Sabor das coisas celestiais

Senso católico, o espírito bom e reto são dons de Deus, e não algo que o homem seja capaz de adquirir com o mero exercício de sua inteligência. Esta alcançará aqueles movida e vivificada por uma ação sobrenatural procedente do Divino Espírito Santo. Por isso devemos rogar esses dons com empenho, humildade e insistência, persuadidos de que só assim nos serão outorgados.

Donde as tocantes e belas preces recitadas pela piedade católica, enriquecidas de modo extraordinário pelas suaves harmonias do canto gregoriano: o “Veni Creator Spiritus e o Veni Sancte Spiritus”.

Orações e cânticos nos quais rogamos com particular empenho a assistência da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, para que venha e encha os corações de seus fiéis, e neles acenda o fogo do seu amor. Ressalta-se a ideia de que nossa alma é templo do Espírito Santo, e desejamos que Ele desça do Céu — como já o fizera em Pentecostes — com intensidade ainda maior, uma plenitude cada vez mais plena, e habite em nosso interior. Então nos abriremos para os grandes pensamentos, as pujantes volições, as ilimitadas generosidades, as profundas percepções, ao crescimento na fé, esperança e caridade, e nos entregaremos ao necessário e superior esforço da nossa santificação.

Além disso, ao pedirmos que acenda em nosso peito o fogo do seu amor, suplicamos ao Divino Espírito Santo a graça de termos nossa alma repassada do desejo dos tesouros sobrenaturais, da apetência para a virtude, da contemplação das verdades eternas. E possamos assim, sob o influxo de sua luz infinita, saborear sempre o que é reto e gozar das suas consolações inexcedíveis.

Anseio tanto mais essencial e benéfico quanto, no mundo contemporâneo, corre-se o risco de se esquecer do sentido e do sabor das coisas retas. A civilização hodierna, com seus atrativos e seduções, não raro ofusca a admiração pelos monumentos e obras que ilustraram os séculos áureos da Cristandade, abrindo caminho, perigosamente, para o aumento da imoralidade, da agitação, desordem e subversão de todos os valores.

Longe vai o tempo em que se encontrava maior entretenimento na estabilidade de alma e na consideração das coisas retas. Estas são tidas muitas vezes como insípidas, sem se compreender as delícias que nos podem proporcionar. Que dizer, então, daquelas coisas imensamente retas, as que nos remetem para o Céu e nos dirigem para Deus?

Ora, esse gosto do que é reto, honesto, direito, nos é dado pelo Espírito Santo, e devemos implorar seja restaurado em nós.

Queira a Santíssima Virgem, sua Esposa Imaculada, na qual Ele encontra a plenitude de suas complacências, obter-nos esse favor inestimável de aprendermos a degustar sempre as coisas retas, elevadas, sublimes, o sabor daquilo que, na Terra, nos fala do Céu… 

 

Com filial intimidade…

A par de uma convicção profunda de tudo quanto a doutrina católica nos ensina a respeito da Santíssima Virgem, em nossa devoção a Ela devemos manifestar também uma espécie de “aisance”, de desembaraço, de intimidade de filhos os quais, embora se saibam muitas vezes indignos de serem atendidos pela Mãe, apresentam-se diante de Maria com inteira confiança, seguros de obterem seu amparo, seu socorro, seu sorriso…

Essa filial desenvoltura, estejamos certos, é o ponto de partida inefavelmente suave de uma sincera e viva devoção a Nossa Senhora. 

Plinio Corrêa de Oliveira

Luz de nossas almas

Quisera eu que um raio de graça descesse sobre cada um de nós, e nos fizesse compreender que, em relação a Nossa Senhora, devemos ser como era o Menino Jesus: filhos intimíssimos d’Ela, cientes de que sua misericórdia nunca se cansa, seu perdão jamais nos é recusado, e seu maternal sorriso sempre nos é concedido, adiantando-se a nós e para Ela nos atraindo.

Que o olhar da Virgem Santíssima seja a luz interna de nossas almas e a estrela que nos guie pelo mar tempestuoso desta vida.

(Palavras de Dr. Plinio em 6/5/1968)

A consagração ao Imaculado Coração de Maria

“Jesus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. A quem a abraçar, prometo a salvação; e serão queridas de Deus estas almas, como flores postas por Mim a adornar o seu trono” — afirmou a Santíssima Virgem em Fátima, há 90 anos. Como Dr. Plinio nos mostra a seguir, esse maternal e consolador apelo de Nossa Senhora conserva, mais do que nunca, toda a sua atualidade.

 

Fiéis à admirável vocação de seu Bem-aventurado Fundador, os Padres do Coração de Maria estão desenvolvendo um intenso trabalho no sentido de promover o maior número de consagrações ao Coração Imaculado da Mãe de Deus, consoante, aliás, o precedente do Santo Padre Pio XII, que lhe consagrou todo o mundo.

Refletido e profundo ato de piedade

Uma das características da devoção que devemos tributar a Nossa Senhora, consiste sem dúvida em ser terna. Entretanto, a devoção não se faz só de ternura, de efusões sentimentais e afetivas. Para ser sólida, é preciso que se funde em conhecimentos precisos, exatos, lógicos. Só da Verdade bem conhecida pode sair o amor durável e sincero. A piedade deve ser firmada no estudo da doutrina católica. É aí que ela há de encontrar seu melhor fundamento, sua verdadeira raiz.

Quando a Igreja promove a consagração de Nações, Dioceses, famílias ou pessoas ao Coração Sacratíssimo de Jesus, ou ao Imaculado Coração de Maria, tem em vista que as criaturas assim consagradas formulem a resolução de pertencer de modo particular ao Coração de Jesus ou ao Coração de Maria, obedecendo-Lhes mais fielmente as leis, tomando-Os mais perfeitamente por modelos, e, reciprocamente, recebendo de modo todo especial sua particular e vigilante atenção.

Assim, a Consagração não é um mero rito, uma fórmula vaga, a ser recitada em momento de emoção piedosa. Ela é antes de tudo um ato refletido, deliberado, voluntário e profundo, que implica no propósito de uma mais perfeita integração na doutrina e na vida da Santa Igreja Católica, o que é o único modo real de pertencer a Jesus e a Maria.

Compreende-se facilmente que este ato tanto pode ser feito por pessoas da mais alta virtude, quanto por almas que ainda estão nos primeiros passos da vida espiritual. A uns e a outros, será utilíssimo, porque atrairá para quem o faz uma proteção toda especial da Providência, e, com isto, garantias particularíssimas de salvação.

Meio mais rápido e fácil de se unir ao Sagrado Coração de Jesus

Nosso povo compreende facilmente que alguém se consagre ao Sacratíssimo Coração de Jesus. Essa magnífica prática já tem sido posta em ação freqüentemente, e, graças a Deus, são numerosas as famílias que, hoje, se encontram consagradas ao Coração de Jesus, com o que manifestam o propósito de conformar toda a sua existência com o Sagrado Coração de Jesus, vivendo vida verdadeiramente piedosa e cristã, santificando os deveres de estado, vivendo-os com espírito intensamente sobrenatural e mortificado, e recomendando-se especialmente, para o êxito de tais propósitos bem como para a obtenção de todas as graças, ao Coração Divino que é a fonte, por excelência, de todo bem.

Entretanto, é menos freqüente que se compreenda entre nós a consagração ao Coração Imaculado de Maria. Não faltará, talvez, quem veja em um e outro ato alguma antinomia. Como pertencer ao mesmo tempo a dois senhores, obedecer a dois corações? Uma consagração não contradirá ou anulará a outra?

Nada de mais inconsistente. A consagração ao Imaculado Coração de Maria é um complemento da que se faz ao Coração Sacratíssimo de Jesus; não um complemento supérfluo, por certo, mas um complemento precioso e admirável, que dá à Consagração ao Coração de Jesus uma realidade e uma plenitude admiráveis.

O Coração de Maria é por excelência o reino do Coração de Jesus. A união de ambos os Corações é tão perfeita que há escritores que por assim dizer os fundem em um só, referindo-se ao Coração de Jesus e de Maria. Toda a piedade marial assenta sobre esta verdade fundamental de que Maria Santíssima é o canal pelo qual se chega a Jesus, é a porta, a vida, o caminho por excelência, onde com maior segurança, mais rapidez, mais facilidade, encontramos Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim, a consagração ao Imaculado Coração de Maria é o meio mais seguro, mais fácil, mais rápido de conseguirmos a consagração ao Coração Sagrado de Jesus.

Com efeito, pronunciar um ato de consagração é fácil. Consagrar-se sinceramente, seriamente, a fundo, é muito mais difícil. Para conseguirmos as condições necessárias para uma perfeita consagração a Nosso Senhor nada mais perfeito, mais seguro, mais útil do que consagrarmo-nos a Maria Santíssima.

O Cristocentrismo consiste em ter a Nosso Senhor Jesus Cristo como centro de tudo. Ora, só será verdadeiro o Cristocentrismo que nos conduz ao centro pelo verdadeiro caminho. E esse caminho é Nossa Senhora.

Mais atual do que nunca

A consagração ao Coração Imaculado de Maria é mais atual do que nunca. Mais do que nunca, o mundo atribulado por mil vicissitudes de toda ordem, precisa de um coração materno que dele se condoa. Mais do que nunca, pois, torna-se necessário que apelemos para o coração de nossa Mãe, que imploremos, fazendo tanger suas fibras mais sensíveis, suas cordas mais íntimas, toda a sua misericórdia, todo o seu amor, toda a sua assistência.

Se o Santo Padre Pio XII consagrou o mundo inteiro ao Coração de Maria, imitemos seu gesto, completemo-lo por assim dizer, consagrando-nos sem reservas ao mesmo Coração Imaculado. Estaremos dentro dos desejos do Papa, dentro das vias da Providência Divina. 

 

(Transcrito da revista Ave Maria, n. 31, julho de 1943)

Auxílio Celestial

É próprio de Nossa Senhora Auxiliadora, ao considerar as necessidades de uma alma, nela despertar o desejo de rezar. Será uma prece voltada para a própria Mãe de Deus, rogando as graças de que necessita, o consolo para enfrentar os sacrifícios, a força para aceitar com confiança e resignação as dores desta vida.

Com efeito, a invocação Auxílio dos Cristãos é muito adequada para atrair a benevolência de Nossa Senhora. Ao ser invocada sob esse título, Ela certamente nos atenderá e nos dará muito mais do que pedimos.

Pelas suas preces, de longe o Céu abrirá em sua porta uma fresta, e a voz da graça nos incentivará a pedir ainda mais: “Repita essa oração! Repita e repita, pois, pela insondável bondade de Maria,  ou você caminhará até essas portas, ou, de um modo maravilhoso, elas se lhe abrirão inteiramente, atraindo-o para o interior do celeste paraíso…”

Plinio Corrêa de Oliveira

Protetora celestial

Nossa Senhora é incomparavelmente mais bondosa do que a mais bondosa das mães. Se, de sua mãe terrena, um filho pode esperar os maiores sacrifícios em favor dele, de Maria podemos esperar o inefável e o inimaginável em matéria de clemência, proteção e misericórdia para conosco.

Assim sendo, nas piores circunstâncias, em que nos falte até o auxílio daquela que nos trouxe ao mundo, a Santíssima Virgem estará olhando e velando por nós, e, apesar das aparências terríveis, pronta a nos socorrer com seu celestial amparo.

Plinio Corrêa de Oliveira

ESPLENDOR DE SABEDORIA

Nossa Senhora é o vaso sagrado que recolheu todas as ações, palavras e ensinamentos de Jesus, para distribui-los, como foco de luz celeste, a toda a Igreja nascente. Por isso, afirma Santo Agostinho, que nenhuma criatura jamais possuiu um conhecimento das coisas divinas e do que se relaciona com a salvação, como a Virgem Bendita. Ela mereceu ser mestra dos apóstolos, e transmitiu aos evangelistas fatos — que só Ela conhecia — a respeito da vida de seu Filho.

Compreende-se, então, o esplendor da alma santíssima de Nossa Senhora, bem como o papel fundamental da sua ortodoxia e da sua sabedoria, que exercerão sobre a Igreja uma influência que se estenderá até o fim dos tempos!

Plinio Corrêa de Oliveira

Necessidade da devoção à Santíssima Virgem

Continuamos a publicação de excertos de algumas conferências de Dr. Plino sobre o “Tratado da Verdadeira Devoção à  Santíssima=Virgem”, de São Luís Maria Grignion de Montfort, obra que conheceu aos 22 anos e conferiu importante característica à sua espiritualidade: a de ter uma devoção a Nosso Senhor Jesus Cristo colocada nas puríssimas mãos de Nossa Senhora, Onipotência Suplicante.

 

São Luís Maria Grignion de Montfort escreve o Capítulo I do Tratado da Verdadeira Devoção, intitulado “Necessidade da devoção à Santíssima Virgem”, para demonstrar que a devoção a Nossa Senhora é necessária. Em que sentido?

Procuremos explicar a tese do Santo. Deve-se ler o capítulo com muita atenção para se compreender aonde São Luís deseja chegar. Para tratar da necessidade dessa devoção, ele faz um preâmbulo e depois desenvolve a demonstração.

Nesse prólogo, estabelece qual o alcance da palavra “necessidade”. Não se trata de dizer que Deus precise absolutamente de Nossa Senhora para salvar as almas. Sendo onipotente e perfeito, Ele não precisa de modo absoluto de ninguém. Assim, poderia Ele ter criado uma situação em que Nossa Senhora não existisse e as almas se salvas- sem, pois Deus está acima de tudo.

A necessidade de Maria na vida espiritual é, pois, de outro gênero. Uma vez que Deus A criou, dando-Lhe, por um ato libérrimo de sua vontade, determinadas perfeições e atribuições, entre as quais a mediação universal, a devoção a Ela é necessária. Em outras palavras, a Igreja Católica não sustenta que Deus precise de Nossa Senhora, mas afirma o seguinte: Deus quis que Ela fosse necessária à nossa salvação, e assim o dispôs por uma determinação de seus superiores desígnios.

Importância da Encarnação

A demonstração que São Luís Grignion faz da necessidade da devoção a Nossa Senhora está baseada no papel que Ela teve na Encarnação. Vamos, antes de tudo, impostar bem o assunto.

A primeira tese que devemos recordar é a da suma importância da Encarnação na obra da Criação. Os teólogos discutem entre si um ponto a este respeito. Dizem alguns que, se o homem não tivesse pecado, o Verbo Eterno não teria tomado a nossa carne; outros afirmam que a Encarnação se teria dado mesmo sem a culpa original. Daí concluem os primeiros que, embora tenha sido um mal, o pecado de Adão importou em uma vantagem para o homem; por isso a Liturgia canta no Sábado Santo: “O felix culpa…” — “Ó culpa feliz que nos mereceu um tal Redentor!”. Quer dizer, sem o pecado de nossos primeiros pais, não teríamos a felicidade de possuir o Salvador.

De um modo ou de outro, quer se admita esta ou aquela tese, devemos reconhecer que a Encarnação do Verbo não é um episódio entre outros da História da humanidade, mas sim, como a Redenção, um fato culminante.

Sendo Deus Aquele que é, exceção feita da geração do Verbo e da processão do Espírito Santo, nunca se passara nada que, de longe, pudesse ser tão importante como a Encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Trata-se de um fato relacionado com a própria natureza divina, e tudo o que diz respeito a Deus é incomparavelmente mais importante do que tudo que se refere ao homem. A Encarnação de Deus a tudo transcende em importância, e a ela se liga, de modo íntimo, a Redenção.

Papel de Nossa Senhora na Encarnação

Por esse motivo, o papel de Nossa Senhora na Encarnação situa bem o valor d’Ela em todos os planos divinos, e precisamente no que eles têm de mais importante e fundamental.

Achamos admirável, por exemplo, Nosso Senhor ter escolhido Constantino para tirar a Igreja das catacumbas.

Mas, que é isto perto de ter eleito, desde toda a eternidade, Nossa Senhora para n’Ela ser gerado o Salvador? Nada, absolutamente. Admiramos muito Anchieta, porque evangelizou o Brasil. Ora, que é evangelizar um país em comparação com o cooperar na Encarnação do Verbo? Nada!

Digamos que se tratasse de salvar o mundo de sua crise atual e de restabelecer o Reino de Cristo; suponhamos que Nosso Senhor escolhesse um só homem para essa tarefa. Acharíamos esta missão algo de formidável, e com razão. Porém, que seria isto diante da missão de Nossa Senhora? Nada! Ela se situa num plano fora de comparação com o papel histórico de qualquer homem, inclusive com o de São Pedro, apesar de ter sido ele o primeiro Papa.

A respeito de Nossa Senhora, é-se sempre obrigado a repetir a expressão: “fora de comparação”, porque Ela faz estalar todo vocabulário humano. Há uma tal desproporção entre Ela e todas as criaturas, que a única coisa segura a se dizer é — “fora de comparação”…

Lembradas essas noções, devemos concluir que estudar a participação de Nossa Senhora na Encarnação é analisar o seu papel no acontecimento mais importante de todos os tempos, juntamente com a Redenção. E qual foi esse papel?

São Luís Grignion responde, considerando a participação das Três Pessoas da Santíssima Trindade na Encarnação, e depois a cooperação de Nossa Senhora com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo.

Cooperação de Nossa Senhora com o Pai Eterno

Conforme a linguagem das Escrituras, Nosso Senhor foi mandado ao mundo pelo Pai Eterno para salvar os homens. O Antigo Testamento, numa das suas profecias, diz de Nosso Senhor: Eis que Eu venho, como está escrito de Mim no rolo do livro, para fazer a vossa vontade (Sl 39, 8-9). Jesus Cristo fala constantemente de seu Pai Celeste, como sendo Aquele que O enviou, se manifestou n’Ele, considerando-O seu Filho bem amado, a quem Ele invocou quando entregou sua alma dizendo: Pai,

nas tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23,46). Sendo o Pai Eterno Aquele que nos mandou Jesus Cristo, qual foi o papel de Nossa Senhora neste ato?

A oração de Nossa Senhora na vinda do Messias

Em primeiro lugar, devemos considerar que o mundo não era mais digno de receber Nosso Senhor Jesus Cristo. Em conseqüência, o Pai Eterno O enviou, não por causa do mundo, mas de Nossa Senhora. Não só porque foi Ela quem o pediu — e se a Santíssima Virgem não tivesse implorado o ad- vento de Nosso Senhor, Ele não teria vindo — mas Deus Pai O mandou a Ela, porque só Maria era digna de recebê-Lo.

Nessa perspectiva se compreende melhor a queixa contida no Evangelho de São João: veio para o que era seu, e os seus não O receberam (Jo 1, 11). Os seus não O receberiam, mas Nossa Senhora O acolheria de modo sublime, e por isso Ele veio: porque encontrou-A no mundo, caso contrário não teria descido do Céu. O aparecimento d’Ele sobre a Terra é o produto da presença e das orações da Virgem Santíssima.

Dessa forma colaborou Ela com o ato do Pai Eterno pelo qual Jesus Cristo foi mandado ao mundo.

A participação de Nossa Senhora na fecundidade do Pai Eterno

A fecundidade de Deus Pai é infinita, a tal ponto que a ideia formada por Ele de si mesmo já é uma Pessoa Divina. Pois bem, essa fecundidade foi transmitida a Nossa Senhora, para que Ela gerasse Jesus e todos os membros do Corpo Místico de Cristo. Nossa Senhora é, pois, Mãe dos fiéis, não apenas no sentido alegórico e metafórico (Ela nos quer bem como se fosse nossa mãe), mas o é verdadeiramente na ordem da graça. E essa maternidade divina existe, porque o Pai Eterno comunicou-Lhe sua fecundidade.

Aplicações para nossa vida espiritual

Podemos tirar lições para nossa vida espiritual tanto do fato de a oração de Nossa Senhora ter apressado a vinda do Messias, quanto de ter Ela recebido do Pai Eterno sua fecundidade.

Considerando Nossa Senhora capaz de, com sua prece, apressar a vinda do Messias, que ensinamentos podemos tirar? Devemos primeiramente analisar a Santíssima Virgem no seu zelo pela causa de Deus.

Em sua oração, Ela certamente observava a situação de extrema miséria moral em que caíra o povo eleito. Nessa prece Ela desejava ardentemente, pois, que Israel fosse reerguido à sua antiga condição. Considerava

ainda a decadência da humanidade, sabendo melhor que ninguém quantas almas estavam se perdendo naquela era pagã, e vendo Satanás imperar sobre o mundo antigo.

Maria Santíssima fez, então, na Terra, o papel de São Miguel Arcanjo no Céu: sua oração, pedindo que Deus viesse ao mundo, equivale ao “Quis ut Deus? — Quem co- mo Deus?” — do Arcanjo. É Ela que se levanta contra esse estado de coisas; é só Ela que tem a súplica bastante poderosa para desferir um golpe que tudo transforma.

Então, a plenitude dos tempos se encerra: Nosso Senhor Jesus Cristo nasce, e toda a humanidade é reconstruída, regenerada, elevada e santificada. As almas começam a se salvar em profusão, as portas do Céu se abrem, o inferno é esmagado, a morte é destruída, a Igreja Católica floresce sobre toda a face da Terra. E tudo como efeito da oração de Nossa Senhora.

Não é verdade que Nossa Senhora, também sob este aspecto, se apresenta a nós como um verdadeiro modelo? Não devemos querer em nossos dias a vitória de Nosso Senhor, como Maria Santíssima a desejou em sua época? Não há uma analogia absoluta entre o ardor com que Ela quis a instauração do Reino de Cristo na Terra, e o fervor com que o devemos desejar em nossos dias? Não é verdade que, se a oração d’Ela foi necessária para a realização da Encarnação, é indispensável também para que consigamos em nossa época a vitória de Jesus Cristo no mundo? Quando nos esfalfamos na luta pela vitória de Jesus hoje, lembramo-nos de rezar a Nossa Senhora? Quando rezamos a Ela, nos recordamos de pedir essa graça?

Não seria uma boa prece se, por exemplo, ao contemplarmos o Mistério da Anunciação durante a primeira dezena do Rosário, tivéssemos em mente Nossa Senhora que pede a vinda do Salvador? E rogássemos a Ela que Jesus Cristo novamente triunfe no mundo, com uma futura vitória da Igreja Católica? Não temos aí uma boa aplicação desse Mistério para a vida espiritual? Não é assim que esta última deve ser vista, vivida e conduzida? Isto não é muito mais sólido que um arrastado murmúrio piedoso?

Sem dúvida, é com essas verdades de Fé que se alimentam a piedade e toda a vida espiritual.

Contemplemos Nossa Senhora apressando, com sua oração, a vinda do Messias. Ora, se Nosso Senhor vem a nós também no momento da Comunhão, podemos e devemos pedir à Virgem Maria, quando nos preparamos para receber seu Divino Filho, algo dos sentimentos com que Ela O acolheu no momento da Encarnação.

E se desejamos obter para alguém a graça da comunhão diária, não será útil pedir a Nossa Senhora que consiga para aquela alma a recepção quotidiana de Nosso Senhor, lembrando-A da eficácia da prece com que Ela obteve a vinda de Jesus Cristo para o mundo?

Consideremos, por outro lado, a participação de Nossa Senhora na fecundidade do Padre Eterno para gerar membros do Corpo Místico de Cristo. Todo fiel é um membro deste Corpo Místico. Quando passamos perto de algum batistério, devemos nos lembrar de fazer uma oração à Santíssima Virgem, rogando-Lhe que nos conserve, até o momento da morte, na correspondência à graça do Batismo e nela nos confirme a vida inteira. Foi junto a uma pia batismal que entramos para o seio da Igreja Católica, nascemos para a vida sobrenatural e, pela prece de Nossa Senhora e a fecundidade de Deus Nosso Senhor, fomos gerados membros do Corpo Místico de Cristo, do qual Maria é verdadeira Mãe.

E se nos lembrarmos, ainda, de que nascemos para a vida da graça pela mesma onipotente intercessão da Santíssima Virgem, teremos então que tudo nos permite de pedir a Ela nos conserve nas celestiais dádivas do Batismo, e que as cumule com a virtude do senso católico — coroação dessa união extremamente íntima com Cristo.

A piedade deve consistir em formar disposições de espírito que tenham base nesses princípios ensinados pela Igreja e pela Teologia, e não em meros sentimentos. Tais ensinamentos engendram um amor a Nossa Senhora muito sério e muito sólido. Assim é que se constrói a verdadeira devoção a Maria e se alicerça a autêntica vida espiritual.

Verdadeiros súditos de Maria

Segundo nos ensina São Luís Grignion de Montfort, nosso amor à Santíssima Virgem deve ser tal que conformemos nossa vontade inteiramente à d’Ela, de maneira que os caminhos pelos quais trilhamos e as ações que praticamos, sejam as ações e os caminhos desejados por Nossa Senhora.

Sejamos almas tão unidas à Mãe de Deus, que nossas cogitações e vias com as d’Ela se identifiquem. Assim, Maria estabelecerá em nossa alma o reino de seu Coração Imaculado: será verdadeiramente nossa Rainha e nós, seus verdadeiros súditos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 20/1/1971)

Apóstolo da mediação universal de Maria

Num século em que o jansenismo e outros erros demonstravam aversão à verdade da mediação universal de Nossa Senhora junto a seu Divino Filho, o apostolado e a obra de São Luís Grignion de Montfort — afirma Dr. Plinio no artigo transcrito a seguir — constituiu um dos “maiores monumentos à Santíssima Virgem”.

 

Muitos são hoje (…) os católicos que conhecem e admiram a obra do grande e fogoso missionário popular da França do século XVIII, São Luís Maria Grignion de Montfort, autor do Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem.

Nasceu ele em Montfort-la-Cane, na região da Bretanha, em 1673. Ordenado sacerdote em 1700, se dedicou à pregação missionária, principalmente na Bretanha, Normandia e Vandeia. As cidades em que pregou, inclusive as mais importantes, viviam em grande medida da agricultura e estavam profundamente marcadas pela vida rural. De sorte que São Luís Maria, se bem que não haja pregado exclusivamente a camponeses, ainda pode ser considerado essencialmente um apóstolo das populações rurais.

Suavidade e santa firmeza

Em suas pregações, que em termos modernos poderiam chamar-se sumamente “aggiornate”, ele não se limitava a ensinar a doutrina católica em termos que servissem para qualquer época e qualquer lugar, senão que sabia dar realce aos pontos mais necessários para os fiéis que o ouviam.

O gênero de seu “aggiornamento” (era muito original). Os erros de seu tempo, ele não os via como meros frutos de equívocos intelectuais oriundos de homens de insuspeitável boa fé: erros que por isso mesmo um diálogo destro e ameno sempre dissiparia.

Capaz de diálogo afável e atraente, ele não perdia de vista, entretanto, toda a influência do pecado original e dos pecados atuais, assim como a ação do príncipe das trevas na gênese e no desenvolvimento da imensa luta movida pela impiedade contra a Igreja e a Civilização Cristã. A célebre trilogia demônio, mundo e carne, presente nas reflexões dos teólogos e missionários de boa lei em todos os tempos, a tinha ele em vista como um dos elementos básicos para o diagnóstico dos problemas de sua época. E assim, conforme as circunstâncias o pediam, ele sabia ser ora suave e doce como um anjo, [ora firme e severo, como apóstolo] incumbido de anunciar as ameaças da Justiça Divina contra os pecadores rebeldes e endurecidos.

Esse grande apóstolo soube alternadamente dialogar e polemizar, e nele o polemista não impedia a manifestação das doçuras do Bom Pastor, nem a mansidão pastoral aguava os santos rigores do polemista. (…)

Mundanismo e jansenismo afastavam as almas da Igreja

A sociedade francesa dos séculos XVII e XVIII estava gravemente enferma. Tudo a preparava para receber passivamente a inoculação dos germens do Enciclopedismo, e desmoronar-se em seguida na catástrofe da Revolução Francesa.

Resumindo um pouco a visão de conjunto da sociedade francesa, pode-se dizer que nas três classes — clero, nobreza e povo — preponderavam dois tipos de alma: os laxistas e os rigoristas. Os laxistas, tendentes a uma vida de prazeres que levava à dissolução e ao ceticismo. Os rigoristas, propensos a um moralismo hirto, formal e sombrio, que levava ao desespero quando não à rebelião. Mundanismo e jansenismo eram os dois pólos que exerciam uma nefasta atração, inclusive até em meios reputados dos mais piedosos e moralizados da sociedade de então.

Um e outro – como tantas vezes acontece com os extremos de erro – levavam a um mesmo resultado. Com efeito, cada qual por seu caminho, afastava as almas do sadio equilíbrio da Igreja. Esta, efetivamente, nos ensina em admirável harmonia  a doçura e o rigor, a justiça e a misericórdia.

O maior louvor à Virgem Mãe de Deus

São Luís Maria Grignion de Montfort, como ardoroso pregador da austeridade cristã genuína, nada tinha da austeridade taciturna, biliosa e estreita de um Savonarola ou um Calvino. Ela era suavizada por uma terníssima devoção a Nossa Senhora. Em torno da mediação universal de Maria, o missionário francês construiu toda uma mariologia  que é o maior monumento de todos os séculos à Virgem Mãe de Deus.

 

(Extraído do “Última Hora”, de 29/5/1984)