Arca da Esperança

Com sua Fé inabalável e íntegra, Nossa Senhora foi a Arca da Esperança do futuro. Todas as expectativas do Antigo Testamento acerca do Messias, todas as promessas e certezas contidas no  Evangelho de que Ele seria o Rei da Glória e o centro da História, todas as realizações do Novo Testamento, toda a grandeza que a Igreja haveria de atingir ao longo dos séculos e todas as virtudes que ela haveria de semear sobre a face da Terra inteira, tudo isso viveu dentro de uma só alma — a alma mil vezes bendita de Maria Santíssima!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 75 (Junho de 2004)

Devoção da aurora do Reino de Maria

Poder-se-ia perguntar se depois de São Luís Maria Grignion de Mont­fort houve mais algum progresso na devoção à Santíssima Virgem.

Foi o progresso da devoção ao Imaculado Coração de Maria, que é uma espécie de quintessência da devoção a Nossa Senhora, assim como a devoção ao Sagrado Coração de Jesus é uma quintessência da devoção a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Afirmo isso baseado nas mensagens de Fátima, nas quais é impressionante o número de vezes em que Nossa Senhora se refere ao Coração d’Ela, muito mais do que às outras devoções. Vê-se ser esta a devoção da aurora do Reino de Maria.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/4/1967)

INCOMPARÁVEL MAJESTADE

NUNCA HAVERÁ UMA SIMPLES CRIATURA QUE MEREÇA TANTO A NOSSA ADMIRAÇÃO QUANTO MARIA SANTÍSSIMA, PORQUE N’ELA HABITAM, DE MODO SINGULAR E ÚNICO, A GRANDEZA E A MAJESTADE DE DEUS. MAIS DO QUE TODOS OS ANJOS E SANTOS, É ELA O PERFEITÍSSIMO ESPELHO DA MAGNIFICÊNCIA DIVINA.

NOSSA SENHORA POSSUI INCOMPARÁVEL MAJESTADE, INTEIRAMENTE HARMÔNICA COM SUA MISERICÓRDIA, E PERTO DA QUAL EMPALIDECEM TODAS AS DEMAIS GRANDEZAS.

QUE SÃO AS MAJESTADES DO SOL, DOS OCEANOS, DO MAIOR DOS REIS, DO MAIS INTELIGENTE DOS SÁBIOS, EM CONFRONTO COM A DE MARIA?

A MAJESTADE DA MÃE DE DEUS É SOBERANA, ÚNICA, SUPERIOR, NA QUAL SE FUNDEM TODAS AS FORMAS DE GRANDEZA. POR ISSO, IMENSA SERÁ A FELICIDADE DAQUELES QUE PUDEREM ADMIRÁ-LA, ETERNAMENTE, EM SEU TRONO DE GLÓRIA NO MAIS ALTO DOS CÉUS!

 

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

Superexcelente misericórdia

Nossa Senhora, sendo Mãe, seu Coração Imaculado não é mais misericordioso do que o Sagrado Coração de Jesus — seria um absurdo imaginar isso —, porém seu Imaculado Coração faz ver mais a misericórdia do Sagrado Coração de Jesus do que Ele próprio.

Seria mais ou menos como quando os raios do Sol se concentram através de uma lente e põem fogo numa folha seca. A lente é tão pouco em comparação com o Sol, mas sem ela esse fogo não pegaria.

Portanto, o Imaculado Coração de Maria seria, por assim dizer, uma lente do Sagrado Coração de Jesus, uma como que concentração da misericórdia do Sagrado Coração de Jesus. Então, Ela, debaixo desse aspecto, tem uma superexcelente misericórdia.

Ademais, Maria Santíssima é especialmente nossa advogada, pois sendo mera criatura é mais plenamente conatural conosco do que o seu Divino Filho que, enquanto Homem Deus, é juiz. Por essas razões, dir-se-ia que o Imaculado Coração de Maria representa, num largo e glorioso sentido, muito especialmente a bondade e a misericórdia do Sagrado Coração de Jesus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/10/1980)

"Illuminans umbratica"

“Illuminans umbratica” é uma bela invocação para antes de fazermos um exame de consciência, pois é Nossa Senhora quem ilumina as coisas que estão na sombra.

Nós, como temos sombras em nossas almas, devemos pedir a Maria Santíssima que nos ilumine, para vermos bem o que existe em nosso interior e nos fazer discernir as tramas do demônio contra nossa vida espiritual.

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 18/8/1965)

Transbordante de dons celestiais

Embora sempre cheia de graça, houve um determinado momento em que Maria Santíssima, por sua perfeitíssima fidelidade e gratuita predileção de Deus para com Ela, adquiriu a plenitude de dons celestiais correspondente: o instante em que Ela Se tornou Esposa do Espírito Santo e Mãe do Salvador.

A santificação de Nossa Senhora continuou até o momento em que, depois da Ascensão de Jesus Cristo, recebeu o Espírito Santo para distribuí-Lo a toda a Igreja, pois em Pentecostes o Paráclito desceu sobre Ela na forma de uma chama que se derramou sobre todos os Apóstolos.

Por fim, quando Lhe era como que impossível crescer em santidade, de tal maneira sua alma estava repleta de celestiais dons, a Mãe de Deus teve a sua “dormição”, como é chamada sua morte, por uma linguagem teológica muito apropriada e poética.

Com efeito, foi da plenitude recebida por Maria que todas as graças vieram para os homens. Assim, a humanidade inteira se beneficia do transbordamento das graças da Santíssima Virgem.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 4/8/1965)

Revista Dr Plinio 255 (Junho de 2019)

Nossa Senhora Porta da Aurora

Nossa Senhora é invocada pela Lituânia como Porta da Aurora: através d’Ela vem o Sol. Evidentemente, é uma alusão à Maternidade Divina. O Sol do gênero humano é Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem‑Deus. A Porta pela qual o Homem‑Deus veio à Terra foi Nossa Senhora. A Aurora formou‑Se n’Ela. A noite de Natal prenuncia a Aurora: a aurora da meia noite. É a noite mais alegre do ano. E não há dia, no ano inteiro, em que a Luz seja mais intensa para as almas do que na noite de Natal.

Assim, voltemo-nos para Nossa Senhora Porta da Aurora, que também pode ser a Aurora do Reino de Maria e da Civilização Cristã, para implorar sua proteção.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/6/1990)

Intercessora junto ao Divino Esposo

Como Esposa do Divino Espírito Santo, Maria possui um título especial para nossa devoção a Ela. Com efeito, tudo quanto diz respeito à Fé católica, à ortodoxia e à manutenção da fidelidade à Igreja deve ser considerado como fruto e obra da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade em nós.

Ora, enquanto Esposa do Espírito Santo, Nossa Senhora tem sobre Ele aquele poder que, no Antigo Testamento, tinha Ester sobre o rei Assuero. Assim como esta, por suas súplicas, tudo conseguiu do monarca em favor dos judeus, assim a Virgem Bendita pode nos alcançar de seu Divino Consorte um tal grau de união com Ele, uma tal abundância de graças das quais Ele é a fonte, que, sem a intercessão d’Ela, ser-nos-ia inteiramente impossível obter.

Plinio Corrêa de Oliveira

O PARAÍSO DO NOVO ADÃO

Conforme disse certa vez um autor sagrado, os verdadeiros devotos de Maria se sentem irresistivelmente atraídos uns pelos outros. É o caso de Dr. Plinio em relação a São Luís Maria Grignion de Montfort, cujos escritos foram, para ele, contínua fonte de inspiração. Nestas páginas ele volta a comentar as riquezas aí encontradas.

 

Uma das obras mais ricas e empolgantes sobre Nossa Senhora é, sem dúvida, o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, de São Luís Maria Grignion de Montfort. Nele encontramos sempre ensinamentos que nos convidam a crescer no amor e na devoção a Ela, além de se prestarem a valiosos desdobramentos acerca das insondáveis e maravilhosas perfeições da Mãe de Deus.

Tomemos, por exemplo, um pequeno trecho desse magnífico Tratado, para comentá-lo passo a passo. Discorrendo sobre como devemos fazer todas as ações com Maria, em Maria e por Maria, explica o santo autor:

“Para compreender cabalmente essa prática, é preciso saber que a Santíssima Virgem é o verdadeiro paraíso terrestre do novo Adão, de que o antigo paraíso terrestre é apenas a figura. Há, portanto, nesse paraíso terrestre riqueza, belezas, raridades e doçuras inexplicáveis que o novo Adão, Jesus Cristo, aí deixou”.

Excelência interior de Nossa Senhora

Como se sabe, Adão foi criado no Paraíso Terrestre. Era o lugar de maravilhas, de esplendores, de felicidade, do qual ele e Eva foram expulsos, depois de caírem na tentação do demônio e prevaricarem contra os preceitos divinos. Contudo, aquele era o paraíso do primeiro homem.

Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo é considerado, a justo título, o segundo Adão. Quer dizer, aquele que veio resgatar a humanidade, tirá-la das sombras da morte e restabelecê-la no estado de graça, através da imolação que Ele fez de si mesmo no alto da Cruz. E assim como o primeiro Adão foi criado num paraíso, o novo Adão deveria ser criado igualmente num lugar de delícias imaculadas. Esse segundo paraíso é Nossa Senhora. Ou seja, tudo o que Éden terrestre tinha de belo e de esplêndido na sua realidade material, Maria possuía ainda mais belo e esplêndido na sua realidade espiritual.

E Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em Nossa Senhora, teve maior felicidade e contentamento do que Adão no seu paraíso, pois assim como o Filho de Deus era infinitamente superior a Adão, o paraíso d’Ele era insondavelmente mais precioso e excelente que o do primeiro homem. Por isso São Luís Grignion fala de “riquezas, belezas, raridades e doçuras” que existiam nele.

Tratam-se de aspectos distintos. Riqueza é a abundância das coisas úteis, e nem sempre envolve a beleza. Por outro lado, algo pode ser muito belo sem ser necessariamente rico, e pode ser raro, sem representar riqueza ou beleza especiais. Nesse novo Paraíso havia, portanto, extraordinárias raridades, belezas e riquezas espirituais, além de incomparáveis doçuras.

A doçura é uma qualidade que torna alguma coisa amena, agradável de trato, suave de contato. Por exemplo, o bem-estar que uma pessoa sente quando se encontra à sombra de determinadas árvores frondosas, a faz experimentar uma satisfação e uma harmonia que são diferentes da realidade da riqueza e da beleza. É o mesmo aconchego que se sente, aliás, à beira de um bonito lago, de um riacho ou, conforme o momento, à beira do mar. Enfim, há uma doçura que não se esgota nos termos de beleza, nem de riqueza, nem de raridade.

Nossa Senhora e a Igreja, perfeições recíprocas

E São Luís Grignion faz então um inventário desses quatro valores, para nos dizer que tudo isso existe em Nossa Senhora, e nos levar a compreender o que n’Ela há de riqueza, beleza, raridade e doçura. Desse modo, embora a Santíssima Virgem seja inesgotável, vamos adquirindo um conhecimento classificado das perfeições e magnificências contidas na sua alma. Por via de comparação, deveríamos proceder da mesma maneira em relação à Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Porque quase tudo que se diz de Nossa Senhora, se diz da Igreja; e, reciprocamente, quase tudo o que se diz da Igreja, se diz de Nossa Senhora. Maria é Mãe de Cristo, a Igreja é a Esposa Mística d’Ele, e entre a Mãe e a esposa existem essas correlações que facilmente podemos compreender.

Podendo conhecer a Igreja Católica, no que ela tem de essencial, no seu esplendor copioso que atravessou os séculos, também nos é dado distinguir suas riquezas, suas belezas, suas raridades e doçuras…

Dotada de graças indizíveis

Concluindo seu pensamento, São Luís afirma que tais maravilhas foram deixadas nesse segundo paraíso pelo próprio novo Adão. É a ideia de que Nosso Senhor Jesus Cristo, durante o tempo sacratíssimo em que Ele se formou no ventre materno, cumulou-o de excelências de toda ordem. Depois, pelo convívio entre Filho e Mãe, desde o nascimento d’Ele até a Ascensão, enriqueceu-A ainda mais. Adão, no primeiro paraíso, parece ter sido apenas um consumidor; não consta que fosse um embelezador, embora, permanecendo fiel, provavelmente lhe coubesse a tarefa de construir ali uma civilização que aprimorasse tudo quanto recebera de Deus. Ao contrário dele, Nosso Senhor requintou e elevou o paraíso onde esteve, isto é, aprimorou e dotou Nossa Senhora de graças indizíveis, fazendo-o, segundo a expressão de São Luís Grignion, “com a magnificência de um Deus”.

Analisemos. A magnificência de um Deus é a magnificência total. O autor lembra, de passagem, que ninguém pode realizar coisas tão magníficas quanto Deus. E se é verdade que o paraíso do novo Adão foi mais esplêndido do que o do primeiro, devemos deduzir que Nossa Senhora é incomparavelmente mais bela que todo o universo. Quer dizer, estrelas, sol, lua, água, lírios do campo, nada tem qualquer paralelo com a beleza espiritual e física da Santíssima Virgem.

Terra imaculada para o corpo do novo Adão

“Esse lugar santíssimo é formado de uma terra virgem e imaculada da qual se formou e nutriu o novo Adão, sem a menor mancha ou nódoa, por operação do Espírito Santo que aí habita. É nesse paraíso terrestre que está, em verdade, a árvore da Vida que produziu Jesus Cristo. Há, nesse lugar divino, árvores plantadas pela mão de Deus e orvalhadas por sua unção divina, arvores que produziram e produzem todos os dias frutos maravilhosos, de um sabor divino; há canteiros esmaltados de belas e variegadas flores de virtudes, cujo perfume delicia os próprios anjos.”

São outras lindas comparações.

Assim como Adão foi formado a partir do barro, e em seguida Deus lhe insuflou uma alma, assim também o novo Adão foi constituído da carne virginal de Nossa Senhora, por obra do Espírito Santo. Depois, havia uma árvore da vida no paraíso antigo, porém no paraíso novo existia outra, que produziu o mais precioso dos frutos, Jesus Cristo. É uma referência à fecundidade imaculada de Nossa Senhora.

Os belos canteiros, flores e frutos variegados simbolizam os dons e virtudes de Maria Santíssima, que deixam os próprios Anjos tão santos e puros extasiados.

Fortaleza invencível, caridade abrasadora

“Há torres inexpugnáveis e fortes, habitações cheias de encanto e segurança”. Como em todo o texto de São Luís, temos aqui mais uma imagem muito bonita. Ela nos faz pensar num castelo com torres inexpugnáveis, cheias de encanto e segurança, com maravilhas dentro e robustíssimas por fora. Essa é a virtude da fortaleza que em Nossa Senhora protege todas as demais virtudes.

“Ninguém, exceto o Espírito Santo, pode dar a conhecer a verdade oculta sob essas figuras de coisas materiais. Reina nesse lugar um ar puro, sem infecção, um ar de pureza; um belo dia sem noite, da humanidade santa; um belo sol sem sombras, da Divindade; uma fornalha ardente e contínua de caridade, na qual todo o ferro que aí se lança fica abrasado e se transforma em ouro.”

São Luís Grignion, referindo-se aos elementos materiais que relacionou nesse paraíso, afirma que só com o auxílio da graça alguém pode fazer ideia do que eles significam enquanto aspectos físicos, espirituais e sobrenaturais de Nossa Senhora. Quer dizer, Ela é bela como o dia por sua natureza, mas Cristo, que habitou n’Ela, não é apenas o dia, mas é o sol, a fonte de todo o esplendor diurno. Então, Jesus é o astro soberano da divindade presente em Maria.

Depois, a igualmente magnífica simbologia da fornalha ardente e abrasadora de caridade, de amor a Deus, que é a Santíssima Virgem. Uma pessoa pode ser dura e fria como o ferro, porém, lançada nessa fornalha, isto é, sendo muito devota de Nossa Senhora e n’Ela confiando, transforma-se não apenas em ferro incandescente, mas em ouro. O contato com Maria muda a alma por completo, a nobilita e santifica.

Abundância de humildade e virtudes cardeais

“Há um rio de humildade que surge da terra e que, dividindo-se em quatro braços, rega todo esse lugar encantado: são as quatro virtudes cardeais.”

Por fim, um outro conceito muito bonito. As quatro virtudes cardeais são aquelas que regulam todas as ações do homem: a justiça, a temperança, a fortaleza e a prudência. Todas as outras virtudes decorrem dessas. Então, São Luís Grignion diz que em Nossa Senhora há como que um rio de humildade, que se abre em quatro braços e dá origem às mencionadas principais virtudes.

Mas a imagem significa também que uma pessoa verdadeiramente humilde possui de modo torrencial as virtudes cardeais. E o que é ser verdadeiramente humilde?

Antes e acima de tudo é ser humilde para com Deus, reconhecendo tudo o que devemos a Ele e retribuí-lo. Sermos, portanto, em relação a Deus, amorosos, fiéis, filiais, paladinos da causa d’Ele até o último ponto, vivendo num holocausto contínuo a serviço d’Ele. A autêntica humildade coloca uma alma nessa posição, e é dessa maneira que esta última adquire, abundantemente, as quatro virtudes cardeais.

E assim era Nossa Senhora.

Aqui temos, portanto, um pouco daquele bem-estar de que falamos atrás, proporcionado pelas doçuras da Santíssima Virgem. É impossível comentar-se algo a respeito d’Ela, sem se ter a impressão de que estamos junto a um rio ou a uma árvore sobrenatural, sentindo, num plano diferente, aquela satisfação particular que experimentamos à beira dos rios ou à sombra das árvores naturais.

Acredito que, após um dia passado no corre-corre de uma cidade supermoderna, super trepidante, superdinâmica, deter-se um pouco na consideração desse panorama maravilhoso que é a alma de Nossa Senhora é algo que sempre nos fará bem…

Confiança plena em Maria

Ao comentar uma célebre passagem de São Luís Grignion de Montfort em sua obra consagrada à devoção a Nossa Senhora, Dr. Plinio nos dá a conhecer a valiosa lição de confiança contida nos primeiros milagres operados por Maria Santíssima, na ordem da graça e na ordem da natureza.

 

No seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís Grignion de Montfort nos lembra uma importante passagem do Evangelho: Nossa Senhora praticando seu primeiro milagre, na ordem da graça, quando visitou Santa Isabel, a qual trazia em seu seio São João Batista.

Protótipo do devoto de Nossa Senhora

Esse acontecimento é, para nós, de muita significação. Tendo a Rainha do Céu dirigido a palavra à sua prima, São João Batista estremeceu de gozo no claustro materno, a tal ponto que ela o declarou a Nossa Senhora. Como homem predestinado que era, ao ouvir a voz da Santíssima Virgem, o Precursor sentiu frêmitos de alegria, e — conforme o parecer de abalizados teólogos — tornou-se livre do pecado original.

Se considerarmos quem foi São João Batista, e quais os traços característicos de sua alma, compreenderemos o efeito que a voz de Nossa Senhora operou nele.

Grande asceta, foi por excelência o homem da pureza, dando-nos a ideia de possuir extremo domínio sobre si mesmo. Além disso, levou o desassombro e o espírito de combatividade ao último ponto, não recuando diante do mal, invectivando e censurando os erros dos importantes de seu tempo, sem se acovardar, a ponto de ser o mártir que se deixa decapitar para manter-se fiel à sua pregação.

Todas essas graças de pureza e de fortaleza podemos supor que ele as tenha alcançado pelos rogos da Santíssima Virgem, e, portanto, não é despropositado considerarmos São João Batista como o protótipo do devoto de Nossa Senhora.

Quando, pois, rezamos ao Precursor, não lhe devemos pedir graças vagas, mas que também possamos — ao ouvir interiormente a voz da Mãe de Deus — ter ímpetos de alegria e imitar as virtudes por ele praticadas.

De outro lado, quando oramos pela conversão de alguém, nada melhor do que pedir a Maria Santíssima falar-lhe palavras ricas em dons celestiais, como fez com São João Batista. A esse propósito, cumpre nos lembrarmos de que não se consegue a conversão ou o afervoramento de uma pessoa apenas pelos raciocínios a ela apresentados. Seria bazófia presumir: “Dei-lhe um argumento poderoso e a converti”. Diferente deve ser nossa afirmação: “Dei-lhe um forte argumento, e Deus a fecundou com sua graça de tal maneira que ela mudou de vida”.

Quer dizer, a conversão é produto da graça divina, e os argumentos que eventualmente saibamos aplicar não passam de simples veículo ou ocasião para que ela atue numa alma. Assim, devemos desejar que em nossa voz jamais entrem acentos meramente humanos, e sim que Nossa Senhora fale por nós, pois só através d’Ela se obtém a graça de Deus.

É também oportuno salientar que os efeitos das palavras de Maria formando um justo, fazendo-o estremecer desde o ventre materno — por lhe ter sido apagada a mancha original —, devem ser um incentivo para confiarmos n’Ela quanto ao êxito de nosso apostolado.

As bodas de Caná

Já na ordem da natureza, pode-se considerar como sendo o primeiro milagre realizado pela intercessão de Nossa Senhora, a transformação da água em vinho nas bodas de Caná, uma vez que a intervenção e o pedido d’Ela junto a seu Filho foram determinantes para tal acontecimento.

Embora o episódio seja muito conhecido, gostaria de ressaltar um aspecto. O Evangelho recomenda que o verdadeiro fiel tenha uma fé capaz de transportar montanhas. É desta fé que ali nos dá exemplo a Santíssima Virgem. Colocada numa situação onde Jesus poderia fazer um milagre, não tem dúvida alguma quanto ao poder do Redentor, nem de que Ele atenderá sua oração. Limita-se simplesmente a falar àqueles servidores: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). O Mestre ordena e, ato contínuo, o milagre se opera. Nossa Senhora nos mostra, portanto, que, pela virtude da fé, verdadeiras maravilhas são realizadas.

Falta de fé, falta de milagres

Cabe aqui uma pergunta: por que vemos hoje tão poucos milagres? Na Idade Média, por exemplo, quantas manifestações do sobrenatural! Atualmente, quão raras são as que podemos contemplar! Outrora havia quem enfrentava potentados, filósofos e reis ímpios, dirigindo-lhes a palavra e operando suas conversões, o que em nossos dias parece impossível. Em diversas situações nas quais os católicos corriam graves riscos de sobrevivência e liberdade, saíam vitoriosos porque lhes apareciam Nosso Senhor, Nossa Senhora ou algum Santo para socorrê-los.

Coisas semelhantes quase não mais acontecem, porque o homem contemporâneo não procura imitar a Virgem Santíssima, modelo de fé que move montanhas. Ele não tem a convicção absoluta de que, de fato, o Criador está presente em sua vida, vai ajudá-lo e, se pedir, o atenderá efetivamente. Considera Deus quase como um ser de razão, perdido num céu muito alto, sem nenhum contato nem interesse para com ele. A doutrina católica a respeito da Providência Divina, da sua intervenção na existência de cada um e da Igreja são ensinamentos aceitos, porém não com espírito de fé bastante para se ter, face às dificuldades, a certeza de que Deus agirá no momento preciso.

Total confiança em Nossa Senhora

A respeito dessas virtudes de Nossa Senhora, devemos conservar em nossa mente sobretudo esta ideia: se, ao longo de nosso apostolado, nos encontrarmos em situações de apuro tal que se faça necessário um milagre de primeira grandeza, devemos esperá-lo. E confiarmos na Santíssima Virgem como Ela — à vista do apuro daqueles esposos em Caná — confiou que a água seria transformada em vinho. É desta ordem a confiança que precisamos ter em Nossa Senhora.

Insisto nessa confiança total em Maria, devido a uma nota característica de nossa obra e de tantos movimentos semelhantes. Refiro-me à desproporção flagrante, cruel, entre o que se deseja realizar e os meios disponíveis para isso. Por exemplo, almejamos a construção de uma nova civilização católica, ou seja, a restauração do reinado de Jesus Cristo no mundo, alicerçados na promessa feita por Nossa Senhora em Fátima de que, por fim, seu Imaculado Coração triunfará. Nossos meios, entretanto, são tão ridiculamente insuficientes que, se não contássemos com o sobrenatural, seria o caso de duvidarmos de nossa sanidade mental. Nossos ideais se deparam com tanta dificuldade de frutificar que, embora contemos apenas dezoito pessoas, quando nos reunimos e nos entreolhamos, somos tentados a achar que constituímos um grupo já numeroso!

Através desse fato, podemos avaliar qual a nossa fraqueza, do ponto de vista humano. Nossa situação poderia ser comparada à de um paralítico que quisesse transportar o Pão de Açúcar com o polegar, e um dia exclamasse: “Hoje consegui me mexer na cama! Estou, portanto, a caminho de me levantar, e, quando me erguer, transmudarei o Pão de Açúcar”. A desproporção de forças é verdadeiramente chocante.

Por isso há momentos em que nos colhe o desânimo e tudo parece remoto. Sobretudo, há ocasiões nas quais, após pressentirmos o advento de muitas coisas boas, ficamos afinal decepcionados, como se tivéssemos na mão uma série de bilhetes de loteria sem valor, porque não foram sorteados. Algo semelhante a uma viagem de automóvel: ao lado de horas agradáveis, de conversa animada, existem outras em que a estrada parece interminável; temos a impressão de estarmos viajando há vários dias, de ainda faltar outro tanto, e até mesmo de que a viagem deverá prolongar-se indefinidamente…

Assim é a vida de apostolado. Há ocasiões em que se está eufórico e outras nas quais tudo se nos afigura caminhar mal, lento, emperrado, e não conseguimos remover os obstáculos. Pois bem, esta é a fase áurea, se soubermos sempre manter o ânimo.