A Eleita de Deus

Débil é a nossa imaginação para conceber o enlevo com que Nossa Senhora penetrou na Casa de Deus e o jubiloso cântico celestial dos Anjos guardiães do Templo, ao acolherem aquela Virgem de quem nasceria o Salvador, a futura Mãe do Messias.

Débil também para imaginar o gáudio que sentiram as almas boas, que perceberam naquela Menina toda a grandeza da criatura eleita pela Trindade Santíssima, ao vê-la atravessar os corredores do Templo, ao contemplá-La nos seus afazeres quotidianos, ao se sentirem consonantes com Ela, a ponto de viverem com Maria, em Maria e por Maria — um modo antecipado de viver em Cristo, com Cristo e por Cristo Senhor Nosso.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Encontro da esperança com a realidade

A festa da Apresentação de Nossa Senhora tem uma beleza especial. Maria Santíssima, a raiz de Jessé da qual haveria de nascer o Messias, é apresentada no Templo, a instituição incumbida de guardar a Promessa. Recebendo Aquela que representa o primeiro passo rumo à realização da Promessa, houve no Templo o encontro da esperança com a realidade.

Nossa Senhora consagra ao serviço de Deus sua alma insondavelmente santa, fazendo penetrar no Templo a luz incomparável de sua santidade. Começa, então, a preparação d’Aquela que viria a ser a Mãe do Salvador.

Nesta comemoração, devemos apresentar nossas pessoas à Santíssima Virgem para que Ela se digne aceitar e assumir a tarefa da nossa santificação, como foi feito pelo Espírito Santo com Ela, no Templo de Jerusalém.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/11/1965)

Cantando pelos caminhos da Judeia

Caminhando em direção ao Templo, Nossa Senhora cantava hinos de louvor a Deus. Dos terraços da Jerusalém celeste, os Anjos se debruçavam para vê-La e ouvir seus cânticos. Tudo isso é muito bonito. Contudo, mais belo ainda deve ter sido o momento em que Maria Santíssima entrou no Templo.

Em 21 de novembro se comemora a festa da Apresentação de Nossa Senhora. No livro do Padre Régamey, “Les plus beaux textes sur la Vierge Marie”, encontramos as seguintes reflexões de São Francisco de Sales:

Nossa Senhora cantava mil vezes mais graciosamente que os Anjos

É um ato de admirável simplicidade o desta gloriosa criança que, presa ao regaço de sua mãe, não deixa, entretanto, de se relacionar com a Divina Majestade. Ela se absteve de falar até o momento apropriado e, mesmo assim, não o fazia senão como as outras crianças de sua idade, embora falasse sempre com sabedoria.

Ela permaneceu como um suave cordeiro junto a Santa Ana pelo espaço de três anos, após os quais foi conduzida ao Templo para aí ser ofertada como Samuel, que também foi levado ao Templo por sua mãe e dedicado ao Senhor na mesma idade.

Ó meu Deus, como desejaria poder representar vivamente a consolação e suavidade dessa viagem, desde a casa de Joaquim até o Templo de Jerusalém! Que contentamento demonstrava essa criança, vendo chegar a hora que Ela tanto desejara!

Os que iam ao Templo para adorar e oferecer seus presentes à Divina Majestade cantavam ao longo da viagem. E para isso o real profeta Davi compusera expressamente um salmo, que a Santa Igreja nos faz repetir todos os dias no Ofício Divino. Ele começa pelas palavras: “Beati immaculati in via” – “Bem-aventurados são aqueles, Senhor, que caminham na tua via sem mácula” (Sl 118, 1), sem mancha de pecado, “in via”, ou seja, na observância dos teus Mandamentos.

Os bem-aventurados São Joaquim e Santa Ana entoavam então esse cântico ao logo do caminho, e nossa gloriosa Senhora e Rainha com eles.

Ó Deus, que melodia! Como Ela entoava mil vezes mais graciosamente que os Anjos! Por isso ficaram eles de tal forma admirados que, aos grupos, vinham escutar essa celeste harmonia e, os Céus abertos, inclinavam-se nos alpendres da Jerusalém celeste para olhar e admirar essa amabilíssima menina.

Eu quis vos dizer isso, embora rapidamente, para que tenhais com que vos entreter o resto desse dia considerando a suavidade dessa viagem. Também para que fiqueis comovidos ao ouvir esse cântico divino que nossa gloriosa Princesa entoa tão melodicamente. E isso com os ouvidos de vossa devoção, porque o muito feliz São Bernardo diz que a devoção é o ouvido da alma.

Por humildade, Ela vivia como uma criança comum

O fundamento teológico de tudo quanto está dito aqui é a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.

Como a Santíssima Virgem, desde o primeiro instante de seu ser, foi imaculada, Ela não tinha as limitações inerentes ao pecado original. E entre essas limitações está o fato de a pessoa nascer sem uso da sua inteligência. A pessoa nasce inteligente, mas sem o uso da sua inteligência. Esse uso só vem mais tarde com o desenvolvimento do corpo. Com Nossa Senhora não. Ela teve, desde o seu primeiro instante, o uso da sua inteligência que era, naturalmente, altíssima.

De maneira que n’Ela se reuniam, num contraste admirável, o que em Nosso Senhor toma uma sublimidade que chega a ser sublimemente desconcertante. Reuniam-se na infância d’Ela, como na de Nosso Senhor, aspectos aparentemente contraditórios. De um lado, Maria Santíssima possuía uma contemplação superior à dos maiores Santos da Igreja, quando estava ainda nos primeiros passos de sua vida. Mas, de outro lado, Ela mantinha toda a atitude de uma criança. E não fazia uso externo disso, querendo, por humildade, viver como uma criança qualquer.

De maneira tal que quem tratasse com Ela, a não ser por alguma expressão de olhar ou algo assim, teria a sensação de estar tratando com uma verdadeira criança comum, igual às outras. É como Nosso Senhor Jesus Cristo, em Menino, que queria ser nutrido, guardado, pajeado como uma criança. Embora fosse Deus, soberano Senhor e Rei do Céu e da Terra, em todas as suas manifestações externas era como uma criança.

Já imaginaram como seria, na vida quotidiana de São José e de Nossa Senhora, a hora em que era preciso dar leite ou trocar de roupas a Deus? Pegá-Lo, colocá-Lo sobre uma mesa e vesti-Lo com uma roupinha, sabendo, como sabiam, que ali estava a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, com a natureza divina hipostaticamente unida à natureza humana? Portanto, naquela criancinha que sorria estavam reunidos todos os esplendores das alegrias, da majestade e da grandeza da divindade! Quer dizer, o que isso representava era de aturdir!

A meu ver, algo disso se dava também com São Joaquim e Santa Ana. Não sei se eles sabiam que Nossa Senhora seria a Mãe do Verbo Encarnado. Mas certamente pressentiam que era uma menina designada a altíssimas coisas com ordem ao Messias. Então essa Menina ali presente, levava toda a vida de uma criancinha, mas tendo em si a contemplação magnífica de um grande Doutor da Igreja.

Então, nós compreendemos como se ajustam esses aspectos da benignidade extrema, afabilidade, acessibilidade de Nossa Senhora, com uma grandeza da qual os maiores homens da Terra não são senão uma minúscula figura.

Local onde se manifestavam a glória e as consolações de Deus

Por que isso? Porque Maria Santíssima quis que as coisas fossem assim: Rainha incomparável, era Ela, ao mesmo tempo, Menina simplicíssima; tão simples que a sua vida externa era a de qualquer criança. O que, aliás, Santa Teresinha, num trecho a respeito do modo de fazer sermões sobre Nossa Senhora, comenta muito bem dizendo que ela gostaria de realizar uma pregação à maneira dela, e mostrar na Santíssima Virgem todo esse lado de bondade, de simplicidade, de acessibilidade, a ponto de ser uma criancinha que os parentes punham no colo. Possivelmente, logo que foi capaz de servir um pouco as pessoas, Ela as servia. Trazia água, fazia uma pequena atenção, etc., e era a Rainha do Céu e da Terra.

Esses contrastes harmônicos têm uma tal beleza em si mesmos, que até corremos o risco de desdourá-los tratando deles por demais longamente. Há neles qualquer coisa de insondável, diante do que é melhor manter silêncio.

Ora, nessas condições e, segundo uma tradição muito generalizada, aos três anos de idade, Nossa Senhora foi levada ao Templo. E no caminho para Jerusalém, como os judeus costumavam fazer, Ela ia cantando. É lindíssimo!

Como sabemos, o único Templo ficava em Jerusalém, na Judeia. Havia sinagogas onde o povo se reunia para rezar determinadas orações, ouvir as leituras e comentários das Sagradas Escrituras, mas o Templo onde se realizavam os sacrifícios era só aquele. E os judeus de todo o território de Israel, como também os dispersos pelo mundo inteiro, vinham periodicamente a Jerusalém para participar dos sacrifícios do Templo.

Era uma alegria ir aonde se manifestavam a glória e as consolações de Deus, o vínculo entre o Céu e a Terra. Então, era bonito que eles fossem cantando. Aliás, como tantas vezes acontece em romarias, ao menos como se realizavam antigamente.

É preciso dizer também que os métodos de locomoção modernos conspiram contra o canto. Não se pode imaginar, num subúrbio da Central do Brasil, um trem partindo para Aparecida a todo “galope” e as pessoas cantando dentro dele. Como é mais bonito ir a pé, pousando de quando em quando, parando, cantando, tocando para a frente! Isso tem outra plenitude humana, outra harmonia natural!

Podemos imaginar que beleza, quando chegava o mês da visita ao Templo de Jerusalém, os judeus irem cantando e a nação judaica se encher, nos seus caminhos, de cânticos de todos os lados! Então, São Francisco de Sales conjetura a Santíssima Menina Maria cantando com uma voz inefável, com São Joaquim e Santa Ana, o cântico que Davi, por inspiração do Espírito Santo, compôs para essa circunstância.

Alegria dos Anjos quando a Santíssima Virgem entrou no Templo pela primeira vez

Notem como São Francisco de Sales, com uma finura de tato extraordinária, não se refere à impressão que esse canto produziria nas pessoas. Porque, precisamente como Nossa Senhora não manifestava a sua grandeza, era possível que Ela não entoasse com toda a perfeição com que sabia cantar. Ora, o cântico da Santíssima Virgem deveria ser o cântico por excelência! Nunca, nem antes nem depois, ninguém cantou como Ela, exceção feita de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Redentor também cantou, e depois disso, nenhum cântico foi cântico.

É bonito imaginar também outra coisa: Nossa Senhora cantando e os Anjos ouvindo as harmonias de alma com que Ela cantava. E essas harmonias os extasiavam.

Como se costuma comparar o Céu à cidade de Jerusalém, São Francisco de Sales diz que dos alpendres ou dos terraços da Jerusalém celeste os Anjos se debruçavam para ver Nossa Senhora cantando pelos caminhos da Judeia, o que para eles era um gáudio inexprimível, embora os homens ignorassem aquelas harmonias de alma.

Confesso que não conheço pensamento mais bonito nem mais apropriado para essa circunstância do que esse. Contudo, mais belo ainda deve ter sido o momento em que Maria Santíssima entrou no Templo.

O Templo de Jerusalém na sua grandeza, na sua majestade sacral, ainda habitado pela glória do Padre Eterno, onde se realizavam os sacrifícios, o lugar mais sagrado da Terra! Imaginem o estremecimento de alegria de todos os Anjos que pairavam no Templo, no momento em que Nossa Senhora ali entrava pela primeira vez, como uma Rainha naquilo que lhe é próprio, como a joia entra no escrínio onde deve ser guardada!

Tanto mais se aos Anjos foi dado a conhecer que a grande glória e a imensa tragédia do Templo estavam por se realizar. Qual era a glória? O Messias iria entrar no Templo. Qual a tragédia? O Templo iria recusar o Messias. Tragédia cujo final seria aquilo que Bossuet chama magnificamente de “as pompas fúnebres do Filho de Deus”, quando ele diz que, logo após Nosso Senhor Jesus Cristo expirar, o Padre Eterno começou a preparar os funerais d’Ele: o céu se obscureceu, o Sol se toldou, a terra tremeu, o véu do Templo se rasgou. O recinto outrora sagrado ficou entregue aos demônios que fizeram ali uma espécie de sabá, à maneira de cem mil gatos selvagens soltos ali dentro.

Não obstante, o Templo conheceu sua plenitude na célebre vinda de Nossa Senhora e São José, quando trouxeram o Menino Jesus, e Ana e Simeão, que representavam a fidelidade, receberam a Sagrada Família. Então os fiéis reconheceram o Enviado e se fechou o elo entre os justos da Antiga Lei e a promessa que se cumpria.

Pois bem, a Santíssima Virgem, entrando no Templo de Jerusalém no momento de sua Apresentação, realizava o primeiro passo nessa plenitude da história desse lugar sagrado.

O que os “Simeãos” e as “Anas” lá existentes devem ter sentido nessa hora, que graças, que fulgurações do Espírito Santo devem ter havido no Templo nessa ocasião, ninguém poderá dizê-lo, a não ser no fim do mundo. Mas sigamos o conselho do suavíssimo São Francisco de Sales e fiquemos com todas essas recordações em nossas almas, pensemos nelas, suave e alegremente, tanto quanto possível: Nossa Senhora cantando pelos caminhos, entrando no Templo de Jerusalém e, dos alpendres da Jerusalém celeste, os mais altos Anjos embevecidos com a alma dessa Menina. É uma meditação muito adequada para o dia da Apresentação de Nossa Senhora.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/11/1965)

Medianeira de todas as graças

Nossa Senhora é a Medianeira de todas as graças. Portanto, todas as súplicas que vão a Deus passam por Ela. De tal maneira que se todos os Santos do Céu pedirem algo em união com Maria Santíssima, são atendidos; mas se Nossa Senhora não suplicasse com eles, não seriam acolhidos. Entretanto, a Santíssima Virgem pedindo sozinha é atendida.

É pela intercessão d’Ela que todas as preces chegam e se tornam agradáveis a Deus, como também todas as graças concedidas pelo Criador chegam até nós por meio d’Ela.

Maria é, pois, o canal por onde todas as preces sobem a Deus e todas as graças descem para os homens.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/10/1971)

Meditação e apostolado

A civilização contemporânea, por força da vida trepidante imposta pelos meios de diversão excitantes, mantém o homem numa perpétua agitação e fixa constantemente sua atenção sobre fatos novos, não raras vezes sensacionais, de uma atualidade candente, porém logo depois substituídos por outros, numa sucessão atordoante.

Habituado a ocupar-se por esta forma, o homem contemporâneo sofre frequentemente de uma superexcitação dos sentidos e da imaginação, e de uma atrofia da razão. Molesta-o fixar longamente a atenção sobre um mesmo objeto. A reflexão calma, lúcida, prolongada parece-lhe fastidiosa. Fixar a atenção, refletir são operações que implicam na primazia da inteligência sobre os sentidos. E nós vivemos do contrário: do domínio dos sentidos sobre a inteligência.

Por dissipação, entendem os autores espirituais precisamente este defeito. A alma considera constantemente o mundo, e nunca entra em si mesma, nunca analisa seu próprio interior. Considerando o mundo exterior, ela o faz de modo superficial, contentando-se apenas com as aparências e não penetrando jamais na realidade profunda das coisas, nem remontando delas para um plano de cogitações mais elevado.

O hábito da meditação consiste exatamente no contrário. O homem é capaz de isolar-se, privar seus sentidos da embriaguez contínua das impressões, das sensações e vibrações, desviar sua atenção do que é externo, passageiro, superficial, para isolar-se na calma de algum recanto e pensar.

A meditação especificamente religiosa, como no-la apresenta a Santa Igreja, tem um fim bem definido: considerar as verdades cujo conjunto constitui a Doutrina Católica, vendo a si mesmo e ao mundo exterior com ordem a essas verdades.

Toda a vida espiritual depende da graça de Deus e da colaboração da vontade humana. Ora, na meditação é Deus que, pela graça, vai esclarecendo a inteligência e dando vigor à vontade para o conhecimento e a prática do bem. É, pois, um ato de intimidade da alma com o Divino Espírito Santo, que transcende a simples meditação natural e a eleva à categoria de um dos atos mais augustos da vida humana.

Esta meditação sobrenatural, disse-lo expressamente Nosso Senhor (cf. Mt 11, 25), não é privativa dos homens de ciência. A história dos Santos prova que muitas vezes as meditações mais profundas foram feitas por pessoas muito ignorantes no sentido humano da palavra, mas cheias de virtude e de amor de Deus.

E o apostolado? Não se diria que a meditação inutiliza o homem para a ação? O que é melhor: rezar ou agir?

A pergunta equivaleria, no terreno espiritual, a esta outra no terreno material: o que deve fazer o homem, comer ou beber? Evidentemente, é preciso comer e beber, rezar e agir.

A meditação bem feita traz, por consequência, o espírito de apostolado. Os próprios religiosos contemplativos não escapam a esta regra, pois fazem apostolado, e do melhor. E se um contemplativo não tem zelo pela salvação das almas, pode-se dizer que sua contemplação é mal feita.

Meditar é exercitar-se no amor a Deus e ao próximo. Como pode alguém ter esse amor e ser indiferente a que a glória de Deus seja conspurcada a todo momento pelo pecado, e a todo instante as almas exponham a sua salvação?

Na realidade, ser apóstolo supõe, antes e acima de tudo, meditação. Pois um apostolado sem amor de Deus e do próximo não tem sentido nem consistência, é mera agitação(*).

 

Plinio Corrêa de Oliveira

(*) Excertos da conferência realizada na sessão solene de encerramento do 1° Congresso das Ordens Carmelitanas do Brasil em 30/10/1952, e publicada em Mensageiro do Carmelo, novembro-dezembro de 1952, p. 267-269.

Meu filho, ânimo!

Consolar não é apenas enxugar o pranto de quem chora; é muito mais do que isso. É dar força, dar ânimo, e dar decisão.

Nossa Senhora é a consoladora dos aflitos.

O homem que fica aflito, facilmente se acabrunha exageradamente, perdendo a coragem e se entregando. Nossa Senhora o consola dizendo: “Meu filho, ânimo! Eu te concedo forças para lutar. Enfrenta o adversário, pois tudo é reparável. No céu serão pagos os teus sofrimentos e lá tu serás recompensado, em glória, por tudo quanto tiveres carregado nos ombros. Agora, coragem e para frente!”

Isso é propriamente a consolação, quer dizer, uma fortificação. Nossa Senhora dá isso aos aflitos, àqueles que estão precisando de forças para lutar.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/9/70)

Revista Dr Plinio 140 (Novembro de 2009)

Igreja perfeita e alegria do mundo inteiro

Feita de cristal, a Sainte-Chapelle é o auge da beleza, da proporção, da união, da unção régia e da gravidade divina. A Catedral de Notre-Dame, entretanto, é o monumento que melhor exprime o espírito francês no seu equilíbrio perfeito. Outrora quiseram demoli-la: eis o sintoma da decadência extrema da sociedade.

 

A Sainte-Chapelle, capela mandada construir por São Luís IX para abrigar um dos espinhos da coroa de Nosso Senhor Jesus Cristo, está encastoada no “Palais de Justice” do tempo de São Luís – o qual foi destruído quase completamente – e exprime, a meu ver, o apogeu do sorriso francês.

Capela feita de cristal

É uma capela a respeito da qual posso dizer que não conheço coisa mais piedosa do que ela. É admirável. Exprime a alma de quem reza como se deve rezar, focalizando seu espírito em Deus e procurando falar com Ele com a confiança filial, a veneração sem nome, a adoração excelsa.

É uma capela feita de cristal! Ela tem umas colunas esguias que se levantam até ao teto, separando um vitral de outro. Mas entre vitral e vitral só há essas colunas muito delgadas, muito finas.

Essa obra-prima se manifesta quando os vitrais estão bem iluminados em dias de sol. Ali não se espelha só a alma que está rezando, mas há algo que nos fala de Deus enquanto atendendo a nossa oração. De maneira que temos a impressão de estarmos falando e que nossa voz encontra naqueles cristais uma certa receptividade, como se a voz batesse numa concha de bronze ou de cristal e de lá voasse, saindo depurada e mais bela, para cima.

Tem-se a impressão de que do alto vem a resposta, ao mesmo tempo divina, infinita, grandiosa, mas maternalmente tocada não sei de que modo, meio miúda para estar na pequena proporção do homem, que não tem medo que Deus tonitrue com ele. Pode-se dizer que o fiel reza sorrindo e que Deus sorri quando fala com ele. É um encontro de dois sorrisos, flores de seriedade, de meditação, de Fé, de graça que se encontram e se fundem num certo ponto do ar. Esse é o verdadeiro encontro da alma com Deus quando reza olhando para aqueles cristais.

Isso é o auge da beleza, da proporção, da união, mas não basta o sorriso, por mais que ele seja excelente, piedoso. Não é uma atitude que abranja o conjunto de nossas relações com Deus, nem das expressões do universo criado por Ele.

Unção régia, gravidade divina, seriedade majestosa

Deus criou coisas lindas que produzem muitas vezes sorriso. Quem vê um beija-flor passando de flor em flor e sugando o mel não pode deixar de sorrir. Mas se ele pensa que está quite com Deus a propósito do beija-flor porque sorriu enternecido, não compreendeu. O sorriso é uma das fases do pensamento humano, mas de fato este voa mais alto, é mais sério, mais profundo. O sorriso é um dos aspectos panorâmicos do nosso itinerário para o Absoluto, mas não é a razão do nosso olhar para a coisa.

Por esse motivo, a própria Sainte-Chapelle tem uma unção régia, uma gravidade divina, uma seriedade majestosa e composta, dentro da qual o sorriso é um aspecto. Por mais que se glorifique esse aspecto, ele não deixa de ser colateral que não pode ser transformado no principal. Pelo contrário, é uma espécie de momento em que Deus faz o homem descansar um pouco. Não é descansar d’Ele, mas é mostrar n’Ele e nas suas criaturas aspectos feitos para aliviar o homem neste vale de lágrimas.

Por exemplo, os esquilos. A conduta deles, como parecem compreender as brincadeiras que fazemos e quase brincar conosco! Vê-se que esse animalzinho foi feito por Deus para que uma alma se deleitasse, sorrisse, mas depois subisse ainda mais alto e pensasse: “Como Deus é grande. Entretanto, na grandeza d’Ele cabe tanta bondade que, ao dar aos homens todas essas magnificências, ainda deixou uma ‘caixa de bombons’ para os homens se deliciarem. Essa ‘caixa de bombons’ é o conjunto de coisas encantadoras da Criação, das quais o homem pode usar de vez em quando.”

Uma das melhores expressões de Nossa Senhora

Há um monumento que exprima o espírito francês no seu equilíbrio, na sua plenitude, onde o sorriso está presente como elemento colateral, mas não é a nota dominante?

Esse monumento – a meu ver, perfeito – é a Catedral de Notre-Dame de Paris, a propósito da qual me lembro das palavras da Escritura sobre Jerusalém, chamando-a de cidade perfeita, a alegria do mundo inteiro (cf. Lm 2, 15). Parece-me que Notre-Dame é a igreja perfeita e a alegria do mundo inteiro.

Ela sorri? É evidente. Ela é séria? É evidente. Ela é heroica? É evidente. Ela é materna? É evidente. Ela é mimosa? É evidente. Ela é imponente? É evidente. Não há o que ela não tenha de um modo discretamente evidente.

Há certos monumentos que a mim me desagradam porque têm um ar de quem diz: “Olhe, aqui estou eu!” Tem-se a vontade de responder: “E eu com isso?” A Catedral de Notre-Dame não é assim, ela está presente em Paris como uma mãe visitando o seu filho. Enquanto está ali, é a rainha da casa, para ela se voltam as atenções, é o centro de todos os carinhos, de todas as venerações, de todos os respeitos, mas não tira o lugar a ninguém, não empurra ninguém com os cotovelos, não olha ninguém de cima para baixo; ela apenas diz: “Eu sou a mãe.” Essa nota materna que deve ter feito pulsar o coração de tantos Cruzados define bem a igreja de Notre-Dame.

Eu venero e quero tanto essa igreja que na orla dos castigos previstos em Fátima, se Nossa Senhora me permitir, pedirei a Ela: “Minha Mãe, castigai quem e como quiserdes. Não castigueis a Igreja de Notre-Dame, porque ela é uma das melhores expressões de Vós mesma nesta terra de pecado.”

Termômetro da extrema decadência da sociedade

Nas vésperas da Revolução, a França chegara a tal decadência que o Conselho de Estado, sob a presidência do Rei, tinha assinado uma resolução para demolir a Catedral de Notre-Dame como igreja antiquada, não correspondendo mais aos anseios estéticos dos tempos novos, para ser construído em seu lugar um templo grego inspirado nos templos da antiguidade pagã.

Por aí vemos, num lance só, a que extremos chegara a decadência daquela sociedade. Os homens eram tão revolucionários que os nobres, cujas cabeças a Revolução cortou, queriam derrubar a Catedral de Notre-Dame, essa igreja medieval que todos os povos da Terra querem contemplar quando vão a Paris, símbolo perfeito da Contra-Revolução, para substituir por um templo que representava perfeitamente a Revolução daquele tempo. Seria a implantação dos restos do paganismo – derrubado, escangalhado, rejeitado, pisado aos pés pelos séculos – que deveria ser restaurado em Paris. Compreende-se a desordem, o caos e a decadência da França que isso representava.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 31/10/1994)
Revista Dr Plinio 260 (Novembro de 2019)

Mãe da Divina Graça

Como esse título diz tudo! Nossa Senhora é a dispensadora de todos os dons e favores celestiais.

As graças de Deus constituem inexaurível tesouro, confiado por Ele à sua Mãe Santíssima. Ela é, portanto, a tesoureira das riquezas de Deus.

Por outro lado, Ela é a Mãe dos que necessitam dessas preciosas dádivas.

Assim, o título de “Mater divinæ gratiæ” exprime, de modo magnífico, a função maternal de Nossa Senhora em relação aos homens.

Nessa invocação sentimos o quanto Ela é nossa Mãe, e Mãe na ordem da graça, tendo para conosco solicitudes e bondades inimagináveis!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Nossa Senhora – Rainha dos Anjos

Alguém poderá dizer: “Eu sinto que não sou digno, e que minha oração não vale nada”. De fato, nenhum homem é digno de ser atendido.

Por isso existe Nossa Senhora, nossa Mãe e Mãe de Jesus. Quando a mãe é boa, ela tem toda espécie de paciência, afeto, indulgência para com o filho. O filho pode fazer as piores coisas que ela tem pena dele e o ajuda mais uma vez.

Nosso Senhor Jesus Cristo fez esta maravilha: Ele se encarnou numa Mulher, para nascer de uma Mulher que seria a Mãe d’Ele. E no momento em que Ela se tornou Mãe de Nosso Senhor, tornou‑se Mãe nossa. Ele morreu por nós no alto da Cruz e disse que Ela é Mãe nossa.

Imaginemos que Nosso Senhor Jesus Cristo tivesse como Mãe a mãe de um de nós. Este ficaria estimulado: “Ah! desta vez eu vou ser atendido, porque consigo tudo de minha mãe…” Nossa Senhora nos ama muito mais do que nossas mães nos amam.

Dona Lucilia tinha a condescendência, a bondade de me querer tanto. Mas Nossa Senhora me ama muito mais do que minha mãe me queria. Não há comparação!

Assim, a cada um de nós Ela quer com esse amor, esse afeto, essa bondade. E Ela obtém de Nosso Senhor a graça que nossas orações não obteriam. Nenhum homem é digno de receber nada. Mas pedindo a Nossa Senhora, que é Mãe de misericórdia, ele obtém.

E se algum de nós pecar, sobretudo, não desanime! Confie, confie, confie, porque um dia Nossa Senhora alcançará uma dessas graças com que se ganha a batalha desta vida!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/3/1989)

Viver em Maria

Conhecer e admirar as excelsas virtudes de Nossa Senhora, tendo-A continuamente em vista como nossa Mãe e misericordiosa advogada, é o meio de penetrarmos nesse “paraíso de Deus” e “jardim fechado” da Trindade — como nos ensina São Luís Grignion de Montfort no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, aqui comentado por Dr. Plinio.

 

Na parte final de sua obra, São Luís Grignion enumera algumas práticas piedosas, interiores e exteriores, que o devoto de Nossa Senhora deveria cultivar para se unir ainda mais a Ela. Segundo o autor, seriam meios pelos quais podemos “viver em Maria” e “fazer todas as ações por, com e em Maria”.

Aquela em quem o Altíssimo colocou sua glória suprema

Leiamos São Luís:

O Espírito Santo, pela boca dos Santos Padres, chama também a Santíssima Virgem: 1º, a porta oriental, por onde o sumo sacerdote Jesus Cristo entra e vem ao mundo (cf. Ez 44, 2‑3); por ela entrou da primeira vez, e por ela virá da segunda; 2º, O santuário da Divindade, o reclinatório da Santíssima Trindade, o trono de Deus, a cidade de Deus, o altar de Deus, o templo de Deus, o mundo de Deus. Todos estes diferentes epítetos e louvores são verdadeiros em relação às diversas maravilhas e graças que o Altíssimo realizou em Maria. Oh! que riqueza! que glória! que prazer! que felicidade poder entrar e habitar em Maria, em quem o Altíssimo colocou o trono de sua glória suprema!

Mas quão difícil é a pecadores, como somos, alcançar a permissão e a capacidade e a luz para entrar em lugar tão alto e tão santo, guardado não por um querubim, como o antigo paraíso terrestre, mas pelo próprio Espírito Santo, que dele se tornou o Senhor absoluto e do qual diz: “Hortus conclusus soror mea sponsa, hortus conclusus, fons signatus” (Cant 4, 12). Maria é fechada; Maria é selada; os miseráveis filhos de Adão e Eva, expulsos do paraíso terrestre, só têm acesso a este outro paraíso por uma graça especial do Espírito Santo, a qual devem merecer (Tratado, nºs 262 e 263).

Ter sempre em vista as grandezas de Maria

Conforme se depreende da interpretação desses tópicos, a alma que considera as maravilhas operadas por Deus em Nossa Senhora, percebe que Ela se assemelha a uma catedral, um santuário fechado, um jardim no qual somente se pode ingressar com a ajuda do dom divino.

Que significa, pois, entrar em Nossa Senhora?

Penso eu que se trata, exatamente, de ter continuamente em vista essas grandezas incomparáveis de Maria, inclusive as grandezas inconcebíveis e imensuráveis de sua misericórdia, em primeiro lugar. Segundo, em agir como alguém que se sabe filho d’Ela e que procura desenvolver sua vida espiritual em função dessas grandezas da Mãe de Deus e nossa.

Mas, diz São Luís Grignion, essas riquezas são tais que um homem, com suas cogitações conspurcadas pelo pecado original e suas faltas atuais, não é capaz de se elevar à altura delas. Então, acrescenta o autor, para isso importa que tenhamos o auxílio de uma graça especial do Espírito Santo, a graça da escravidão de amor à Santíssima Virgem, pela qual a entrada nesse jardim magnífico nos é franqueada.

Maravilha insondável que preenche os espaços entre Ela e o fiel

Outro ponto a se considerar é como devemos desenvolver nossa vida espiritual em função dessas grandezas de Nossa Senhora.

Antes de tudo, como já se disse, nutrir uma entusiasmada admiração pelas perfeições de Maria Santíssima, procurando avivá-las na alma através de leituras de livros que no-las apresentam, e de modo eminente o próprio Tratado escrito por São Luís Grignion de Montfort.

Tendo noção dessas grandezas, nunca se dirigir a Nossa Senhora a não ser com um sumo respeito, uma suma veneração e uma suma confiança. Como a uma criatura super-excelsa, altíssima, a mais alta de todas as criaturas abaixo de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, porque a mais alta, também a mais benigna, a mais condescendente, a mais afável, a que mais desce até nós. Com efeito, sua grandeza é tal que preenche todos os espaços entre Ela e o resto da criação, tornando-A inteiramente acessível, amável, misericordiosa e condescendente para conosco. Ela é a mais disposta a perdoar, a mais disposta a atender, a que não se zanga nem se irrita nunca, a que nos quer sempre, por motivos elevadíssimos e invariáveis.

Estreita intimidade materna

Então, procuremos desenvolver nossa vida espiritual em função dessas verdades. Tenhamos a certeza de que, ao nos voltarmos para Nossa Senhora, estaremos levantando nossos olhos para  muito alto, como quem contempla um horizonte longínquo, mas, ao mesmo tempo, admiramos o que há de mais próximo a nós. Porque nada, em toda a Criação, nos é mais chegado do que Maria, que nos envolve com uma intimidade materna da qual só não se pode dizer que é infinita.

Em virtude desse vínculo estreitíssimo, a alma amará não apenas a grandeza de Nossa Senhora, mas tudo quanto dela é reflexo na criação: os monumentos que têm autêntica magnitude artística e cultural; o fulgor de um brilhante que lembra a pureza imaculada da Virgem; a coragem de um herói porque evoca a Rainha vitoriosa sobre o demônio, enfim, tudo quanto há de belo no mundo, espiritual ou material, tende a reforçar os laços de admiração e amor de uma alma com a Mãe de Deus.

Afetos inimagináveis

Contudo, a consideração dessas grandezas pode produzir na alma do devoto de Nossa Senhora um compreensível sentimento da própria pequenez: “Minha Mãe, sois tão formosa e admirável! E eu, quão pobre e miserável!”

Não nos deixemos abater por esse pensamento, e nos lembremos do vínculo maior estabelecido entre a misericórdia materna d’Ela e cada um de seus filhos: “Apesar de tudo, tenho uma mãe que do alto do Céu olha com bondade e tristeza para minhas lacunas e que deseja me corrigir. Se eu pudesse Lhe falar e vê-La no momento em que considera meus pecados, eu me desfaria de ternura e pesar. Pois eu veria que Ela, embora não sendo complacente com minhas faltas, olha-me com um afeto tão imenso que não posso medir”.

Trata-se de um afeto superior a todos os carinhos humanos aos quais estamos acostumados, porque procede do fato de Ela conhecer o próprio amor de Deus em relação a cada um de nós. Por assim dizer, Ela nos ama como nos ama o Criador, com um afeto que participa do amor que Ela mesma tem a Deus. Ou seja, um amor estável, profundo, completo. Por isso, Maria nos quer com uma benevolência que nenhuma infidelidade pode cansar nem fazer cessar. Nada é capaz de extinguir a vontade d’Ela de nos fazer bem. Pelo contrário, não deseja senão nos favorecer com benefícios maiores, com favores exuberantes.

Tenhamos sempre presente essa noção da misericórdia de Nossa Senhora, durante todo o dia, nos momentos de alegria e de tristeza, de fidelidade ou de miséria, e saberemos como esperar, resistir, lutar. Assim se vive em Maria. Assim se habita nesse palácio maravilhoso, nesse jardim fechado. É ter Maria Santíssima continuamente, desse modo, presente diante de nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 16/6/1972)

Revista Dr Plinio 128 (Novembro de 2018)