Considerações sobre o Segredo de Maria

Analisando a frase de Dona Lucilia “viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem”, Dr. Plinio fala sobre o Céu, a vida nesta Terra e a respeito do mistério de Nossa Senhora. Tais reflexões ficam como semente em nossas almas, a qual a graça no momento oportuno fará frutificar. Esses temas, suscitados a propósito de Nosso Senhor Jesus Cristo, são montanhas da cordilheira que é o Segredo de Maria

 

Pensando a respeito do Segredo de Maria, do qual fala São Luís Grignion de Montfort, veio-me a seguinte consideração:

A mais alta atividade do homem na Terra

Nossa Senhora é tão grande que poderia ser comparada a um monte o qual se perde nas névoas e cujo cume reaparece, de repente, por cima das nuvens. Tudo n’Ela é segredo, porque é completamente desproporcionada em relação a nós. Ela é incomparável!

Entretanto, a meu ver, o conjunto desses segredos desfecha num outro que é uma espécie de píncaro dos píncaros dos segredos. E se fôssemos elaborando um catálogo a respeito deles, conseguiríamos, talvez, fazer a ideia geral do que é esse Monte incomparável.

Quando minha mãe disse “viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem”, tive uma espécie de choque e pensei: “Como ela, que é uma pessoa de inteligência comum, com a cultura própria às senhoras do tempo dela, portanto em nada uma universitária, sai com isso que revela uma profundidade em que eu não tinha cogitado?” Várias vezes pensei nisto: “No fundo, a sociedade de almas é feita de ‘estar juntos, olhar-se e querer-se bem’”.

Fazer isso noite e dia supõe, em contrapartida, também rejeitar quem deve ser rejeitado, não querer bem os lados que não se deve querer bem, e não olhar. Agir assim é fazer um uso adequado dessa atribuição, dessa atividade.

De fato, isso é a essência da vida dos homens na Terra, o mais alto meio que se tem para chegar a Nosso Senhor, porque na visão beatífica é isso que vai haver. Quando Ele diz: “Eu serei a vossa recompensa demasiadamente grande” (cf. Gn 15, 1), a ideia que se tem é de que isso se realizará estando junto a Ele, olhando-nos e nos querendo bem, reciprocamente. O Céu é isso.

Logo, a mais alta atividade do homem na Terra é “estar junto, olhar e querer bem” àqueles em relação aos quais, por vontade divina, ele deveria fazer. Por isso, nós também somos responsáveis por termos recusado aqueles que não deveríamos recusar, ou aceito quem não deveríamos aceitar, ou ainda por não termos dado a cada um daqueles que, segundo o desígnio da Providência, deveríamos encontrar no nosso caminho, aquilo de “estar junto, de olhar-se e querer-se bem” próprio a cada um, nos planos de Deus. Se todos fizessem isso, teríamos outra ideia da vida humana que habitualmente as pessoas não possuem.

Isso supõe uma finura de percepção psicológica que não é apenas uma penetração como se concebe no discernimento dos espíritos, mas também um estado de alma pelo qual se entra em consonância com os outros, sentindo-se mutuamente. Esse é um elemento fundamental, de maneira que uma atitude de piedade tomada pelo outro repercute em nós, como também um movimento piedoso que tenhamos repercute nele. Por outro lado, os defeitos repercutem também mutuamente à maneira de um golpe, de uma tristeza e, conforme o caso, de uma recusa. Esta perfeita entrosagem faz propriamente a essência da vida.

Trinta anos de convívio na casa de Nazaré

Nosso Senhor Jesus Cristo, ao elevar a sua arqui-criatura, Maria Santíssima, pelo “estar juntos, olhar-se e querer-se bem”, ao arqui-píncaro ao qual Ela era arqui-chamada, levanta atrás d’Ela todo o gênero humano e coloca entre os homens a possibilidade dessa sociedade de almas numa clave que não havia antes, da qual até os pagãos, sem o saberem, de algum modo foram beneficiados, mesmo sem terem conhecimento da existência d’Ele e d’Ela.

Nisto está uma explicação dos trinta anos de convívio na casa de Nazaré precisamente porque, se Nossa Senhora não realizasse toda a santidade a que foi chamada, o plano de Deus para o mundo inteiro não se realizaria, segundo os desígnios d’Ele.

Para termos uma ideia disso, imaginemos um homem a quem Deus conferisse o poder de fazer nascer o Sol. E que então poderia escolher, a cada dia, onde e como despontar o Astro-Rei para determinar sobre a face da Terra a mais bela aurora possível. Isso seria a vida desse homem. Ora, Nosso Senhor fez isso com sua Mãe Santíssima. Ela é o Sol que Ele fez nascer. Então, pode-se imaginar a consolação, o gáudio d’Ele atuando todos os dias e o dia todo sobre Nossa Senhora, e Ela dando continuamente a mais perfeita correspondência possível à ação de seu Divino Filho que, com encanto indizível, contemplava a ascensão d’Ela de arrebol em arrebol. Acrescentemos a isso a consideração de que Ela era o Paraíso de Deus, e compreenderemos bem o que foram esses trinta anos de convívio.

Entretanto com uma circunstância: nasce um segredo. No início de sua Paixão o Divino Redentor teve aquele desfalecimento em que Ele foi ajudado por um Anjo. É, no fundo, uma coisa incompreensível que um Anjo O tenha auxiliado, mas Ele quis isto. Será que, na previsão da Paixão, Nosso Senhor não quis ser amparado por Nossa Senhora, de maneira a Se ajudarem mutuamente?

Não podemos imaginar que, estando sujeitos à condição terrena e tendo o Verbo Se encarnado para sofrer a Paixão redentora, Eles passassem trinta anos de mero gáudio, sem que conversassem sobre a Cruz. É claro que a Santíssima Virgem deve ter perguntado ao Homem-Deus a respeito da Redenção, a fundo; tanto mais que era Ela mesma a Co-Redentora do gênero humano.

Por isso, parece-me inconcebível que não tenham tratado sobre a Paixão e Morte de Jesus e, portanto, que não tenham sofrido com isso, sendo esse sofrimento d’Eles interpenetrado por uma união de almas intimíssima. Vou dizer mais: tenho a impressão de que essa união atingiu o seu ápice a propósito da Cruz. Porque quando duas pessoas sofrem juntas, rumo ao mesmo ideal, elas se unem de um modo que nada mais faz unir tanto assim.

Então, o que terão conversado sobre tudo isso? O que Ele terá instruído a Ela? Que perguntas Ela terá feito a Ele?

Barreira entre Nosso Senhor e sua Santíssima Mãe

Toda a vida causou-me uma impressão profundíssima o encontro de Nosso Senhor com Nossa Senhora na “Via Crucis”, que foi o prelúdio da última ajuda, a qual se daria no cimo do Calvário onde, estando Ele no alto da Cruz, ampararam-Se mutuamente.

Por fim, a última despedida, quando a Mãe Dolorosa ouviu o brado: “Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonastes?” (Mt 27, 46).

Esse brado parece-me conter uma constatação terrível: é que, com isso, Nosso Senhor dizia que a própria presença de Nossa Senhora tinha se tornado insensível para Ele. Quem sabe se também d’Ela teria sido pedido esse sacrifício, de maneira que Ele tenha Se tornado insensível para Ela naquele momento! É possível.

Como o martírio d’Ele era mais interior do que físico, também o pior abandono deveria ser interior. Se Ele estivesse inundado de consolação, não teria bradado “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” Ora, Jesus tinha ali a sua Mãe a qual valia incomparavelmente mais do que toda aquela canalhada que estava lá. Nem se pode comparar, pois a simples comparação já é uma blasfêmia.

Consideremos que a dor de Nosso Senhor por aquilo tudo que estava se passando era tal que Ele Se sentia abandonado pelo Pai Celeste, quando foi o próprio Pai Celeste Quem mandou Nossa Senhora para ajudá-Lo. Fazendo uma comparação entre a taça com o líquido que Ele bebeu no Horto das Oliveiras e a presença de Nossa Senhora, essa taça não seria prenunciativa da presença d’Ela junto à Cruz? Não foi exatamente Maria Santíssima Quem deu forças a Ele? Entretanto em certo momento Nosso Senhor não sentia mais essa sustentação.

Podemos ter uma ideia de qual foi a dor d’Ela nesse momento se transpormos essa situação para termos meramente humanos. Um homem está morrendo de uma doença tragicamente dolorosa num hospital, e a sua mãe o assiste com todos os mil desvelos possíveis e imagináveis. Em certo momento ele lhe diz: “Mamãe eu vou lhe fazer uma confidência: de momento, não sinto afeto nenhum pela senhora; e tanto a senhora podia estar aqui como na Cochinchina, pois tal é a dor na qual estou absorvido e precipitado que a sua presença não me adianta de nada: Estou perdido no “mare magnum” dos tormentos.”

A hora em que desceu essa barreira entre Nosso Senhor e sua Santíssima Mãe, e aquele “estar juntos, olhar-se, querer-se bem” se rompeu ainda que fosse na aparência, o tormento que isso devia representar para Ela é inimaginável. Entretanto, a Virgem Maria teve que passar por isso.

Montanhas da cordilheira que é o Segredo de Maria

Ao que parece, os Apóstolos levaram muito tempo para procurar Nossa Senhora, porque ao pé da Cruz só estava São João. Mas para se aproximar d’Ela, depois de tudo quanto tinham feito, qual não seria o mal-estar, a vergonha…

Creio que eles se sentiram meio traidores, no sentido de não terem sido fiéis no cumprimento da missão deles. Quiçá alguns deles, senão todos, puseram-se a andar pelas ruas de Jerusalém meio desatinadamente, e quando se viam não tinham sequer coragem de se olhar e passavam um longe do outro.

De repente, um deles passa perto de um homem e de uma mulher, e esta se gaba de ter dado uma bofetada em Jesus. E o homem diz: “Isso não é nada, eu O joguei no chão…”

Um Apóstolo que visse isso sairia de Jerusalém pelo campo afora correndo, sem saber para onde ir. Imaginem um outro que estivesse no terraço de uma casa e o vento trouxesse para ele o eco da voz de Nosso Senhor bradando de dor em algum lugar…

Se um Anjo nos fizesse ouvir um brado, um gemido d’Ele, púnhamo-nos de joelhos e ficávamos rezando indefinidamente… Imagine, então, quem tinha ouvido aquela voz durante três anos, admirando todas suas inflexões, e compreendia toda aquela dor… Eu não teria a menor surpresa se algum deles tivesse morrido de dor, só por pensar: “Por que fizemos isso? Mas meu Deus do Céu, como era possível!?”

Daria vontade de se ajoelhar, oscular o chão e dizer: “Eu não ouso pedir que a minha voz asquerosa chegue até Vós, Senhor, mas vou procurar a vossa Mãe. Não tenho outra saída, eu vou procurá-La.”

Por fim, fazendo uma análise desta conferência, podemos afirmar que o tema relativo a Nossa Senhora foi sondado por nós e transportado para as analogias com a vida nesta Terra, com a nossa vocação e os nossos deveres.  Ademais, foi feito um aprofundamento do mistério d’Ela e, em função disso, também do mistério existente no nosso relacionamento. Porque sou propenso a afirmar que há qualquer coisa de nossa vocação iluminada por um discernimento, sem o qual tudo nela se torna misterioso, e nós não compreendemos.

Então, do que adiantam essas considerações? Eu tenho a impressão de que isso fica como semente em nossas almas, e que a graça no seu momento oportuno fará frutificar, render. São temas suscitados a propósito de Nosso Senhor Jesus Cristo os quais, por si, já são montanhas da cordilheira que é o Segredo de Maria.

Afinal de contas, em presença do que a Fé nos ensina sobre Nosso Senhor, Nossa Senhora, a Igreja, nós estivemos juntos, nos olhamos e nos quisemos bem.          v

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/9/1986)
Revista Dr Plinio 265
Abril de 2020

Diante de Fátima, duas famílias de almas

Ante as afirmações, de uma grandeza apocalíptica, feitas por Nossa Senhora aos três pastorinhos de Fátima em 1917, o mundo vai se dividindo cada vez mais em duas famílias de almas. Uma considera que a humanidade é presa de um feixe de erros e iniquidades, as quais começaram na esfera religiosa e cultural com o humanismo, a Renascença e a Pseudo-Reforma protestante. Tais erros se agravaram com o iluminismo e o racionalismo, culminando na esfera política com a Revolução Francesa. Do terreno político passaram para o campo social e econômico, no século XIX, com o socialismo utópico e o socialismo dito científico.

Com o advento do comunismo na Rússia, toda essa congérie de erros passou a ter um começo de transposição, incipiente, mas maciça, para a ordem concreta dos fatos, nascendo daí o império comunista, desde o coração da Alemanha até o Vietnã, e cuja unidade é indiscutível. Ao mesmo tempo, sobretudo a partir da Grande Guerra, a moralidade se pôs a declinar com rapidez espantosa no Ocidente, preparando-o para a capitulação ante o comunismo, o qual é a mais audaciosa expressão doutrinária e institucional da  amoralidade. Para incontáveis almas de todos os estados, condições de vida e nações, que adotam este modo de pensar, a mensagem de Fátima é tudo quanto há de mais coerente com a Doutrina  Católica e com a realidade dos fatos.

Há também outra família de almas para a qual os problemas do mundo contemporâneo pouca ou nenhuma relação têm com a impiedade e a imoralidade. Nascem eles exclusivamente de  equívocos involuntários resultantes de carências econômicas, e que uma boa difusão doutrinária e um conhecimento objetivo da realidade podem dissipar. Com o auxílio da ciência e da técnica a  crise da humanidade se resolverá. Não havendo, como nota tônica das catástrofes e dos perigos em meio aos quais nos debatemos, o fator culpa, a noção de um castigo universal se torna  incompreensível.

Entre essas famílias de almas há muitas gamas. À medida que qualquer das correntes intermediárias se aproxima de um polo ou de outro, para ela se vai tornando compreensível ou  incompreensível a mensagem da Santíssima Virgem. Fátima se encontra, pois, neste sentido, como um verdadeiro divisor de águas das mentalidades contemporâneas.

Dar-se-ão os acontecimentos previstos em Fátima, e ainda não realizados até aqui? Em princípio, não há como duvidar. Pois o fato de uma parte das profecias já se haver realizado com  impressionante precisão prova o caráter sobrenatural delas.

Sobreleva notar que, na Cova da Iria, Nossa Senhora formulou duas condições, ambas indispensáveis para que se desviassem os castigos com que Ela nos ameaçava: a consagração da Rússia ao  seu Coração Puríssimo e a divulgação da prática da Comunhão reparadora dos cinco primeiros sábados.

Há ainda outra condição, implícita na mensagem, mas também indispensável: a vitória do mundo sobre as mil formas de impiedade e de impureza que o vêm dominando. Tudo indica que esta  vitória não foi alcançada e, pelo contrário, nos aproximamos cada vez mais do paroxismo nesta matéria. E à medida que caminhamos para esse paroxismo, mais provável se vai tornando que  rumemos para a efetivação dos castigos.

A não serem vistas as coisas assim, a mensagem de Fátima seria absurda. Pois, se Nossa Senhora afirmou em 1917 que os pecados do mundo haviam chegado a tal cúmulo que clamavam pelo  castigo de Deus, não pareceria lógico que esses pecados continuassem a crescer, o mundo se recusasse obstinadamente e até o fim a ouvir o que lhe foi dito em Fátima, e o castigo não viesse.

Desde que não se operou no orbe a imensa transformação espiritual pedida na Cova da Iria, vamos cada vez mais caminhando para o abismo, e aquela transformação se vai tornando sempre mais  improvável(*).

 

* Cf. Bifurcação do mundo, em Última hora, 4/6/1982.

Frescor de alma na espera

Durante uma longa espera de algo que se deseja muito, por vezes ocorre o seguinte: primeiro, um susto por não ter recebido; depois a vontade aumenta e não só se vence o espanto, mas o desejo se multiplica pelo desejo, a ponto de se tornar abrasado. Quando não se recebe ainda, a situação passa além de todo meridiano e fica-se com uma vontade por assim dizer trans sonora que canta diante de Nossa Senhora continuamente a súplica daqueles que emudeceram de tanto querer.

Neste caso estão aqueles que há muitas décadas anseiam pela realização das promessas de Fátima. Só se pode encontrar um paralelo para isso: é dos homens que vão esperar a vinda de Nosso Senhor no fim do mundo, dos quais está dito que se esses dias não fossem abreviados, nem eles perseverariam.Esses sofrerão tanto com a espera que, segundo alguns intérpretes das Sagradas Escrituras,serão poupados da morte, tal o tormento deles e tal o desejo de Deus de glorificá-los por terem passado por um sofrimento equivalente à morte.

Nós passamos propriamente pela prova da espera porque se tivéssemos, de um momento para outro,a declaração de que o desejo será realizado em tal data, nós exultaríamos e reverdejaríamos. Porém, Nossa Senhora não nos comunica isso.

Para a espera ser assim premiada é preciso que seja perfeita. E a espera perfeita não é apenas a que chega até o dia da realização da promessa, mas sim aquela na qual a alma arde mais ou menos como a sarça ardente vista por Moisés, a qual o fogo queimava sem destruir.

É preciso que a alma seja queimada pelo desejo da vinda dos acontecimentos e pelo tormento da espera, sem perder com isso nada de seu verdor, de sua indestrutível juventude. Espere com o frescor de alma do primeiro momento, de maneira que as sucessivas desilusões não crestem a alma.

Como fazer para que a espera não nos creste a alma? Ser incondicional com Deus no modo de esperar.

Há dois modos de se colocar diante da eventual proximidade do cumprimento das promessas. Um é o de quem diz: “Virá, e eu não tolero a ideia de que não venha logo”. Neste caso, se não vier, a alma cresta um pouco.

Outro é: “Virá, e é provável que seja em breve, certeza não tenho. Porém, de Deus tolero tudo, porque Ele é meu Senhor. Ele e minha Mãe celeste dispõem de mim como quiserem. Se dispuserem outra delonga, eu a bendirei e andarei com paz nas sombras da demora, certo de estar fazendo a divina vontade”.

Assim o frescor da alma até se revigora, por ser o fruto da obediência incondicional.

Contudo, se alguém receia já não ter conservado esse frescor de alma, poderá dirigir a Deus esta oração:

“Meu Deus, não aceitei de Vós o caminho que passava pela inteira obediência. Deixai-me ao menos aceitar a via que passa pela punição justa. Adoro vossa infinita perfeição enquanto tendo me castigado, pois eu merecia. Mas Vós me destes por Advogada a Mãe de Misericórdia. A Ela eu suplico que tenha pena de mim, ‘desencrespe’ minha alma e a restaure.”

Com isso poderemos nos revigorar, pois para os que tiverem qualquer grão de esperança haverá sempre uma enorme possibilidade de salvação.

Peçamos a Nossa Senhora que nos dê esse grau de esperança flexível e íntegra que nunca se cansa nem se cresta; essa contrição perfeita que adora o castigo, a intransigência e a repulsa de Deus, mas recorre confiante à Mãe de Misericórdia

Oração junto à imagem milagrosa

Mãe nossa, ajudai-nos misericordiosamente a ter sempre presente que ao longo das faces de vossas imagens correram lágrimas milagrosas. Compenetrai nossas almas da causa fundamental da tristeza de que destes mostra, ou seja, a Mensagem de Fátima não foi tomada em consideração. A humanidade, desvairada pela Revolução, tomou com menosprezo os pedidos, as promessas, as ameaças que então lhe comunicastes.

Por isso chorais. É o sinal de que a hora dos castigos está soando.

Entretanto, a indiferença continua completa na imensa maioria dos homens. Ela existe em parte – oh! dor! – naqueles que chamastes mais especialmente para tomarem consciência da gravidade imensa dessa situação, e se prepararem para os grandes dias que se aproximam.

Não permitais, Mãe de misericórdia, que esse estado perdure em nossas almas. Enviai vossos Anjos para expulsarem toda e qualquer influência diabólica que nos mantenha participantes na indiferença terrível com que o mundo de hoje considera vossas mensagens dadas em Fátima. Assim seja.

 

(Extraído de oração composta em 1973)

Os pastorinhos de Fátima e o Segredo de Maria

Que maravilhas da graça se operaram nos corações de Jacinta e Francisco por ocasião de seus encontros com a Santíssima Virgem? Que virtudes a ação da celeste Senhora fez desabrochar naquelas humildes crianças? No presente artigo Dr. Plinio nos dá a resposta desvendando algo do Segredo de Maria ao constatar a vitória do Imaculado Coração de Maria nas almas dos dois videntes de Fátima.

 

Há uma ficha para nós comentarmos aqui: “Última aparição de Nossa Senhora em Fátima”, do Pe. João M. de Marchi, IMC, no livro: “Era uma Senhora mais brilhante que o sol”(1).

A verdadeira diretora espiritual das crianças foi, todavia, essencialmente Nossa Senhora. Falo das crianças: Jacinta, Francisco e Lúcia.

A bondosa Senhora da Cova da Iria tomou à sua conta a realização desta obra-prima. E como não podia deixar de ser, levou a cabo com pleno êxito. Das suas mãos prodigiosas saíram três anjos revestidos de carne, mas que ao mesmo tempo eram três autênticos heróis. A matéria-prima era de uma plasticidade admirável. E da Artista, que mais dizer?

Na sua escola, os três serranitos deram, em breve tempo, passadas de gigante no caminho da perfeição. Neles se verificou, à letra, as palavras de um grande devoto de Maria, o Beato Grignion de Montfort: “Na escola da Virgem a alma progride mais numa semana do que em um ano fora dela”. A pedagogia da Mãe de Deus não sofre confrontos. Em dois anos, a Virgem Santíssima conseguiu erguer os dois irmãozitos, Francisco e Jacinta, até os cumes mais elevados da santidade cristã.

O retrato que a mão segura de Lúcia nos traça sobre Jacinta é revelador: “A Jacinta tinha um porte sempre sério, modesto e amável que parecia traduzir a presença de Deus em todos os seus atos. Próprio das pessoas já avançadas em idade e de grande virtude. Não lhe vi nunca aquela demasiada leviandade e o entusiasmo próprio das crianças pelos enfeites e brincadeiras isto depois das aparições). Não posso dizer, que as outras crianças corressem para junto dela, como faziam para junto de mim. E isto talvez porque ela não sabia tanta cantiga e historieta para lhes ensinar e as entreter, ou então porque a seriedade de seu porte era demasiado superior à sua idade. Se na sua presença alguma criança, ou mesmo pessoas grandes, diziam alguma coisa ou faziam qualquer ação menos conveniente, repreendia-as dizendo: “Não façam isso, que ofendem a Deus Nosso Senhor. E Ele já está tão ofendido!” (…)

Francisco sentia-se atraído por uma vida de asceta e de contemplativo. Frequentemente desaparecia da vista das duas meninas, mantendo-se em lugares ermos e ficava a pensar.

— Que estavas aqui a fazer há tanto tempo? Perguntou-lhe Lúcia.

— Estava a pensar em Deus que está tão triste por causa dos muitos pecados!  Se eu pudesse O consolar! Jesus está tão triste e eu quero confortá-lo com oração e penitência.

Em outra ocasião dizia: “Gosto muito de Deus. Mas Ele está tão triste por causa de tantos pecados. Nós não devemos fazer nem o mais pequeno pecado!”

Um dia em que a Lúcia cedeu às instâncias das amiguinhas para tomar parte em divertimentos próprios da idade, Francisco chamou-a de lado e disse-lhe muito sério:

— Então tu voltas a essas brincadeiras depois de Nossa Senhora nos ter aparecido?

— Então, pediram-me tanto!…  — escusava-se a Lúcia.

Mas o Francisco lógico e severo lhe retorquia:

— Toda a gente sabe que Nossa Senhora te apareceu, então não devem estranhar que tu já não queiras bailar!…

Trata-se aqui daquele bailado português em que as pessoas se tocam com as mãos. São aquelas figuras de bailado camponês.

As crianças aproveitavam as entradas e as saídas das escolas para irem visitar Nosso Senhor, passando longas horas ao pé do Tabernáculo.

A Jacinta e o Francisco, sobretudo, que tinham a promessa da Virgem de os vir buscar, em breve, para o Céu e que, portanto, se julgavam dispensados das lições, recolhiam-se mais vezes na igreja a falar a sós com “o Jesus escondido”.

Jesus escondido é o nome com o que chamavam a Eucaristia.

Jacinta dizia a Lúcia:

— Já fizestes hoje muitos sacrifícios? Eu fiz muitos. Rezei também muitas jaculatórias. Gosto tanto de Nosso Senhor e de Nossa Senhora que nunca me canso de Lhes dizer que Os amo. Quando eu Lhes o digo muitas vezes, parece que tenho lume no peito, mas não me queima.

Outras vezes:

— Olha Lúcia, Nossa Senhora veio nos ver esses dias. E veio dizer que vem buscar o Francisco muito breve para o Céu. E a mim, perguntou-me se ainda queria converter mais pecadores. Disse-lhe que sim. Ela disse-me então que quer que eu vá para dois hospitais, mas não é para me curar. É para sofrer mais por amor de Deus, pela conversão dos pecadores, em desagravo das ofensas cometidas contra o Coração Imaculado de Maria. Disse-me que tu não irias, que iria lá minha mãe levar-me e que depois ficaria sozinha.

Tempos depois, Francisco para Lúcia:

— Estou muito mal, falta-me pouco para ir para o Céu.

Lúcia:

— Então vê lá, não te esqueças de lá pedir muito pelos pecadores, pelo Santo Padre, por mim, e pela Jacinta.

Francisco:

— Sim, eu peço. Mas que essas coisas peças antes à Jacinta, que eu tenho medo de me esquecer, quando vir a Nosso Senhor. E depois, antes O quero consolar.

Na obra de Nossa Senhora com os videntes de Fátima, um começo do triunfo do Imaculado Coração de Maria nas almas.

Esta ficha tem uma graça marcante, porque ela nos indica uma porção de aspectos grandes e pequenos da obra de Nossa Senhora com estas três crianças.

Mas nós devemos, antes de tudo, considerar o valor simbólico da obra de Nossa Senhora nas crianças. Enganam-se aqueles que imaginam ser apenas uma obra sobre três crianças. É uma obra que transformou suavemente essas crianças de um momento para outro, pelo simples fato das reiteradas aparições de Nossa Senhora.

Com uma dessas crianças até, Nossa Senhora disse estar aborrecida. E esta criança era o Francisco, que não ouviu Nossa Senhora por causa disso. E, portanto, pode ser considerado um convertido. As três mudaram extraordinariamente em consequência das revelações. 

Nós temos aqui algo de parecido com o Segredo de Maria. Quer dizer, uma dessas ações profundas da graça na alma, ações que se desenvolvem sem a pessoa dar-se conta. Ela vai sentindo-se cada vez mais livre, cada vez mais desembaraçada para praticar o bem, e os defeitos que a tolhem e a prendem no mal vão se dissolvendo. E a pessoa cresce em amor de Deus, cresce em vontade de se dedicar, cresce em oposição ao pecado, mas tudo isso se dá maravilhosamente dentro da alma.

De maneira que a alma não trava as grandes e metódicas batalhas da ascensão admirável ao Céu, à virtude, à santidade, daqueles que lutam de acordo com o sistema clássico da vida espiritual; mas Nossa Senhora as transforma de um momento para o outro. E se a obra de Nossa Senhora em Fátima — especialmente com essas duas crianças chamadas para o Céu — foi assim, nós podemos bem nos perguntar se isto não tem um valor simbólico, e se não indica qual vai ser a ação de Nossa Senhora sobre toda a Humanidade quando Ela cumprir as promessas feitas em Fátima, e se não é lícito prever o cumprimento das promessas de Fátima executado à maneira do ocorrido com Jacinta e Francisco, mais notadamente, como cogita esta nossa ficha.

E, portanto, se nós não devemos ver aí um começo, podemos ver um dos múltiplos começos — porque as coisas enormes têm muitos começos — do Reino de Maria, enquanto sendo o triunfo do Imaculado Coração sobre duas almas pregoeiras da grande revelação de Nossa Senhora; as quais, pelos seus sacrifícios e orações na Terra e, depois, as orações no Céu, ajudaram e ainda ajudam enormemente as almas a aceitarem a mensagem de Fátima.

Quer dizer, nós devemos ver nessa transformação, creio eu, ao menos de um modo muito provável, um símbolo dessas transformações profundas que marcarão o Reino de Maria.

Jacinta e Francisco: intercessores apropriados para obter de Nossa Senhora o início de seu Reino em nossos corações

Esta primeira observação me parece conduzir diretamente ao seguinte: se isto é assim, então Francisco e Jacinta são os intercessores naturais para se pedir e obter de Nossa Senhora que comece o Reino de Maria em nós desde logo, por essa transformação misteriosa que é o Segredo de Maria.

E, então, nós devemos suplicar instantemente, tanto à menina quanto a ele, que comecem a nos transformar, comecem a nos dar os dons que eles receberam. E que eles velem especialmente sobre aqueles cuja missão é a de pregar a mensagem de Fátima, viver da mensagem de Fátima, como acontece conosco.

Isto é uma razão a mais para nós termos uma marcante devoção a eles.

Efeitos da ação de Maria sobre os videntes

É interessante notar, também, o efeito do Segredo de Maria sobre essas crianças. Elas mudaram, está bem. Mas quais os sintomas externos dessa mudança? Quais foram as manifestações externas dessa transformação? São apontadas aqui três coisas: grande seriedade, espírito de oração e espírito de sacrifício. Por cima de tudo isso, uma convicção muito grande da missão deles e o desejo de viver para essa missão, de onde vinham essas três consequências.

Espírito de seriedade

Espírito de seriedade. Os senhores viram o Francisco censurar a Lúcia por esta não ser bastante séria e aceitar de bailar, ou seja, fazer aquela dançazinha portuguesa com crianças. E a razão dada por Francisco para repreender a Lúcia foi essa:

— Você, que viu Nossa Senhora aparecer, não deveria participar desses brinquedos.

A Lúcia respondeu:

— Mas, afinal de contas, pediram tanto!

Disse o Francisco:

— Mas como eles sabem que a você Nossa Senhora apareceu, a você eles não deviam pedir.

Como quem diz: “Eles compreenderão a sua recusa ou, ao menos, têm todos os dados para compreender. Se eles não compreendessem, seria por culpa deles, mas você deveria ter recusado”.

É a ideia de que para agradar Nossa Senhora precisa ser muito sério. Não se agrada Nossa Senhora sem ser muito sério.

E de Francisco, a ficha diz que ele era lógico, raciocinava muito, com muita firmeza no tocante a seus deveres. O autor emprega até uma palavra muitas vezes utilizada hoje em sentido pejorativo: que ele era “severo”. Ele possuía uma lógica completa e deduzia de sua missão que era preciso ser daquele jeito: sério, não dizer nada inconveniente, agir corretamente. Por isso ele não perdia ocasião de dar o exemplo e de proceder segundo a lógica.

Mais ainda, esta seriedade, nas condições insignificantes de crianças, levava-as à combatividade. A Jacinta não via uma pessoa dizer ou fazer algo errado, sem que ela a repreendesse: “Isto aqui não está bom!” E dava a razão religiosa: “Deus não deve ser ofendido! Já está tão ofendido em nossa época, você ainda quer ofendê-lo mais? Quer acrescentar algo a esta montanha de pecados que se cometem?”

Então, os senhores percebem como a seriedade e a lógica são o fruto do Segredo de Maria. E se nós quisermos corresponder às graças de Nossa Senhora, devemos agir de maneira a sermos sérios e lógicos. E, pelo menos, quando virmos pessoas sérias e lógicas, tratarmos de admirá-las, de nos acercarmos delas, conversar com elas, e nos deixarmos penetrar pelo espírito delas.

Espírito de sacrifício

De outro lado, o espírito de sacrifício. As duas crianças recebem de Nossa Senhora a notícia de que morrerão dentro de um breve prazo. E a Francisco a notícia podia apavorar porque estava dito que ele morreria logo. Ora, a morte é um castigo imposto ao homem, e sua proximidade, em geral, apavora. Quando a pessoa não tem uma graça especial, diante da proximidade da morte fica aterrorizada. Francisco viu, alegre, a morte aproximar-se. Ele ia fazer o sacrifício pedido por Nossa Senhora. Não tinha saudades de nenhum dos bens deste mundo. Queria ir para o Céu e deixar esta Terra com a imolação de sua vida para a vitória da causa católica.

De Jacinta Nossa Senhora pediu algo que, por um aspecto, apavorava menos. Pediu que ela vivesse por mais algum tempo. É o espectro colocado um pouco mais longe. Entretanto, disse-lhe que viveria mais para sofrer. Quem não tem medo de uma vida de sofrimentos? E revelou-lhe um dos sofrimentos que mais apavoram as crianças: ficar doente e longe dos pais. Nossa Senhora disse: “Tu serás levada a Lisboa e tua mãe vai deixar-te”. Portanto, “tu adoecerás e morrerás sem a assistência dos teus”. E ela morreu, de fato, sem o socorro materno. Ela aceitou também. Eu creio ser o mais pesado sacrifício que se pode pedir a uma criança. O Segredo de Maria levou-a a esse sacrifício.

Espírito de oração

Depois, espírito de oração. Rezavam continuamente. E para que rezavam? Pela causa católica. Porque rezavam para Deus não ser ofendido, Deus ser glorificado, o que é a própria essência da causa católica. Tudo, em última análise, consiste nisso: que Deus seja glorificado e não seja ofendido. E isto eles tinham em mente sempre e rezavam muito.

Mas qual era a fonte que ininterruptamente estava dando-lhes este alimento espiritual? Era a crença na própria missão. A crença em que se cumpriria sobre eles a palavra de Nossa Senhora.

Virtudes a serem pedidas a Nossa Senhora por intercessão dos videntes de Fátima

Nós podemos fazer dessas considerações uma aplicação para nós? Eu creio que facilmente. Porque essas são as virtudes às quais nossa vocação nos convida. A nossa vocação contém uma espécie de raiz do Segredo de Maria. Sem dúvida, quem entra para nosso Movimento com as disposições normais experimenta desde logo várias melhoras em sua alma. E depois tem de passar pelo embate das provas que todos nós, infelizmente, conhecemos. Mas, de si, há algo de parecido — parecido não quer dizer idêntico — com o Segredo de Maria. E todo novato tem um grande impulso para a frente que consiste numa certa transformação. Essa transformação opera com o caráter rápido, célere, fácil, atraente com que age a graça do Segredo de Maria. Além disso, nossa vocação é ordenada aos fatos anunciados por Nossa Senhora em Fátima. Isto estabelece mais uma relação entre nossa vocação e a deles.

E eu creio que quem peça a Nossa Senhora de Fátima, por intercessão deles, auxílio para sermos fiéis a essa nossa vocação, fará a Ela uma oração especialmente grata. E poderá receber favores enormes para ser fiel à vocação, mesmo em circunstâncias dificílimas, graças precisamente ao Segredo de Maria.

E nossa vocação necessita das quatro virtudes que eles praticaram: a virtude básica, crermos em nossa vocação como eles creram na deles; e, em consequência: seriedade, espírito de sacrifício e espírito de oração.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/10/1971)

 

1) Cf. DE MARCHI, I. M. C., Pe. João. Era uma Senhora mais brilhante do que o Sol… Fátima: Edições Consolata. Na 7a edição (1978) o trecho resumido para Dr. Plinio encontra-se nas páginas 251-267.

Fátima

Maio de 1944. A Segunda Guerra mundial convulsionava largas regiões do globo. Havia pouco, Dr. Plinio tomara conhecimento da mensagem de Nossa Senhora em Fátima, vendo logo, na correspondência da humanidade a ela, o único meio de interromper a decadência da civilização. O jovem líder católico utilizou, então, as páginas do “Legionário” para analisar pela primeira vez os acontecimentos da Cova da Iria. Pôs empenho em destacar a integridade moral de Lúcia e dos Bem-aventurados Jacinta e Francisco, como ponderável argumento em prol da autenticidade das aparições.

Há pouco menos de 30 anos, a primeira conflagração mundial caminhava para seu declínio. Contido o ímpeto inicial da invasão teutônica, os franceses se dispunham a reconquistar o território perdido. Para os políticos de alto bordo e os observadores militares, já não era duvidoso o êxito final da luta. Toda a estratégia alemã se baseara na esperança do triunfo da “blitzkrieg” (guerra relâmpago). A primeira cartada se jogaria com imensas possibilidades de êxito. Mas era a única. Os alemães a tinham perdido. O resto, para os aliados, era apenas questão de tempo. Os financistas, os sociólogos, os politiqueiros, já começavam seu burburinho de antecâmaras e bastidores, para saber como o mundo se reorganizaria no após-guerra. E isto enquanto nos campos de batalha a luta ainda ia acesa, e os canhões germânicos troavam não muito longe de Paris.

Esse burburinho tinha real importância. Tinha, mesmo, muito mais importância do que o troar dos canhões. Nos campos de batalha, se liquidava uma guerra já decidida “in radice”. Nos gabinetes, não se liquidava uma guerra, mas se elaborava uma nova era. O futuro já não estava na retranca das metralhadoras, mas nos “pourparlers”(negociações) dos bacharéis e dos técnicos.

Grande Jato da história contemporânea

Quando começavam a delinear-se apenas, timidamente, as primeiras linhas desse mundo novo, verificou-se um dos fatos mais consideráveis da história contemporânea. Em nosso mundo são muitos os céticos que não acreditam nesse fato. Os que não são céticos são tímidos, e não ousam proclamar os fatos em que acreditam. Uns por falta de Fé, outros por falta de coragem, não ousam incorporar à história contemporânea esse acontecimento. Mas, os mais graves motivos sobre que a inteligência humana pode basear-se aí estão patentes, a atestar que Nossa Senhora baixou dos céus à terra, e que manifestou a três pequenos pastores de um recanto ignorado e perdido do pequeno Portugal, as condições verdadeiras, os fundamentos indispensáveis para a reorganização do mundo. Ouvida essa mensagem, a humanidade encontraria verdadeiramente a paz. Negada, ignorada essa mensagem, a paz seria falsa e o mundo emergirá em nova guerra. A guerra veio. A guerra aí está. Cogita-se agora, como há 30 anos atrás, de reorganizar novamente o mundo. Nenhum momento é mais oportuno do que este, para recordar a aparição de Nossa Senhora em Fátima. E isto tanto mais quanto, há precisamente três dias, a Igreja celebrou a festa litúrgica de Nossa Senhora de Fátima.

Analisemos primeiramente o fato.

Lúcia, Francisco e Jacinta eram três pastores como os há tantos em Portugal. Educados em zona inteiramente isolada dos miasmas contemporâneos, conservam intacta a flor de sua inocência batismal, e, à falta de cartilhas e de grupos escolares, desenvolviam sua personalidade, sua formação, sua virtude, em contato com as belezas do campo, com os encantos da arte e da música popular de sua terra, com a suave austeridade dos ensinamentos cristãos recebidos dos lábios de suas mães, ou do singelo e piedoso magistério do Pároco da aldeia. Neles, como em todos os filhos da Igreja, era generoso o ânimo com que lhe correspondiam. Não passavam porém de três excelentes crianças, que cumpriam seus deveres, rezavam com uma piedade sincera à qual não era alheia por vezes certa preguiça, e passavam seus dias guardando conscienciosamente os rebanhos paternos.

Foi num dia destes, igual a todos os outros, que se manifestou para eles a primeira aparição, à qual depois muitas outras se seguiram. Eram crianças tão extremamente simples e ignorantes, que seriam incapazes de forjar qualquer quimera que por fim os sugestionasse. Quando vieram as primeiras aparições, nem sabiam com Quem tratavam. Descrevendo maravilhados a Pessoa que lhes aparecera, retratavam por suas palavras uma figura de uma elegância, uma majestade, uma nobreza que sua imaginação de pequenos pastores nunca teria podido forjar gratuitamente.

Autenticidade dos três mensageiros

Imediatamente se abateu sobre eles uma verdadeira perseguição. Estiveram na cadeia, foram ameaçados de morte, e até conduzidos ao lugar de seu suposto suplício; portaram-se com a dignidade dos mártires do Coliseu. Depois, foram objeto dos agrados indiscretos e frenéticos da multidão. Conservaram-se, no meio deste triunfo, sóbrios, simples, desinteressados como um Cincinato(1). Interrogados muitas vezes em separado, com mil artifícios destinados a induzi-los ao exagero, ou à diminuição da verdade, sempre souberam conservá-la íntegra.

Dois deles morreram ainda na infância, Jacinta e Francisco. Jacinta profetizou sua morte, quando nada faria suspeitar um fim tão prematuro. E ao morrer como dissera, fê-lo afirmando a verdade das revelações. Francisco também testemunhou  a  verdade   do que vira, até morrer. Lúcia não morreu, mas tomou o hábito religioso. Pertence hoje à Congregação das beneméritas Irmãs Doroteias [transferiu-se depois para o Carmelo], e com sua responsabilidade de Esposa de Jesus Cristo confirma plenamente na idade adulta as afirmações que fizera em sua juventude. Ela estaria em pecado mortal, se não desmentisse as visões, no caso de as ter falseado de parceria com seus pequenos primos. Ela recebe, entretanto, continuamente o Santo Sacramento com a tranqüilidade dos justos. Essas são as testemunhas. O selo do martírio, o prestígio da inocência, a dignidade do hábito religioso, lhes asseguram a veracidade.

Realmente, quando, diante de uma multidão calculada em milhares de pessoas, os pequenos pastores sustentavam que estavam vendo Nossa Senhora, não mentiam. Tudo em sua vida no-lo atesta. Até sua ignorância serve de credencial a esses pequenos arautos. Crianças que ao tempo das aparições nem sabiam quem é o Papa, não poderiam inventar o que disseram, como um analfabeto não inventa uma teoria de trigonometria, ignorando até as quatro operações da aritmética.

Majestade e beleza da Senhora

Examinados os mensageiros, analisemos a Senhora que lhes deu a mensagem. Faça-se um teste: tomem-se várias crianças em separado, e mande-se-lhes que fantasiem a título de composição literária uma aparição de Nossa Senhora, descrevendo seu semblante, seu traje, suas expressões fisionômicas, seus gestos, anotando-lhe as palavras, o que sairia de tudo isto? Quanta coisa infantil, quanta concepção grotesca, quanto pormenor francamente ridículo!

O nível de instrução das crianças de Fátima era incomparavelmente inferior ao de uma criança de cidade. Não conheciam teatros nem cinemas, não tinham visto livros com figuras representando rainhas, senhoras de corte dos tempos antigos, etc. Não tinham, pois, outra ideia de beleza, elegância e distinção, que não a que filtrava até elas em que luscofusco! através dos tipos femininos que viam em redor de si na aldeia. Não possuíam a menor noção da beleza própria aos vários coloridos e a suas respectivas combinações. Tudo isto não obstante, a Senhora que lhes aparece, eles a descrevem com pormenores suficientes para se ver que era uma figura de sublime beleza, trajada com uma rara majestade e simplicidade. Senhora, aliás, tão diferente de tudo quanto eles conheciam em matéria de imagens, que não suspeitariam que fosse Nossa Senhora, e nem sequer uma Santa. Foi só quando a Senhora se declarou, que souberam com Quem tratavam.

Essa Senhora lhes disse coisas muito elevadas. Falou-lhes da guerra, falou-lhes do Papa (que Jacinta, a menor, não sabia que existisse), falou-lhes da pureza dos costumes e do respeito aos domingos, falou-lhes de política e de sociologia. E essas crianças repetem a mensagem com uma fidelidade extraordinária!

Realmente, como diz a Escritura, Deus tira para si, “da boca das crianças, um louvor perfeito”.

Mensagem absolutamente ortodoxa

É o momento de considerarmos a mensagem. Antes de tudo, notemos que ela é absolutamente ortodoxa. Não é fácil inventar uma mensagem ortodoxa. Muito figurão “católico” que serve para discursos de inauguração, de luto, etc., etc., etc., toma um cuidado tremendo para não preparar um discurso que cheire a heresia… e solta duas ou três heresias em seu discurso. Ora, todas, absolutamente todas as palavras da Senhora aos pequenos Pastores são de uma ortodoxia absoluta. Tratando temas complexíssimos, Ela nem uma só vez erra em doutrina. Positivamente, isto não poderia ser invenção de pequenos pastores.

Mas há mais. A mensagem da Senhora, que sobreveio precisamente no momento crucial em que se preparava o após-guerra, desprezando as manifestações aparatosas de falso patriotismo e de cientificismo dos “técnicos”, colocou com grande simplicidade todas as coisas em seus termos únicos e fundamentais. A guerra fora um castigo do mundo, por sua impiedade, pela impureza de seus costumes, por seu hábito de transgredir os domingos e dias santos. Isto resolvido, todos os assuntos se resolveriam por si. Isto não resolvido, todas as soluções nada resolveriam… E se o mundo não ouvisse a voz da Senhora, se ele não respeitasse esses princípios, nova conflagração viria, precedida de fenômeno celeste extraordinário. E essa conflagração seria muito mais terrível que a primeira.

Desprezo, mais pecados e novo castigo

Reuniram-se os técnicos …. “et convenerunt in unum adversus Dominum” (e decidiram por unanimidade contra o Senhor). Construíram uma paz sem Cristo, uma paz contra Cristo. O mundo se afundou ainda mais no pecado, a despeito da mensagem de Nossa Senhora. Em Fátima, os milagres se multiplicavam, às dezenas, às centenas, aos milhares. Ali estavam eles, acessíveis a todos, podendo ser examinados por todos os médicos de qualquer raça ou religião. As conversões já não tinham número. E, tudo isto não obstante, ninguém dava ouvidos a Fátima. Uns duvidavam sem quererem estudar. Outros negavam sem examinar. Outros criam mas não tinham coragem de o dizer. A voz da Senhora não se ouviu. Passaram-se mais de vinte anos. Um belo dia, sinais estranhos se viram no céu… Era uma aurora boreal, noticiada por todas as agências telegráficas da terra. Do fundo de seu convento, Lúcia escreveu a seu Bispo: era o sinal, e dentro em breve a guerra viria. A guerra veio dentro em breve. Ela está aí, e hoje se cuida novamente de “reorganizar o mundo”, aos últimos clarões desta luta potencialmente já vencida.

Não endureçamos nossos corações…

“Si vocem ejus hodie audieritis, nolite obdurare corda vestra – se hoje ouvirdes sua voz, não endureçais vossos corações”, diz a Escritura. Inscrevendo a festa de Nossa Senhora de Fátima no rol das celebrações litúrgicas, a Santa Igreja proclama a perenidade da mensagem de Nossa Senhora dada ao mundo através dos pequenos pastores. No dia de sua festa, mais uma vez a voz de Fátima chegou a nós: não endureçamos nossos corações, porque só assim teremos achado o caminho da paz verdadeira.

 

(Transcrito do “Legionário”, nº 614, 14/5/1944. Subtítulos nossos.)

1) Romano célebre pela simplicidade e austeridade de seus costumes.

Oração: Nossa Senhora de Fátima, o extremo sacrossanto

O Virgem Mãe, Senhora de Fátima, que anunciastes ao mundo tão extremas aflições e tão excelsas alegrias, revelando os terríveis castigos e os grandes triunfos pelos quais passará a Cristandade! A Vós, que denunciastes com tanta clareza os extremos de abominação moral a que chegamos e, ao mesmo tempo, fizestes ver a plenitude de vossa insondável santidade, eu Vos suplico: mudai o meu espírito!

Não permitais que eu continue sendo uma dessas incontáveis pessoas de horizontes curtos e de interesses circunscritos à pequena esfera de sua própria individualidade. Fazei, pelo contrário, que pela despretensão e abnegação eu seja uma alma aberta e ardente, capaz de medir em toda a sua extensão os extremos que em Fátima se divisam e de tomar uma posição intransigente e completa a favor do extremo sacrossanto que sois Vós, oh! minha Mãe: extremo de amor de Deus, de pureza, de humildade, de despretensão, de inquebrantável combatividade!

Fazei com que eu, assim, seja um contrarrevolucionário modelar, um perfeito apóstolo dos últimos tempos. Amém.

Plinio Corrêa de Oliveira (Oração composta em 8/5/1971)

Não endureçamos nossos corações

“Hodie si vocem eius audieritis, nolite obdurare corda vestra — se hoje ouvirdes sua voz, não endureçais vossos corações” (Sl 94, 7-8), diz a Escritura. Inscrevendo a festa de Nossa Senhora de Fátima no rol das celebrações litúrgicas, a Santa Igreja proclama a perenidade da mensagem de Nossa Senhora dada ao mundo através dos pequenos pastores. No dia de sua festa, mais uma vez a voz de Fátima chegou a nós: não endureçamos nossos corações, porque só assim teremos achado o caminho da paz verdadeira.

(Transcrito do “Legionário”, nº 614, de 14/5/44)

O Deus das vinganças está se aproximando e vai vencer

Não podemos considerar que os castigos preditos por Nossa Senhora em Fátima estão por se realizar, pois já começaram a acontecer. O que está ocorrendo com a Igreja é, segundo toda a evidência, um castigo.

A Igreja é o centro do gênero humano, a entidade que a Santíssima Virgem mais ama na Terra. Se o castigo começou na parte mais nobre, que é a Igreja, não tem todas as razões para temer esse castigo a parte inferior, a sociedade civil, se esta persevera no mal?

 

Devemos fazer um comentário a respeito de Nossa Senhora de Fátima, tema tantas vezes tratado entre nós e que, entretanto, precisa ser comemorado sempre com uma especial solenidade.

De 1917 para cá, o mundo piorou espetacularmente

Dos múltiplos aspectos que o acontecimento de Fátima desperta, creio haver um que vem mais a propósito assinalar no presente comentário. Antes de tudo, devemos considerar nesse acontecimento – o qual está revestido de um caráter profético –, como traço saliente no meio de todos os aspectos, o fato de Nossa Senhora ter prometido ao mundo misericórdia se houvesse emenda de vida e fosse feita a consagração pedida por Ela; e, ao mesmo tempo, ameaçando com castigos caso o mundo não se emendasse e não se realizasse essa consagração. Esse esquema, que é a essência das revelações de Fátima, é também a substância de várias profecias do Antigo Testamento.

Em relação ao povo judeu e seus inimigos, vários profetas se levantaram tendo exatamente a mesma linguagem e apresentando esta mesma alternativa: bênção e louvores caso se emendassem, castigo se não se convertessem.

Já a ameaça é um ato de misericórdia, porque Nossa Senhora adverte por bondade, para não castigar, como uma mãe que, não querendo punir o filho, diz: “Não faça tal coisa, porque se fizer, eu serei obrigada a castigar”. Como quem afirma: “Ameaço não porque eu esteja com vontade de punir, mas porque sua situação é tal que, a perseverar nela, apesar de minha misericórdia, serei obrigada a castigar”.

Várias profecias são assim, e Nossa Senhora fez tipicamente em Fátima uma profecia, segundo esse esquema.

Passaram-se, de 1917 para cá, cinquenta e dois anos. Ao longo desse tempo, tudo quanto afligia Nossa Senhora em Fátima, e do que Ela se queixou no procedimento do mundo contemporâneo, não só não melhorou, mas piorou espetacularmente.

O castigo já começou com o que está ocorrendo com a Igreja…

Quando temos em vista que nos encontramos, portanto, na pista do castigo, não podemos deixar de entender que essa fabulosa crise que se desenrola na Igreja está na linha desse castigo. Porque, quando consideramos uma entidade como a Igreja, que está sendo castigada – pois o que está ocorrendo com a Igreja é, segundo toda a evidência, um castigo –, e vemos que a Santíssima Virgem prometeu uma punição ao mundo, do qual essa entidade é o eixo, entendemos que, atingindo o eixo, a punição atinge toda a circunferência e, portanto, essa crise que lavra dentro da Igreja está compreendida, implícita ou explicitamente, nos castigos profetizados em Fátima.

Agora, poderíamos nos perguntar se esta situação dentro da Igreja não foi realmente prenunciada em Fátima . Se Nossa Senhora tivesse prenunciado em Fátima o castigo da Igreja, é certo que isso teria sido mantido secreto. Ora, há um segredo que ainda está sendo mantido, o que leva a crer ser esse um dos elementos do segredo. A Santíssima Virgem deve ter dito coisas muito duras a respeito do futuro da Igreja e do clero. E porque não se deu importância a isso, naturalmente aconteceu o que Ela prometeu.

…e virá também a punição do mundo

Então, em vista disso, não podemos considerar que os castigos preditos por Nossa Senhora em Fátima estão por se realizar, mas nós devemos julgar que já começaram a acontecer. Quer dizer, é um sistema de castigos, um processo punitivo que já se desencadeou . E tendo se desencadeado, é muito mais provável admitir que ele chegue até o fim do que pare.

A Igreja é o centro do gênero humano, uma sociedade espiritual, o que há de mais elevado entre os homens; e toda a História gira em torno dela. A Igreja é o que Nossa Senhora mais ama na Terra. A salubridade da Igreja é a condição para a salubridade de todas as coisas morais e espirituais nesta Terra.

Destaco estes dois traços: o que a Santíssima Virgem mais ama na Terra é a Igreja, primeiro traço. Segundo: a salubridade da Igreja é condição para a salubridade de todas as coisas da Terra. Ora, se considero o primeiro traço, vejo que Nossa Senhora castigou aquilo que Ela mais ama. Será que Ela poupará todo o resto, que também não está se emendando? Se o castigo começou na parte mais nobre e que menos deveria recear, que é a Igreja, não tem todas as razões para temer esse castigo a parte mais vil, se esta persevera no mal?

Então, o castigo da Igreja nos faz ver que seria muito de espantar se não viesse a punição para o mundo.

O segundo aspecto da questão é a salubridade da Igreja, como condição da sanidade de tudo. Ora, a Igreja está insalubre como nunca na História. É possível que o mundo não seja contaminado com essa insalubridade?

Portanto, precisamos ver já em curso todos os castigos profetizados por Nossa Senhora. Isso deve nos levar a preparar as nossas almas para crer na mensagem de Fátima.

Processo punitivo que está chegando ao seu paroxismo

Eu repito esquematicamente o raciocínio.

Primeiro ponto: a mensagem de Fátima é uma profecia. Não é uma profecia oficial, como foi a dos profetas do Antigo Testamento, do Apocalipse, mas é uma profecia autêntica com todas as características de uma profecia: a denúncia de um estado altamente censurável, um convite amoroso a abandonar esse estado, uma ameaça e, mais do que isso, a previsão de um castigo caso esse estado de coisas não seja abandonado.

Segundo ponto: essa profecia, no que ela tem de público, não fala de um castigo à Igreja, ou pelo menos não trata de um modo frisante, saliente, de um castigo à Igreja, mas sim de um castigo para o gênero humano. Fala a certa altura que o Papa vai ter muito de sofrer, porém não diz diretamente que os sofrimentos do Papa são por causa dos pecados da Igreja.

Mas a profecia tem um aspecto secreto, um segredo. Ora, nós vemos que a Igreja foi e está sendo duramente castigada. Nossa Senhora não terá falado desse castigo da Igreja? Naturalmente sim. Pois quem fala de castigo para o mundo, é normal que fale do pior desse castigo que é o castigo para a Igreja. Logo é sumamente provável, tudo leva a crer que o castigo da Igreja seja um dos elementos da profecia de Fátima.

Se isto é verdade, a profecia de Fátima não está para se cumprir, mas já começou a se realizar. Sendo assim, devemos nos perguntar se há razões para esperar que esse processo punitivo se detenha.

Então, a resposta é: se esse processo está chegando, quase se diria, a seu termo, ao seu paroxismo em relação à parte mais amada e mais nobre, por que não chegará também ao seu paroxismo em relação à parte menos nobre e menos amada, que é a sociedade civil? Enormemente amada, mas menos do que a Igreja. Tanto mais que a sociedade civil não se emendou. Ela persevera no pecado.

Depois, quando a Igreja está insalubre, o mundo se torna insalubre. E esta insalubridade do orbe chegou a tal ponto que tem de trazer uma convulsão suprema para o mundo. Portanto, nós devemos dizer que começou já na Igreja e, por causa disso, estão postas as causas por onde é inevitável que atinja a sociedade civil. Então, não é só dizer que o castigo já começou, mas começou na sua raiz. E quem golpeia a raiz, golpeia a árvore toda. É assim que nós devemos ver a profecia de Fátima.

Alegria porque afinal de contas o Reino de Maria vai chegar

Alguém poderá dizer: “Dr . Plinio, o que eu não compreendo é o seguinte. Dia de Nossa Senhora de Fátima é dia de nossa Mãe, dia da ternura, do afeto. Ao invés de tratar da ternura e do afeto d’Ela, o senhor nos mostra Nossa Senhora numa análise seca da profecia d’Ela, para tirar algo que nos atormenta, que nos estremece. É esta a festa de uma mãe?”

Eu afirmo o seguinte: qual é o modo de festejar um profeta a não ser por um ato de fé na sua profecia? Foi por amor que a Santíssima Virgem revelou tudo isso. Ela nos dá a possibilidade de admirar os altos desígnios de Deus, de contemplá-Lo enquanto Regedor de toda a História, como Autor de todos os movimentos que se fazem na História, inclusive enquanto Ele permite o mal, para daí tirar para Si sua maior glória. Há, portanto, mil razões que não cabem numa conferência, para nos enlevarmos com isso e adorarmos a Deus.

Mas, uma vez que Nossa Senhora falou, não há melhor ato de reconhecimento às palavras amorosas d’Ela do que procurarmos entender essas palavras e tomá-las a sério. E por isso uma comemoração séria do dia de Fátima é uma análise séria da profecia.

Oxalá, a Santíssima Virgem, na alma de cada um de nós, dê as graças por onde isso frutifique naquela espécie de alegria, de entusiasmo, de desprendimento que a certeza da realização da profecia dá. Porque há uma graça própria a essa realização por onde ela não atormenta, não apavora, nem sequer é recebida com uma fria indiferença, mas enche de alegria. É uma forma de zelo pela Lei e pela glória de Deus, por onde se tem um alívio de ver que, afinal de contas, o Deus das vinganças está se aproximando e vai vencer, e que o Reino de Maria vai chegar. É a única forma de alegria que enche a alma do contrarrevolucionário que abnegou completamente a si mesmo. É essa alegria que eu desejo a todos nesta data. Vamos rezar a ladainha do Imaculado Coração de Maria, uma vez que Nossa Senhora, numa de suas aparições, manifestou-Se com o Coração à mostra, circundado de espinhos.

 

(Extraído de conferência de 13/5/1969)

Maria vivendo em seus escravos

Quando lemos a Oração Abrasada de São Luís Maria Grignion de Montfort, que dá o perfil moral de um Apóstolo dos Últimos Tempos, percebemos serem aqueles varões ali descritos capazes de ir até o último ponto das realizações, porque têm uma estrutura de alma inteiramente metódica, uma convicção profunda e um amor completo.

Assim é a alma de um verdadeiro Santo(1).

Entretanto, para alcançar esta santidade a que se referia, Dr. Plinio considerava indispensável — tal como São Luís Grignion — uma completa união de alma com a Santíssima Virgem. Como “Christianus alter Christus — o cristão é um outro Cristo” — todo católico deve também, de certo modo e guardadas as devidas proporções, identificar-se com Nossa Senhora, como nos explica a seguir Dr. Plinio:

Ao manifestar meu desejo de que Nosso Senhor viva em mim vivendo em Nossa Senhora, não me refiro a um mero existir, mas isto significa Nossa Senhora vivendo, operando, fazendo tudo em mim. De maneira que de mim só saia o que Ela quiser, minha vontade e minha inteligência ficam ligadas às d’Ela e assumidas por Ela. Assim, só penso o que Ela quer que eu pense, só faço o que Ela deseja, só consinto nos sentimentos que Ela queira que eu tenha, minha vida é a d’Ela. Este é o sentido da palavra “vida”, e é este o significado da afirmação “Maria vive em seus escravos”.

Ainda mais: é importante considerar que quando Maria vive em alguém, não é Ela quem vive, mas é Jesus Cristo que vive nesse alguém. Estabelecer limites a Nosso Senhor seria um verdadeiro absurdo. Portanto, devo querer uma entrega ilimitada à Santíssima Virgem.

Essa entrega supõe, antes de tudo, um enlevo completo, seguido de uma veneração e uma ternura completas.

Nessa perspectiva, a atitude perfeita é dar tudo, dar-se a si mesmo, por uma exigência do enlevo e como uma necessidade de sobrevivência, para não decair na vida espiritual, a ponto de amar o espírito que Nosso Senhor pôs em Maria, de maneira a querer ser para Ela como Eliseu foi para Elias.

Quer dizer, ter o espírito d’Ela, porque vejo ser um espírito vindo de Nosso Senhor Jesus Cristo e, portanto, de Deus. É o espírito da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Se eu estiver inteiramente unido a Nossa Senhora, terei a graça inefável de unir-me a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Outros aspectos do mesmo tema poderão ser contemplados na seção “Reflexões teológicas”, à página 22 da presente edição.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Conferência proferida no ano de 1967.