Santa Hildegarda de Bingen, um “milagre contínuo”

Como dádiva do próprio Deus, todas as épocas históricas viram surgir almas suscitadas pela Providência, chamadas a uma especial união com o Criador e à missão de indicar os rumos para a humanidade. É o que Dr. Plinio nos faz compreender, ao analisar a vida de Santa Hildegarda, mística e religiosa beneditina do século XII, contemporânea de São Bernardo de Claraval

Alguns dados biográficos sobre Santa Hildegarda de Bingen me impressionaram, não só por externarem a beleza de uma vida consagrada à virtude, como também pelos ensinamentos doutrinários que encerram.

Veremos que Santa Hildegarda, cuja existência transcorreu no século XII, tornou-se uma espécie de milagre contínuo e palpável. Tudo nela nos causa admiração, tendo sido incumbida, de modo particular, de transmitir uma profecia concernente a certa manifestação da Revolução que começava, e de outros aspectos desta até o fim dos séculos. Não seria, aliás, descabido afirmar que ditas revelações constituem mesmo uma elevada prova do que escrevemos em nosso ensaio “Revolução e Contra-Revolução”.

Simplicidade diante das visões sobrenaturais

As referidas notas biográficas são extraídas da famosa obra do Pe. Ro­hrbacher, “Vida dos Santos”:

Santa Hildegarda nasceu no condado de Spannheim, diocese de Mainz, no ano de 1098, de pais nobres e virtuosos. Com a idade de 8 anos, foi levada ao mosteiro de Diesenberg, ou do monte São Disodobe, e colocada sob a direção da bem-aventurada Jutta, ou Judite, irmã do conde de Spannheim.

Ela teve, portanto, uma bem-aventurada para formá-la, desde os 8 anos de idade.

Hoje, muitos se opõem à existência de seminários para menores e também ao fato de se admitir crianças, embora sem votos, nas ordens religiosas. Santa Hildegarda, porém, floresceu maravilhosamente junto às beneditinas, instituição na qual ingressou em tão tenra idade.

Dos 8 aos 15 anos, teve muitas visões sobrenaturais, delas falando com simplicidade às companheiras, que ficavam maravilhadas, assim como todos os que disso tinham conhecimento. Certa de que as outras pessoas eram favorecidas pelas mesmas visões, comentava-as com naturalidade e simplicidade, o que já é uma prova da autenticidade desses fenômenos místicos. Indagavam qual poderia ser a origem de tais visões.

A própria Hildegarda observou, surpresa, que, enquanto via interiormente sua alma, ao mesmo tempo enxergava as coisas exteriores com os olhos do corpo, como de costume, o que jamais ouvira dizer houvesse acontecido a qualquer pessoa.

Ou seja, ela se achava por exemplo numa sala, em conversa com alguns conhecidos e, enquanto falava com eles, tinha visões extraordinárias. Era, portanto, uma grande mística. Desde, então, atemorizada, não ousou mais entreter-se com pessoa alguma sobre sua luz interior. Contudo, muitas vezes em suas conversas se referia a coisas ainda por acontecer e que pareciam estranhas aos ouvidos dos circunstantes. (…) Este estado de intuição sobrenatural perdurou durante toda sua vida

Ela previa o futuro, e os fatos posteriores confirmavam os seus vaticínios.

Escreve as revelações e é curada miraculosamente

Tinha 40 anos, quando ouviu uma voz do céu ordenar-lhe que escrevesse tudo quanto visse. Resistiu durante muito tempo, não por obstinação, mas por humildade e desconfiança. Aos 42 anos e 6 meses, viu o céu se abrir e uma chama muito luminosa penetrou-lhe na cabeça, no coração e em todo o seu peito, sem queimá-la, mas aquecendo-a suavemente. Trata-se, evidentemente, de uma manifestação do Espírito Santo.

Nesse momento, ela recebeu o dom de compreender os Salmos, os Evangelhos e os outros livros do Antigo e do Novo Testamento, de maneira a poder elucidar o sentido das palavras, embora não conseguisse explicá-las gramaticalmente, pois não conhecia o latim nem a gramática.

Sabe-se que, naquele tempo, a Bíblia era quase sempre divulgada em latim. Embora não entendesse o significado das palavras, Santa Hildegarda conseguia explicar o conteúdo dos textos sagrados. Fato que constitui um milagre dos mais assinalados, e também contínuo, palpável. Era um fenômeno manifestado exteriormente, e qualquer um podia constatá-lo.

Como perseverasse em recusar-se a escrever, mais por temor do que desobediência, caiu doente. Enfim, confiou sua preocupação a uma religiosa, sua diretora e, por intermédio dela, ao prior da congregação. Depois de aconselhar-se com os membros mais sábios da comunidade e interrogar Hildegarda, o prior ordenou-lhe que escrevesse, o que ela fez pela primeira vez. Imediatamente se viu curada e levantou-se da cama. É, portanto, outro fato extraordinário.

Aprovação e louvores do Papa Eugênio III

Passamos, agora, da história dela para a das revelações que escreveu. Estas eram garantidas por milagres, dos quais o mais recente havia sido o restabelecimento de sua saúde. Doravante, veremos que as revelações terão uma vida própria, diferente da existência dela. E essa história é realmente admirável.

Tal cura pareceu tão milagrosa ao prior, que este foi a Mainz relatar o que sabia ao Arcebispo e às mais altas figuras do clero, mostrando-lhes os escritos de Hildegarda.

Isso deu motivo a que o Arcebispo consultasse o Papa.

Desejando Eugênio III estar ao par daquele prodígio, enviou ao mosteiro de Hildegarda o Bispo de Verdun, Alberon. Hildegarda respondeu com muita singeleza às perguntas que lhe foram feitas. Tendo o Bispo apresentado seu relatório ao Papa, este mandou que lhe trouxessem os escritos de Hildegarda e, tomando-os nas mãos, leu-os em voz alta…

Percebe-se que o relatório foi favorável e por isso o Pontífice julgou oportuno tomar conhecimento direto dos escritos. Em seguida, uma cena que merecia ser representada numa iluminura ou pintada sobre esmalte:

Leu-os em voz alta na presença do Arcebispo de Mainz, dos cardeais e de todo o clero.

Pode-se imaginar uma sala da Idade Média, com aqueles tronos e assentos feitos de alvenaria, ligados às paredes, nos quais se instalavam esses dignitários eclesiásticos, todos eretos. Nesse ambiente repassado de elevação e seriedade, o Papa começa então a dar leitura das revelações de Santa Hildegarda. É uma cena de um colorido e um pitoresco especiais.

Também contou tudo o que lhe fora relatado pelos emissários por ele enviados, e todos os assistentes renderam graças a Deus.

Imagine-se a beleza do episódio, os presentes exclamando: “Oh! Graças a Deus! Bem haja nosso Redentor! Louvada seja Maria Santíssima! De fato, é tudo magnífico!”, etc. Um coro de louvores.

“Vigilância!” — o conselho de São Bernardo

E havia melhor: São Bernardo lá se encontrava. O que mais acrescentar? Nessa assembleia se ergue a voz possante, sagrada e melíflua do grande Abade de Claraval. É m fato tão impressionante que até nos causa arrepio. Estando ele ali, tudo se ilumina e se transfigura.

São Bernardo estava presente e também deu testemunho do que sabia sobre a santa mulher, porque a visitara quando viajara para Frankfurt.

Como veremos adiante, o Papa Eugênio III escreveu uma carta a Santa Hildegarda, devido à boa impressão que São Bernardo dela tivera na mencionada visita. O que continha essa missiva? Poder-se-ia conjeturar que o Pontífice apenas lhe teceu louvores… Mas, como era orientado por São Bernardo, o Papa, além de felicitá-la pela graça recebida, exortou-a a permanecer fiel a esse dom divino.

Quer dizer, diante de uma grande santa, tem-se primeiro um movimento de admiração. Mas, depois, de temor, considerando que esta Terra é um vale de lágrimas e o risco do pecado não abandona nenhum homem, exceto se confirmado em graça. Daí as perguntas: “Isto durará? Uma maravilha dessas não pode cair?”

O insigne lutador que foi São Bernardo, ele próprio um Santo magnífico e modelo da virtude da vigilância, compreendia os abismos que há potencialmente — embora de modo não consentido — na alma de qualquer um, até na dos que alcançaram alto grau de santidade. Donde a preocupação dele, e do Papa, em dirigir essas palavras a Santa Hildegarda.

São Bernardo pediu pois ao Papa, no que foi secundado por todos os presentes, que divulgasse tão grande graça concedida por Deus à Igreja durante o seu pontificado, e a confirmasse com sua autoridade.

O Papa seguiu o conselho e escreveu a Hildegarda, recomendando-lhe que conservasse, por humildade, a graça por ela recebida…

Ou seja, o Sumo Pontífice diz a Santa Hildegarda: “Olhe, você está indo muito bem, mas não derrape. Depois trataremos de outras questões”. Desta forma foi objetivo e direto, como corresponde à ordem real das coisas nesta terra de exílio.

…e relatasse com prudência tudo quanto lhe fosse revelado por intermédio do Espírito Santo.

Em outros termos: “Conte as revelações que recebeu, mas tenha medo de tanta grandeza, porque ela pode precipitá-la no inferno”.

Prevendo o início e os desdobramentos da Revolução

A santa relatou ao papa Eugênio, em carta bastante longa, tudo quanto ouvira da voz celeste, relativamente ao pontífice. Anunciava uma época difícil, cujos primeiros sinais já se manifestavam. Como se verá, essa época difícil que ela previa e cujos primeiros sinais já se manifestavam, era o início da Revolução.

“Os vales se queixam das montanhas, as montanhas tombam sobre os vales…”

Os vales são a parte inferior da sociedade

“…porque os súditos não mais sentem temor de Deus. Estão um tanto impacientes por subir como que ao cume das montanhas para incriminar os prelados, em vez de acusarem os próprios pecados.”

Deve-se notar que o termo “prelado”, na linguagem medieval, refere-se aos primeiros, não só na ordem eclesiástica, mas também na temporal. São Tomás de Aquino mais de uma vez fala de prelados espirituais e temporais, como sendo os principais da Igreja e do Estado. Então, os inferiores tinham inveja dos que ocupavam posição mais alta, e acusavam os pecados destes, sem se corrigirem das suas próprias faltas. Quando a pessoa não se emenda, torna-se fácil para ela dizer que o outro é um sem-vergonha, enquanto ela mesma é apenas “sem-vergonhote”…
“Os vales dizem: ‘Sou mais adequado do que eles para superior’. Denigrem, por inveja, tudo quanto os superiores fazem”.

Convém lembrar aqui o que afirmamos em “Revolução e Contra-Revolução”, a respeito do orgulho, aplicável igualmente ao vício da inveja: o orgulhoso odeia seu superior, e pode chegar ao ódio à superioridade enquanto tal. Para ele, o bem é a igualdade completa.

“Assemelham-se os vales a um insensato que, em vez de limpar suas roupas sujas, nada mais faz senão observar de que cor é o traje do próximo.”

Quer dizer, o invejoso proclama, por exemplo, que o conde ou o cônego são ruins, mas a sua alma está em pecado mortal. De que adianta essa censura ao defeito alheio?

“As próprias montanhas, isto é, os prelados…”

Portanto, os nobres, os clérigos e, em rigor, também a alta burguesia.

“…em lugar de se elevarem continuamente às comunicações íntimas com Deus, a fim de cada vez mais se transformarem na luz do mundo, descuidam-se e se obscurecem.”

Nessa passagem aparece uma linda noção sobre o papel da nobreza e do clero: ter comunicações contínuas com Deus para se iluminarem cada vez mais com o esplendor divino, para efeito, quer espiritual, quer temporal. Dessa forma, serão como a luz posta no alto da montanha, a iluminar o mundo inteiro. Como eles não seguiram esse chamado, mas relaxaram no trato com Deus, foram se obscurecendo. Não espargiram mais a luz que deveriam, causando assim a sombra e a perturbação que reinava nas ordens inferiores.

Então, setores da plebe não prestavam, mas o ponto de partida dessa decadência foi a atitude de membros da nobreza e do clero que se deixaram tomar pela tibieza. Num justo e majestoso castigo, as partes mais baixas da sociedade, cheias de inveja, investem para derrubar aqueles superiores.

Como essa disposição das coisas nos parece lógica, grandiosa, e como demonstra toda a economia da Providência através da História!

Por outro lado, vamos assim compreendendo quem era Santa Hildegarda, objeto dessas visões e profecias.

Avisos para o próprio Papa

Ela continua, dirigindo-se ao Pontífice:

“E porque vós, grande pastor e Vigário de Cristo, deveis buscar a luz para as montanhas e conter os vales…”

Note-se a tarefa curiosa do Papa. Quanto às montanhas, buscar a luz; em relação aos vales, conter. Dizer aos revoltados que precisam obedecer, e às autoridades, que têm de se voltar para a luz.
“Dai preceitos aos senhores e disciplina aos súditos. O soberano Juiz vos recomenda que condeneis e afasteis de junto de vós os tiranos importunos e ímpios, no temor de que, para vossa confusão, eles se imiscuam na vossa sociedade”.

Provavelmente, o Papa podia assim acabar favorecendo algumas pessoas que tiranizavam o povo. Ora, ele havia sido monge cisterciense, como São Bernardo, e este então lhe escreveu a obra “De Consideratione”, na qual traçava o perfil de virtude que um autêntico Sucessor de Pedro deveria ter. Eugênio III seguiu os conselhos do Santo, levando uma vida tão exemplar que a Igreja o proclamou bem-aventurado.

“Sede compassivo para com as desgraças públicas e particulares, pois Deus não desdenha as chagas e as dores daqueles que O temem.”

A santa, [que se tornara] abadessa, fazia predições e dava apropriados conselhos aos bispos e aos barões, que de toda parte lhe escreviam e a consultavam. Ela foi entre as mulheres o que São Bernardo fora entre os homens. Teve inúmeras revelações sobre as obras de Deus desde a criação do mundo até a derrota do Anticristo.

Morreu em 17 de setembro de 1179, na noite de domingo para segunda-feira, com a idade de 80 anos. A Igreja festeja a santa no dia de sua morte.

Por esses breves traços biográficos nos é dado ver, portanto, que Santa Hildegarda, nimbada de contínuos e indiscutíveis milagres, foi também uma figura profética, tendo apontado o começo, o âmago e os desdobramentos da Revolução ao longo dos séculos. E como todos os heróis da Fé elevados à honra dos altares, é digna de nossa admiração e devoção.

Plinio Corrêa de Oliveira

A beleza do santíssimo nome de Maria

No dia 12 de setembro a Igreja celebra o Santo Nome de Maria, verdadeiro escrínio de significados e simbolismos, superiormente interpretados por grandes autores ao longo dos séculos. Fazendo eco a esses ensinamentos, Dr. Plinio deita um olhar sobre a beleza de tal Nome e as altíssimas qualidades da Mãe de Deus.

A fim de tecermos algumas considerações sobre o nome de Maria Santíssima, creio que devemos analisar, inicialmente, o significado do nome de uma pessoa .

Pela descrição da Sagrada Escritura (Gn 2, 18-20) sabemos que Deus fez desfilar diante de Adão todos os animais criados, e o primeiro homem, após observar cada um, determinou como eles haviam de ser chamados. Deu-lhes, portanto, um nome que era a definição daquela criatura, uma palavra que correspondia ao sentido mais profundo da natureza de cada animal.

Imagens da perfeição de Deus

Ora, perguntar-se-ia,  qual é o sentido de um animal? Este, por menor que seja, é um ser extremamente rico porque vivo, com um grau de vida pelo qual não só existe, mas se move por si mesmo. Além disso, refletem aspectos da perfeição infinita de Deus.

Tomemos, por exemplo, a águia.  Ave esplêndida, da qual é próprio ostentar suas garras, suas grandes asas, sua força e seu ímpeto . Porém, mais do que esses atributos, ela simboliza uma certa qualidade de Deus, e tudo quanto há de físico na águia, sua anatomia e fisiologia, concorre para expressar essa característica divina.

Adão, conhecendo e interpretando essa expressão, resumiu no nome que pôs à águia o simbolismo daquela perfeição do Criador. Donde, o nome de cada animal representar, na verdade, a sua essência, o sentido mais profundo desse reflexo de um aspecto de Deus.

Exaltando o nome de Maria damos glória a Deus

Se o nome de um animal possui semelhante expressão, é de se admitir que expressão ainda maior entrou na composição do nome da Virgem Santíssima. Nossa Senhora foi chamada Maria, porque concebida sem pecado original; n’Ela tudo se harmonizava no grau superexcelente próprio àquela que estava destinada a ser a Mãe do Verbo de Deus encarnado. Assim, o nome de Maria, de um modo meio misterioso, significa não apenas um, mas o conjunto dos aspectos infinitamente perfeitos de Deus que Ela representa tão especialmente.

Daí decorre essa verdade: quando glorificamos  o nome de Maria, glorificamos esse sentido mais profundo da pessoa d’Ela. E, portanto, glorificamos o próprio Deus de uma forma magnífica, louvando-O na figura de sua Mãe amadíssima.

 

Se o nome de cada animal exprime a perfeição divina que ele reflete, expressão ainda maior terá entrado na composição do santo nome de Maria Nossa Senhora Menina

Nomes perfeitos para Jesus e Maria

Creio ser interessante ressaltar também a relação maravilhosa e insondável entre o nome e a pessoa, no que diz respeito a Nosso Senhor e Nossa Senhora .

Com efeito, de todos os nomes existentes na Terra, haveria um que pudesse ser dado a Nosso Senhor Jesus Cristo igual ao nome Jesus?

Como disse, é uma questão um tanto insondável, mas para nossa ótica Ele só poderia chamar-se Jesus . Imaginemos que Lhe fosse dado um dos nomes consagrados por grandes santos, como Francisco, Antônio, João . . . Não. Jesus é o nome d’Ele!

O mesmo se pode dizer do santíssimo nome de Maria. Procure-se para Nossa Senhora um nome que pudesse substituir o seu e não se achará. Só podia ser Maria.

Tratam-se de nomes, portanto, ligados meio misteriosamente ao sentido profundo da natureza humana de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua Mãe, de tal maneira que constituem um lindo conjunto. Quando, no fim de uma carta, assinamos “in Jesu et Maria” — “em Jesus e Maria”, percebe-se uma tal afinidade entre os dois nomes que se diria a harmonia entre duas maravilhosas notas musicais.

Razão de ser da festa do nome de Maria

Por tudo isso se compreende que a Igreja tenha instituído uma festa litúrgica para o sacratíssimo nome de Jesus, celebrada em janeiro, e outra para o santíssimo nome de Maria, no dia 12 de setembro. Ou seja, uma comemoração particular para o nome, pois este é uma espécie de símbolo e de definição de quem o possui.

Quando o Verbo Encarnado considera em si a união das duas naturezas numa só pessoa, ou quando o Padre Eterno ou o Divino Espírito Santo consideram no Filho essa união, ocorre-Lhes o nome Jesus. E quando contemplam Nossa Senhora, vem-Lhes o nome Maria.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 12/9/1988)

 

São Jerônimo

Num período onde o patriciado e a nobreza romana ganharam novo brilho devido à influência monástica, São Jerônimo mostrou-se um zeloso apóstolo e um exímio lutador pela glória virginal de Maria. Dotado por Deus com o carisma da polêmica, ele apontou o mal que há na heresia para depois falar a respeito da verdade.

 

A respeito de São Jerônimo, Confessor e Doutor da Igreja, Dom Guéranger, no “L’Année Liturgique(1), diz o seguinte:

Estranho fenômeno para o historiador sem fé: eis que em torno deste dálmata, na hora onde a Roma dos Césares agoniza, se irradiam subitamente os mais belos nomes da Roma antiga. Crer-se-ia que eles estavam extintos, desde o dia onde se tornou obscura entre as mãos dos “parvenus” da glória a cidade rainha.

Nos tempos críticos em que, purificada pelas flamas que os bárbaros incendiaram, a capital que eles deram ao mundo vai retomar seus destinos e reaparece, como por seu direito de nascimento, para fundar novamente a cidade eterna. A luta se tornou outra, mas seu lugar continua à testa do exército que salvará o mundo. Raros são entre nós os sábios, os poderosos, os nobres, dizia o Apóstolo, quatro séculos antes. Numerosos eles são em nosso tempo, protesta Jerônimo, numerosos entre os monges.

O patriciado e a nobreza ganham novo brilho na Roma Eterna

O pensamento está expresso com uma complexidade um pouco século XIX e, portanto, creio que não muito clara para a geração atual. Mas, em duas palavras, quer dizer o seguinte:

Roma estava decaindo. As antigas famílias, às quais Roma devia a sua antiga glória política, não a estavam mais dirigindo devido ao seguinte fenômeno: o pessoal adventício, que dominara Roma, havia deixado numa certa penumbra as famílias antigas; mas essas famílias — que no começo do Cristianismo, quando elas dirigiam a sociedade civil, eram pouco numerosas entre os católicos —, na época de São Jerônimo, no fim do Império Romano, eram muito numerosas entre eles.

Quer dizer, a nobreza e o patriciado romanos tinham um papel de vanguarda na direção dessa segunda Roma, que não era mais a Roma dos Césares, que estava morrendo, mas a Roma dos Papas, que estava nascendo. E eles se encontravam na liderança da vida religiosa e da expansão católica no mundo.

A falange aristocrática constituiu o melhor do exército monástico.

Ou seja, o melhor das vocações para monges era de nobres.

Nesses tempos de sua origem no Ocidente…

Em que o monaquismo, que já existia no Oriente, começou a nascer no Ocidente.

… ela lhe deixará para sempre seu caráter de antiga grandeza.

O caráter da antiga grandeza nobiliárquica comunicou algo para a dignidade do monaquismo.

Mas nas suas fileiras, a título igual de seus pais e de seus irmãos, se veem a virgem e a viúva, ao mesmo tempo o esposo e a esposa. É Marcela, que será para ele o auxílio na tradução das Escrituras. E, como ela, Fabíola, Paula e outras que lembram os grandes ancestrais, os Camilii, os Fabii, os Scipiones.

Camilos, Fábios e Cipiões eram grandes famílias nobres. E, em linguagem mais simples, Dom Guéranger menciona nobres — como viúvas, virgens, ou esposo e esposa, sendo separado o casal — que iam viver no estado monástico, conferindo-lhe algo de sua antiga grandeza.

São Jerônimo, vingador da glória virginal de Maria

Nesta altura, a refutação de Elvidius, que ousava pôr em dúvida a perpétua virgindade da Mãe de Deus, revelou em Jerônimo o polemista incomparável, do qual Joviniano, Venâncio, Pelágio e outros ainda teriam que experimentar o vigor.

Eram hereges que São Jerônimo fustigou vigorosamente.

Como recompensa, entretanto, de sua honra vingada, Maria conduzia a ele todas essas almas nobres. Ele as dirigia no caminho da virtude e, pelo sal das Escrituras, as preservava da corrupção da qual morria o Império Romano.

Então, aqui se completa esse bonito pensamento que explica a tarefa de São Jerônimo.

Um apóstolo da alta aristocracia

Ele não era apenas o grande herói que lutava contra os hereges, mas também salvava da podridão o que Roma tinha de melhor, as antigas famílias aristocráticas, e as conduzia para a conquista do mundo, para a Roma dos Papas, e não mais para a Roma dos Césares. O santo realizava isto por meio de assistência espiritual à alta aristocracia romana, que já não tinha poder político, mas ainda era fabulosamente rica naqueles tempos.

Qual é a consideração que isto nos traz ao espírito?

São Jerônimo tinha em mente a importância das elites para a direção da sociedade. E ele soube compreender que um movimento católico que vise levar o mundo inteiro para a Igreja, a cristianização do mundo, deve contar com todas as classes sociais, levando cada uma a dar o contributo que lhe é específico. Portanto, a classe aristocrática deve prestigiar a expansão apostólica com o valor do nome, da fortuna, mas sobretudo com o valor de certo prestígio indefinido, que se ligava merecidamente às grandes famílias da aristocracia romana.

Quer dizer, ele compreendeu que, acionando as classes mais influentes, havia um meio para acionar toda a sociedade e para obter a cooperação dela para a luta pelo Reino de Cristo.

Austero, polemista e zeloso pela glória de Deus

No breviário antigo consta um elogio a São Jerônimo, que convém comentar:

Molestou os hereges com acérrimos escritos.

Existiram santos dotados de carismas extraordinários para a posição polêmica. Um deles foi São Jerônimo. De fato, ele representa, por excelência, na Igreja, o espírito da polêmica. Os seus escritos são de uma energia, para não dizer de uma violência, que pareceria desabotoada se não fosse ele um santo. E para as menores questões ele dava respostas de fogo tremendas, e deixava todo mundo tremendo diante dele.

Certa ocasião, Santo Agostinho chegou a escrever-lhe uma carta muito engraçada, dizendo que, com metade da energia empregada, já cederia diante de São Jerônimo. Li uma missiva de São Jerônimo a uma dirigida dele, uma santa, que lhe mandou, aliás, um lindo presente: pombinhos e cerejas; e ele respondeu perguntando se ela queria corromper a austeridade dele, e afirmou que imediatamente deu aquilo para os pobres, porque era um homem penitente.

Isto é o zelo da Casa de Deus, que devora o homem, uma das formas mais características, portanto, das mais santas, mais legítimas dessa virtude. Desde que seja feito por amor de Deus, e não por ressentimentos pessoais — porque com ressentimentos a coisa muda de aspecto —, isto é uma coisa santíssima, é ser um gládio vivo de Deus. Não conheço elogio maior do que dizer de alguém que ele é a espada viva de Deus.

A polêmica visa sobretudo influenciar os indecisos

Em matéria de polêmica, é preciso sempre prestar atenção no seguinte: os espíritos modernistas consideram a existência de duas figuras, uma que diz “A” e outra que diz “B”; eles não tomam em consideração um terceiro elemento, que é talvez o mais importante no caso: o público que assiste à discussão.

Toda polêmica, ainda que seja feita a portas fechadas, vai repercutir fora e atuar sobre pessoas que estão na dúvida, e que se trata de convencer.

Quando se discute, por exemplo, com um pastor protestante, o mais importante não é convertê-lo, mas evitar que os católicos fiquem protestantes. Em segundo lugar, converter os protestantes menos empedernidos que ali estão. E por fim converter o pastor.

Ao homem em risco fala-se usando a linguagem do medo

Imaginemos que um amigo nosso esteja se debruçando perigosamente sobre um parapeito pequeno que dá para um abismo. Nós não lhe diremos: “Fulano, venha para cá, porque o chão é de mármore!” Mas falaremos: “Cuidado! Caindo nesse abismo você arrebenta a cabeça!” Porque o modo de afastar um indivíduo imediatamente do perigo e da imprudência é mostrar-lhe o mal que lhe sucederá e não o bem.

Quem de nós haveria de dizer para uma pessoa que, por exemplo, está brincando com um revólver imprudentemente: “Fulano, você quer ir jogar xadrez?”, para ver se ele tira o dedo do gatilho e depois lhe tiramos o revólver. Seria de nossa parte uma atitude idiota. Poderíamos falar-lhe: “Fulano! Olhe esse revólver! Você pode se ferir gravemente ou me ferir!”

Quer dizer, normalmente, ao homem em risco, tentado, deve-se falar usando a linguagem do medo. Isto é, sobretudo, verdadeiro no que diz respeito à Doutrina Católica, porque os homens, pela sua maldade, são mais fáceis de se mover pelo medo do Inferno, do que pela apetência do Céu; pelo temor das más consequências, do que pelo bem que pode acontecer. E é preciso, portanto, como remédio de urgência, apontar o mal, a falsidade, que há no erro para depois falar a respeito da verdade.

Assim se compreende a posição polêmica de São Jerônimo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 30/9/1964 e 29/9/1966)

1) GUÉRANGER, Prosper. L’Année Liturgique. 14. ed. Tours: Alfred Mame et fils, 1922, v.V, p. 327-339.

Vínculo entre Anjos e homens “angelizados”

Quando os medievais se referiam aos Anjos, falavam muitas vezes da Cavalaria Angélica. Diziam que os espíritos celestes foram os primeiros cavaleiros porque lutaram contra os primeiros maus: os anjos revoltosos.

Não nos é fácil compreender como foi o “prœlium magnum”, esse grande combate travado no Céu entre os Anjos e os demônios. Como um puro espírito luta contra outro? Quais são os recursos de um espírito para vencer o outro, a ponto de precipitá-lo no Inferno? Como se dá a expulsão de um espírito por outro, de um determinado lugar?

Por certo, esta guerra deu-se de um modo intrinsecamente muito mais nobre do que as Cruzadas. Aqueles espíritos angélicos, no momento em que se punham em luta contra os demônios, eram confirmados em graça e conquistavam para todo o sempre a coroa eterna.

O chefe dessa Cavalaria Celeste é o Arcanjo São Miguel que, constituído o patrono dos cavaleiros, resume em si todo o espírito das Cruzadas, da Cavalaria e, consequentemente, todo o espírito da Idade Média.

Nós achamos tão nobre alguém derramar seu sangue por uma grande causa. Mas a nobreza de um espírito como São Miguel, desdobrando toda a sua força contra o demônio, é inimaginável! É tal a beleza do Príncipe da Milícia Celeste que o intelecto humano não é capaz de captar, mas de algum modo pode suspeitar, entrever, conjecturar, à maneira de um degrau para imaginarmos a infinita perfeição de Deus.

Sem dúvida, também nessa guerra incruenta em que estamos engajados – guerra psicológica, de graças e carismas contra as tentações e insídias diabólicas; de um espírito de inocência contra o de cumplicidade e toda espécie de indecência, de crime e de fraude da Revolução – há muito maior nobreza do que na própria Cavalaria terrena.

Contudo, não poderemos contrarrestar a ofensiva revolucionária se não formos tais que os Anjos se reconheçam afins conosco e nossos naturais aliados; sem que estabeleçamos com a Cavalaria Angélica essa consonância por onde os celestiais guerreiros venham lutar conosco e dentro de nós com uma naturalidade como se o abismo que nos separa deles não existisse.

Este vínculo entre Anjos e homens, e de homens por assim dizer “angelizados” entre si, agindo sobre a opinião pública no sentido contrarrevolucionário, em continuidade com a Cavalaria Celeste, é isto que deve nos caracterizar(*).

* Cf. conferências de 16/10/1970, 12/2/1978 e 6/10/1981.

Luta espiritual cheia de amor, amor cheio de doçura

O Arcanjo São Gabriel é aquele que mais conhece a Deus e comunica melhor este conhecimento. Daí o papel dele na Encarnação. Seu conhecimento não é meramente abstrativo, teórico, doutrinário, mas é evidentemente todo amoroso, com um amor que se manifesta na luta entendida assim: Luta espiritual cheia de amor, amor cheio de doçura. Há, portanto, uma espécie de “prœlio” no qual está, como ponto de origem e ponto terminal, o amor.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 5 e 12/12/1976)

Guerreiros implacáveis contra o demônio e seus sequazes

Pode-se afirmar que todas as grandes almas que combateram as diversas heresias, ao longo dos séculos, foram especialmente suscitadas por Nossa Senhora. É o que insinua de modo muito bonito o brasão dos claretianos, onde figura, além do Imaculado Coração de Maria, São Miguel Arcanjo e, no alto, a divisa: “Os seus filhos se levantaram e A proclamaram bem-aventurada”.

Essa presença de guerreiros que, como soldados de São Miguel Arcanjo, levantam-se para combater os inimigos de Deus, proclamando bem-aventurado o Coração de Maria, não é também uma forma de irrupção da Santíssima Virgem, como magnífica aurora, nas tramas da História? Portanto, os verdadeiros devotos de Nossa Senhora devem desejar e pedir a Ela a graça de serem esses guerreiros de ferro, indomáveis e implacáveis contra o demônio e seus sequazes que, em nossos dias, procuram conspurcar a glória da imortal Igreja de Cristo.

(Extraído de conferência de 8/9/1963)

São Jerônimo: Gládio vivo de Deus

São Jerônimo representa na Igreja, por excelência, o espírito da polêmica. Os seus escritos são de uma energia incomparável. Ele dava respostas de fogo e admiráveis, deixando todos tremendo diante dele.

Este é o zelo da Casa de Deus que devora o homem. É uma das formas mais características, santas e legítimas do zelo. Desde que isso seja feito por amor a Deus, e não por ressentimentos pessoais, é uma coisa santíssima: ser um gládio vivo de Deus.

Não conheço elogio maior do que dizer de alguém que ele é a espada viva de Deus, por toda parte cortando.

São Jerônimo pode ser considerado o padroeiro do espírito polêmico.

(Extraído de conferência de 30/9/1964)

São Jerônimo

Santos houve que se distinguiram em sustentar, com admirável firmeza, a ortodoxia da Igreja Católica contra seus adversários. Um desses foi São Jerônimo, esplendoroso e magnífico, cujo talento, santidade e agudeza de espírito, dir-se-ia incandescentes como um vulcão em erupção. Ele escrevia e discutia para demonstrar a verdade, e quando um de seus argumentos a fazia reluzir, dava com isso uma glória especial a Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 8/12/1991)

Beato Carlos de Blois: Patrono dos guerreiros

A índole das instituições feudais, as quais eram hierárquicas, conduzia à santidade, enquanto as instituições que pressupõem uma igualdade completa levam ao contrário da santidade, que é o espírito da Revolução.

A respeito do Beato Carlos de Blois, o General Silveira de Mello, no livro “Os Santos Militares”, diz o seguinte:

Herda o Ducado da Bretanha

Carlos de Blois era filho do Conde de Blois, Guy I, e da Princesa Margarida, irmã de Filipe de Valois.
Recebeu educação esmerada e foi muito adestrado militarmente.

Casando-se com Joana, filha de Guy de Penthièvre e sobrinha de João III da Bretanha, por morte deste último, Carlos de Blois recebeu, com sua esposa, o ducado como herança, no ano de 1341. Assumiu o governo dessa província com grande entusiasmo dos nobres e dos seus vassalos mais humildes.

O povo do seu ducado da Bretanha, olhando para ele, pensando nele, admirando-o, venerando-o, tinha nele um reflexo de Deus na Terra.

Batalha de La Roche-Derrien
Biblioteca Nacional da França

Entretanto, o Conde de Montfort, irmão do Duque falecido, reclamou o direito à sucessão e pegou em armas para reivindicá-lo. Foi apoiado pelos ingleses, enquanto a França tomava o partido de Carlos.

O jovem Conde de Blois fez frente ao seu contendor. 23 anos durou essa luta que os ingleses sustentavam de fora.

Em 1346, no combate de La Roche-Derrien, Carlos sofreu um revés e caiu prisioneiro. Encerraram-no na Torre de Londres, onde permaneceu encarcerado durante nove anos. As orações que rezou neste cativeiro foram de molde a assegurar a continuidade do governo da Bretanha.

Nunca afrouxou seus exercícios de piedade

A Princesa Joana, sua enérgica esposa, assumiu a direção dos negócios públicos e da guerra e manteve atitude de energia pela libertação do marido.

Livre, Carlos prosseguiu com maior denodo as operações militares.

Sucederam-se reveses e vantagens de parte a parte, até que por fim, em 1364, aos 29 de setembro, festa do Arcanjo São Miguel, o santo e bravo duque caiu morto na Batalha de Auray. Esta jornada heroica, última de sua vida, iniciou-a Carlos com a recepção dos Sacramentos da Confissão e da Eucaristia.

Morreu como vivera, pois, em meio a todas as lutas que enfrentava, nunca afrouxou seus exercícios de piedade e austeridade, assim como nunca deixou de empreender obras de interesse para a Religião e para seus súditos.

Tão evidentes foram as suas virtudes, que logo após sua morte, em 1368, deram início ao processo de beatificação. São Pio X confirmou o seu culto em 14 de dezembro de 1904. É venerado no dia de sua morte, 29 de setembro.

Luta contra um vassalo infiel e revoltado

Trata-se de um Santo que é, de um modo especial, o patrono dos guerreiros. Há dois modos de ser patrono dos guerreiros: um, considerando o guerreiro enquanto guerreiro da Fé, lutador pela Doutrina e pela Igreja Católica. Mas neste caso é a função do guerreiro com um acréscimo que lhe é extrínseco e não necessário à condição do guerreiro. Quer dizer, o guerreiro realiza a maior sublimidade de sua vocação quando ele luta pela Fé, mas nem todo guerreiro luta necessariamente pela Fé.

O próprio do guerreiro é lutar, e o normal dele não é lutar apenas pela Fé. Mas o guerreiro pura e simplesmente, que não acrescenta a seu título essa auréola de cruzado, é aquele que luta na guerra justa pelo seu país, para defender o bem comum, ainda que seja o bem comum temporal daqueles que estão confiados à sua direção.

Temos aqui o exemplo do Bem-aventurado Carlos de Blois. Como vimos, ele era Duque da Bretanha, em virtude de uma herança recebida de sua esposa. Mas o tio desta, contestando a  legitimidade desse título, revoltou-se e moveu uma guerra contra ele. Ele era, portanto, a legítima autoridade em luta contra um vassalo infiel e revoltado.

Além disso, tratava-se da integridade do reino da França, porque o tio da Princesa de Blois era ligado aos ingleses, que queriam dominar a França. E ele lutava então pela integridade do território francês, batalhando pela independência da Bretanha em relação à Inglaterra.

Combate com um remoto significado religioso

Essa luta pela França, por sua vez, tinha um remoto significado religioso, mas que ele não podia prever, não estava nas suas intenções. A França era a nação predileta de Deus, a filha primogênita da Igreja. A Inglaterra era nesse tempo uma nação católica, mas futuramente haveria de tornar-se protestante. E se ela tivesse domínio numa parte do território francês, daí a alguns séculos isso seria muito nocivo para a causa católica.

Entretanto, esta consideração de ordem religiosa, que nos faz ver o caráter providencial da luta, não estava na mente desse Beato. Ele tinha em vista, como Duque, lutar pela integridade do  território de sua pátria próxima, que era a Bretanha, e de sua pátria mais genérica que era a França.

Ele levou nesta luta uma vida inteira. Foram perto de 30 anos de reveses, nove dos quais ele esteve preso. Mas o Beato soube comunicar o seu ardor guerreiro à sua esposa que, durante os nove anos em que ele ficou encarcerado na Torre de Londres, também lutou valentemente para conservar o ducado.

Ao beatificá-lo, a Igreja quis elevar à honra dos altares o senhor feudal perfeito, governador e patriarca de suas terras, aristocrata e, além disso, batalhador que sabia derramar o sangue pelos seus. Esta é a síntese do senhor feudal.

Para determinados revolucionários que vivem falando contra o feudalismo, e apresentam o cargo e a dignidade de senhor feudal como intrinsecamente má, o exemplo do Beato Carlos de Blois e o  gesto da Igreja beatificando-o constituem um desmentido rotundo, porque mostram bem que o cargo pode e deve ser exercido digna e santamente, e que através dele se pode chegar à honra dos altares.

Mostra-nos, com mais um exemplo, quantas pessoas de alta categoria da hierarquia feudal se tornaram santas.

Vemos também por este exemplo a índole das instituições. As instituições têm uma índole, uma psicologia, uma mentalidade como os indivíduos. A índole das instituições feudais levava à  santidade, enquanto que, de outro lado, as instituições que pressupõem uma igualdade completa levam ao contrário da santidade, que é o espírito da Revolução.

Acabando com as desigualdades, se elimina a ideia de Deus

Algum tempo atrás, tive a oportunidade de ler um livro de um dos chefes do Partido Comunista Francês, chamado Roger Garaudy, que sustentava a seguinte tese: É ridículo nós querermos fazer  suprimir no povo, por meio das perseguições, a ideia de Deus. A ideia de Deus, o povo a tem por causa das desigualdades. É considerando pessoas desiguais que o homem inferior pensa, concebe a  ideia de um Deus, o qual é a perfeição daquilo de que o seu superior lhe dá certa noção. Por causa disso — diz ele — nós não devemos primeiro exterminar a Religião, para depois acabar com a hierarquia política e social. Precisamos eliminar as desigualdades políticas, sociais e econômicas, para depois então exterminarmos a Religião. E afirma ele que, implantada por toda parte a igualdade, os símbolos de Deus desaparecem, e a ideia de Deus morre na alma dos povos.

O exemplo do Beato Carlos de Blois nos faz pensar nisto. O povo do seu ducado da Bretanha, olhando para ele, pensando nele, admirando-o, venerando-o, tinha nele um reflexo de Deus na Terra. A duplo título, porque o santo é um reflexo do Criador na Terra, e o general, o governador, o chefe, o mestre é um superior que representa a Deus. Assim, olhando para ele, a ideia de Deus se tornava mais clara na mente de seus súditos.

O gesto da Igreja beatificando Carlos de Blois mostra bem que o cargo pode e deve ser exercido digna e santamente, e que através dele se pode chegar à honra dos altares.

São Tomás abençoa a desigualdade, Garaudy blasfema contra ela

Aliás, é precisamente o que ensina São Tomás de Aquino quando trata da desigualdade. Ele diz que deve haver desiguais, para que os maiores façam às vezes de Deus em relação aos menores, e  guiem os menores para o Criador. É o pensamento do Garaudy, a mesma concepção a respeito da relação entre a desigualdade e a ideia de Deus. Entretanto, enquanto São Tomás de Aquino  abençoa essa desigualdade, porque ela conduz a Deus, Garaudy blasfema contra ela, por esta mesma razão.

Assim, nós vemos bem como a hierarquia feudal encaminhava as almas para Deus, e como este Santo brilhou como a luz colocada no lampadário, iluminando a França e a Europa do seu tempo com sua santidade.

Essas considerações conduzem a uma oração especial para ele.

Nós estamos numa profunda orfandade! Neste mundo de ateísmo, nesta época em que o igualitarismo fez por toda parte devastações tão tremendas, podemos olhar para o Bem-aventurado Carlos de Blois como verdadeiros órfãos que não têm o que ele representou para os homens do seu tempo.

Então, podemos pedir a ele que se apiede de nós nesta situação em que estamos, e que pelas suas orações faça suprir em nossas almas essa deficiência. Que o amor à desigualdade, à sacralidade, à  autoridade, o gosto de venerar, a necessidade de alma de obedecer, de se dar, de ser humilde brilhem em nossas almas de maneira tal que possamos dizer que verdadeiramente é a Contra-Revolução que vive em nós.

Beato Carlos de Blois, rogai por nós!

(Extraído de conferência de 28/9/1968)

Escudo e gládio da Santa Igreja

São Miguel comandou a luta contra os demônios e os precipitou no Inferno. Ele é, pois, o chefe dos Anjos da Guarda dos indivíduos e das instituições. E é ele mesmo o Anjo da Guarda da Instituição por excelência, a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Nele, portanto, duas missões se concatenam. Deus quis servir-Se dele como seu escudo contra o demônio, e quer que ele seja também o escudo dos homens e da Santa Igreja. Mas o Príncipe da Milícia Celeste não é meramente escudo, é também gládio. Não se limita a defender, mas ele derrota e precipita no Inferno. Eis a dupla missão de São Miguel Arcanjo.

Por causa disso ele era considerado, na Idade Média, o primeiro dos cavaleiros, o cavaleiro celeste, leal, forte, puro, vitorioso como deve ser o cavaleiro que põe toda a sua confiança em Deus e em Nossa Senhora.

Esta é a figura admirável de São Miguel, que nós devemos considerar nosso aliado nas lutas.

(Extraído de conferência de 28/9/1966)