04 de outubro – São Francisco de Assis: Personalidade Rica e Marcante

São Francisco de Assis: Personalidade Rica e Marcante

Santo de uma personalidade tão rica e marcante, São Francisco de Assis parece vivo ainda hoje, resplendendo sua presença diante dos homens. Deixou-nos um dos maiores exemplos da verdadeira contemplação das perfeições divinas e do profundo amor a Deus. Ao considerar os peixes num simples regato, sabia colher desta cena uma aplicação concreta para a vida espiritual.

Dirigia-se ao “irmão sol” e à “irmã lua”, tecendo orações que elevam a alma à mais subida meditação das excelências de Deus, como quem afirma: “Ó Senhor, este universo criado, do qual faço parte, é grande e belo demais; porém, há algo infinitamente superior, que sois Vós!”

Daí a fabulosa densidade da religiosidade franciscana, que devemos imitar. Diria mais: sem esse espírito contemplativo, nenhuma religiosidade atinge sua plenitude.

Plinio Corrêa de Oliveira

02 de outubro – Protetores e advogados do homem

Protetores e advogados do homem

Poucas pessoas têm noção de que os Anjos da Guarda nos foram dados sobretudo para aquilo que existe de mais importante: velar por nossa alma, lutar e agir conosco para vencermos nossas dificuldades espirituais. E, contudo, quanto conforto nos daria nas horas das tribulações, tentações, em que nos sentimos sozinhos, termos a certeza de que um Anjo da Guarda está junto de nós!

Embora não o sintamos nem o percebamos, ele não nos abandona um minuto sequer, e se acha à espera de nossas orações para agir por nós. Muitas vezes ele atua sem que o peçamos, mas fá-lo-á ainda mais se implorarmos sua assistência.

Enquanto tecemos essas considerações, o recinto em que nos encontramos está repleto de Anjos da Guarda que velam por nós. Compreendemos, assim, quanta alegria desfrutaríamos se  tivéssemos essa ideia sempre presente em nosso espírito!

Ao fazermos apostolado, ao passarmos por problemas interiores, por aborrecimentos e contrariedades de toda ordem, nos sentimos sós. Tal solidão é uma ilusão: junto a cada um está o seu Anjo da Guarda. Não obstante imaginarmos que entre nós e ele há uma distância como entre o céu e a terra, ele de fato está perto, rezando, vigiando, protegendo o homem cuja guarda lhe foi confiada por Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira

02 de outubro – Santos Anjos Custódios

Santos Anjos Custódios

O anjo custódio nos foi dado não apenas para as horas de perigo e provação, como também para rezar e interceder por nós a todo instante. Ele é nosso mediador e advogado junto ao trono do Altíssimo e roga continuamente em favor do seu protegido. Portanto, aconselha-nos Dr. Plinio, é de todo congruente implorarmos sempre esse patrocínio do nosso anjo da guarda.

No dia 2 de outubro celebra-se a festa dos santos anjos da guarda, a respeito dos quais poderíamos tecer alguns comentários.

Para nos socorrer nos perigos e lutas da vida.

Enquanto o otimismo moderno, devido à mentalidade obsessiva do “happy end” (“final feliz”), é muito propenso a achar que em nada existe luta, dificuldades e perigos, a Igreja, pelo contrário, nos  ensina que esta vida é um combate semeado de riscos materiais e espirituais. Por isso, a Providência Divina dispôs um anjo para velar sobre cada um de nós. E o fez com tanta munificência que há também um anjo para cada cidade e nação, além daquele que tutela a própria Santa Igreja Católica, o Arcanjo São Miguel. Não será descabido pensar que, provavelmente, para grupos, famílias de  almas, sociedades, etc., existem  igualmente anjos da guarda, de tal forma que todos os seres são amparados por um espírito angélico.

Destas considerações decorre uma primeira lição, de caráter sobrenatural, que nos leva a compreender como é errada a posição condenada por Dom Chautard, daqueles que dizem: “Sou muito capaz, inteligente, jeitoso,esperto; por causa disso, desde que não me sobrevenham obstáculos muito grandes, não preciso nem na minha vida espiritual, nem na material, do auxílio de Deus. Dou conta por mim mesmo daquilo que preciso fazer”.

Ora, se o Altíssimo delegou um ente celeste para acompanhar e proteger cada um de nós, é porque a todo momento e para tudo o que fazemos, necessitamos do auxílio d’Ele.

Distorções de uma falsa piedade

Por outro lado, em conseqüência das concepções de uma piedade errônea, em muitas pinturas que representam o anjo da guarda em ação, há sempre uma criancinha, insinuando vagamente que tal amparo se destina apenas às crianças. Portanto, apenas estas últimas acreditam em anjo, e um espírito “emancipado”, mais “evoluído”, nele não crê nem precisa de ajuda.

Lembro-me de ter visto uma estampa onde aparecia um bonito riacho, tendo à margem graciosas plantinhas, e uma criança rechonchuda, tez rosada, com ar de quem recente mente saíra da cama e fora lavada, frisada e enfeitada. Ela passa sobre uma ponte onde existe uma tábua quebrada na qual poria o pé, mas o anjo da guarda, atrás dela, a protege.

A todo momento necessitamos do auxílio do nosso anjo da guarda, destinado por Deus para nos amparar e favorecer.

Tem-se a impressão de que aquilo é o mundo das imaginações da criancinha, e indica o estado de espírito com que ela atravessa a ponte. Com muito favor, poder-se-ia pensar que o anjo da guarda faz o mesmo com adultos. Então, para evitar desastre de automóvel, doenças, pequenos acidentes, etc., é bom recorrer ao anjo da guarda. Em suma, este serve para as necessidades materiais; quanto às espirituais, não se fala da proteção angélica. Razão pela qual muitos pedem a cura de alguma enfermidade, outros, que favoreça uma reconciliação e coisas do gênero. Poucos têm noção de que os anjos da guarda nos foram dados sobretudo para aquilo que existe de mais importante: velar por nossa alma, lutar e agir conosco para vencermos nossas dificuldades espirituais.

Nunca estamos sós

E contudo, quanto conforto nos daria nas horas das tribulações, tentações, em que nos sentimos sozinhos, termos a certeza de que um anjo da guarda está junto de nós! Embora não o sintamos nem o percebamos, ele não nos abandona um minuto sequer, e se acha à espera de nossas orações para agir por nós. Muitas vezes ele atua sem que o peçamos, mas fa-lo-á ainda mais se implorarmos sua assistência.

Enquanto tecemos essas considerações, o recinto em que nos encontramos está repleto de anjos da guarda que velam por nós, além do anjo destinado a amparar o conjunto do nosso movimento, ver a verdade o que acima cogitamos a respeito das famílias de almas, sociedades, etc.

Compreendemos, assim, quanta alegria desfrutaríamos se tivéssemos essa ideia sempre presente em nosso espírito! Ao fazermos apostolado, ao passarmos por problemas interiores, por aborrecimentos e contrariedades de toda ordem, nos sentimos sós. Tal solidão é uma ilusão: junto a cada um está o seu anjo da guarda. Não obstante imaginarmos que entre nós e ele há uma distância como entre o céu e a terra, ele de fato está perto, rezando, vigiando, protegendo o homem cuja guarda lhe foi confiada por Deus.

Devido a uma errônea noção do papel do anjo da guarda, poucos consideram que ele nos foi dado, sobretudo, para velar por nossa alma e nos socorrer em nossas dificuldades espirituais

Nosso intercessor particular

A compenetração dessa verdade proporciona alento à vida espiritual, pois sentimos a mão de Deus nos  acompanhando a cada passo. E ilustra as afirmações de Nosso Senhor no Evangelho: não cai um fio de cabelo de nossa cabeça nem uma folha de árvore, não morre um passarinho sem a permissão do Criador. Quer dizer, a conexão entre a missão do anjo da guarda e a doutrina católica sobre a Divina Providência é admirável, própria a estimular em nós a virtude da confiança, pois nesta crescemos ao termos sempre presente que o anjo custódio nos foi dado não apenas para as horas de perigo e provação, como também para rezar e interceder por nós a todo instante.

O anjo da guarda é nosso mediador e advogado junto ao trono do Altíssimo e roga continuamente por nós. Portanto, é de todo congruente pedirmos a ele que nos obtenha graças e afaste de nós os perigos.

Estímulo e conforto para nossas almas

Os antigos, aliás, possuíam profunda noção da presença e da intercessão dos anjos custódios, e por isso construíam igrejas em seu louvor, e alguns lugares onde eles apareciam se tornavam objeto de peregrinação. Por exemplo, a Abadia do Monte Saint-Michel, na Normandia. São Miguel Arcanjo é o padroeiro da nação francesa, e também o de Roma, depois que se fez presente no alto do outrora mausoléu do Imperador Adriano, e onde hoje se vê o castelo chamado Sant’Angelo. Em outras ocasiões, viam-se anjos secundando os católicos em seus confrontos contra hereges e  adversários da ortodoxia cristã.

Haveria mil coisas a se considerar a respeito do papel dos anjos, baseando-se na Bíblia e na história da Cristandade. Infelizmente, tudo isso é pouco ou nada recordado. Razão pela qual é extremamente belo rememorarmos essas verdades e tê-las sempre em vista para o estímulo e conforto de nossas almas.

Modelo de santidade para o protegido

Restar-me-ia apresentar uma última reflexão, a qual submeto ao juízo da Igreja por se tratar de uma opinião pessoal, que me parece conveniente e razoável.

Deus tudo faz com conta, peso e medida, de modo ordenado, e não é provável que a designação de um anjo da guarda para atender uma pessoa se produza de maneira automática. De fato, não é possível imaginar uma espécie de ponto de táxi de anjos no Céu, à espera de que nasça um homem e, a um aceno de Deus, o anjo A ou o X se dirige à Terra e começa a proteger aquele novo ser humano… Essa forma de agir em Deus não nos soa como própria de sua infinita sabedoria.

Mais inclinado sou a pensar que Deus delega a cada pessoa um anjo da guarda cuja santidade tem relação com a luz primordial daquela alma. De maneira que o anjo é um celeste modelo das virtudes que ela deve praticar o longo da vida terrena. Se pudéssemos ver nosso anjo da guarda, contemplaríamos provavelmente a personificação de nossa luz primordial, ou seja, algo que seria de certo modo parecido conosco, mas num grau de beleza ontológica e sobrenatural inconcebível.

O “alter ego” de cada homem

Compreendemos, então, a simpatia, a afinidade e o desejo de servir que teríamos para com ele e, reciprocamente, o vínculo especial do anjo da guarda conosco. Quer dizer, o anjo custódio é o celeste alter ego, o outro “eu mesmo” de cada protegido. Esta é uma razão particular para que, antropomorficamente falando, tenhamos ainda mais facilidade de compreender como o anjo da guarda nos ampara. Imaginemos que encontrássemos alguém necessitado de ajuda, sumamente parecido conosco: não é verdade que nos apressaríamos em socorrê-lo, impelidos por essa semelhança?

O outro “eu mesmo” de cada protegido, o anjo da guarda foi sempre objeto da veneração popular Ora, é o que sucede entre o anjo da guarda e cada um de nós.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 2/10/1964).

02 de outubro – O convívio dos Anjos

O convívio dos Anjos

A iconografia de Anjos da Renascença e do barroco, bem como certas imagens muito difundidas no século passado não representam autenticamente os espíritos angélicos; os da Idade Média e os de Fra Angélico exprimem a realidade. Os Anjos estão dispostos numa hierarquia, em que os superiores transmitem aos inferiores “jornais falados” a respeito do que viram em Deus.

 

Ao tratar sobre os Anjos, devemos antes estabelecer alguns princípios que nos ajudarão a nos aprofundarmos no assunto.

Mosteiro de Saint-Michel

O primeiro princípio que convém lembrar é o seguinte: a Providência está permitindo ao demônio ter um arrojo e uma extensão de ação como jamais se viu ao longo da História. Nós podemos ter as mais variadas impressões a respeito do passado, a História narra as ações mais estranhas, mais censuráveis, mais condenáveis. Entretanto, quando comparamos essas ações a algumas que se dão no mundo contemporâneo, vemos que o passado era simplesmente diáfano e encantador, mesmo em seus aspectos mais censuráveis, em comparação com os lados reprováveis do presente.

Há dois mil anos a Igreja cultua os santos Anjos e, de quando em quando, eles aparecem e dão de si alguma manifestação. Recordemos o Mosteiro de Saint-Michel, na França, o qual, visto no seu total, é como que a fotografia, em pedra, de um espírito angélico.

Aquela ponta que se ergue e depois a abadia com suas várias construções, junto àquele mar variado, ora mais mar do que terra, ora mais terra do que mar, às vezes restos de poça de mar no meio de braços de terra que vão secando e emergindo no meio daquilo tudo; e depois se percebe um vento uivando e silvando na parte do mar que é sempre mar. No meio de tudo isto o Mosteiro de Saint-Michel de pé, solene, tranquilo e firme, agarrado e dominando a rocha, mostrando aos mares a inanidade de seus movimentos e com a flecha apontada para o céu.

Como o espírito humano conhece bem por meio do contraste, vamos tomar certas noções comuns, correntes, pouco precisas e infelizmente um tanto infantis a respeito dos Anjos presentes na mentalidade de todo mundo — oriundas de uma apresentação muito sumária do tema — e transpô-las para o que imaginamos de um Anjo.

Com isso trataremos de ter alguma ideia daqueles Anjos cuja vinda e intervenção nós esperamos. Fica assim indicada a nossa meta, e nossas almas, ao menos por uns instantes, apontarão para essa hora da vinda deles como a torre do sino do Monte Saint-Michel.

Anjo gorducho e despreocupado…

Quais são as ideias que há a respeito dos Anjos? A criança forma a noção de que as figuras de Anjo que ela recebe correspondem às ideias que os pais — e também o vigário — têm do Anjo. Tanto mais que a criança sabe de um modo instintivo e confuso que, em última análise, o pai e a mãe conferem com o vigário as ideias da Religião. De maneira que toda estampa, todo medalhão, toda figura que representa um Anjo, a criança julga mais ou menos subconscientemente que significa o ensinamento da Igreja Católica sobre o Anjo.

Então devemos nos reportar à estatuária, às estampas, às coisas habituais a respeito dos Anjos — e que não são muitas. Podemos cogitar um pouquinho também nos magníficos Anjos da Idade Média, passando muito rapidamente pelos Anjos do barroco. Consideremos, em primeiro lugar, como os Anjos eram apresentados na nossa infância.

Havia duas casas em São Paulo, ainda do centro velho, que vendiam relógios, algumas joias e objetos religiosos de luxo: a Joalheria Michel e a Casa Bento Loeb. Aquela imagem do Coração de Jesus que há em minha residência, por exemplo, foi comprada numa dessas lojas. Eu me lembro de que o fornecimento de artigos religiosos para crianças do meu tempo era encaminhado por essas duas casas. E eram, em geral, fábricas francesas que enviavam esses objetos para São Paulo.

Então, eu me recordo de um medalhão que representava um Anjo e me chamou muito a atenção. Era circular, bom para presentear a uma senhora que acabava de ter um filho, a fim de amarrar o medalhão na cúpula do berço; para conceder a uma criancinha de três, quatro, cinco anos que faz aniversário; próprio também para dar a uma criança um pouco mais velha que recebe a Primeira Comunhão. Nem me lembro mais se esse medalhão era meu ou de minha irmã ou de algum de meus primos. Sei que esse medalhão conviveu comigo. E no promíscuo da infância entre parentes, em que a propriedade individual existe confusamente e os objetos são trocados, passam da gaveta de um para a mão do outro, nesse turbilhão tenho a impressão de que isso acabou sendo meu, mas não estou certo.

Era um Anjo tipo, ainda, “Belle Époque”(1): gorducho, com a face cheia, cabelos ligeiramente ondeados, braços bem roliços, trançados, e uma cara de inteira tranquilidade, debruçado sobre algo que era como que a base do medalhão, tendendo um pouco para o tédio, incapaz e não desejoso de qualquer esforço. Como quem olha de um terraço para um ponto vago, mas que não está muito interessado na cena que se passa embaixo e diz: “A minha batalha eu já travei e agora estou aqui gozando; você se arranje como puder!”

Lembro-me de que eu olhava para o Anjo e me vinha uma ligeira perturbação ao espírito, no seguinte sentido: “Se um Anjo é assim e conhecesse bem o interior de sua alma, ele discordaria de você; porque você tem a respeito do Anjo umas ideias que esta imagem não simboliza. Logo, ou essas ideias são contra a realidade do que é um Anjo e você está errado, ou elas são a favor dessa realidade; mas então o Anjo está errado e, portanto, alguma coisa não acerta bem nisto.” A saída era, naturalmente: “Eu vou procurar”. E olhava, olhava, olhava para ver se encontrava no Anjo alguma coisa que tivesse relação com isso.

…ou sentado sobre uma nuvem e tocando harpa

Então, uma primeira ideia a respeito dos Anjos: vida realizada, sem futuro, numa eternidade sem grandes atrativos, um certo fundo de tédio. Esforço, não! Mas outros quadros, outras coisas de uma arte religiosa que já caminhava a passos largos para sua decadência, afirmavam isso.

Por exemplo, quadro clássico, tantas vezes comentado entre nós: Anjos sentados em cima de nuvens, sobre um céu azul, tocando harpa. Quando acaba de tocar a harpa? Como é que essa nuvem não afunda?

E, no total, tem-se a impressão de que eles eram pintados com uma cara animada, mas à maneira de pessoas muito bem educadas que estavam atravessando uma fase de tédio, com ar distraído, mas que no fundo eles estavam se aborrecendo…

Por outro lado, há a ideia reta, insinuada, de que eles são de uma natureza inteiramente superior à nossa, apresentados em carne e osso apenas porque a arte não pode pintar o puro espírito, mas gozam da presença de Deus e da familiaridade nos inefáveis do Altíssimo e são muito bem intencionados, muito bem dispostos em relação aos homens. Prontos a ajudar, a socorrer.

Tornei-me adulto e as imagens de Anjos foram se repetindo no mesmo gênero. Eu me lembro de uma estampa impressa, bastante popular colocada no parlatório de um convento que frequentei muito, representando uma criancinha atravessando uma ponte, e o Anjo da Guarda, por detrás, tomando atitudes para ela não cair da ponte, com uma solicitude, um desvelo extraordinário.

Eu olhava e pensava: “Essa imagem insinua, sem afirmar explicitamente, que o Anjo se preocupa muito com que a criança não quebre a perna, mas para que ela não peque e ame de fato a Deus, não estou vendo preocupação. É um pouco securitário. Onde está o zelo do Anjo pela causa de Deus?” Não formulava isto à maneira de censura, mas de perplexidade. Era algo que eu não encontrava. Então, suspendia o meu juízo e dizia: “Não, depois veremos”.

Os Anjos de Fra Angélico

Foi algo em minha vida meu encontro com os Anjos da Idade Média e, sobretudo, com os de Fra Angélico. E refleti: “Aqui há algo com outro pensamento, outra altura, outra classe, diferente daqueles Anjos que eu vira, de uma iconografia decadente. Ora, como Fra Angélico é beato, ele fez tudo direito”.

Mas aí vinha outra perplexidade: os Anjos de Fra Angélico, os de que eu me lembro, estão sempre na bem-aventurança eterna, expressa, é verdade, de um modo perfeitamente delicado, nobre, sobrenatural, de tocar a alma. E foi esse o aspecto dos Anjos que ele procurou e nos apresentou. Eu pus em uma de nossas salas mais nobres quatro cópias de Anjos pintados por ele, e me regozijo em estarem lá. Aquilo corresponde à imagem que eu teria a respeito de um Anjo.

Mas só naquela postura? Não há outras? Não reluzem nos Anjos também outras perfeições que a minha alma procura há tanto tempo? Como são essas perfeições?

Apenas uma ideia me ficou no espírito: Por que Fra Angélico os pinta assim? Ele mesmo viveu num período em que a Idade Média já ia caminhando para seu declínio, e o heroísmo dos guerreiros medievais tinha qualquer resto ainda da ferocidade selvagem. A Europa ia afundar, dentro em breve, no que se chama anarquia feudal, quer dizer, a explosão da revolta dos senhores contra seus reis, dos senhores menores contra os senhores maiores e um mata-mata fenomenal de uns contra os outros, em parte fermento de ferocidade revolucionária que começava a crepitar, e de outro lado uma disposição de alma para a luta que tinha sido levada além do meridiano comum.

Naturalmente se compreende que Fra Angélico não poderia, a uma humanidade assim, apontar Anjos em plena ação de batalha, pois acabaria por incitar aquilo que não era para estimular. Naquele tempo, os Anjos deveriam inspirar mansidão, ser distensivos, convidando à doçura. Assim como o violino de São Francisco Solano tocado para os índios do Peru os tranquilizava, e se compreende que o Santo não lhes ensinasse marchas guerreiras, pois eles já tinham aquele borbulhar em excesso. Entende-se, assim, que Fra Angélico tenha pintado os admirabilíssimos Anjos dele.

Anjos da Renascença

Às vezes olhamos pinturas, esculturas de Anjos da Renascença — e do Barroco, continuador em alguns sentidos da Renascença — e não sabemos se representam cupidos pagãos… Lembro-me do caso de um grande pintor da Renascença, a quem um romano famoso encomendou um São João Batista increpando os fariseus. O artista disse que possuía um quase concluído e poderia entregá-lo em breve, digamos em dez dias. De fato, passado esse prazo, o quadro estava terminado.

Como se explica que um quadro, que leva muito tempo para pintar ­— não devido às pinceladas, mas para ir excogitando cada traço, pois é uma verdadeira composição —, estava pronto em dez dias?

Ele tinha pintado um Baco, o deus indigno do vinho e da bebedeira. Como não encontrou comprador, ele pintou por cima uma pele de camelo para cobrir um pouquinho o Baco e, com a mesma expressão de fisionomia do deus da bebedeira, ele o apresentou como sendo São João Batista.

Compreende-se que Anjos concebidos nessa escola de arte muito facilmente não tenham nada de católico. E são uma deformação do conceito de Anjo.

Então, devemos pôr de lado essas noções, conservar na retina os Anjos de Fra Angélico e perguntar: Se um desses Anjos se zangasse, que expressão de fisionomia tomaria? Colocado em presença do mal, da Revolução, que aspecto teria?

Isso nos poderia dar alguma ideia de como seria um Anjo, caso nós o víssemos. Assim preparamos nosso espírito para a cogitação sobre como deve ser um Anjo.

O corpo impõe limitações ao homem

O que nos diz a Doutrina Católica sobre os Anjos?

O homem tem misérias de toda ordem e, quando vigia muito sobre si, ele as mantém acorrentadas e presas; mas só se livrará delas na ressurreição dos mortos quando, tendo ido para o Céu, estiver com a sua integridade perfeitamente em ordem e os efeitos do pecado original sobre ele tiverem desaparecido completamente, e o homem só se inclinar para o bem. Então não estará mais dividido. Realmente o homem é dividido e, por causa disso, hesita, duvida. Ora é propenso a querer uma coisa, ora a desejar outra; ele precisa, quase, de coisas contrárias para encontrar seu equilíbrio.

Eu estou numa cadeira com dois braços e um encosto. O que isto representa de limitação humana! Preciso ora me apoiar sobre a direita, ora sobre a esquerda, ora nas costas; necessito apoio variado o tempo inteiro. É uma necessidade do corpo que simboliza as hesitações, as limitações e as misérias da alma humana.

Pior. Se o homem apenas hesitasse… Às vezes ele hesita e erra, duvida e peca. E às vezes nem duvida, mas delibera e peca! Até lá chegam as coisas!

Diante dessa situação podemos fazer a comparação com o Anjo. Este, por não estar ligado à matéria, não tem as limitações que a matéria nos impõe. Quanto a carne limita e condiciona o homem: bons e maus humores, nervos, etc.!

Evidentemente, a carne não é má; ela é boa, sendo uma criatura de Deus. “O Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). Está tudo dito! Qualquer crítica que se faça da carne expira na entrada, ao pé do monte desta afirmação. Portanto, estou longe de falar contra a carne, eu a respeito.

“Não desprezes a tua própria carne”

Vem-me à memória o seguinte fato. Havia antigamente na região central de São Paulo muitos salões de engraxate, e fui a um localizado na Rua da Quitanda. Enquanto o rapaz engraxava meus sapatos, eu estava distraído, pensando em outras coisas. Não sei se eu não punha o pé no lugar adequado, mas em certo momento notei as duas mãozonas do engraxate que pegavam o meu pé e o colocavam sobre sua perna, para ele engraxar o sapato ali, sob seu controle. Quando percebi que meu pé pousava sobre a perna do engraxate, tive um sobressalto e pensei: “Não se faz isso com a carne humana! Trata-se de um simples engraxate, mas é um homem! E o respeito à natureza humana deve levar-me a tirar o pé de cima da perna dele”.

Olhei para o engraxate e percebi que seria um duelo, porque ele queria terminar o serviço e não estava pensando em sua perna, mas nos sapatos que precisava engraxar. Era uma luta que eu não venceria, pois ele agarrava meu pé. Então refleti: “Bem, é por conta dele; se o engraxate me obriga, ele está me desrespeitando e não sou eu que estou pisando nele. Ele quer ser pisado”.

Mas fiquei com esta pergunta no espírito: Qual é o princípio em virtude do qual essa minha reação foi reta? Algum tempo depois me chegou às mãos, por circunstâncias fortuitas, uma citação da Escritura: “Não desprezes a tua própria carne” (Is 58,7). Eu disse: “Olha lá! Está aí justificada minha reação no caso do engraxate!”

Eu não poderia desprezar a carne humana; não era minha, mas carne da qual também eu sou feito. Não posso desprezar a minha própria carne. Por isso não tenho o direito de pisar noutro homem, de tal maneira nós devemos respeito à carne.

A graça prepara a alma para ser o reflexo de Deus

Além da carne, há um outro fator que condiciona o espírito humano: é a graça. Quer dizer, é uma participação criada na vida divina que dá a cada um de nós lampejos, pensamentos, reflexões, volições que Deus sopra em nossa alma e por onde Ele, com muita delicadeza, prepara a alma humana para ser o reflexo d’Ele mesmo.

Assim, a graça respeita a nossa fragilidade, as nossas limitações, ama essa natureza humana composta de alma e corpo que seria a natureza humana de Nosso Senhor e a de Nossa Senhora, Rainha do Céu e da Terra. Deus, por meio da graça, de um lado, e do corpo, de outro lado, faz com que a alma, se ela se deixa conduzir, se eleve a considerações altas, pense coisas nobres, sua vontade tome força; o homem pode tornar-se um santo, ainda que muito pouco inteligente.

Houve um santo famoso por sua carência de inteligência, São José de Cupertino, que viveu na Itália. Ele era muito pouco inteligente, mas dava conselhos tão acertados que havia peregrinação para o local onde ele morava. E milagres ele praticava a jorro contínuo. É a graça superando ou compensando o que a carne não dava e fazendo dele esta maravilha de Deus: um homem de grandes horizontes, mas burro!

Era preciso que isto existisse na ordem do criado, e assim compreendêssemos bem o que é a limitação, a fragilidade e o esplendor do homem.

Alguém dirá: “Limitação, fragilidade, Dr. Plinio, eu vejo; esplendor não estou vendo…”

Encarnando-Se, Deus quis honrar toda a Criação, e por isso Ele tomou a condição daquele tipo de seres que reúne as duas pontas da Criação. O homem, enquanto ser espiritual, toca no Anjo, e enquanto ser material tange no animal, na planta e na pedra. Ele é um resumo de tudo quanto Deus fez.

Quem é capaz de ver o mar sem se enlevar especialmente com aquela fímbria onde ele parece tocar no céu? Ora, este é o homem! É um horizonte composto.

Não deixa de ser verdade que todas as coisas brilham por causa do Sol, e se o homem é o conjunto, o que há neste de mais nobre, de mais luminoso, de mais belo é a alma humana, elemento espiritual que nos assemelha aos Anjos. Entretanto, estes são de tal maneira que cada Anjo é, por natureza, distinto de outro. Puros espíritos e tão desiguais entre si que são como espécies ou gêneros diferentes.

Jornal falado dos Anjos superiores aos inferiores

Os Anjos estão dispostos perpendicularmente em hierarquia. Cada superior vê mais, quer com mais força, ama com mais ardor, combate com mais eficácia, seu louvor tem mais ressonância, sua presença mais calor, sua missão mais glória do que o inferior.

O gráfico verdadeiro dos Anjos não seria uma pirâmide que encosta sua base noutra pirâmide e assim por diante. A perspectiva seria um fio de linha luminoso de puros espíritos que chegariam até o lugar aonde ninguém chega, nem eles mesmos: o trono de Deus.

E no ápice — mas tão mais no ápice que nem sei o que dizer! — está Nossa Senhora. Nosso Senhor Jesus Cristo é a segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada. Sua natureza humana está ligada à divina pela união hipostática. Nossa Senhora é mera criatura. Ela está num píncaro em relação aos Anjos, os quais cantam enlevados sem poder entender inteiramente.

Mas eles, ao longo deste fio esplendoroso, têm secções. Uma é a dos Serafins, outra dos Querubins, depois dos Tronos, das Dominações, das Potestades, das Virtudes, dos Principados, dos Arcanjos e dos Anjos. Estes são denominadores comuns entre os quais há hierarquia. Cada Anjo vê Deus face a face, entretanto os mais elevados contam aos inferiores o jornal falado sobre o Onipotente que não foi possível eles verem. Então o mais alto diz ao inferior, com amor e solicitude: “Príncipe, meu irmão, vi tal coisa e tal outra”. E o que recebe a notícia conta ao colocado abaixo: “A ti, Príncipe, meu irmão…”, e lá vai a mensagem, a informação celeste. Cada um que fala com o mais baixo conta o que os Anjos mais elevados lhe disseram e o que ele próprio viu de Deus.

De maneira que quando chega à base — quanto acima de nós! —, esta recebe uma caudal de comunicações, de incitamentos, de estímulos, de nobilitações, e canta a glória das hierarquias superiores como modo de cantar a Deus. E todo afeto, todo respeito que desce, sobe à maneira de ação de graças e louvor.

É o eterno convívio entre os Anjos em que, apesar de ver Deus face a face, cada Anjo é razão de uma alegria enorme para outro, e a corte angélica nada nas suas alegrias eternas.

Viver é sentir saudades dos píncaros

Devemos lembrar de passagem que existem vagas nessa corte, e serão almas de criaturas humanas que preencherão esses lugares. E há, por exemplo, a tese indizivelmente simpática de que São José faz parte do coro dos Serafins. Ele está no mais alto, mais alto, mais alto que possa existir, pois é o esposo da Santíssima Virgem!

Assim, esses vagos são preenchidos por gente da plebe da Criação enobrecida pelos planos de Deus, pela Igreja Católica e pela graça. E na Terra, ao longo do tempo, aqueles para isso designados, talvez todos os homens, não se sabe bem como é essa distribuição, estão sendo promovidos para obterem o trono que os espera no Céu, segundo os planos de Deus.

Nunca percebi em concreto nada que me desse a impressão mais especial de um Anjo me ajudando, mas sei que eles auxiliam e lhes agradeço com todas as profundidades que em minha alma haver possa. Tenho a certeza de que os nossos Anjos da Guarda têm por especial preocupação elevar nossas almas para o desejo das coisas celestes. Não é o mero anseio de levar boa vida no Céu, mas um desejo de conhecer as coisas celestes até mesmo independentes da felicidade que o Paraíso concede. De maneira que Santa Teresa — bem espanhola na sua santidade — dizia a Deus: “Ainda que não houvesse o Céu eu Te amaria, e ainda que não houvesse o Inferno eu Te temeria!” É assim que devemos conceber o Paraíso.

Para considerarmos bem as coisas do Céu, precisamos observar as coisas da Terra, criadas por Deus à maneira do Céu. Antes de tudo a Igreja Católica e depois os vários seres materiais.

É mister termos um feitio de alma pelo qual, por um seletivo bem realizado, conhecemos o que devemos conhecer olhando sempre para o que de mais alto aquilo conduz. Este é o movimento de nossa alma para o Céu.

Tenho certeza de que o Anjo da Guarda de cada um nos ajuda especialmente nisso.

Uma alma “angeliforme”, consoante com seu Anjo da Guarda, é aquela que em cada circunstância procura o que há de mais elevado, e vive à procura do mais elevado.

Assim, devemos entender que nossos Anjos da Guarda querem isso de nós, e que só formamos um com eles se toda nossa vida for orientada ao mais alto. Para a alma ser assim é evidentemente necessária a ajuda dos Anjos. E eu agradeço do fundo da alma ao meu Anjo da Guarda, a Nossa Senhora e a Deus Nosso Senhor, de Quem parte todo o bem que a Santíssima Virgem distribui. Viver não é comer, beber e dormir, passear, vegetar. Viver é sentir essas saudades dos píncaros.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/12/1980)

 

1) Do francês: Bela Época. Período entre 1871 e 1914, durante o qual a Europa experimentou profundas transformações culturais, dentro de um clima de alegria e brilho social. Ver Dr. Plinio n. 172, p. 29-31.

02 de outubro – Magníficos Príncipes celestes

Magníficos Príncipes celestes

Desde toda a eternidade, foi designado para cada homem um Anjo Custódio a velar incansavelmente, dia e noite, por seu protegido, inspirando os bons pensamentos, defendendo dos assaltos inimigos. Aos Anjos devemos rogar em todos momentos difíceis da vida.

 

 

Deus dispensa a água às criaturas em condições muito diferentes. Se considerarmos o globo terrestre, notaremos como a água nos é concedida aos borbotões. Em primeiro lugar o oceano, depois

todos os rios que saem de dentro da terra e correm para o mar e o enchem continuamente, além de tudo aquilo que na natureza está colocado em estado gasoso nas nuvens. Com esta criatura água quantas coisas maravilhosas Deus fez!

Uma gota de orvalho

Entretanto, Ele realizou também com a água uma pequena joia e a multiplicou indefinidamente por todos lugares onde há plantas. Quem não viu e não se encantou com uma gota de orvalho, contemplando-a tão pura, tão límpida e com um tal modo de guardar a luz que bate sobre ela, que a luz parece passear dentro da gotinha e se regalar de imergir naquela pureza?!

De tal maneira a gota de orvalho me encanta que me lembro, em pequeno – quando estava sozinho porque não queria passar por extravagante –, de que, vendo o orvalho numa folha, eu a aproximava dos lábios e sorvia uma gota. Porque, sendo menininho, não podia me convencer de que uma coisa tão linda não tivesse um sabor muito gostoso.
Quando punha aquilo nos lábios percebia que não era saboroso, mas arranjava um pretexto para mim mesmo a fim de conservar minha ilusão. E pensava: “Quando for adulto – sem essa gente que está por aí e não entende nem vê nada –, algum dia irei com um copo numa mata e o encherei de orvalho. Só essa gota não me faz sentir o inteiro sabor, mas se eu tivesse um copo cheio, que beleza e delícia seria! Mais gostosa do que o champanhe”.
Algo semelhante ocorre com relação aos discursos, às conferências, à oratória…
No momento, só tenho a oferecer uma gota de orvalho. É uma pequena reflexão sobre matéria piedosa. Embora tenha tratado desse assunto em diversas ocasiões, é um tema tão bonito, tão admirável, que merece ser aprofundado um pouco: os Anjos da Guarda.

Anjos que regem os corpos celestes

Como ensina a Teologia, os Anjos são divididos em nove categorias sobrepostas umas às outras. A mais alta é a dos Serafins, que veem Deus mais direta e plenamente, conhecem maravilhas que as categorias inferiores não chegam a ver, e lhes contam aquilo que eles contemplaram.
Muita coisa que em Deus é mistério, Ele quer, na sua bondade, que os Anjos superiores entendam e contem para os que lhes estão abaixo. E assim as noções a respeito do Criador vão descendo e chegam à categoria menos excelsa, básica, que são exatamente os Anjos da Guarda.
Entretanto, esses também são tão esplendorosos, tão magníficos, que, às vezes, os Santos aos quais aparecem pensam que eles são Deus. E os Anjos precisam dizer-lhes: “Não, Deus é excelsamente mais alto, não tem comparação!” Eles veem Deus face a face e contam um pouco a respeito do Criador.

 

Deus outorgou para cada criatura humana um Anjo da Guarda. Como também se admite, cada estrela tem um Anjo especial para regê-la, de maneira que se tudo anda tão certo é porque os espíritos celestes estão conduzindo aquilo a funcionar direito. Os Anjos têm meios para isto porque são puros espíritos e recebem de Deus diretamente as ordens de como fazer. Então tudo sai perfeito.
Recentemente, Júpiter foi perfurado por um outro corpo celeste. Isso sucedeu por ordem de Deus, pois tudo se dá porque o Criador quer e na medida em que Ele quer. É possível que de futuro aquilo tenha uma explicação, foi um aviso misericordioso para os homens: “Prestem atenção, aí vem o castigo, qualquer hora pode acontecer isto com a Terra!”
Nossos Anjos da Guarda, que não nos perdem de vista de dia nem de noite, pois quando dormimos eles velam por nós, veem que estamos lendo a notícia sobre Júpiter e obtêm a graça de Deus de poderem sussurrar à alma de cada um de nós – sem que percebamos que estão sussurrando, temos a impressão que é pensamento nosso – o seguinte: “Pense nisto porque, de repente, se houver um castigo, a ponta de um outro planeta poderá tocar na Terra e atingirá você; tenha medo, arrependa-se!” É o Anjo da Guarda que fala para a alma com carinho, bondade e, se diz com força, faz como o bom pai quando, às vezes, chicoteia o seu filho.
Afirma a Sagrada Escritura: “O pai que poupa a vara ao seu filho odeia seu filho” (cf. Pr 13, 24). Poupar aqui quer dizer não chicotear quando é necessário. É a palavra de Deus, ditada pelo Espírito Santo.

Sob a tutela de fiéis custódios

O Anjo da Guarda está continuamente debruçado sobre a pessoa. E quando um de nós, por exemplo, precisar andar sozinho pelas ruas das cidades contemporâneas, tão cheias de poluição e imorais, peça ao Anjo da Guarda na hora de sair de casa:
“Meu Santo Anjo, acompanhai-me, protegei-me, falai à minha alma, livrai-me dos maus olhares, evitai os inimigos que possivelmente querem me liquidar, os desastres que podem me massacrar, trazei-me todo o bem, fazei acontecer isto, aquilo e aquilo outro”.


E quando estiver caminhando, lembre-se de uma coisa reconfortante: o Anjo da Guarda nunca abandona o seu protegido. De maneira que, à medida que avança ouvindo os próprios passos ressoarem sobre o cimento da rua, pode pensar: “Meu Anjo da Guarda está me vendo”. E se alguém está tentado, diga: “Meu Santo Anjo, protegei-me, afastai esse demônio de mim!”
Sem dúvida, todos nós quereríamos muito conhecer nossos Anjos da Guarda. Sabemos que existem, a Teologia nos dá informações sobre eles, mas não os vemos. Entretanto, eles nos veem. Ao mesmo tempo em que estão velando por nós, contemplam a Deus face a face e conversam uns com os outros sobre o que eles veem na Terra, o andamento da Revolução e da Contra-Revolução e os desígnios divinos. E como Deus não lhes conta muita coisa que vai fazer, eles examinam o que o Criador realiza para ver se deduzem pela inteligência o que Ele fará, e conversam uns com os outros sobre isso mas, à maneira de um cântico, porque são superiores a nós em toda linha.
O que vou dizer agora apresento como uma impressão exclusivamente pessoal, de maneira que se a Igreja disser que não é assim, rejeito imediatamente, porque Ela é infalível, eu sou falível.
Tenho a impressão de que, desde toda a eternidade, cada um de nós foi escolhido para ser beneficiado com a tutela, a proteção de um Anjo. E cada Anjo Custódio tem uma certa parecença com seu custodiado. Se nós o conhecêssemos ficaríamos pasmos de ver como ele “sente” como nós, quer aquilo que os nossos lados bons desejam, gosta do que gostamos, a ponto de nos sentirmos um parente próximo de um Príncipe celeste tão magnífico como aquele.

 

Anjos da Excelsa Rainha

Nossa Senhora, segundo muitos místicos, foi acompanhada na Terra por milhares de Anjos que A protegiam e A defendiam. Entre as meras criaturas, não há nenhuma que tenha, debaixo de nenhum ponto de vista, nenhuma medida, proporção com Nossa Senhora.
A Virgem Maria é de uma perfeição, santidade, até de uma formosura incomparável, que ninguém é capaz de conceber. E se tal é a excelcitude de Nossa Senhora, como imaginar a estatura dos Anjos que A custodiaram e que A circundam agora no Céu? É algo a perder de vista!
Pois bem, Ela é a Rainha dos Anjos; Ela tem pena de nós, olha-nos como para filhos doentes, de uma doença chamada pecado original, e reza por nós e nos obtém o que não poderíamos conseguir por nós mesmos. Daí o fato de dizermos na Salve Rainha: “Vida, doçura, esperança nossa, salve!”
Assim, sugiro que, quando tiverem dificuldades, tentações, façam uma jaculatória rápida: “Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, já que a ti me confiou a piedade divina, sempre me rege, guarda, governa e ilumina”. E voltem o olhar para Aquela que é nossa e dos Anjos Rainha.
Eis a gota de orvalho que eu tinha a oferecer.

(Extraído de conferência de 30/7/1994)

02 de outubro – Os Anjos da Guarda e a ordem do universo

Os Anjos da Guarda e a ordem do universo

 A criança inocente sente o desejo de conhecer grandezas extraordinárias. Instintivamente ela faz um exercício de transcendência, pelo qual considera que todas as criaturas constituem meios de chegar até o Criador. O papel do Anjo é ajudar o espírito humano a ter cogitações que o elevem ao mais alto dos píncaros, ou seja, a Deus.

Para tratar da relação entre o estado de inocência, a ordem do universo e os Anjos, começo por mencionar uma dificuldade encontrada naquilo que costumamos chamar de exercício de transcendência.

 

 

Operação natural para a alma inocente

Até certo ponto, esse exercício dá a muitos a impressão de um ser um esforço hercúleo do pensamento para destacar-se das coisinhas corriqueiras a fim de elevar-se às realidades transcendentes. Mais ou menos como uma pessoa que ache atraente fazer alpinismo, porém não conseguiria passar a vida inteira subindo e descendo montanhas.
Os pesos de alma que tal dificuldade denuncia servem para contrastar melhor o que o estado de espírito da inocência tem de angélico com aquilo que se chama o “homem carnal”.
Eu sustento que esta operação, tão penosa depois das influências que degradam a alma – pecados, egoísmos, ingratidões, etc. –, é natural para a alma inocente. A primeira impostação da alma, embora concebida no pecado original e, portanto, com tendência para se resvalar, é o exercício de transcendência. Entretanto, há uma ação calculada para desviá-la, logo nos primeiros reflexos e levá-la para outro lado.
Esse exercício não seria feito propriamente de baixo para cima, peça por peça, mas de um modo diferente. Eu quero descrever para evitar ideias erradas.
Por exemplo, é justo, e respeito muito, que se faça uma distinção entre a introspecção e a extroversão. Mas isso é bom na medida em que não nos leve a perder de vista a seguinte verdade originária, a qual se encontra no estado da inocência: a alma vê a si mesma e o mundo fora com o mesmo olhar primeiro. Pode-se distinguir como alguém que, conversando com duas pessoas em uma sala, vê ambas sentadas em um sofá. Distingue-se uma da outra, mas essa distinção não impede que, com o mesmo olhar, esteja vendo as duas.
Assim também, na noção do ser entra o conhecimento do mundo exterior e do interior no mesmo olhar, e abarca a ideia de que eu sou e os outros são. Estas noções entram distintas, não separadas. Isto proporciona que o gáudio da inocência flua logo nos primeiros instantes da vida, e a transcendência se faça como um homem dotado de constituição física normal respira.

Ação angélica no indivíduo, na História

A criança inocente sente dentro de sua alma o desejo de grandezas extraordinárias a conhecer, de uma zona etérea e magnífica da realidade com a qual ela quer se relacionar e para a qual voa. Não sente o tempo inteiro, mas vai tomando conhecimento disso junto com o chocalho, a mamadeira, tudo misturado; entretanto, esse é o fundo de quadro que de vez em quando renasce e de algum modo está sempre presente, e à luz do qual a criança vai vendo as várias coisas com que toma contato.
Portanto, não é um pequeno filósofo, com as pernas trançadas no berço, mãozinha no queixo e pensando: cogito, ergo sum1. Absolutamente não é isso: a criança esperneia, tem vagidos, dorme fora de hora… Quando começa a tomar conhecimento, fá-lo nessa natural desordem: ora é o rosto da mãe, ora é o barulho da rua, ora o chocalho, ora o berço…
Não obstante, o fundo da própria alma que a criança conhece junto com as outras coisas vai orientando-a para o lado das grandezas e, de vez em quando, ela faz uma sucessão de imagens pela qual compara o que está conhecendo com aquilo para que sua alma tende. Assim, esses anseios da alma vão se robustecendo no mais alto e ela vai fazendo a transcendência de cima para baixo. É quase um exercício de descendência.
Mas, às vezes, a criança encontra coisas externas magníficas que despertam nela aquilo que a sua alma deseja. Por esta ação mútua, feita sem esforço no próprio viver e respirar, é que ela vai se tornando uma viajante, peregrina rumo às magnificências.
E aqui entra o lado angélico.

A meu ver, quando e na medida em que faz isto, o homem torna-se como que o irmão mais moço, o caçula do Anjo da Guarda que o toma, o ajuda nesta trajetória mais importante e delicada do que todas as outras. E assim a alma vai caminhando nessa direção com uma regularidade e naturalidade inteiras porque esse é o viver dela. Ela poderá ter, em certos momentos, tentações, são as provas do caminho. No entanto, o mais importante não são as provas e sim o traçado da estrada. As provas, com a ajuda de Nossa Senhora, serão vencidas uma a uma quando se apresentarem, mas o traçado do caminho é a grande questão, e este corre por aí, de tal maneira que cem outras faculdades da alma afloram sob essa luz.
Também a ação angélica na História, embora seja extrínseca, não exclui afinidades, inter-relacionamentos possantes. Admitir a ação angélica como tão extrínseca que cada uma é quase como um milagre de Lourdes, o qual ocorre de vez em quando deixando as pessoas pasmas, também é errado. Por certo, há intervenções angélicas muito palpáveis, visíveis, notórias que são assim, mas tenho a impressão de que a ação real é uma espécie de quase atuação de irmão a irmão, porque o Anjo está junto de nós e nós juntos dele, ele se nos comunica e nós nos comunicamos a ele.

 

Interpenetração entre o mundo exterior e o interior…

Há em nós uma relação entre a nossa alma e a ação externa que praticamos. De maneira que, quando nossa alma deliberou por um determinado ato, ela gradua todas as suas energias, suas disposições para a efetivação daquela ação; entretanto a qualidade do ato – não me refiro apenas à qualidade moral, mas também à metafísica – de algum modo se reflete sobre a alma, porque o homem, ao praticar a ação, põe-se numa certa clave e fica passageiramente com esses reflexos. Isso faz parte dessa interpenetração entre o mundo exterior e o interior.
Julgo que nos Anjos isso é muito mais vigoroso, e que não só eles são chamados para ministérios especialmente adequados à natureza de cada um, mas ao realizarem as várias ações do seu ministério todos eles refulgem e vibram – se pudéssemos dizer “vibrar” de um ser espiritual – de um determinado modo.
De maneira que quando um Anjo tem aquele refulgir, todos os espíritos angélicos que estão participando com ele daquela ação possuem isso entre si, em coro; e depois os outros do Céu recebem, há um reluzir recíproco.
Também uma pessoa devota de um determinado Anjo recebe essa refulgência ou ao menos pode receber. Mas como o Anjo é muito mais possante do que o homem, ele comunica a jorros o que nós transmitimos a conta-gotas; a natureza dele se enche com as graças esplêndidas que ele recebe e se comunicam a nós de cheio.
A inocência leva a ter comunhão com os Anjos. E o estado normal do batizado é ter esta comunhão, embora subconsciente.

…o natural e o sobrenatural

 

Entre o sobrenatural e o angélico há uma distinção. Um dos modos de a graça agir é através dos Anjos, e a pessoa pode ter um certo discernimento do sobrenatural em si sem perceber que é angélico. No mais das vezes, as coisas se interpenetram de tal maneira que não creio que uma pessoa consiga distinguir.
Aliás, devemos considerar que o natural e o sobrenatural não formam gavetas no ser humano. São campos distintos para a cogitação científica do homem; em quem tem ambas as coisas psicologicamente elas não formam gavetas, mas se interpenetram a todo momento como o sangue na carne.
Sou propenso a achar – salvo ensinamento em sentido contrário da Igreja – que se os homens tiverem noção clara dessa interpenetração angélica, e esta for uma verdade bem realçada por ocasião do Reino de Maria, haverá uma grande elevação, e a ideia desta ação dos Anjos na inocência produzirá um fulgor e um esplendor incalculáveis.

Uma pergunta que se põe é a seguinte: Se o universo criado e ordenado por Deus é tão perfeito, por que existe Anjo da Guarda? Este evita, de fato, coisas ruins que aconteceriam e, portanto, o universo é imperfeito?
Alguém dirá: “Tem a imperfeição humana.” Entretanto é preciso andar com cuidado. Nossa Senhora tinha milhões de Anjos da Guarda. Para quê, se Ela fazia tudo perfeito?

Então, a perfeição específica do universo não é a de uma máquina, como o comum das pessoas imagina. Tenho a impressão de que o universo não funcionaria sem Anjos da Guarda e, portanto, eles não são superfluidades. Por certo, intercorrem muitos fatores que não conhecemos, os quais poderiam perturbar a ordem do universo, e que os Anjos da Guarda evitam. Ademais, eles não apenas evitam o mal, mas promovem o bem.

 

Estalactite e estalagmite

 

Contudo, a respeito do papel do Anjo da Guarda no universo e junto às almas, há um elemento que me parece importante. Para o normal progresso da inocência são necessárias duas circunstâncias: de um lado, o isolamento interior, de outro, a comunicação.
Na medida em que a alma é fiel a essa impostação primeira, é fácil para ela fazer exercícios de transcendência, talvez à maneira de estalactite e estalagmite, ou seja, a pessoa vai relacionando as coisas que vê com o que vem de cima, encantando-se e se endireitando em função disso, e notando na coisa inferior um símile do que está em cima.
Por exemplo, antigamente era normal um menino gostar de espada. Gostava por ver nela um modo de dar corpo a uma porção de impressões, desejos, ideias, estados de espírito que vibravam na sua inocência, mas que ele precisava de algo material para simbolizar.

Isso corresponde a uma disposição de alma vinda do olhar conjunto que a pessoa tem sobre si e o universo; olhar inspirado pelo senso do ser e por meio do qual, na linha metafísica e sobrenatural, a alma é apetente de grandes coisas e nelas cogita.

No menino cuja alma esteja nessas condições e a quem tudo quanto se refira ao heroísmo diz muito, a espada desencadeia o processo e a relação simbólica que dá corpo àquilo que ainda não atingira toda a maturação humana porque faltava um símbolo. Ao encontrar o símbolo, o processo mental e da inocência dele se encerra com gáudio.

Assim, a criança vai vendo uma série de coisas de cima para baixo, porque o analogado primário2 do símbolo existe vivo no espírito dela, por onde tende a ver de modo simbólico uma quantidade incontável de criaturas.
Seria um movimento natural do senso do ser, portanto metafísico, no qual a graça penetra e atua muitas vezes pelo Anjo. A semelhança do Anjo com o seu protegido, a afinidade existente entre eles desempenha o seu papel na moção que o Anjo exerce sobre o homem.

Mesmo porque, sendo o homem sociável por natureza, o é com os Anjos também. O instinto de sociabilidade seria incompleto se o considerássemos existente apenas entre os homens. Dessa analogia entre o Anjo da Guarda e seu custodiado, este instinto toma misteriosamente um movimento do qual Deus se serve para a realização de seus planos.

Reino de Maria e devoção aos Anjos

Estou tratando de um processo que conheço melhor em mim do que num outro. Por isso, ao falar do processo humano, tenho que dar o meu depoimento. Sustento que esse processo se dá com todos os homens, uns mais outros menos, mas todos têm meios e graças para isso. Aliás, a própria noção do Reino de Maria vem da retidão desse processo em todos os homens, criando as condições para esse Reino.
Nesta perspectiva, o acender o amor a Deus na alma humana não pode ser concebido sem a assistência dos Anjos. O papel próprio do Anjo é ajudar o espírito humano a ter aquelas cogitações que o elevem ao mais alto dos píncaros, ou seja, Deus.
Então, o exercício de transcendência, pelo qual todas as criaturas constituem meios de chegar até o Criador e, portanto, a visualização do universo enquanto caminho para Deus, parece impossível sem o ministério dos Anjos.

 

Há uma ação santificante da Igreja Católica que é o vaso espiritual no qual se derrama, para as almas subirem até Deus, a ação angélica exercida por cima do Magistério eclesiástico, nunca em desacordo com ele, pois este é infalível. Assim, com uma vida que o mero ensino não tem, a graça faz germinar no homem os impulsos para a elevação suprema. Portanto, a missão santificante da Igreja, que nos une a Deus através dos sacramentos, acende em nós o amor a Deus com o ministério dos Anjos.
Estas verdades suporiam para o Reino de Maria uma intensidade extremamente grande da devoção aos Anjos.v

(Extraído de conferência de 27/11/1980)

1) Do latim: penso, logo existo.
2) Termo utilizado em Filosofia, significando matriz, padrão.

02 de outubro – Guerreiros na grande luta que se aproxima

Guerreiros na grande luta que se aproxima

Meu Santo Anjo da Guarda, sei que dentro dos planos divinos deveis, pelos desígnios de Nossa Senhora, exercer especial papel na realização de minha vocação. Vós, com todos os espíritos celestes, possuís uma missão altíssima na luta contra a Revolução. Dirijo-me a todos vós tendo presente a vinculação que estas circunstâncias estabelecem honrosamente de mim para convosco.

Em nome desse vínculo eu vos peço: Obtende da Rainha do Céu que vossa ação se intensifique e tome toda a magnitude proporcionada com minhas debilidades, infidelidades, fraquezas, com meu desejo de servir inteiramente a Causa da Igreja Católica e da Civilização Cristã.

Eu vos peço, portanto, que intervenhais quanto antes sobre as pessoas e os acontecimentos de maneira que, libertos da ação do demônio, a qual hoje atingiu um auge, possamos pertencer-vos inteiramente e ser vossos guerreiros na grande luta que se aproxima.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 4/12/1980)

01 de outubro – Santa Teresinha do Menino Jesus

Santa Teresinha do Menino Jesus

Eis que minha amargura transformou-se em paz. (Is 38,17)

“Ecce in pace amaritudo mea amarissima” (Is 38,17). Quem sabe vislumbrar através dos traços de uma fisionomia um estado de alma, não pode deixar de pensar que essas palavras mereceriam estar escritas ao pé desta fotografia, que nos mostra uma figura sorridente mas indizivelmente dolorosa.

O sorriso não procura esconder a dor, mas afirmar-se por um prodígio de virtude, de fidelidade à graça, apesar da dor. Os lábios sorriem só porque a vontade quer que eles sorriam, e a vontade o quer porque essa alma tem fé, e sabe que depois das provações e das trevas desta vida terá como prêmio Aquele que disse de Si: “Serei Eu mesmo vossa recompensa demasiadamente grande” (Gen. 15,1).

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de “Catolicismo”, n° 111, março de 1960)

01 de outubro – Santa Teresinha, modelo de seriedade no sacrifício

Santa Teresinha, modelo de seriedade no sacrifício

No calendário litúrgico antigo, a festa de Santa Teresinha caía em 3 de outubro, a mesma data em que Dr. Plinio partiu desta vida para receber seu prêmio pelo bom combate. Não é este o único nem o principal vínculo entre eles. Antes de tudo, esse varão devotava grande admiração pela figura e vocação daquela carmelita, conforme manifestou em muitas ocasiões, entre as quais a conferência transcrita nestas páginas.

 

Diversas passagens da Escritura desenvolvem o pensamento de que o eixo da História gira em torno dos justos, e tudo quanto acontece no mundo – desde os fenômenos de ordem natural até os mais altos fenômenos de ordem cultural, espiritual, política, etc. —  é ordenado pela Providência para a salvação daqueles que verdadeiramente querem se salvar. Noutros termos, é em benefício desses bons que tudo se passa. São eles os filhos bem-amados, os prediletos.

Nessas condições, não será difícil compreender como os católicos nada devem temer, se forem almas retas e íntegras como uma espada de aço, que tem ponta e gume para cortar qualquer coisa, retilínea, clara e brilhante. Nada a quebra e ela avança sobre qualquer adversário, a começar por si mesmo, porque os nossos piores inimigos estão dentro de nós.

Modelo de alma assim, justa e séria, foi Santa Teresinha do Menino Jesus, que, por essa razão, pode ser comparada a um gládio.

Desde a sua mais remota infância, a vida dela esteve voltada para as altas questões de caráter metafísico, vistas embora segundo a mente de uma menina, depois, de uma moça, e por fim, de uma religiosa carmelita. Quer dizer, não era uma especialista em metafísica, mas era um espírito repleto de elevadas considerações teológicas, sobrenaturais, etc., as quais constituíam o fogo que ardia continuamente na sua alma.

Vocação abraçada sem hesitações

Por outro lado, desde cedo ela conheceu a sua vocação, e conhecendo-a, adotou-a sem nenhuma espécie de irresolução, hesitação ou moleza. Sabe-se, por exemplo, o quanto ela amava seu pai e suas irmãs. Ora, no último jantar em família que precedia a partida dela para o convento, todos na mesa choravam, exceto a vítima que iria se imolar. Por quê? Por suma seriedade. Se resolveu, se é o caso de fazer, esteja contente, pois chegou a hora de re-alizar a vocação. Se o sacrifício tem de ser consumado, transponha de uma vez os umbrais da dor, sem delongas nem demoras que só prejudicam a decisão tomada.

Entrando na vida religiosa, ela encontrou um ambiente pouco favorável àquela seriedade que a distinguia. Fundamentalmente, encontrou um Carmelo não sério, entre outras coisas, com uma superiora que estimulava nas suas freiras um perigoso mundanismo, trazendo para dentro da comunidade as futricas e os fatos miúdos da pequena nobreza de Lisieux.

A vitória da seriedade

Nessas circunstâncias, Santa Teresinha podia ter pensado: “Este é um convento não sério e, portanto, a única atitude certa é tomá-lo como tal e imitá-lo. Serei também uma freira relaxada!”

Porém, não foi esta a postura que adotou. Pelo contrário, ela conquistou a vitória da seriedade: Neste convento com tantos defeitos, vou considerar que ele, de qualquer modo, é uma casa religiosa, e como tal é algo imensamente sério. De maneira que levarei a seriedade até as últimas consequências. Vou ser seriíssima, vou ser santa, vou oferecer a minha alma como vítima expiatória ao amor misericordioso de Nosso Senhor Jesus Cristo, aceitando tudo quanto Deus me mandar, sem pedir e sem recusar nada.

Um pequeno exemplo dessa seriedade. Certa vez, a freira que lhe ajustava aquela capa creme de carmelita errou na hora de fechar um alfinete de gancho, cravando-o na pele de Santa Teresinha. Esta, até o momento de tirar o hábito para dormir, aguentou o incômodo e a dor sem gemidos, porque tinha resolvido não recusar nenhum sacrifício que Deus lhe enviasse.

Imagine-se o que seja levar um alfinete cravado na carne o dia inteiro! Mas, é a seriedade de uma alma santa, uma alma-gládio: Eu não resolvi aceitar tudo? A palavra tudo comporta exceção? Não. Logo, isto faz parte do tudo. Logo, deixe aqui o alfinete!

Mortificando o anseio do sacrifício

Outra impressionante prova de seriedade, ela deu a propósito de seu oferecimento como vítima expiatória. Entregou a vida nas mãos da Providência e passou a desejar que fosse levada o mais rápido possível. Quantos fazem um oferecimento de vítima expiatória pelas nuvens, e se lhes sobrevém depois um resfriado ficam apavorados de morrer! Santa Teresinha, ao contrário, imolou-se por inteiro, a ponto de mortificar o próprio anseio com que esperava consumar seu sacrifício.

Com efeito, na noite em que teve a primeira hemoptise, ela sentiu que estava expelindo qualquer coisa que talvez fosse sangue. Resolveu não verificar na hora, mas deixar para o dia seguinte, refreando assim a vontade imensa de ver aceita sua imolação. Se fosse sangue, significaria morte próxima. Então, como um pequeno sacrifício a mais, decidiu não olhar naquele instante. Dormiu, e só foi se certificar na manhã seguinte.

Considero essa atitude como a última palavra da seriedade: Eu resolvi entregar minha vida, e chegou a hora. Desejo tanto fazer o que decidi, que a mortificação consiste em não tirar a limpo, e dormir em paz até raiarem as primeiras claridades da aurora, o sino da obediência me despertar, eu abrir os olhos e ver que o pano está vermelho. É o Esposo de minha alma que vem. Levantar-me-ei alegre, porque a morte bateu à minha porta!

De fato o Esposo vinha, a vítima estava próxima do altar, perto de sofrer as piores dores, e de caminhar para elas como Santa Teresinha caminhou até o fim.

Determinada e heroica, de encontro à morte

Estou seguro de não ter havido na História guerreiro que enfrentasse a morte de modo mais determinado e heroico do que Santa Teresinha do Menino Jesus. Na serenidade maravilhosa do olhar dela, existe a limpidez e a firmeza de todas as resoluções. É o calvário e a cruz: Eu planejei, eu resolvi, eu estou decidida. Nada abala essa determinação.

Como é belo, por exemplo, alguém fazer o papel de Santo Inácio de Antioquia, cujo martírio é uma das páginas inesquecíveis da hagiografia católica. Um ancião que se apresenta no meio do Coliseu romano, sob os apupos de uma multidão ululante, e vai de encontro aos leões com os braços abertos: Meu Deus, fazei com que as garras e os dentes destas feras me triturem como é triturado o trigo para formar uma hóstia, de maneira que eu possa ser para Vós, Senhor, uma hóstia, havia dito. E talvez tenha pensado: uma hóstia pura, santa, imaculada. Os leões vieram, ele não recuou, sentiu a dilaceração de todo o ser dele, dores incríveis, mas estava se “hostificando”, transformando-se numa hóstia, e ali morreu.

Mas, que quadro maravilhoso: o circo romano, possivelmente o imperador, os patrícios, a ordem dos cavaleiros, as vestais, é o maior público da maior cidade do mundo de então. É a maior infâmia e a maior glória morrer naquele lugar. Ele, o mártir, pensava em Nosso Senhor Jesus Cristo no alto Calvário, e se sentia como um herói, abrindo os braços para os leões e morrer a  se me fosse lícito empregar a palavra é  numa espécie de apoteose de si mesmo. Que magnífico!

Como magnífica haveria de ser a morte de um cruzado: a cavalo, revestido de couraça e elmos reluzentes, armado de escudo e espada, combatendo os inimigos da fé católica, até que em certo momento ele sente um ferro que lhe entra pela garganta, uma golfada de sangue, e ainda vá, nos últimos estertores da morte, um Arcanjo de cristal que desce do Céu para pegá-lo e levá-lo. Que maravilha!

Bem diferente a morte de Santa Teresinha. Nunca me esqueço do arrepio que tive quando vi fotografias dela em seus últimos dias de vida: um claustro pacífico, tranquilo, uma espécie de cama-de-vento, preparada de um modo muito confortável, colchões, travesseiros, e ela posta ali, bonita e risonha como uma boneca.

Entretanto, pelos escritos que nos deixou, sabemos o horror que ela estava sofrendo. Ser vítima no meio do acolchoado, do conforto, e morrer, não por um inimigo que se combate, mas de uma doença que a vai consumindo, sem permitir o heroísmo e o esplendor do contra-ataque; era ser devorada sem devorar, ser comida por uns bichinhos que não têm consciência de si mesmos e que vão roendo os seus pulmões… Que terrível!

Pior. Não bastassem as dores físicas, tinha ainda a provação moral. Chumbo dentro da alma, trevas, nenhuma consolação. A única voz que se fazia ouvir sensivelmente era a do demônio: Será que há Deus? Será que há outra vida? Tu estás te extinguindo de um modo tão horroroso e tão inglório… Renunciaste a tantas diversões e prazeres, e agora morres pelos micróbios da tuberculose. Depois virão os vermes, e tu não serás mais nada, irás para a sepultura, quando toda a natureza em torno de ti estará em flor… Ah, ah, ah! Uma gargalhada com todos os ecos do inferno.

Tudo isso Santa Teresinha enfrentava nos acolchoados, nos pequenos agrados, na aparência de compota, e ouvindo uma irmã dizendo para a outra, no quarto ao lado: Quando essa irmã Teresinha do Menino Jesus morrer, eu não sei o que nossa madre vai escrever nos anais do Convento, porque ela não fez nada. E assim ela ia se extinguindo, num fim que é pelo pelo menos tão heroico quanto o de Santo Inácio de Antioquia. A resolução estava tomada, com fé e seriedade inquebrantáveis, sem nenhuma concessão ao demônio.

Ela cantava em vida sua própria santidade

De maneira que ela sorveu o cálice até a penúltima gota. A última lhe foi poupada, pois no derradeiro instante, que devia ser o mais cruel, ela teve um êxtase, a tal ponto que se levantou no leito e parecia inundada de luz celeste: sua alma já contemplava a Deus, ela tinha morrido.

Santa Teresinha partiu, e, como ela havia prometido, começou a cair sobre a terra uma chuva de rosas (ou seja, de graças especiais) comprada por um dilúvio de sangue interior. Os mil sorrisos que a devoção dela abriu na terra foram fruto dos mil gemidos de alma e de corpo que ela soltou, porque quis e porque foi séria até o fim.

Tão séria que ela compreendeu não carecer do aparato bélico de um cruzado, nem de quaisquer outras exterioridades do heroísmo, para ser uma heroína. E morreu cônscia de seu heroísmo, de sua santidade. Ela percebia que era como uma árvore de resina preciosa, da qual toda gota que caía tinha um valor extraordinário aos olhos de Deus e dos homens, sendo portadora de insignes graças.

Não entrava nisso nenhum laivo de orgulho nem de vaidade. O fato é que se tratava de uma pessoa tão séria, e seu exame de consciência era tão retilíneo e profundo, que ela tinha confiança na limpidez de sua própria alma, e por isso cantava em vida sua própria santidade.

Para todo homem chega a hora do “consummatum est”

Essa é a seriedade levada até as últimas consequências. Ora, o exemplo de Santa Teresinha é de extrema importância para todos nós. A vida de todo homem na terra é destinada a ser uma grande batalha: ou será a batalha da fidelidade e, portanto, a batalha da cruz; ou será uma grande batalha torta, errada, inglória. Mas, da luta o homem não escapa. Ou se tem os mil tormentos para subir a montanha da santidade e do Céu, ou se tem o tormento da vergonha, da inutilidade, da podridão, quando se rola montanha abaixo.

Todos temos de passar pelos sofrimentos. E em determinado momento chega o sacrifício supremo, aquele em que damos a alma inteira, em que temos de repetir as palavras de Nosso Senhor no alto da Cruz: “Consumma-tum est” tudo está consumado! Tudo que na vida eu poderia dar, eu dei.

Pode parecer trágico, mas a questão é saber o que se entende por tragédia. Se é todo grande sofrimento que resulta em glória, então o Calvário é a tragédia da Cruz padecida com seriedade, que culmina na Ressurreição. Se for apenas a tragédia do sofrimento que deu errado e de nada adiantou, do caminho que não teve fim nem termo, então não é a tragédia da Cruz, mas a de árvores tortas.

Se, seguindo o modelo de Santa Teresinha, somos sérios no abraçar o sacrifício e a santidade, então nossa vida não será trágica, mas heroica e gloriosa, como a dela.

01 de outubro – Tão pequena menina e já tão grande santa

Tão pequena menina e já tão grande santa

Nesta fotografia aos oito anos de idade, Santa Teresinha está olhando para um ponto vago, indefinido, mas com uma espécie de contemplação enlevada, afetuosa, respeitosa. Em última análise, é o olhar próprio de um espírito possantemente contemplativo.

Santo Agostinho disse de si, nas “Confissões”, referindo-se à sua infância: “Tão pequeno menino eu era, e já tão grande pecador”. Dela poder-se-ia dizer: “Tão pequena menina era, e já tão grande santa”. Porque seu olhar tem qualquer coisa que me custa exprimir adequadamente, mas que é aquela impostação da alma em coisas que são inteiramente superiores. Foi uma infância profundamente consciente, meditada e raciocinada.

Aqui está Santa Teresinha do Menino Jesus com todo seu tesouro de meditação que pode existir numa alma de criança; ela viveu a infância fiel a si e continuou a ser ela mesma até o apogeu de sua maturidade. 

É uma coisa magnífica!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência provavelmente feita em janeiro de 1968)