a certeza de que a Santíssima Virgem nunca nos abandona. E nas ocasiões mais difíceis Ela nos visita, sua presença como que irrompe entre nós, resolve todos os nossos problemas, cura nossas dores, dá-nos a combatividade e a coragem necessárias para cumprir nosso dever até o fim, por mais árduo que seja, e arma nosso braço na luta contra o adversário.”(4)

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Mc 14, 36.
2) Jo 17, 1.
3) Mc 14, 33.
4) Conferência de 8/9/1963.

Uma santa imperatriz virgem abala duas heresias

Dr. Plinio dava grande importância à sociedade temporal, a qual deve secundar a obra da Igreja. Santa Pulquéria, sendo Imperatriz do Império Romano do Oriente, ocupou o mais alto cargo na esfera temporal e contribuiu possantemente para o esmagamento das heresias de Nestório e de Eutiques.

 

A  respeito da Imperatriz Santa Pulquéria, virgem, temos alguns dados biográficos extraídos de diferentes fontes(1).

Um dos mais belos episódios da História

Ao lado de São Cirilo de Alexandria em sua luta contra Nestório, no triunfo da Mulher sobre o antigo inimigo, aparece-nos a admirável figura de uma mulher, de uma santa que foi, durante quarenta anos, o terror do inferno, e por duas vezes, em nome da Rainha do Céu, esmagou a cabeça da serpente odiosa.

Num século de ruínas, encarregada aos quinze anos da direção do Império, Pulquéria deteve por sua prudência, por sua energia, as convulsões internas, enquanto que, ­pela única força dos Salmos divinos — que ela entoava com ­suas irmãs, virgens como ela —, continha os bárbaros.

Vejam que coisa linda! Bizâncio, capital deslumbrante, amável, com as suas suntuosas igrejas, seus palácios, seus estádios, suas escolas, seu luxo! Ali se encontrava instalada uma imperatriz que canta os Salmos com suas irmãs virgens e, por essa forma, rechaça os bárbaros que invadiam o Império, e protege aquele reduto da Cristandade contra toda deterioração.

Este coro da Imperatriz com suas irmãs virgens, cantando Salmos para a proteção do Império, é um dos mais bonitos episódios que a História possa ter apresentado à consideração humana.

Grande devota de Nossa Senhora

Enquanto o Ocidente agitava-se nas convulsões da última agonia, o Oriente encontrava no gênio da sua Imperatriz a prosperidade dos mais belos dias.

Vendo a neta do grande Teodósio consagrar suas riquezas privadas para multiplicar, nos seus muros, as igrejas dedicadas à Mãe de Deus, Bizâncio aprendia com ela o culto a Maria, que devia ser a sua salvaguarda em tantos dias maus. E valeria do Senhor, Filho de Maria, mil anos de misericórdia e de compreensível paciência.

Com efeito, o Império Romano do Ocidente estava caindo, devido aos bárbaros que o invadiam. Mas, nos quarenta anos de governo de Santa Pulquéria, aquela torrente de bárbaros, por razões que os historiadores nem chegam a afirmar inteiramente, não desceram até Bizâncio, cidade que era tão ou mais rica do que Milão, ou Ravena, ou Roma, então meias capitais do Império Romano do Ocidente.

Santa Pulquéria foi saudada pelos Concílios gerais como a guardiã da Fé e o sustentáculo da unidade.

Segundo São Leão, a parte principal em tudo que neste tempo se fez contra os adversários da Verdade Divina, foi Santa Pulquéria. Diz esse grande Papa que duas palmas estão em suas mãos, duas coroas sobre sua cabeça, porque a Igreja lhe deve a dupla vitória sobre a impiedade de Nestório e de Eutiques, que, embora divididos no ataque, visavam o mesmo fim: a negação da Encarnação e do papel da Virgem Mãe na salvação do gênero humano.

Num século cheio de santos, ela abalou duas heresias e foi considerada o principal fator para esmagá-las, apresentando, portanto, alguns aspectos por onde nos faz lembrar Nossa Senhora que, sozinha, esmagou as heresias em todo o mundo.

Grande devota da Mãe de Deus, Santa Pulquéria construiu numerosas igrejas dedicadas a Ela, em Bizâncio, o que fez retardar especialmente a queda do Império, porque a devoção a Maria Santíssima é o meio para perpetuar a vida e evitar qualquer espécie de morte.

Elogiada pelo Papa São Leão Magno

“É a vós que se deve a supressão dos escândalos suscitados pelo espírito do mal. Graças ao vosso esforço toda a Terra está presentemente unida na mesma confissão de Fé.” Foi com essas palavras que o Papa São Leão prestou homenagem à Imperatriz Pulquéria, digna neta de Teodósio, o Grande.

Tinha ela sido batizada por São João Crisóstomo em Constantinopla e, muito nova ainda, fizera voto de virgindade juntamente com duas irmãs menores.

Quando morreu Acab, seu pai, foi proclamada Augusta tendo apenas quinze anos, e passou a governar sob tutela de Teodósio II, dois anos mais novo do que ela.

Em 414 assumiu todas as responsabilidades do governo, raras vezes vendo-se tanta prudência aliada à tamanha precocidade.

Quando Teodósio II chegou aos vinte anos, Pulquéria concorreu para que ele desposasse Atenaís, filha de um filósofo pagão de Atenas. Batizada com o nome de Eudócia, esta princesa acabou por perseguir a cunhada porque exercia influência sobre Teodósio, obrigando-a que se retirasse da Corte.

Pulquéria manteve-se afastada durante três anos até que, em 450, São Leão pediu-lhe encarecidamente que viesse em auxílio da ortodoxia ameaçada.

Condenado pelo Concílio de Éfeso, em 431, o Patriarca Eutiques tinha, por fim, caído nas boas graças do Imperador, e a heresia triunfava, então, com a sua pessoa na sede de Constantinopla.

Bastou que Pulquéria aparecesse na Corte para acabar com tais abusos, e conseguir que o Concílio de Calcedônia condenasse o eutiqueísmo e seus adeptos.

Entretanto, deu-se a morte de Teodósio e o afastamento de Eudócia, o que tornou Pulquéria senhora absoluta do Império, nessa altura ameaçado por Átila.

A fim de estabilizar sua autoridade, Pulquéria decidiu casar-se com o General Marciano, oito anos mais novo do que ela. Marciano respeitou seu voto de virgindade, perseguiu os partidários de Nestório e de Eutiques, e obrigou Átila a afastar-se das fronteiras.

Santa Pulquéria faleceu em 453.

Santos ocupavam o mais alto cargo no campo espiritual e no campo temporal

Sem dúvida, é uma lindíssima vida, toda cheia de ensinamentos e observações que se prestam a mais alguns comentários.

Em primeiro lugar, o papel importantíssimo que tem para os costumes e para a Religião o fato de que as pessoas altamente colocadas deem um bom exemplo, e que os detentores do poder público atuem de maneira a impor a Religião e os bons costumes. Esse elogio feito pelo Papa São Leão é decisivo a esse respeito.

“É a vós que se deve a supressão dos escândalos suscitados pelo espírito do mal. Graças ao vosso espírito, toda a Terra está presentemente unida na mesma confissão de Fé.”

Uma determinada mulher consagrada a Deus subiu ao trono imperial, deteve as rédeas do governo e um cargo que dava uma influência sobre os costumes de todo o Império, e soube utilizar-se bem desses meios que a Providência colocou em suas mãos. Por causa disso a Igreja, tendo no momento um Papa santo e, portanto, capaz das maiores coisas em beneficio dela, proclamou, pela boca do Pontífice, todo esse imenso beneficio que a Santa Pulquéria se deveu.

É verdade que a Religião precisa ser servida, antes de tudo, por sacerdotes, por Papas santos, mas um Pontífice santo reconhece que não basta isso; é necessário haver nos postos importantes da vida civil gente que ame a Igreja com todo o coração, com a preocupação única de servi-la e mais nada. A prova disso encontra-se neste fato: no mais alto cargo espiritual da Terra havia um Papa santo, mas a Providência não teria feito todo o bem que fez se não tivesse existido também uma santa no mais alto cargo temporal.

Isso mostra como os fiéis, sob a inspiração e orientação do bom clero, têm um papel próprio e importantíssimo na obra de estruturação da Civilização Cristã.

De outro lado, vemos como Santa Pulquéria, durante sua vida inteira, só cogitou do serviço de Deus.

Parece que nesta vida tão admirável houve um fato desconcertante: por que razão Santa Pulquéria quis que Teo­dósio II desposasse Ate­naís, filha de um filósofo pagão de Atenas? Essa narração ­será verdadeira? Em rigor, não é impossível que houvesse uma razão justa para isso. O fato concreto é que o heresiarca Eutiques obteve várias vitórias por causa disso.

E mais uma vez se vê o mesmo princípio: sai do poder uma imperatriz boa, entra outra má, tudo se arruína; de tal maneira os cargos da sociedade temporal são importantes para a realização da obra de Nosso Senhor Jesus Cristo.

É interessante notar o que se conta nessa ficha a respeito de Átila. Quando ele veio da Hungria para invadir o Império Romano do Ocidente, não se dirigiu imediatamente a este, mas desceu e ameaçou o Império do Oriente. Ali ele foi derrotado, e só então se dirigiu para o Império do Ocidente, onde produziu devastações tremendas que deixaram esse Império todo abalado, combalido, para cair debaixo de outros choques que não tardariam a vir.

Eis o efeito da presença de uma imperatriz santa servindo de “para-raios” e afastando inimigos terríveis, de maneira que o Império do Oriente veio a cair mil anos depois da queda do Império do Ocidente.

Devemos pedir a Santa Pulquéria que obtenha para nós a graça de compreendermos e fazermos compreender essas verdades, e de exercermos a nossa tarefa na sociedade temporal com ardor renovado, porque entendemos bem como isso está dentro dos planos da Providência.

(Extraído de conferências de 10/9/1965 e 10/9/1966)

 

1) Não dispomos dos dados bibliográficos das obras citadas por Dr. Plinio nesta conferência.

As realidades terrenas devem ser parecidas com o Céu

Na consideração da festa de São Rafael Arcanjo devemos impetrar-lhe a graça de ver em todas as realidades terrestres a semelhança com as celestes. Somente na medida em que amarmos as realidades terrenas parecidas com o Céu é que prepararemos as nossas almas para o Reinado de Maria Santíssima e para a eterna beatitude.

 

Oculto aos Santos Anjos está muito relacionado com a nossa espiritualidade, razão pela qual o estudo dos espíritos angélicos ocupa um papel muito importante em nossas cogitações.

Pedir graças espirituais e temporais

São Rafael, como um dos mais eminentes dos Anjos, naturalmente tem um lugar privilegiado em nossa devoção. Por outro lado, o fato de ele encaminhar as orações dos homens para Deus e, naturalmente, para Nossa Senhora, que é intercessora também para os Anjos, é um motivo especial para cultuarmos São Rafael.

O Arcanjo São Rafael é padroeiro dos que viajam e também dos enfermos. Há tanta gente entre nós que, a um ou outro título, é doente. Considero uma boa coisa a pessoa, em face de suas próprias enfermidades, situar-se assim: “Meu Deus, eu Vos peço que me liberteis desta doença, mas se não me libertardes, porque é de vosso desígnio, fazei-me, pelo menos, tirar todo o fruto espiritual dela.”

Alguém poderia pensar que pedir a saúde não corresponde a uma atitude perfeita, porque é uma graça temporal e não espiritual. Deus me livre de uma religiosidade que só peça as graças temporais, mas que Ele me livre igualmente de outra que julga haver uma imperfeição espiritual em pedir as graças temporais. Deve-se pedir também “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”.

Protocolo monárquico dos bons tempos

Uma das noções que se apagaram muito a respeito do culto aos Anjos, e que me parece interessante relembrar, é a de que o Céu constitui uma verdadeira corte. Antigamente falava-se muito em Corte Celeste, o que encontra seu fundamento na ideia de que Deus está perante os Anjos e Santos, na Igreja gloriosa, como o rei perante sua corte.

Mas o curioso é que algumas peculiaridades próprias às cortes existentes na Terra, pelas similitudes entre as coisas da Terra e as do Céu, acabam existindo na Corte Celeste também, constituindo-se uma corte no sentido muito mais literal da palavra do que se poderia imaginar.

Se considerarmos um protocolo monárquico dos bons tempos, veremos que não era, como imaginam alguns, uma coisa formal, completamente vazia. Mas era a maneira de reger a existência das várias pessoas a serviço do rei, de maneira a tudo se passar de um modo prático, simples e decoroso, facilitando de todas as formas a vida do monarca.

Assim, por exemplo, quando o rei se colocava à disposição para receber os pedidos de seus súditos, ele os atendia tendo em torno de si, nas grandes ocasiões, os príncipes da Casa real, pessoas de alta nobreza. As demandas eram entregues por escrito. Porém, o interessado comparecia diante do monarca e podia dirigir-lhe a palavra para dizer o que quisesse. Algum príncipe, uma pessoa de alta categoria ou alguém que fosse chegado ao interessado também podia dizer algo. Então o solicitante entregava a um dignatário um rolo de papel com seu pedido, que o rei examinaria depois. Havia uma mesa sobre a qual iam se acumulando os pedidos que depois eram despachados por um Conselho especial.

Vê-se como há uma espécie de hierarquia de funções, de dignidades, de intercessões que conduz ao rei e, depois, procede dele e chega aos particulares. Esse é o mecanismo de uma corte.

Padrão para todas as cortes terrestres

Na Corte Celeste o mesmo protocolo existe, em última análise, pelas mesmas razões. Deus Nosso Senhor, que evidentemente não precisa de ninguém, entretanto, tendo criado seres diversificados, era natural que entregasse a eles missões junto a Si, segundo uma disposição hierárquica. E também que esses seres possuíssem um brilho, um esplendor, uma dignidade na mansão celeste correspondente às tarefas das quais são incumbidos, tarefas essas que, por sua vez, correspondem à própria natureza deles.

Assim, é de acordo com a ordem do universo que os seres humanos sejam regidos pelos Anjos, e estes sejam intercessores dos homens junto a Deus. De maneira que é verdadeiramente uma vida de corte, com um protocolo, uma dignidade, que serve de padrão para todas as cortes terrestres, e indica a necessidade de existir um protocolo, uma hierarquia, uma diversificação de funções.

Temos o exemplo contrário disso nos discursos de chefes de Estado e de sindicalistas modernos, onde há uma pilha de gente atrás, dezenas de microfones, gente em volta conversando; o indivíduo interrompe a arenga, dá uma ordem para este e aquele, conta uma piada, depois continua a falar para a massa. Uma bagunça em que não há compostura nem dignidade. E essa carência de ordem, compostura e dignidade vão constituindo a igualdade e a democracia.

Ao contrário, no estilo aristocrático-monárquico nós temos essa diferenciação, essa hierarquia que é a própria imagem do Céu, e compreendemos melhor aquela afirmação de Pio XII de que, até mesmo nas democracias verdadeiramente cristãs, é indispensável que as instituições sejam de um alto tonus aristocrático.

Condição psíquica de sobrevivência na Terra

A festa de São Rafael nos conduz exatamente a essa ideia. É um intercessor celeste de alta categoria que leva nossas preces a Deus, porque é um dos espíritos angélicos mais elevados que assistem junto a Ele e, portanto, estão mais próximos d’Ele para pedir por nós, constituindo os canais naturais das graças que desejamos.

Essa consideração nos conduz à ideia de reforçarmos cada vez mais em nós o desejo de que as realidades terrestres sejam semelhantes às celestes. Porque apenas na medida em que amarmos as realidades terrenas parecidas com o Céu é que preparamos as nossas almas para a beatitude celeste. Se, ao morrermos, não tivermos apetência das realidades terrestres parecidas com as celestes, não teremos apetência do Céu.

Há, portanto, algo nesse espírito de hierarquia, de distinção, de nobreza, de elevação que corresponde a uma verdadeira preparação para o Céu; preparação esta tanto mais desejável quanto mais vamos afundando num mundo de horror, no qual todas as exterioridades com as quais tomamos contato são monstruosas, caóticas, desorganizadas.

É uma necessidade do espírito humano, para não afundar no desespero, que a pessoa possa pousar as suas vistas extenuadas e doloridas em algo digno e bem ordenado. Não é próprio ao homem viver no “mare magnum” de coisas que caem, afundam, se deterioram. Em algum lugar ele necessita pôr a sua alegria, a sua esperança.

Mas de tal maneira tudo quanto é digno está desaparecendo deste mundo que, ou temos cada vez mais o nosso desejo, a nossa esperança postos no Céu, ou não teremos mais condição psíquica de sobrevivência na Terra.

Houve uma Santa que teve uma revelação na qual ela viu o seu próprio Anjo da Guarda. Era um ente de uma natureza tão elevada, tão nobre e excelsa, que ela se ajoelhou diante dele para adorá-lo, pensando ser o próprio Deus. O espírito celeste precisou explicar-lhe que ele era apenas o seu Anjo da Guarda. Ora, sabemos que os Anjos da Guarda pertencem à hierarquia menos alta que existe no Céu. Em comparação com isso, o que podemos imaginar de um Anjo como São Rafael, das mais elevadas hierarquias?

São Luís, Rei de França, e São Rafael, Príncipe celeste

Mas para não ficarmos na concepção de um puro espírito, podemos nos servir de uma comparação antropomórfica que nos faça degustar melhor essa realidade, imaginando, por exemplo, São Rafael tratando com Nossa Senhora no Céu, à maneira de São Luís, Rei de França, falando com sua mãe, Branca de Castela.

É sabido que São Luís era um homem de alto porte, grande beleza, muito imponente, de maneira que, ao mesmo tempo atraía, incutia um respeito profundo e suscitava um imenso amor. Possuía o feitio de um guerreiro terrível na hora do combate, e era o rei mais pomposo e decoroso do seu tempo.

Esse rei, no qual transluziam todas as glórias da santidade e que era um filho muito amoroso, podemos imaginá-lo nos esplendores da corte da França, conversando com Branca de Castela. Quanta distinção, quanto respeito, quanta elevação, quanta sublimidade nessa cena! Ela nos dá um pouco a ideia do que seria São Rafael se dirigindo a Nossa Senhora. Um rei como São Luís era uma espécie de Anjo na Terra; São Rafael vagamente pode ser considerado como uma espécie de São Luís celeste. Ele é um Príncipe celeste, apenas com a diferença de que São Luís era rei e São Rafael não; e Nossa Senhora é Rainha a um título muito mais alto do que Branca Castela.

Por esta transposição podemos ter um pouco a noção, à maneira de homens, da alegria de que nós vamos estar inundados no Céu quando pudermos contemplar um Arcanjo como São Rafael, e tudo quanto veremos de Deus admirando esse Príncipe celeste.

Peçamos a ele que tenhamos essa contemplação, mas também que algo dessas ideias penetrem em nós nesta vida, e que a consideração dessa ordem ideal e realmente existente nos conforte para uma esperança do Céu e do Reinado de Maria, dissipando toda a tristeza crescente destes dias em que os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima vão se aproximando tão rapidamente de nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 23/10/1963 e 23/10/1964)

Revista Dr Plinio 258 (Setembro de 2019)

Nascimento da criatura perfeita

Por que a Igreja festeja especialmente o Santo Natal de Nossa Senhora? Porque Ela foi tão grande que a data de sua entrada no mundo marca uma nova era na história do Antigo Testamento, a qual podemos dizer que se divide, sob este ponto de vista, em duas partes: antes e depois da Santíssima Virgem.

Porque, se o Antigo Testamento é uma longa espera do Messias, esta espera tem dois aspectos: os milhares de anos pelos quais a Divina Providência permitiu que esta expectativa se espichasse e, depois, o momento abençoado em que Deus resolveu fazer nascer Aquela que obteria o advento do Salvador.

O nascimento de Maria Santíssima é a chegada ao mundo da criatura perfeita que encontra plena graça diante de Deus, da única pessoa cujas orações têm o mérito suficiente para acabar com a espera e fazer com que, afinal, os rogos, os sofrimentos de todos os justos e a fidelidade de todos aqueles que tinham sido fiéis conseguissem aquilo que sem Nossa Senhora não se teria obtido.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/9/1966)

Nossa Senhora de Coromoto Harmonia augusta, nívea e maternal

A insondável majestade e a infatigável solicitude materna de Maria Santíssima se unem e reluzem aos nossos olhos, salientadas nesses comentários de Dr. Plinio a uma bela imagem de Nossa Senhora de Coromoto, Padroeira da Venezuela, cuja festa é comemorada em 8 de setembro.

 

Ao contemplarmos essa linda imagem de Nossa Senhora de Coromoto, notamos de imediato o proporcionado do conjunto que com ela estabelece a base e a cadeira. Esta última possui um espaldar alto que sobrepuja a cabeça da Virgem, e apresenta em seu topo um arco singelo, porém elegante, semelhante a um dossel.

Majestade e intimidade

Trata-se de um detalhe interessante, pois ele frisa a ideia de que Maria Santíssima tem perfeita noção da própria majestade e, sendo a Rainha do Céu e da Terra, condescende em manifestar tanta bondade para conosco.

Por sua vez, a base, um tanto elevada, encontra-se numa proporção muito amena com a imagem, situando-a numa altura que transmite a noção da intimidade — repassada de sacralidade — que Nossa Senhora deseja estabelecer com seus devotos. Cumpre observar, entretanto, que a base e o dossel são apenas elementos auxiliares para visualizarmos o conjunto.

Nas laterais aparecem quadriláteros superpostos, encimados por dois triângulos que insinuam vagamente ­duas colunas, com seus capitéis, de uma hipotética catedral cuja abóbada seria representada pelo arco. Embora tais figuras geométricas pudessem ter sido concebidas de modo mais artístico, se fossem retiradas o conjunto perderia em expressão.

Brancura nívea

A qualquer hora do dia, a primeira impressão causada pela imagem é de uma brancura tal que se diria ser feita de uma matéria desconhecida nesta Terra. Ao substantivo “brancura” convém acrescentar o adjetivo “nívea”, que pode parecer exagerado, mas seria uma exceção permitida pelo rico vocabulário da língua portuguesa. Ele realça, exprime melhor esse tipo de brancura que admiramos na imagem de Nossa Senhora de Coromoto: brancura nívea.

Sobretudo à noite sente-se estar em presença de um material que teria vindo, por exemplo, da lua. Não da lua explorada pelos astronautas, mas da lua cantada em versos de poesia…

Escrínio da vida divina

Esta brancura nívea indica como a Virgem Santíssima está penetrada, repleta da graça de Deus. Realça uma transparência do Criador na alma de sua criatura eleita. Nas horas noturnas, naturalmente, tudo isso resplandece de modo mais acentuado. E não apenas porque a alvura se destaca no contraste com as sombras. Esta seria uma explicação verídica, mas evidente. O fato é que, de dia, tem-se a impressão de que o mármore reflete a brancura; e à noite, de que nele habita uma luz, causando-nos a sensação de que, se apertássemos aquela matéria da qual a imagem é feita, dela jorraria luz em estado líquido.

Mais ainda. A própria psicologia da personagem (no caso, Nossa Senhora) é imaculadíssima, puríssima, toda constituída para viver dentro desse níveo, que seria uma espécie de “substância” existente no Céu.

A meu ver, a primeira nota de majestade e grandeza que dela emana é um reflexo da participação de Nossa Senhora num outro mundo e da presença dentro d’Ela da vida divina, que A coloca acima de comparação com qualquer outra mera criatura.

Insondável solicitude materna

A partir dessas impressões iniciais, realçadas pela iluminação noturna, analisemos outras.

Maria Santíssima tem consciência de todos esses aspectos de sua pessoa, e demonstra estabilidade através da posição e atitude calmas, de quem se sente perfeitamente em ordem e não se acha impelido por pressa alguma. Para a imagem, o tempo como que não existe: Nossa Senhora passaria séculos acomodada onde está. É o que, com profundo respeito, se pode chamar “felicidade de situação”.

De outro lado, percebe-se que a Santíssima Virgem tem dupla atenção: uma para seus valores internos e celestes, e outra, minor, para a pessoa que d’Ela se aproxima. Dir-se-ia que Ela é toda solicitude materna, e não nota, porque não o quer, a extrema inferioridade de quem se ajoelha a seus pés. Maria não se compara com o filho que vem lhe apresentar uma súplica, dirigir-lhe uma prece. Assim, a Mãe de Deus eleva o devoto à categoria d’Ela, sem analisá-lo: “Você tem culpa ou não; é bom ou ruim”. Apenas diz: “Você existe e, portanto, tenho misericórdia. O que deseja?”

Nesta imagem transparece muito essa bondade maternal de Nossa Senhora, e a pergunta que dirige ao fiel — “O que deseja?” — é discernida no olhar e na leve inclinação da cabeça para frente, significando seu extremo desvelo e a disposição de atender até os nossos menores pedidos.

Rainha no pleno exercício de seu poder

Nota-se, também, um senso moral firmíssimo. Ela perdoa qualquer ofensa, mas tem total incompatibilidade com o mal. Quem, diante dessa imagem, pedisse algo de ruim, causar-lhe-ia horror e se sentiria fortemente censurado. Esses extremos harmônicos — bondade e rejeição do mal — fazem parte da beleza e da perfeição de Nossa Senhora de Coromoto.

Percebe-se outrossim sua majestade pela consciência que Ela possui de governo. É uma Rainha, tem a visão superior das coisas, as considera no seu conjunto e sabe como se compaginam na criação. Ou seja, por disposição divina, Ela tem o direito de mandar na ordem universal e o exerce de modo perfeito.

Esse governo se exprime de forma interessante pelo relacionamento d’Ela com o Menino. A Mãe de Deus O segura como quem pode lhe dar ordens; de outro lado, O aponta, como quem diz: “Se Eu tenho algum direito e valor, é por causa d’Ele, que é o Redentor. Se quiserem me agradar, voltem-se para meu Divino Filho, porque vivo para Ele. Sou apenas uma intercessora junto ao Verbo Encarnado”.

Ao mesmo tempo em que Ela manda n’Ele, é a primeira de seus súditos. O Menino é o cetro de Nossa Senhora, e a Virgem é o trono no qual Ele se senta. A soberania do Rei é realçada pela majestade da Rainha, e vice-versa.

Na delicadeza dos traços, a ideia de misericórdia

Julgo que a misericórdia se afirma no caráter virginal da imagem, na extrema delicadeza e harmonia dos traços de mãe e filho. Em suas fisionomias há um misto de medieval e sulpiciano(1), que são estilos incongruentes, mas aqui apresentam uma conjunção feliz: são hieráticos como o medieval, com qualquer coisa de sumamente acessível do sulpiciano.

O manto de Nossa Senhora, que cobre sua cabeça e deixa aparecer um pouco de seus cabelos, possui um pregueado muito amplo, bonito, majestoso, lembrando a toga de um magistrado e o manto de rainha. Indica também que Ela se acha inteiramente à vontade onde está e que — independentemente do que pensem, queiram, façam ou digam — tomou conta do lugar. É verdadeiramente a Soberana.

Augusta e maternal

Tudo o acima exposto seria a descrição da imagem. O passo seguinte é a exclamação que temos diante dela.

Desde logo: nívea! Porém, essa palavra requer um complemento que a enriqueça. Exclamar: “Ó Mãe nívea, ó Rainha nívea” não seria suficiente. Poder-se-ia acrescentar “augusta”, posto ser Nossa Senhora a obra-prima da mera criação.

Aprofundando essas cogitações, creio que os títulos “harmonia nívea, régia e maternal” exprimem em algo o conjunto da imagem. Corroborados pelo seguinte fato: a matéria de que ela é feita, considerada à luz dos presentes comentários, adquire um aspecto que cria a ilusão de estar numa relação de “transcendência” quanto à matéria comum da qual provêm esculturas semelhantes. Ela possui, ao mesmo tempo, predicados análogos e diversos dessa substância trivial, e nos introduz na ideia de branco absoluto, porque o níveo é uma impressão deste último.

Diante desse tipo de luminosidade nívea, tem-se uma sensação de contato com uma ordem de realidades parecida com a conhecida por nós, mas que não se imaginaria pudesse existir. Então, essa alvura nívea está para o branco comum, mais ou menos como as coisas divinas estão para as criadas. Possui algo da luz incriada. É semelhante aos outros brancos, mas inimaginável. Transcende-os. E nos conduz Àquele que é o transcendente por excelência, Deus.

Digamos, portanto, que a exclamação inteira, louvando essa linda imagem de Nossa Senhora de Coromoto, seria: ó harmonia nívea, régia, augusta e maternal!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

1) No século XIX, tendo como foco a igreja da Ordem Religiosa dos Sacerdotes de São Sulpício, em Paris, surgiu uma arte sacra denominada “sulpiciana”, que procurou realçar em suas imagens o afeto e a misericórdia dos personagens por elas simbolizados. Vale mencionar que os Sacerdotes de São Sulpício, além de sua presença na França, contam com membros em todo o mundo, especialmente no Canadá.