A Igreja refulgirá com esplendor

A Igreja foi profanada de maneira a estampar em sua face uma fraqueza e uma indignidade que ela não tem, tornando-se sujeita a uma forma de humilhação inenarrável. Logo, deve vir uma glorificação, não propriamente maior do que a Ressurreição ou Ascensão, porque a Igreja não morre, mas a Esposa Mística de Cristo refulgirá com um esplendor, uma maravilha que esteja na proporção da humilhação sofrida.

 

Páscoa é uma palavra que significa passagem. Quando se fala da Santa Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, refere-se à sua Santa Passagem.

Festa de triunfo

Passagem de quê? Aquele fato extraordinário miraculoso, único na História, pelo qual Nosso Senhor Jesus Cristo morto pelos seus assassinos, depois de ter passado três dias na sepultura, ressuscitou-Se a Si próprio, um Anjo abriu sua sepultura e Ele apareceu resplandecente em vários lugares na glória de sua Ressurreição.

Jesus veio à Terra para uma luta, uma oblação e uma vitória. A sua luta e a sua oblação tinham que terminar numa vitória. A Páscoa é esta passagem d’Ele do estado de morto para vivo; de morto que se auto-ressuscita. É isto que não tem precedente na História. Já houvera pessoas que ressuscitaram um morto. Ele mesmo ressuscitou o filho da viúva de Naim, a filha de Jairo e Lázaro, mas um morto que ressuscita a si mesmo só pode ser Deus. Ao se auto-ressuscitar, Ele derrota magnificamente todos os seus adversários. Mais: é Deus que vence o demônio, a verdade que vence o erro, a virtude que vence o crime, a ordem que vence a desordem, a luz que vence as trevas. A Páscoa é, pois, fundamentalmente uma festa de triunfo.

Por causa disso as luzes da Páscoa são esplêndidas, a alegria é de vitória, um desses gáudios irradiantes e comunicativos em que as almas têm vontade de proclamar. É uma coisa como o Sol em pleno meio-dia. É assim que se pode interpretar a alegria da Páscoa.

Seriedade com que se celebrava a Liturgia da Semana Santa na pequena São Paulo

Eu me lembro bem do contraste que havia em todo o ambiente da cidade entre a Páscoa e os dias anteriores da Semana Santa.

Na pequena São Paulo de então, em todas as igrejas se celebrava a liturgia da Semana Santa com uma seriedade que hoje em dia, infelizmente, não se tem mais. A partir de Quarta-feira Santa começava-se a rezar o chamado Ofício de Trevas. Colocavam dois grupos de clérigos, um em frente ao outro, no próprio presbitério do altar-mor, onde começavam a recitar salmos alusivos à Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. O fundo do presbitério estava todo coberto por um grande pano roxo, que é a cor da dor, da tristeza. Assim, a igreja, habitualmente cheia de cores alegres, apresentava um fundo de tristeza. Uma peça triangular cheia de velas cobria o altar de cima a baixo, terminando com uma vela central. À medida que o ofício ia se desenvolvendo, em períodos marcados levantava-se um acólito, apagava uma vela e voltava ao seu lugar. Quando o ofício estava no fim, era o sinal de que a luz do mundo tinha se apagado.

Todo o recinto sagrado ficava envolto em uma atmosfera de recolhimento e tristeza, com todas as luzes apagadas. Alguém levava aquela última vela para trás do altar, onde ela permanecia acesa, enquanto o restante da igreja ficava na escuridão. Era o sinal de que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha cessado de brilhar no mundo e que sua Morte, já prefigurada naquele dia, aconteceria em breve.

Na Quinta-feira Santa havia uma cerimônia muito bonita, que era o desnudamento dos altares.

Após a Missa, que ainda tinha algo de festivo no meio de tanta dor, pois era a alegria da última Ceia antes da tristeza pela Paixão que se iniciaria. Guardavam o Santíssimo Sacramento numa urna revestida de seda branca e bordada com um cordeiro dourado, colocada no alto de um altar, retiravam dos outros altares todos os ornatos, velas, vasos, toalhas, etc., e a igreja apresentava um ar de desolação e tristeza.

Na Sexta-feira Santa já não havia Missa. Era celebrada o que se chamava “Missa dos pré-santificados”, na qual não existia a Consagração. O padre tirava o Santíssimo Sacramento daquela urna, e apenas se consumiam as sagradas Espécies que na véspera tinham sido consagradas. Depois não havia mais Hóstias na igreja. Guardavam em algum lugar as que eram destinadas aos moribundos, mas sem objeto de culto. O tabernáculo permanecia aberto para indicar que o Dono da casa não estava mais presente.

Os sinos não tocavam mais, os fiéis vestidos de preto formavam longas filas, passando diante de um crucifixo e osculando-o. A cidade toda ficava imersa numa espécie de silêncio respeitoso, refletindo a tristeza enorme da humanidade porque Aquele que era o Sal da terra e a Luz do mundo, o Salvador, não se encontrava mais presente.

Na Páscoa, a cidade passava da tristeza para uma alegria inocente

A partir do meio-dia do sábado, prenunciavam-se as alegrias da Ressurreição. Já pela manhã as crianças penduravam nos postes figuras representando Judas, para serem espancadas. Nas casas começavam a preparar os piqueniques e os almoços festivos do dia seguinte.

Chegada a Páscoa da Ressurreição, as pessoas punham trajes alegres, cumprimentavam-se efusivamente, os sinos da cidade repicavam, pois Jesus Cristo ressuscitou, o demônio foi esmagado e Nossa Senhora está inundada de felicidade!

Pelo gosto de sondar esses ambientes, lembro-me de que certa vez fiz algo de que me alegro: subi ao ponto mais alto de São Paulo naquele tempo, que era a torre da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, para dali contemplar a cidade no momento em que se comemorava a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Eu queria ver se no ar da cidade se sentia a alegria da Páscoa, e de fato senti. Quando, aos meus pés, os carrilhões começaram a tocar e depois na cidade de São Paulo, sem arranha-céus ainda, de todas as distâncias chegavam os ecos dos sinos que bimbalhavam naquela quantidade enorme de torres de igrejas por todos os lados, percebia-se a transformação da cidade, que passava da tristeza para uma alegria inocente e triunfal. Eu saí de lá triunfante, com a ideia de que tinha participado com vitória Nosso Senhor calcando aos pés o demônio.

Era um júbilo, um triunfo pascal com grandeza bíblica, pois o verdadeiro espírito da Páscoa tem grandeza bíblica, desde que se preste atenção e o contemple como os personagens bíblicos olhariam para esse acontecimento.

Grandeza do fato de Nosso Senhor ressuscitado aparecer a sua Mãe Santíssima

Certa ocasião, durante uma Missa, eu estava pensando como seria, dada a grandeza intrínseca da Ressurreição, o “modus faciendi” adotado por Deus para que ela tivesse toda a sua majestade.

Um “modus faciendi” seria a vida voltando ao cadáver divino – no qual a união hipostática não cessou apesar da morte – de maneira que as cicatrizes se recompusessem, a respiração recomeçasse, e toda a perfeição e grandeza d’Ele fossem como que florescendo. A mais estupenda primavera da História! Quando chegasse um determinado momento, a sepultura estaria cheia de Anjos que cantariam o mais estupendo “Gloria in excelsis”, e Nosso Senhor Se levantaria como um Rei. Os Anjos removeriam a pedra e Jesus, no mesmo instante, apareceria para Nossa Senhora porque para Ele não havia distância. Eu tenho como certo que, no momento em que Jesus recobrou a vida, Ele já saiu da sepultura e apareceu a Maria Santíssima.

Outro modo seria: de repente a vida voltar ao cadáver com a plenitude inteira d’Ele, como se fosse um raio feito para viver e não para matar, mas que, encontrando obstáculos, mataria. Sua Alma entraria no Corpo e apareceria a Nossa Senhora. Portanto, uma coisa imediata.

A meu ver, a beleza do ato conteve as duas hipóteses. Pode-se imaginar algo de maior grandeza bíblica do que Deus ressuscitando-Se a Si próprio e que aparece à sua Mãe Santíssima? Em comparação com isto, o que é a entrega das tábuas da Lei, a dança de Davi diante da arca, e tudo quanto se passou no Antigo Testamento?

Grandeza semelhante pode ser contemplada na atual fase em que se encontra a Santa Igreja.

Quando alguém é submetido a uma prova de humilhação, quanto mais profunda esta tenha sido tanto mais alta será a glória que virá em reparação. Por exemplo, o julgamento e a Crucifixão constituíram uma humilhação sem nome para Nosso Senhor. Fazem “pendant”, contrapõem-se a isso a Ressurreição e a Ascensão, que são glórias também indizíveis.

O sagrado semblante da Igreja incutirá terror aos maus

Ora, nós vivemos numa época em que a Igreja está sendo humilhada além do extremo limite que se imaginava possível. Em que consiste essa humilhação? É tão horrível que se torna até desagradável a analogia que vou empregar, mas exprime bem a realidade do crime que está sendo cometido.

Os carrascos terem tomado Nosso Senhor durante os três dias da Paixão e O terem desfigurado o quanto puderam, inclusive a Face divina, não é uma coisa tão horrível quanto se eles O tivessem feito ingerir uma substância qualquer por onde Ele fizesse com sua Sagrada Face contorções ridículas e medonhas. Isto seria fazer com que partisse d’Ele um movimento que O desordenasse e causasse o seu desfiguramento. Isso seria mais terrível do que qualquer coisa, sobretudo se permanecesse à maneira de um cacoete definitivo.

Pois bem, precisamente o que se perpetrou foi obrigar a Igreja a fazer um cacoete com a própria face, sujeitando o Corpo Místico de Cristo a esta forma de humilhação inenarravelmente pior do que qualquer outra. Logo, deve vir uma glorificação, não propriamente maior do que a Ressurreição ou Ascensão porque a Igreja não morre. Mas, nesta ordem do desfigurado, a Esposa Mística de Cristo tem que refulgir com um esplendor, uma maravilha que esteja na proporção da humilhação sofrida.

Há mais: seria lógico que quando ela vencer, assim como a face da Igreja foi profanada de maneira a estampar uma fraqueza e uma indignidade que ela não tem, seu sagrado semblante meta terror nos maus e arranque gritos de admiração da humanidade!

Eu creio que Nosso Senhor, por ocasião da Ascensão, reconstituiu um “super-Tabor”. E, portanto, tudo quanto se relata de sua Transfiguração, Ele brilhou com aquilo tudo e mais ainda durante a Ascensão. Tenho a impressão de que, quanto mais Ele ia subindo, mais esplendoroso Se tornava. Seria lógico, pareceria razoável que isto fosse assim, porque há a hora da humilhação e a hora da glorificação. E é preciso que o cálice da humilhação tenha sido bebido por inteiro para depois a glória vir por inteiro também.

Assim acontece com a causa da Contra-Revolução. Esse é um fenômeno tão profundo que há dias nos quais não percebemos a glória de sermos contrarrevolucionários. Mas, de repente, vem um lampejo e sentimos por inteiro essa glória. São pequenos antegozos do esplendor que virá após a longa humilhação que devemos percorrer, para sermos dignos da grande glória quando o dia da glorificação chegar.        v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 25/12/1976, 6 e 15/4/1980)
Revista Dr Plinio 265 (Abril de 2020)

Alegrai-vos, pois o Senhor ressuscitou!

Durante os três dias em que Nosso Senhor esteve morto, aos olhos dos que O conheceram tudo parecia irremediavelmente perdido. Porém, sua gloriosa ressurreição trouxe-lhes novamente a alegria e o júbilo.

 

Comentarei a Ressurreição de Nosso Senhor, com base num texto tirado da “Concordância dos Santos Evangelhos”, de Dom Duarte Leopoldo e Silva(1).

A narração da Ressurreição

Na noite do sábado, quando já raiava o primeiro dia da semana, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé, compraram perfumes para ir embalsamar a Jesus.

No primeiro dia da semana, partindo muito cedinho, estando ainda escuro, chegaram elas ao sepulcro ao levantar do Sol, trazendo os perfumes que tinham preparado. E diziam entre si: “Quem nos há de afastar a pedra da entrada do sepulcro?” Porque ela era muito grande.

Eis que houve um grande terremoto, porque um Anjo do Senhor desceu do Céu e, aproximando-se, rolou a pedra e sentou-se sobre ela. O seu aspecto era como o relâmpago e suas vestes como a neve.

De medo dele, assustaram-se os guardas e ficaram como mortos.

Maria viu a pedra afastada do sepulcro e foi correndo ter com Simão Pedro e com o outro discípulo que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram”. As outras mulheres viram também a pedra afastada do sepulcro e, entrando, não encontraram o Corpo do Senhor Jesus.

E aconteceu que, estando elas consternadas por esse motivo, se apresentaram junto delas dois homens vestidos de roupas deslumbrantes. E como elas se atemorizassem e baixassem os olhos para o chão, disseram-lhes eles: “Não temais, porque sei que procurais a Jesus que foi crucificado. Por que procurais entre os mortos Aquele que está vivo? Não está aqui, mas ressuscitou como tinha dito. Recordai-vos do que vos disse Ele quando estava ainda na Galileia: ‘É preciso que o Filho do Homem seja entregue nas mãos dos pecadores, que seja crucificado e ressuscite ao terceiro dia’.

Vinde ver o lugar onde foi posto o Senhor, e ide prontamente dizer aos seus discípulos e a Pedro que Ele ressuscitou e vai adiante de vós para a Galileia. Aí O vereis, como Ele vos disse. Eis que eu vos preveni”.

Então, recordaram-se elas das palavras de Jesus e, saindo, fugiram do sepulcro, porque as tinham acometido o tremor e o pavor, e a ninguém disseram coisa alguma por estarem possuídas de medo.

Entretanto, saíram Pedro e aquele outro discípulo, e vieram ao sepulcro. Ambos corriam juntos, mas aquele outro discípulo correu mais apressado do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro.

Inclinando-se, viu os lençóis postos no chão, mas não entrou. Chegou, depois, Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro e viu os lençóis postos no chão. Mas o sudário, que estivera sobre a cabeça de Jesus, não estava posto com os lençóis, senão que estava dobrado num lugar à parte.

Então, pois, entrou também aquele discípulo que primeiro tinha chegado ao sepulcro: e viu e acreditou.

E os discípulos voltaram de novo para casa.

Jesus aparece a Maria Madalena

Tendo Jesus ressuscitado de manhã, no primeiro dia da semana, apareceu primeiramente a Maria Madalena, da qual havia expulsado sete demônios.

Ora, estava Maria junto ao sepulcro, na parte de fora, chorando. Enquanto chorava, inclinou-se, olhou para o sepulcro e viu dois Anjos vestidos de branco, sentados, um à cabeceira, outro aos pés, onde tinha sido posto o Corpo de Jesus.

Disseram-lhe eles: “Mulher, por que choras?” Respondeu-lhes ela: “Porque tiraram o meu Senhor e não sei onde O puseram”.

Dizendo isto, voltou-se para trás e viu a Jesus, de pé, mas não sabia quem Ele era.

Disse-lhe Jesus: “Mulher, por que choras? A quem procuras?” Julgando ela que fosse o jardineiro, disse-lhe: “Senhor, se O tiraste, dize-me onde O puseste e eu O levarei”.

Disse-lhe então Jesus: “Maria!” Voltando-se, disse-Lhe ela: “Raboni!”, o que quer dizer “Mestre!”

Disse-lhe Jesus: “Não Me toques, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai dizer aos meus irmãos que Eu subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus”.

* * *

Como a linha geral deste lindíssimo texto dos Evangelhos sobre a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo é bastante conhecida, julgo mais interessante irmos comentando um ou outro pormenor mais ilustrativo.

Aquela sobre a qual todas as alegrias e as glórias da Ressurreição convergiram

Na noite de sábado, quando já raiava o primeiro dia da semana, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé, compraram perfumes para vir embalsamar a Jesus.

São citadas duas Marias; onde está a outra Maria, Nossa Senhora? Percebe-se que a dor, o recolhimento, a esperança d’Ela eram tão grandes, que a Virgem Santíssima pairava acima de todas as circunstâncias e providências concretas, mesmo as mais augustas, que dissessem respeito ao Corpo de seu Divino Filho. Por causa disso, as outras A serviam e faziam, por mediação, instigação e pelas ordens de Nossa Senhora, aquilo que Ela mesma quisera realizar.

Tal era o grau excelso de recolhimento de Maria Santíssima, que toda a dor, todo o júbilo e toda a esperança da Igreja estavam n’Ela concentrados, para depois serem distribuídos a todos os fiéis ao longo de todos os tempos. Todas as alegrias e glórias da Ressurreição de Nosso Senhor convergiram, como num foco central, sobre a Virgem Maria; d’Ela não se diz nenhuma palavra, porque Nossa Senhora é superior a todo louvor, a qualquer menção. Ela paira acima de tudo. Cabe-nos apenas pensar nisto e continuar, reverentes, a narração, porque na soleira da porta do quarto onde estava Nossa Senhora não penetrou o cronista do Evangelho, e também nós não somos dignos de entrar. Podemos apenas sentir esses perfumes da devoção a Maria Santíssima do lado de fora, e nos enlevarmos ao passar. Essa é a razão do silêncio dos Evangelhos a respeito de Nossa Senhora, quando falam da Ressurreição.

O caráter matinal da alegria pascal

No primeiro dia da semana, partindo muito cedinho, estando ainda escuro, chegaram elas ao sepulcro ao levantar do Sol, trazendo os perfumes que tinham preparado. E diziam entre si: “Quem nos há de afastar a pedra da entrada do sepulcro?” Porque ela era muito grande.

Elas chegaram ao sepulcro quando raiava o dia. De fato, a alegria pascal tem qualquer coisa de matinal. Nosso Senhor, que sai de dentro da morte, é simbolizado pelo Sol que se levanta do interior da noite.

Como deve ter sido a primeira noite de Adão, quando viu descerem as trevas sobre o mundo, e depois ele adormeceu? O medo de que nunca mais as coisas se restaurassem e voltassem ao que eram… E, vendo o Sol surgir de novo de dentro da noite, Adão observou esse esplendor que evocava o pensamento da ressurreição. Nosso Senhor era o Sol que saía de dentro da escuridão da morte, e aquelas que foram tomar conhecimento d’Ele chegaram ao sepulcro exatamente no momento em que o símbolo figurava a realidade que se tinha passado.

Vemos aqui como Nosso Senhor ama a natureza que Ele criou, gosta de fazer todas as coisas em consonância com essa natureza e dando valor ao símbolo de que Ele mesmo é o Autor.

Compreendemos também porque, adequadamente, o Evangelho menciona essa hora. Todas essas coisas têm muitos sentidos místicos, alegóricos, reais. Aqui está um desses significados.

Assim como afastaram a pedra do Santo Sepulcro, os Anjos removerão as pedras de nossos caminhos

As santas mulheres levavam perfumes que tinham preparado, fazendo-nos lembrar das palavras de Jesus, quando recebeu o perfume daquela mulher: o Corpo d’Ele já estava sendo preparado para a sepultura. Os cadáveres eram aromatizados com perfumes. Elas estavam tão esquecidas da profecia da Ressurreição, e tão certas de que Nosso Senhor não tinha ressuscitado, que levavam todos os unguentos perfumados para ungir o cadáver; chegam lá e encontram um Deus ressuscitado!

Vemos como era razoável que Nossa Senhora pairasse acima dos acontecimentos. Ela sabia que Jesus não seria encontrado lá, mas tinha que incentivar o ato de piedade delas, embora dele não pudesse participar. Então, elas lá foram com os seus perfumes, que eram uma expressão das almas delas. Quem oferece perfumes é porque tem amor e gostaria que sua alma subisse a Deus como um aroma de um odor suave.

De outro lado, notemos a confiança dessas mulheres. Elas sabiam que havia uma pedra muito pesada no sepulcro, podiam temer perseguições e a tarefa que pretendiam fazer era impossível, mas nada as deteve. Elas confiaram que, obedecendo à voz interior da graça, não seria uma pedra que lhes haveria de atrapalhar o cumprimento da missão. Que maravilhosa lição para nós! Quantas vezes a graça nos chama para alguma coisa, mas nós dizemos: “E quem tirará uma pedra tão pesada de nosso caminho?” A resposta é esta: “Contemos com Nosso Senhor, porque se a graça nos chama para algo, não há pedra que alguém não afaste”.

No caso concreto, os Anjos afastaram a pedra. Quantas vezes os Anjos têm afastado pedras dos nossos caminhos! Precisamos ter confiança e caminhar de encontro a todas as pedras, porque os Anjos as removerão, por ordem de Nossa Senhora.

Harmonia entre dois terremotos: o do castigo e o da graça

Eis que houve um grande terremoto, porque um Anjo do Senhor desceu do Céu e, aproximando-se, rolou a pedra e sentou-se sobre ela. Seu aspecto era como o relâmpago e suas vestes como a neve.

Sinto muito por não ter o mínimo talento para a pintura, pois eu gostaria de saber pintar isto, que representa para mim umas das imagens que faço de um Anjo. É um Anjo descrito pelo próprio Espírito Santo. Pode haver uma coisa mais gloriosa, mais espiritual, mais casta, mais forte, do que um espírito que é como um relâmpago, mas vestido como a neve?

A presença do Anjo causou um terremoto, porque é tal a superioridade da natureza do Anjo, tal a sua grandeza, que há uma espécie de incongruência entre ele e os seres materiais. E compreende-se que na proximidade de certos Anjos com a matéria, a fragilidade desta estremeça. Mas, bendita a terra que tremeu pela presença do Anjo! Bendito o Anjo que fez tremer a terra! Essa é a terra que treme para dar glória a Deus, depois de ter tremido de indignação por causa do deicídio que tinha sido realizado. Entre os dois terremotos, há uma espécie de harmonia, de simetria: o terremoto do castigo, mas depois o terremoto da graça, da presença do Anjo, da reconciliação e da aliança. Foram dois fatos tão grandes, que eram dignos de serem celebrados por terremotos.

Senso hierárquico de Santa Maria Madalena

De medo dele, assustaram-se os guardas e ficaram como mortos.

Maria viu a pedra afastada do sepulcro e foi correndo ter com Simão Pedro e o outro discípulo que Jesus amava. Ela disse: “Tiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram”.
É bonito que o primeiro pensamento tenha sido orientado para São Pedro.

Tem-se a impressão de que Maria Madalena não sentiu o terremoto. E nem viu o Anjo na sua natureza angélica, mas notou que o sepulcro estava aberto. Entre as santas mulheres, aquela de quem o Espírito Santo, no Evangelho, mais fala que amava Nosso Senhor é Maria Madalena. Em vez de ter a coragem de entrar no sepulcro, ela entendeu que o fato era tão augusto que não lhe cumpria fazer isso. Que coisa bonita! É o senso hierárquico e anti-igualitário da Igreja, que se manifesta desde esses albores. Maria Madalena vai correndo falar com o chefe da Igreja, conta-lhe o que ela viu, para que ele tome as providências que as circunstâncias pedem.

Notemos, de um lado, toda a beleza do papel do sexo feminino: o amor com que as santas mulheres levam o unguento, e o significado deste na Igreja; e, de outro lado, a jurisdição de São Pedro, da hierarquia. Maria Madalena, que estava com o coração transbordante de amor, vai falar com ele. Mesmo dentro da efervescência da hora, não se perdeu a distância psíquica e manteve-se o senso de hierarquia.

As outras mulheres viram também a pedra afastada do sepulcro, e entrando não encontraram o Corpo do Senhor.

Elas tiveram menos a ideia da hierarquia, então entraram.

Anjos com roupas deslumbrantes, e não como as usadas hoje

E aconteceu que, estando elas consternadas por esse motivo, eis que se apresentaram junto delas dois homens vestidos de roupas deslumbrantes.

Quer dizer, os Anjos tomaram a forma de homens. E para compreendermos o que eram essas roupas deslumbrantes, temos que nos lembrar dos trajes daquele tempo. Não podemos imaginar dois Anjos vestidos com paletós e calças e, muito menos, com suéteres e outras roupas de hoje. Porque é inimaginável um Anjo aparecer de paletó refulgente e de gravata deslumbrante, para não falar das outras roupas…

Há uma tal vilania nos trajes atuais que não ousamos fazer monumentos de homens vestidos com calça, paletozinho, bengalinha. Naquele tempo se usavam túnicas, as quais têm dignidade. Então, apareceram dois Anjos com forma de homem, de modo alvinitente, brilhante, e eles se põem a falar.

É muito bonito que os dois falam como um só. Eles representam, evidentemente, todos os Coros dos Anjos. E naturalmente as vozes deles não seriam iguais, mas harmoniosas. O Evangelho não fala em música, nem em canto; eles faziam uma proclamação, eram dois arautos que anunciavam esse fato. E eles falam no singular, tal é o uníssono deles, tal é a união das almas que amam a Deus. Eis a mensagem dos Anjos:

Não temais, porque sei que procurais a Jesus que foi crucificado. Por que procurais entre os mortos Aquele que está vivo? Não está aqui, mas ressuscitou como tinha dito. Recordai-vos do que vos disse Ele, quando estava ainda na Galileia.

“Recordai-vos”. Há certa censura àquela insuficiência de Fé que, com exceção de Nossa Senhora, todos os outros tiveram. Então, os Anjos citam as palavras de Nosso Senhor: “É preciso que o Filho do Homem seja entregue nas mãos dos pecadores, que seja crucificado e ressuscite ao terceiro dia”.

Como quem declara: “Essas foram as palavras de Jesus, lembrai-vos agora e confundi-vos”. Mas isso era dito de tal maneira que, sendo uma lição, não era, entretanto, para produzir no momento uma contrição. Tanto é assim que, em vez de contrição, as santas mulheres sentiram alegria.

“Vinde ver o lugar onde foi posto o Senhor, e ide prontamente dizer aos seus discípulos e a Pedro que Ele ressuscitou…

Os Anjos confirmam: a missão delas não era igual à missão de Madalena, a qual era dizer que o sepulcro estava vazio. Elas deveriam informar que dois Anjos apareceram e anunciaram a Ressurreição.

Por que os Anjos não falaram a Pedro? Pode-se fazer a conjectura: aquelas que foram fiéis ao pé da Cruz receberam a mensagem. Aquele que era o Papa, o Príncipe dos Apóstolos, não estava lá presente e não recebeu a mensagem. Alguém me dirá: “Mas por que não a São João Evangelista, que estava presente?” Veremos que ele fez questão de dar preeminência a São Pedro. …e vai adiante de vós para a Galileia. Aí O vereis”. Então, recordaram-se elas das palavras de Jesus e, saindo, fugiram do sepulcro, porque as tinham acometido o tremor e o pavor, e a ninguém disseram coisa alguma, por estarem possuídas de medo.

Mas não é um medo de castigo. Entrevê-se que é devido ao contato com a coisa augusta, enorme. E ficaram quietas. Agiram bem ou agiram mal? Eu não encontro no Evangelho esclarecimentos para isso.

Espírito hierárquico da Igreja

Entretanto, saíram Pedro e aquele outro discípulo e vieram ao sepulcro.

Eles tinham recebido a notícia, transmitida por Maria Madalena, de que o sepulcro estava vazio.

Ambos corriam juntos, mas aquele outro discípulo…

O discípulo a quem Jesus amava.

…correu mais apressado do que Pedro.

Compreende-se porque São Pedro era mais velho, mas o fato é que quem amava mais corria mais.

E chegou primeiro ao sepulcro. Inclinando-se, viu os lençóis postos no chão, mas não entrou.

O amor levou-o a ir depressa, mas é o mesmo amor que o fez dar precedência àquele a quem Nosso Senhor tinha dado a precedência. Ele não entrou, esperou que São Pedro entrasse. Vemos aqui o espírito hierárquico da Igreja e como o correr de São João não era sem distância psíquica, mas um correr cheio de ordem; era uma pressa cheia de falta de pressa; ele era tão equilibrado, tão santo, que chegando ao sepulcro ele espera São Pedro. Quanto respeito, quanta reverência! E tudo passou para a História.

Chegou, depois, Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro e viu os lençóis postos no chão. Mas o sudário, que estivera sobre a cabeça de Jesus, não estava posto com os lençóis, senão estava dobrado e num lugar à parte.

Vemos aqui a beleza do respeito ao Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Há uma dignidade da cabeça, da fronte, da face, que é algo de especial no homem; e, por causa disto, o sudário, que tocou na Face, não estava colocado junto com os outros panos. Mais ainda: os panos estavam no chão; o sudário, num lugar à parte. Entrevê-se que era um lugar mais distinto, talvez uma anfractuosidade da pedra.

Cristo ressuscitado apareceu primeiro a Nossa Senhora

Então, pois, entrou também aquele discípulo que primeiro tinha chegado ao sepulcro.

O Evangelho repisa bem: só depois entrou o discípulo fiel. São João, caso fosse orgulhoso, diria: “Bem, São Pedro é o chefe, mas eu tenho direito. Quem estava ao pé da Cruz não era eu? Agora chegou minha vez.” Aquele que ama não quer o primeiro lugar, quer amar. E ainda que aquele a quem ele ama queira dar o primeiro lugar a outrem, ele assim o deseja. Que lição para nós!

E viu e acreditou.

Fica-se pasmo. São João deixa entender que, com todo o amor dele, foi naquela hora que ele acreditou. E era o discípulo amado…

E os discípulos voltaram de novo para casa.

Voltaram porque Nosso Senhor disse que ia aparecer-lhes na Galileia.

Tendo Jesus ressuscitado de manhã, no primeiro dia da semana, apareceu primeiramente a Maria Madalena, da qual havia expulsado sete demônios.

Como é curiosa essa referência! Nesta hora lembrar isso! É que a vitória de Jesus sobre o demônio faz a identificação daquela para quem Ele fez tão grande bem, tão grande maravilha. Vemos a beleza da contrição e do perdão: primeiro o Redentor apareceu para Maria Madalena; mas houve um momento super-primeiro. Quem foi A primeira a quem Ele apareceu? Na primeira hora, o primeiro raio de beleza evidentemente foi para Nossa Senhora. Costuma-se contemplar o encontro de Nosso Senhor com Nossa Senhora na “Via Crucis”. Eu não conheço coisa mais bonita, mas há algo tão bonito: é o encontro d’Ela com Ele ressuscitado. O que terá sido a alegria de Maria Santíssima, o “Magnificat” d’Ela? Só no Céu poderemos saber.

Afeto de Nosso Senhor pelos Apóstolos e discípulos

Ora, estava Maria junto ao sepulcro, na parte de fora, chorando. Enquanto chorava, inclinou-se, olhou para o sepulcro e viu dois Anjos vestidos de branco, sentados, um à cabeceira, outro aos pés, onde tinha sido posto o Corpo de Jesus.

Disseram-lhe eles: “Mulher, por que choras?” Respondeu-lhes ela: “Porque tiraram o meu Senhor e não sei onde O puseram.” Dizendo isto, voltou-se para trás e viu a Jesus, de pé, mas não sabia quem Ele era.

Disse-lhe Jesus: “Mulher, por que choras? A quem procuras?” Julgando ela que fosse o jardineiro, disse-Lhe: “Senhor, se O tiraste, dize-me onde O puseste e eu O levarei”.

Disse-lhe então Jesus: “Maria!” Voltando-se, disse-Lhe ela: “Raboni!”, o que quer dizer “Mestre!”

Que beleza de cena! De quanta coisa ela se lembrou quando Ele falou-lhe: “Maria”? As mil vezes em que Nosso Senhor lhe disse, com afeto, “Maria”; tudo isso acordou na alma dela. Então, ela entendeu. E, como certamente mil vezes tinha ela dito para Ele em vida, Madalena exclamou: “Mestre!”, “Raboni!”

Disse-lhe Jesus: “Não Me toques, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai dizer aos meus irmãos que Eu subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus”.

Nota-se que Maria Madalena queria ir de encontro a Ele. Que linda intimidade dela com Jesus! Com certeza, quis segurá-Lo, beijar suas mãos ou seus pés. E Ele disse-lhe essas palavras: “Não Me toques”, e deu a razão: “porque ainda não subi para meu Pai”.

Razão para mim um tanto misteriosa, mas sublime. Há uma grandeza nisso, toda a distância entre esta e a outra vida: “Eu não subi ainda para meu Pai, mas já estou do outro lado do rio da morte, o qual continua a correr entre nós, embora Eu esteja ressuscitado. Eu não estou ressuscitado para esta vida. Já estou ressuscitado para o Céu. Não Me toques, mas vai dizer aos meus irmãos –– observem o afeto, chamando os Apóstolos, os discípulos, de irmãos –– que Eu subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus”. Estava pronunciado o perdão, e as coisas continuavam no diapasão da alegria.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/4/1969)

 

1) Silva, Duarte Leopoldo da. Concordância dos Santos Evangelhos. 7 ª. ed. São Paulo: LTr, 1998. pp 439-441.

Páscoa

Disse São Paulo que, se Cristo não tivesse ressuscitado, vã seria nossa Fé. É no fato sobrenatural da Ressurreição que se funda todo o edifício de nossas crenças. (…)

Cristo, Senhor Nosso, não foi ressuscitado: ressuscitou. Lázaro, foi ressuscitado. Ele estava morto. Outrem que não ele, isto é, Nosso Senhor, o chamou da morte à vida. Quanto ao Divino Redentor, ninguém O ressuscitou.

Ele mesmo a Si próprio se ressuscitou. Não precisou que ninguém O chamasse à vida. Retomou-a quando quis.

Tudo quanto se refere a Nosso Senhor tem sua aplicação analógica à Santa Igreja Católica. Vemos freqüentemente, na História da Igreja, que quando ela parecia irremediavelmente perdida,  e  todos os sintomas de uma próxima catástrofe pareciam minar seu organismo, sobrevieram sempre fatos que a têm sustido viva contra toda a expectativa de seus adversários. Fato curioso, às vezes, não são os amigos da Santa Igreja que vêm em seu socorro: são seus próprios inimigos. Numa época delicadíssima para o Catolicismo, como foi a de Napoleão, não ocorreu o episódio mil e mil vezes curioso de se ter reunido um Conclave para eleição de Pio VII, sob a proteção das tropas russas, todas elas cismáticas e obedecendo a um soberano cismático? Na Rússia, a prática da Religião Católica era tolhida de mil maneiras.

As tropas desse país asseguravam, entretanto, na Itália, a livre eleição de um Soberano Pontífice, precisamente no momento em que a vacância da Sé de Pedro teria acarretado para a Santa Igreja prejuízos de que, humanamente falando, ela talvez não se pudesse ter soerguido jamais.

Estes são meios maravilhosos de que a Providência lança mão para demonstrar que Ela tem o supremo governo de todas as coisas. Entretanto, não pensemos que a Igreja deveu sua salvação a Constantino, a Carlos Magno, a D. João d’Áustria, ou às tropas russas. Ainda mesmo quando ela parece inteiramente abandonada, e ainda mesmo quando o concurso dos meios de vitória mais indispensáveis na ordem natural parece faltar-lhe, estejamos certos de que a Santa Igreja não morrerá.

Como Nosso Senhor, ela se soerguerá com suas próprias forças, que são divinas. E quanto mais inexplicável for, humanamente falando, a aparente ressurreição da Igreja — aparente, acentuamos, porque a morte da Igreja nunca será real, ao contrário da de Nosso Senhor —, tanto mais gloriosa será a vitória. Nestes dias turvos e tristonhos de 1943, confiemos pois. Mas confiemos, não nesta ou naquela potência, não neste ou naquele homem, não nesta ou naquela corrente ideológica, para operar a reintegração de todas as coisas no Reino de Cristo, mas na Providência Divina que obrigará novamente os mares a se abrirem de par em par, moverá montanhas e fará estremecer a terra inteira.

Se tal for necessário para o cumprimento da divina promessa: “as portas do inferno não prevalecerão contra ela”.

Esta certeza tranquila no poder da Igreja, tranquila de uma tranqüilidade toda feita de espírito sobrenatural, e não de qualquer indiferença ou indolência, podemos aprendê-la aos pés de Nossa Senhora. Só Ela conservou íntegra a Fé, quando todas as circunstâncias pareciam ter demonstrado o fracasso total de seu Divino Filho. Descido da Cruz o Corpo de Cristo, vertida pela mão dos algozes, não só a última gota de Sangue, mas ainda de água, verificada a morte, não só pelo testemunho dos legionários romanos, como pelo dos próprios fiéis que procederam ao sepultamento, aposta ao túmulo a pedra imensa que lhe devia servir de intransponível fecho, tudo parecia perdido. Mas Maria Santíssima creu e confiou.

Sua Fé se conservou tão segura, tão serena, tão normal nestes dias de suprema desolação, como em qualquer outra ocasião de sua vida. Ela sabia que Ele haveria de ressuscitar. Nenhuma dúvida, nem ainda a mais leve, maculou seu espírito. É aos pés d’Ela, portanto, que haveremos de implorar e obter essa constância na Fé e no espírito de Fé, que deve ser a suprema ambição de nossa vida espiritual. Medianeira de todas as graças, exemplar de todas as virtudes, Nossa Senhora não nos recusará qualquer dom que neste sentido lhe peçamos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído do “Legionário”, nº 559, de 25/4/1943)

Os fulgores da Ressurreição

Contemplando os esplendores e mistérios que envolvem a Páscoa da Ressurreição, Dr. Plinio tece interessantes hipóteses e comentários sobre o significado dos acontecimentos narrados no Evangelho.

 

Nas cerimônias litúrgicas do tríduo pascal, a Igreja sempre soube impregnar de tristeza a atmosfera quando se tratava de ficar triste; e depois marcar de alegria os momentos em que se deveria estar alegre.

Pudemos ver, por exemplo, essa nota de tristeza, sobretudo, ontem: a cerimônia da Sexta-Feira Santa estava pungente!

Agora, o júbilo. O “Gloria in Excelsis Deo” dá-nos a impressão de ser o reflexo da alegria de quando Nosso Senhor ressuscitou!

A primeira visita ao Santo Sepulcro

O Evangelho lido hoje narra que Santa Maria Madalena e a outra Maria encontraram o sepulcro aberto e um anjo sobre a lápide que antes vedava o túmulo. O anjo rolou a pedra e sentou-se nela.

Por ser o seu rosto como o raio e a sua vestimenta como a neve, ele incutiu grande terror àqueles guardas que tomavam conta do sepulcro, e que então fugiram. Duas simples mulheres não tiveram medo, e ele falou com elas familiarmente.

Tem-se a impressão de que elas estavam muito intimidadas, porém não medrosas, o que é uma coisa diferente.

Outra manifestação da intimidação delas é o fato de ter sido necessário o anjo dizer-lhes que entrassem no sepulcro. Seria normal elas penetrarem ali, vamos dizer, com as reverências devidas a um lugar sacrossanto, fazendo assim a primeira visita ao Santo Sepulcro! Uma honra, aliás, enorme! Todas as gerações dos séculos posteriores visitaram o Santo Sepulcro. Elas foram as duas primeiras. É formidável! Como honra, é algo extraordinário!

Elas entraram e viram que Nosso Senhor não se encontrava lá. Estava tudo explicado.

Um acontecimento pleno de simbolismos

Agora, eu teria muita vontade de saber qual era o sentido simbólico do rosto como fulgor e das roupas como neve.

Evidentemente o fulgor indica o poder de Deus. Mas indicará de que maneira? Será um fulgor de vitória, de festa triunfal em que não se está mais pensando no inimigo, ou desse tipo de celebração de triunfo na qual se tem a sensação de estar calcando aos pés o inimigo? É uma pergunta. Qual seria o feitio desse fulgor?

Se soubéssemos como os exegetas consideram esse fulgor, talvez pudéssemos ter aí um elemento para formar um juízo sobre isso.

As roupas como a neve. Percebe-se que era neve refulgindo ao clarão desse fulgor. A neve é a pureza do espírito. Um puro espírito porque não tem carne e, além disso, é um espírito puro, ou seja, é santo! Compreende‑se bem que a túnica — seria provavelmente uma túnica — era como a neve. Mas quais são os outros significados dessa neve?

Por que ele não pairava no ar ou não estava de pé sobre a pedra, mas sentado?

Cada uma dessas coisas tem um significado. É claro que nós teríamos vontade de conhecê-los. Aumentaria nossa alegria pela Páscoa da Ressurreição.

Por que um anjo anunciou a Ressurreição?

Se o objetivo da manifestação angélica era dar uma prova apologética da Ressurreição, debaixo de certo ponto de vista, essa prova poderia não ser muito concludente. Sobretudo para os homens do século XX, cuja mentalidade os levaria a dizer:

“As duas foram caminhando para a sepultura cada vez mais compenetradas. Quando chegaram lá, estavam no auge da excitação. Então julgaram ver um anjo. E os guardas estavam fora porque tinham saído para — em linguagem nossa — tomar um cafezinho. A sepultura estaria aberta? Quem pode garantir? Qual é a prova que se tem disso? Não seria mais interessante haver um magote de dez homens importantes como, por exemplo, Lázaro, José de Arimateia, Nicodemos que dissessem terem visto? Por que um anjo?”

Eu julgaria uma objeção completamente inválida, mas é uma pergunta que se poderia fazer.

A essa pergunta devemos dar a seguinte resposta:

Deus, nas suas manifestações, não visa principalmente àqueles que não creem, mas aos que creem. Um episódio como esse — que foi a primeira manifestação da Ressurreição, depois vieram muitas outras — seria calculado conforme a conveniência da piedade e do aumento no fervor do punhado de fiéis reunidos em torno de Nossa Senhora. Era a esses que se tratava de afervorar, de alimentar, de preparar para Pentecostes, que seria o próximo grande lance.

Sendo assim, compreende-se que fosse um anjo e não um homem. Porque não existe proporção entre dez homens e um anjo. Ademais, poderia haver entre eles pequenos desacordos a propósito de um ponto ou outro, e até mesmo algum que, ao contar o fato, ficasse vaidoso…

Poder-se-ia, inclusive, levantar outra objeção: Nós não acreditamos muito nesses homens que estão servindo de testemunhas, porque nenhum homem estaria à altura de testemunhar tal acontecimento; só um puro espírito. Parece-me, portanto, inteiramente concludente e apropriado o aparecimento de um anjo para anunciar a Ressurreição.

A honra de remover a lápide do Sepulcro

Em uma de nossas comissões de estudo estamos lendo textos de São Dionísio Areopagita que tratam sobre a hierarquia dos Anjos. Segundo ele, dos nove coros angélicos existentes, o menos elevado é o dos simples Anjos.

A palavra “anjo” significa “emissário”. E esses são os emissários. Um anjo de uma categoria mais elevada é um Arcanjo. Os outros têm categorias mais altas: Principados, Virtudes, Potestades, Dominações, Tronos, Querubins e Serafins.

E São Dionísio Areopagita dizia que embora a categoria dos Anjos seja a menos elevada, ela completa a hierarquia angélica. De tal maneira que esta ficaria cambaia como um vaso do qual se serrasse a base, caso não houvesse o coro dos Anjos.

Quer dizer, a categoria menos alta é tão preciosa que constitui um elemento sem o qual toda aquela ordenação que está acima ficaria desajustada. É, pois, um importantíssimo papel. Por que Deus teria enviado um simples anjo e não um serafim para realizar uma missão como essa?

Provavelmente porque remover uma pedra não é tarefa para um príncipe. E podemos imaginar esses anjos menos elevados fazendo uma humilde e razoável súplica diante de Deus para ser dada a eles, e não a uma categoria mais elevada, a honra de mover a pedra do Santo Sepulcro:

“Senhor, Vós que nos mandais exercer missões que tocam mais diretamente na matéria, desta vez que se trata de operar a mais nobre remoção da matéria, Vós nos tirais essa ocasião única?! Ela não está na natureza de nosso ofício?”

A qualquer pessoa pareceria um argumento difícil de responder…

Duas maneiras de imaginar a Ressurreição

Mas considerando a Ressurreição em si, poderíamos imaginá-la de duas formas:

Em certo momento, Nosso Senhor começaria a dar sinais de vida. Seu Corpo sagrado se tornaria de uma luminosidade extraordinária, e no instante em que sua Alma o reassumisse, sua primeira atitude seria uma glorificação do Padre Eterno e um ato de amor ao Espírito Santo. E levantando-Se com uma majestade indizível, caminharia dentro do sepulcro transformado, de repente, numa catedral feita de luzes, cânticos e glória.

Chegando junto à porta do túmulo, o anjo rolaria a pedra. É-nos legítimo imaginar que no interstício entre a Ressurreição e o encontro com Santa Maria Madalena, em virtude do deslocamento rapidíssimo dos corpos gloriosos, Ele tenha estado no Cenáculo e se manifestado a Nossa Senhora. De maneira a ter sido Ela a primeira pessoa a contemplar seu divino Filho ressuscitado. Logo depois, Jesus teria Se apresentado a Santa Maria Madalena, conforme nos descreve o Evangelho.

Essa seria uma modalidade de conceber a Ressurreição.

Poder-se-ia figurá-la de outro modo, conforme a piedade e o feitio de cada pessoa. Por exemplo, em meio às trevas densas, de repente reluz algo à maneira de um corisco sublime! A montanha, como que, racha e Nosso Senhor se levanta como um raio. E num instante já está junto à porta, um anjo rola a lápide e Ele aparece diante dos olhos estupefatos. Acabou!

A Páscoa: uma festa triunfal

Em todo caso, a Páscoa não é uma celebração qualquer, é uma festa de triunfo. Portanto, não pode ser considerada, como muitos supõem, apenas como uma festa caseira para despertar a bonomia familiar, distribuindo ovos e todos se abraçando. Tudo isso é muito legítimo, acho um encanto, mas a Ressurreição tem qualquer coisa de um estouro, de uma explosão magnífica!

Sem dúvida, pode-se imaginar a Ressurreição acompanhada pelo maior e mais majestoso dos raios desferidos numa aurora.

Vários quadros representam o divino Ressuscitado assim, saindo com o braço direito levantado e tendo os dedos em posição de quem ensina ou abençoa, mas com um ar de desafio vitorioso: “Já atravessei!” Isso deveria causar no Inferno o terror diante da inutilidade de tudo quanto fizeram contra Ele.

Aí está um pequeno comentário para participarmos juntos das alegrias pascais.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 18/4/1981 e 21/4/1984)

Preciosos ensinamentos da Ressurreição

Da gloriosa Ressurreição de Cristo, pondera Dr. Plinio, não só refulgem consoladoras alegrias, como também dela se depreendem importantes lições para o homem fiel, à luz das quais deve este pautar sua trajetória rumo à eterna bem-aventurança.

 

Durante os três dias em que Nosso Senhor esteve morto, aos olhos dos que O conheceram, com exceção de Maria Santíssima, tudo parecia irremediavelmente perdido. “Morreu!”, pensavam eles. “Correram a pedra sobre a entrada do sepulcro, e a escuridão envolveu o corpo d’Ele. Acabou, não resta mais nada!”

Indizível alegria das almas dos justos

Ora, restava tudo. A história da salvação dos homens apenas começara. Assim que a alma santíssima de Nosso Senhor se separou do corpo sagrado, apareceu às almas dos justos que aguardavam — algumas há milênios — a Redenção e a abertura das portas do Céu.

Imaginemos, se pudermos, a emoção da alma de São José em contato com a de seu Filho, ou a felicidade indizível da alma de Adão e a de Eva, constatando que, afinal, o pecado por eles cometido, o pecado que provocara a decadência do gênero humano, estava perdoado e sua culpa redimida! E do mesmo modo, o júbilo ímpar da alma de tantos outros justos, patriarcas e profetas do Antigo Testamento ali reunidos, que aclamaram o aparecimento de Quem os libertava daquela longa espera. Esse encontro foi, sem dúvida, um espetáculo extraordinário.

Na pior das horas, refúgio junto a Maria

Contudo, para os apóstolos e discípulos que haviam fugido durante a Paixão, essa realidade espiritual e gloriosa era inteiramente desconhecida. Pelo contrário, achavam-se abatidos, prostrados, horrorizados, sem vislumbrar saída alguma para a dramática situação em que estavam. Cada qual se escondeu como pôde, esperando que a efervescência dos acontecimentos se extinguisse e a normalidade da vida de todos os dias fizesse com que deles se esquecessem.

Outros eram, porém, os desígnios da Providência. Podemos conjeturar que houve um trabalho misterioso da graça no sentido de sugerir ao espírito de cada um deles o desejo de procurar Nossa Senhora e de se abrigar sob seu manto materno. Junto a Ela — sempre nos é dado supor — encontraram-se, chorosos e contritos, ainda incertos quanto ao futuro. Apenas a Mãe de Deus confiava e rezava, segura do triunfo de seu Divino Filho sobre a morte.

De alguma maneira, também própria ao sobrenatural, a fidelidade de Maria Santíssima começou a contagiar a tibieza dos apóstolos, e a despertar na alma de cada um deles sensações, esperanças, percepções da maravilhosa graça que lhes estava reservada. No interior daqueles homens, em meio à tormenta da provação, foram se alicerçando uma convicção nova e um novo ânimo.

Quer dizer, na pior das horas, porque se refugiaram aos pés de Nossa Senhora, receberam graças inestimáveis que os prepararam para tudo o que logo lhes aconteceria. Unidos em torno da Virgem Fiel, estavam em condições de acreditar na Ressurreição e de se predisporem à grandiosa missão para a qual haviam sido chamados.

Confirmaram-se as mais audaciosas esperanças

Na manhã do terceiro dia, ressurge glorioso o Redentor Divino e — como sugere a crença de piedosos autores, embora os Evangelhos não o narrem — aparece em primeiro lugar a Nossa Senhora, inundando-A de consolação e felicidade. Todo Ele era um só esplendor, espargindo luminosidade celeste a seu redor como o brilho de mil sóis!

Aparece depois a Maria Madalena e a outros discípulos. A Ressurreição era já um fato incontestável. Os apóstolos creem e exultam. Tudo quanto era caminho sem saída, tornou-se viável e todas as esperanças, as mais audaciosas, confirmaram-se no triunfo de Cristo Ressurrecto. Vitória que representava, ao mesmo tempo, a afirmação de toda a vida d’Ele e um imenso perdão para seus discípulos. A partir daí estes passaram por uma autêntica conversão. Mais alguns dias, e receberiam a infusão do Espírito Santo, tornando-se cada qual uma coluna de amor e fidelidade sobre a qual se ergueria o edifício da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

O homem fiel não se deixa abater pelos reveses

Da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo e dos aspectos a ela vinculados — sejam os precedentes, sejam os que se lhe seguiram — depreendem-se para nós alguns ensinamentos.

O homem modelado segundo o espírito do Divino Mestre, o homem que corresponde às graças obtidas pelos rogos de Maria, o homem fiel que obedece inteiramente a vontade de Deus e tem sua alma talhada pela doutrina da Igreja, esse homem possui uma têmpera tal que não há desastre, ruína ou tristeza, não há perseguição nem miséria que o abatam e o desviem de sua trajetória apostólica.

Pelo contrário, quanto maiores os reveses, maior sua coragem; quanto mais inesperadas e inopinadas as derrotas, maior a sua vontade de reagir; quanto mais terríveis os golpes que ele recebe, maior a sua determinação de continuar a lutar. E se acontecer de ele cair prostrado durante a lide, Deus, que vela por ele e por sua descendência espiritual, fará com que de seus exemplos e de sua lição nasçam discípulos que continuem sua obra.

E assim por diante, de glória em glória, de passo em passo, mas de dor em dor, de sofrimento em sofrimento, é possível levantar obras de uma grandeza e de uma beleza inimagináveis. Mas, essas obras nascidas da dor, da fidelidade, da constância e da entrega completa de si mesmo para que Deus execute sua vontade sobre os homens, nascem também da devoção e da união a Nossa Senhora, a qual nos alcança graças indizivelmente fortes, profundas e tonificantes.

Júbilo que nos prepara para novas provações

Outra lição que nos é dada pelo triunfo de Nosso Senhor sobre a morte vem das jubilosas celebrações que no-lo recordam.

As pompas da esplêndida e brilhante liturgia da Vigília Pascal e do Domingo da Ressurreição nos falam de todas as alegrias legítimas e até gloriosas que o homem fiel pode desfrutar em sua vida. Entretanto, a missão e os trabalhos dos apóstolos convertidos nos ensinam não haver alegria que desvie o homem fiel do caminho da dor; não há felicidade que o amoleça, que o subtraia da austeridade com a qual trilha o caminho do Céu. Pelo contrário, como essa alegria é fruto do Espírito Santo, o homem sai desse dia de festa e de glória mais disposto a suportar todas as humilhações, todas as dores e todos os sacrifícios necessários para a grande batalha da salvação que ele terá diante de si.

Por essas razões, ao celebrarmos a Páscoa da Ressurreição, devemos pedir a Jesus Ressurrecto, por intermédio de Nossa Senhora, a força de espírito pela qual não haja nenhuma provação que nos leve ao desespero, nem glória que nos leve à moleza. Assim, através desse caminho de sofrimentos sem desânimos, e de triunfos sem relaxamentos chegaremos afinal à imperecível glória do Céu, pela graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, nosso Redentor, e pelos rogos de Maria Santíssima, nossa Mãe, a cujas preces tanto devemos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 8 e 14/4/1990)

RESSURREIÇÃO E FELICIDADE ETERNA

Ora, se se prega que Jesus ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns de vós que não há ressurreição de mortos? ” (I Cor 15, 12-13). A comemoração da ressurreição de Nosso Senhor, diz Dr. Plinio, é um prenúncio de nossa própria ressurreição.

 

Antes de ser ensinada e difundida pela Igreja Católica, a crença na ressurreição dos corpos era motivo de grande perplexidade para as religiões e os filósofos pagãos do mundo antigo. Sem  acreditar na imortalidade da alma humana, eles estavam convencidos de que, com a morte, uma pessoa ou desaparecia completamente, ou algo dela se reincorporaria — perdendo a identidade consigo mesma — na natureza ou num deus impessoal existente alhures.

Surpreendente doutrina que dividiu o mundo antigo

Com o advento do Cristianismo e a pregação dos Apóstolos, a doutrina da ressurreição dos mortos causou imensa atração. Com efeito, a ideia de que o homem é constituído por uma alma espiritual e um corpo material, e a noção de que um Deus onipotente ressuscitará a todos nós por toda a eternidade, como ressuscitou a Si mesmo,
reunindo novamente em cada pessoa os dois elementos que a compõem — era de molde a surpreender e a maravilhar aqueles povos da antiguidade.

Porém, diante do Evangelho, ou seja, da boa notícia de que o Verbo de Deus se tinha feito carne, nos havia remido, ressuscitara e abrira o caminho da ressurreição para todos nós, os espíritos se dividiram. Uns se mostravam antipáticos ao novo ensinamento, preferindo suas velhas convicções de que a existência do homem termina com sua morte e, portanto, tratava-se de prolongar e aproveitar ao máximo a vida terrena.

Outros, mais elevados, mais alígeros, pensavam: “Depois da série de tormentos que suportamos neste mundo, eu julgava que me afundaria no negrume da sepultura, desfazendo-me no nada. E agora vem um homem chamado Pedro e me diz que ele tem as chaves do reino dos Céus! E me ensina que haverá essa ressurreição gloriosa, que um dia, cheio de luz, eu me levantarei da sepultura para uma felicidade da qual as coisas terrenas nem sequer dão uma ideia!? Que maravilha!”

Compreende-se que a nova doutrina causasse essa divisão em duas famílias de almas. Aconteceu, então, que os da primeira, mais numerosos, mais poderosos, começaram a desafiar e a perseguir os da segunda: surgiram os mártires do tempo do Império Romano. Homens e mulheres convertidos ao cristianismo, até ontem respeitados e venerados por seus semelhantes, agora se encontram ali, na arena do Coliseu, semi-desnudos, invectivados e vaiados por uma multidão enraivecida.

Por quê? Porque abraçaram a crença na vida eterna.

Belezas que envolvem a ressurreição dos mortos

Não é difícil, pois, imaginar o drama e a reviravolta que a pregação da ressurreição provocou na velha humanidade.

Como não é difícil nos darmos conta de que não podemos tomar como banalidade o que deixou pasmo um antigo, perplexo um imperador romano, o que causava dor de cabeça a um filósofo   pagão, e fazia estremecer de alegria um ancião ou uma criança inocente. Antes, devemos sempre ter presente toda a beleza que essa verdade encerra, e o quanto ela foi, ao longo da história da Igreja, ensinada e fundamentada pelos maiores e mais ilustres expoentes da Teologia católica.

Para não nos estendermos, basta evocarmos o pensamento do grande São Tomás de Aquino, que prova a ressurreição com argumentos tirados da razão natural e da Escritura: é fato revelado pelo Espírito Santo.

E ele apresenta como um dos elementos da Revelação esta frase de São Paulo: “Quando tu semeias, não semeias o corpo da planta que há de nascer, mas semeias o mero grão”. A interpretação fantástica dada pelo Doutor Angélico: o grão é o cadáver e a planta que nascerá é o homem ressurrecto, saído daquele. Esta sentença se ajusta de modo magnífico às palavras de Nosso Senhor no Evangelho: “Se o grão não se decompor, não frutifica”. Quer dizer, enquanto o homem não termina a sua batalha neste mundo e morre, dele não brotará o fruto da sua própria ressurreição.

Assim, quando se fecha a tampa do caixão contendo um cadáver, devemos ter o seguinte pensamento, inspirado pela Fé: “Se é verdade que a morte representa um castigo, verdade é também que aqui está uma semente para a ressurreição”.

Nisto devemos ver, também, como é bela a continuidade de uma vida humana levada na virtude e no amor a Deus, de uma existência virtuosa que passa sobre a morte com os olhos postos nas  glórias da ressurreição. É essa verdade que nos incute ânimo, que nos explica a vida, que nos faz seguir sempre em frente, rumo ao encontro da eterna e completa felicidade.

Felicidade esta que o mesmo São Tomás aduz como mais uma prova da ressurreição. Posto que o homem procura como meta final a alegria perfeita, a qual não pode ser achada senão na eterna bem-aventurança, tem de haver uma vida após a morte e uma ressurreição da carne. Sob pena de que tudo neste universo seja coisa errada, fracassada, e sem sentido.

De fato, para que viver, se não existe este objetivo de alcançar a felicidade sem limites, infinita, sem sombras, onde compreendemos eternamente, na medida de nós mesmos, o eterno, o insondável e perfeitíssimo que é Deus? Ver Deus em Deus, ver Deus na pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, vê-Lo em Nossa Senhora, nos Anjos e nos santos! Esta é a autêntica alegria. O que não for isto, é burla em matéria de felicidade.

Portanto, com o auxílio e o amparo da Santíssima Virgem, chegará para todos nós o dia em que nossas almas estarão definitiva e perenemente unidas aos nossos corpos. As dores e os júbilos efêmeros desta vida terão passado, nós estaremos no Céu por todo o sempre.

Alegria da Páscoa, prenúncio de nossa ressurreição

Para concluir, vem a propósito evocar uma vez mais o ensinamento de São Tomás de Aquino. Ele se pergunta se a ressurreição dos homens tem como causa a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, e responde pela afirmativa. Ou seja, até Nosso Senhor, ninguém havia entrado no Céu. Somente depois da Paixão, Morte e Ressurreição do Cordeiro de Deus é que foram franqueadas para a humanidade as portas da bem-aventurança eterna. E o dia da Páscoa é a festa por excelência da Ressurreição d’Ele, mas traz no seu cortejo a perspectiva da ressurreição de todos os homens no dia do magno Juízo.

Então se compreende que na alegria pascal, tão característica, temos um pouco do prenúncio de nossa própria ressurreição, e este sentimento se reflete no modo católico de viver o dia da festa da Ressurreição de Jesus.

Plinio Corrêa de Oliveira

Magnífica expressão do holocausto divino

Entre os tesouros da arte barroca conservados em Minas Gerais reluz uma peça de extrema beleza, exposta à veneração dos fiéis na Igreja de São Francisco de Assis, na histórica cidade de São João del Rei. A origem dessa preciosidade é assim narrada pelas crônicas:

Estava já a igreja no século XVII inteiramente terminada, inclusive em sua decoração interna, quando se percebeu faltar o elemento que deveria coroar o cimo do altar-mor: o Crucifixo, em que o Divino Crucificado dirigia a palavra a São Francisco.

Pasmo da comissão encarregada da decoração! O que fazer? Os artistas contratados negavam-se a continuar por mais tempo os afazeres naquela igreja, alegando contratos a cumprir em outros lugares. E assim, ficou-se numa grande indecisão. Foi quando por aquelas plagas apareceu um nobre ancião, de feições muito dignas, oferecendo-se para esculpir o Crucificado, e desse modo encerrar a obra artística daquele templo. Não sendo conhecido de ninguém, e não podendo apresentar referências à altura da tarefa, mandaram-no embora.

Passado um certo período, voltou o ancião, reiterando a sua oferta. Novamente, por falta de referências, foi rejeitado sem escrúpulos. Após mais um tempo, e não se tendo achado ainda nenhum  outro artista que quisesse levar a obra a cabo, voltou pela terceira vez o bom velho, apresentando seus serviços. Não tendo outra escolha, os encarregados decidiram aceitá-lo, perguntando-lhe quais eram suas condições.

Respondeu o ancião que não pedia nada antes de findo o serviço. Terminado, retribuiriam, caso julgassem a obra bem feita. Solicitava apenas que recebesse uma refeição e uma medida de água por dia, à hora do almoço. Por outro lado, exigia fazer todo o trabalho sozinho, trancado em uma sala, sem comunicação com o exterior, a qual só seria rompida estando tudo acabado.

Assim foi-lhe concedido. Transcorridos vários dias, verificaram os responsáveis que os alimentos deixados para o bom velho junto à porta da sala não estavam mais sendo retirados por ele. Reuniram-se então as autoridades e tomaram a decisão de arrombar a porta, a fim de saberem o que ali estava se passando. Entraram  e… surpresa! O respeitável ancião havia desaparecido, e um Crucifixo magnífico, de traços como jamais se vira, estava ali inteiramente esculpido! Esse Crucifixo é o que se encontra hoje no topo do altar-mor da Igreja de São Francisco de Assis, em São João del Rei.

Muitos crucifixos exprimem com doçura, dignidade e profundidade de alma extraordinárias a dor d’Aquele que está para expirar, e até o sangue divino escorre nobremente pelo corpo chagado.

Dir-se-ia um desenho de beleza, os filetes vermelhos irrigando magnificamente a figura do Salvador. Mas nesse de São João del Rei —  um dos mais belos e comovedores  Crucifixos que tenho visto  em minha vida —, está expresso de modo único, preciso e extremo o sofrimento espantoso de Nosso Senhor no alto da cruz. Não O magoa apenas a imensa tristeza causada pela perseguição injusta e pela ingratidão de que Ele é objeto.

Os olhos escancarados e salientes, a tensão de toda a carnatura da face e a posição do pescoço incutem a impressão de algo muito mais aflitivo do que a dor: é o mal-estar. Um mal-estar terrível,   pior do que qualquer padecimento, inundando completamente a Alma adorável e o sagrado Corpo de Nosso Senhor no madeiro.

Dir-se-ia que, nesta posição e com essa expressão fisionômica, o Divino Redentor não estaria distante de exalar o brado sublime que precedeu de momentos a sua morte: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?

Tudo n’Ele está prestes a estalar, a desaparecer. O “consummatum est” se aproxima. Sofrimento indizível cuja consideração deve nos preparar para nos unirmos a Jesus, pelos rogos de Maria Santíssima, em nossas dores, em nossas perplexidades e aflições de espírito, nas horas em que parecemos sucumbir ao peso da angústia e pensamos estar, nós também, abandonados pela Providência.

Sim, também para nos infundir ânimo e coragem esse Crucifixo é verdadeiramente sublime! Como não nos enchermos de confiança e de força de alma, ao considerarmos tudo quanto Ele padeceu por nós? Ei-Lo no auge do estertor, do não caber mais em Si. É o mal-estar nos seus aspectos mais terríveis. E assim como o poeta francês cantou “le charme plus beau que la beauté” — o encanto mais belo que a beleza —, deste Crucificado eu diria que sofre “o mal-estar mais dolorido que a própria dor!”

É o holocausto do Homem-Deus retratado de um modo magnífico. E essa perfeição de talhes justifica a suspeita de que o artífice, aquele “bom velho” desaparecido misteriosamente, não era senão um anjo, enviado por Deus para esculpir ali essa obra prima da arte católica. Esse é um Crucifixo cinzelado por mãos angélicas.

Dir-se-ia, mesmo, que o artista celestial esteve presente no Calvário, viu a Nosso Senhor nesse estado, lembrou-se da adorável fisionomia que então contemplou e a reproduziu. De tal maneira essa face divina corresponde, não ao que poderíamos imaginar, mas ao que não logramos conceber. Somente depois de admirá-lo, percebemos que deve ter sido realmente assim…

De passagem, cabe outro comentário. Nada há de mais contagioso do que o mal-estar. Por exemplo, se nos achamos perto de alguém que esteja padecendo de asfixia, facilmente nos deixamos  tomar pela aflição dele, e logo parecemos acometidos por igual tormento. Ora, o divino mal-estar de Jesus, como seria contagioso para quem tivesse um mínimo de compaixão! Quiçá, não terá sido a consideração desse mal-estar em sua fase ascensional que tocou e converteu o bom ladrão?

Mais. Incomparavelmente mais. Ao pé da Cruz encontrava-se Maria Santíssima: como A terá contagiado esse mal-estar? Que disposições de alma, que permuta de sentimentos determinou entre Ele e Ela, tão íntima, tão profunda, tão completa, tão total como nem podemos imaginar! Era preciso que um artista se inspirasse nesse Crucifixo para esculpir uma “Mater Dolorosa”. Então compreender íamos melhor Nossa Senhora das Dores, a sua aflição, o gemido do mal-estar levado, n’Ela também, ao seu extremo.