Protetor da Santa Igreja

Dentre as várias invocações a São José, exceção feita das que o mencionam diretamente ligado a Nosso Senhor Jesus Cristo, nenhuma é mais bonita do que a de Protetor da Santa Igreja Católica.
De algum modo, o protetor simboliza aquilo que protege. Por isso, para a guarda de uma rainha, por exemplo, escolhem-se os mais capazes, que demonstraram maior coragem nas guerras, dando assim provas de maior dedicação à coroa.
Por certo, o Anjo da Guarda da Igreja Católica é o maior da Corte Celeste, pois nenhuma criatura individualmente considerada tem a dignidade da Igreja, Corpo Místico de Cristo, que envolve todos os Santos e é a fonte da santidade deles.
Assim, São José deve ser alguém tão alto, tão excelso a ponto de, por assim dizer, constituir o reflexo da Igreja que ele guarda e estar proporcionado a ela.
Podemos então ter uma ideia da sublimidade do chamado de São José, considerando-o enquanto coidêntico com o espírito da Igreja Católica, exemplar prototípico e magnífico da mentalidade e das doutrinas dela. Vocação tão elevada que só se pode medir por este outro critério: o fato de ser Esposo de Nossa Senhora e Pai adotivo do Menino Jesus e, portanto, proporcionado a Eles.

(Extraído de conferência de 19/3/1969)

Um príncipe segundo o plano de Deus

Realizando o altíssimo plano de Deus para a Civilização Cristã, o Príncipe São Casimiro soube aliar a nobreza e o laicato à santidade perfeita, sendo uma pedra de escândalo para sua época e difundindo o aroma da Santa Igreja pela sua pureza ilibada e seu zelo na defesa da Fé.

 

Temos uma ficha biográfica1 sobre um príncipe da época em que a Hungria era chamada o “Reino Apostólico da Hungria”. Trata-se de São Casimiro, da Polônia, cuja festa se comemora no dia 4 de março.
São Casimiro, príncipe polonês, veio ao mundo em 5 de outubro de 1458. Foi o terceiro filho de Casimiro III, Rei da Polônia e Grão-Duque da Lituânia, e de Isabel da Áustria, filha do Imperador Alberto II. Desde o berço foi formado na virtude e piedade pelos cuidados de sua mãe, princesa muito católica.
Esta ficha biográfica traz uma série de observações. A primeira delas, a respeito da qual não podemos deixar de insistir, é o grande número de nobres e de pessoas pertencentes a dinastias reinantes, que foram elevadas, durante a Idade Média, à honra dos altares, esfarrapando a lenda revolucionária de que os nobres não eram senão uns imorais, corruptos, sanguessugas.
No caso concreto, eu me comprazo em afirmar o fato de São Casimiro ter vivido na corte de seus pais, no século XV. Como vemos, a mãe dele era descendente da família imperial Habsburg.

 

Uma corte segundo a Civilização Cristã

Para efeito das teses que temos em vista não é uma coisa tão concludente considerar um príncipe qualquer que, em determinado momento, deixou a corte para abraçar o estado religioso. Sem dúvida, é uma ação nobre, piedosa, edificante, mas para as nossas teses o mais concludente é o fato de ele ter continuado a viver na corte e aí se ter santificado.
Por causa da impregnação de “heresia branca”2 sob a qual o mundo contemporâneo está sujeito, ainda prevalece no subconsciente de muitas pessoas a ideia de que só padres e freiras podem alcançar a santidade. Fora desse âmbito é tão raro o surgimento de um santo, que se considera um caso extraordinário, quase monstruoso. Como na natureza pode brotar um rabanete de tamanho excepcional, assim a graça produz, às vezes, um santo leigo. Parece uma coisa maravilhosa, uma exceção à regra.
Contudo, um santo leigo não é exceção à regra, mas a realização perfeita do plano da Providência. Ademais, o fato de um nobre ter se conservado íntegro na corte de um rei, mostra-nos esse ambiente como um elemento dentro do qual um católico pode viver e santificar-se.
Neste sentido, constitui uma espécie de elogio ao ambiente onde o santo viveu e uma afirmação de que, com frequência, a santidade perfumou a atmosfera nobiliárquica, contrariamente à pregação revolucionária. Então, em vez de serem lupanares, lugares medonhos de perdição e corrupção, as cortes foram, em numerosos casos, receptáculos da santidade onde a virtude atuou, teve prestígio e influência, realizando assim o ideal da Civilização Cristã.
Segundo esse ideal, o que é a corte real? O rei é a imagem terrena de Deus; logo, a corte terrena é imagem da celeste. Numa corte autenticamente católica, em face de um rei santo, os cortesãos deveriam ser a representação dos Anjos e Santos diante de Deus três vezes Santo. Ora, que isso tenha tido, em determinadas circunstâncias históricas, importantes parcelas de realização deve nos encher de entusiasmo e alegria, são exemplos que devemos opor à crítica revolucionária.

Alguém poderia objetar: “Em um número grande de casos, as cortes foram assim. Mas esse número grande é colhido a esmo ao longo de mil anos de história, de maneira que é possível encontrar numerosos exemplos de muitas coisas. Isto não prova que as cortes, a fortiori, tenham sido sempre assim, mas apenas uma vez ou outra. Daí nada se deduz.”
Ora, se as monarquias produziram isso pouco, eu quero saber o que as repúblicas produziram. Por exemplo, quem já ouviu falar em senador santo? Vê-se, então, a diferença existente entre uma coisa e outra, e quanto esses fenômenos são significativos.
Por outro lado, está provado que nas cortes mais depravadas houve sempre uma prestigiosa corrente de reação. Por exemplo, um personagem histórico sobre o qual pouco se tem falado entre nós, e que é muito interessante, é o Delfim Luís Fernando, filho de Luís XV, homem excelente, irmão da Madame Louise de França, que morreu carmelita e da qual ainda se procuram elementos para o processo de canonização, e também da Rainha da Sardenha, Madame Clotilde, irmã de Luís XVI, declarada bem-aventurada pela Santa Sé. Isto na tão putrefata corte de Versailles, no tempo de Luís XV.
Continuemos a análise da ficha sobre São Casimiro.

Alma penitente e de uma pureza convidativa

Sua pureza e castidade foram, desde a infância, absolutamente virginais e evangélicas. Era difícil imaginar um príncipe de maior inocência, de maneiras mais belas e com méritos mais elevados. A pureza de seu coração e de seu corpo brilhava em toda a sua conduta, de modo que todos os que o viam ou com ele tratavam, sentiam-se movidos à castidade.
Seu espírito era tão unido a Deus, que sua paz interior se manifestava na grande serenidade do seu rosto. Todos os seus servos, ao seu exemplo, eram cheios de bondade e se destacavam pela extraordinária misericórdia para com todos os visitantes e os pobres que iam lá pedir esmola. Pode-se formar uma ideia da felicidade dos súditos de tão santo príncipe.
Aqui temos um personagem que poderia figurar na pintura de um vitral em uma catedral. Príncipe da casa real, com irmãos reis, São Casimiro era um jovem de alta cultura e condição social, no qual se reuniam todos os dons físicos, intelectuais e espirituais; era um varão muito justo, misericordioso e bondoso.

É interessante notar a castidade enorme deste Santo. Uma nota curiosa desta castidade é a sua comunicatividade. Ele era tão puro que transmitia aos outros o desejo de o serem também. Isso tem uma beleza especial, porque muitas vezes encontramos pessoas puras, dignas de admiração e homenagem, mas a quem Nossa Senhora não deu o dom de tornar comunicativa essa virtude.
Ora, uma das melhores formas de fazer apostolado é ter essa virtude comunicando-se de uma pessoa para outra, como por osmose.
Mas, como Deus está irado com o mundo, esses dons se tornam raríssimos. Por esse motivo, devemos recorrer a São Casimiro para compreender o que é a pureza convidativa e irradiante, e assim atrair as pessoas para a prática dessa virtude contrária à impureza, à voluptuosidade, também conquistadoras, e que arrastam para o mal. A virtude arrastando para o bem é uma coisa que pouco se vê em nossos dias e, no entanto, dá tanta glória a Nossa Senhora!
São Casimiro teve, entre outros, o dom da continência, que o tornou casto toda a vida, num celibato muito puro. Para corresponder com maior facilidade a tantas graças, cobriu seu corpo com rudes cilícios e o macerou com longos jejuns. Com frequência, passava noites inteiras dormindo sobre uma tábua e, algumas vezes, dormia nas portas das igrejas, onde era encontrado de manhã, com o rosto virado para o chão. Todas essas mortificações, o Santo praticava sem ferir qualquer das pompas que a dignidade de sua Casa, ou a consideração das pessoas com as quais vivia, pareciam exigir do seu estado.
Há um outro aspecto interessante aqui: é a atitude de São Casimiro vestindo roupas régias e levando cilício por baixo. Ele quer fazer penitência, mas sabe que sua condição lhe impõe vestir-se com a pompa inerente à sua categoria. E como ele não é igualitário, usa tudo quanto é necessário para a manutenção de seu estado. Vemos nisso o equilíbrio do verdadeiro Santo.

Qual o valor disso? Este Santo considerava tão nobre e justo que um príncipe, ou qualquer pessoa de maior categoria social, tivesse um estado de vida superior, que ele, fazendo penitências de todos os modos, encobria sua mortificação para ostentar sua nobre condição aos olhos de todos, qualificando isso como um verdadeiro dever de estado a ser cumprido.
Desde seus primeiros anos São Casimiro se desinteressou dos prazeres do mundo, das diversões e da vida folgada. Seus prazeres, os mais atraentes, eram de passar várias horas seguidas rezando diante dos altares. O palácio de nosso Santo era um lugar de devoção, onde se rezava a Deus o dia inteiro. Quando ele assistia ao Santo Sacrifício da Missa, não era raro que tivesse êxtases no momento de se operar a transubstanciação.
Uma das virtudes em que mais se esmerou o grande São Casimiro foi a cordial devoção a Nossa Senhora, à qual chamava de “minha Boa Mãe”. Daqui veio a conservar os virgíneos candores desse arminho, apesar do real estado e da viçosa idade… Não contente de recitar todos os dias um longo hino, composto por ele, no qual cantava os mistérios da Encarnação e os gloriosos privilégios da Mãe de Deus, quis ainda ser enterrado com essa oração e uma imagem de Nossa Senhora, a qual cento e vinte anos depois, por ocasião do processo de canonização, quando foi aberta a sua sepultura, foi encontrada junto ao corpo.

O Santo é sempre uma pedra de escândalo

Ao completar Casimiro treze anos, os Estados da Hungria, não estando satisfeitos com seu Rei, Matias Corvino, enviaram deputados ao Rei Casimiro III para que seu filho obtivesse a coroa da Hungria em detrimento de Matias. Casimiro III prometeu-lhes seu filho e o enviou com um exército para apoiar seu direito à eleição, contra Matias, que não aceitava sua deposição. Tendo chegado às fronteiras da Hungria, São Casimiro soube que Matias acabava de reunir dezesseis mil homens para ir à frente dos poloneses e que tornara a conquistar o coração dos súditos. Soube também que o Papa Sisto IV se declarara pelo rei destronado e enviara uma embaixada a seu pai, para fazê-lo abandonar a empresa.
Foi então que o jovem príncipe percebeu a demasiada facilidade com que seu pai escutara os deputados húngaros. Tendo, então, reconhecido a injustiça da expedição a que o tinham atraído, ele se recusou a fazer qualquer outro ataque e voltou para a Polônia.

Foi mandado pelo pai para tomar conta da coroa da Hungria, e só quando chegou à fronteira percebeu que não estava depondo um usurpador, mas o rei legítimo. A partir desse momento ele se recusou a combater.
Vejam a preocupação em não derrubar um governo legítimo. Ao contrário desta nossa época em que os governos são tão mais perecíveis quanto mais legítimos, e tanto mais estáveis quanto mais ilegítimos são.
Estes são alguns preciosos exemplos de virtudes dados por São Casimiro, e temos que aproveitá-los para a nossa santificação.
Para não aumentar o desgosto de seu pai, que planejara aquele empreendimento, retirou-se para o Castelo de Dobczyce, onde se entregou a austeras penitências. Ao fim deste tempo voltou ao palácio real, onde já encontrou tudo mais em paz.

Casimiro, inimigo nato de toda espécie de intriga, era sumamente vigilante em tudo o que dizia. Tinha palavras inflamadas quando falava a respeito da beleza da virtude e do feliz estado de uma alma em paz, em amizade com Deus.
Seu zelo pela Religião Católica correspondia a tanta piedade. Fez conhecer em diversas ocasiões sua aversão pelos que corrompem a Fé da Igreja. Ele empregou todo o seu poder em extirpar o cisma dos russos. Em virtude disso, fez agir seu zelo ante o Rei, seu pai, a fim de confiscar todas as igrejas cismáticas e impediu mais tarde que estas fossem restituídas aos cismáticos.
É muito bonito ver o seu zelo contra os hereges, virtude que sempre acompanha a alma da pessoa verdadeiramente pura. Havia certas igrejas, no reino do pai dele, entregues aos cismáticos, e ele fez questão de que de lá fossem expulsos.
Nesta biografia consta um grande gesto de heroísmo e de energia da parte de São Casimiro: o confisco dos bens da igreja cismática e o impedimento desta funcionar na Polônia. Gesto que está à altura de um inquisidor ou da alma de um Santo.
Mas, tirando esse gesto, o que nós vemos? As virtudes suaves, amáveis, que tornam um homem atraente. Não notamos as virtudes do batalhador. Por quê? Precisamente porque na Europa de então vivia-se o período chamado de “anarquia feudal”.
Os senhores feudais, os príncipes se destacavam todos pela tendência excessiva a combater, a manter, uns com os outros, um estado de guerra contínuo, por razões muitas vezes fúteis que levavam a Santa Sé a pronunciar condenação em cima de condenação.

Duas influências nefastas contribuíam para a existência desse estado de coisas. Em primeiro lugar, pela influência bárbara, embora remota, mas que ainda se fazia sentir e levava esses homens a não poder viver tranquilos. De outro lado, houve também uma explosão de vaidade a que, infelizmente, as Cruzadas do Oriente tinham dado lugar.
Como se sabe, na Europa houve várias Cruzadas, das quais a mais vitoriosa foi a da Espanha e Portugal contra os mouros que invadiram a Península Ibérica. Também houve Cruzadas coroadas de belo êxito contra os turcos, vindos do Sul, que invadiram mais de uma vez a Hungria, ou contra os pagãos do Mar Báltico que queriam impedir a expansão da Religião Católica.
Mas, ao par dessas, empreendeu-se a série de Cruzadas mais célebres destinadas à libertação do Santo Sepulcro, que, no total, umas pelas outras, redundaram no fracasso, em grande parte por causa do espírito de vaidade e de exibição que se apoderou dos cruzados. Sabendo que todo o Oriente tinha os olhos voltados para eles e que os atos de coragem praticados para a reconquista do Santo Sepulcro haveriam de redundar em fama, boa reputação e em glória para eles, tinham a pretensão de ocupar, no Oriente, os primeiros lugares nas batalhas, destacando-se e ganhando celebridade no Ocidente, dentro do contexto deles. Portanto, não abandonaram o contexto que ficava na Europa; apenas saíram fisicamente dele, mantendo a preocupação de ali se tornarem célebres.
Assim, acontecia muitas vezes que, com pasmo e verdadeiro escândalo para todo o mundo, quando chegava a hora de o General-chefe distribuir as posições de guerra, e não distribuía para esse ou aquele nobre um lugar onde ele teria ocasião de realizar grandes proezas, esse nobre não aceitava e entrava em luta contra o outro designado para tal posição. Então, na primeira linha, os cruzados guerreavam entre si em vez de lutar contra o adversário. Resultado: naturalmente, saíam derrotados.
Isso contaminou toda a nobreza europeia com uma espécie de vício de fanfarronada militar, cujo resultado foi que, terminadas as Cruzadas, mesmo na Europa as lutas entre os feudos fossem incessantes, e todos os Estados europeus vivessem numa agitação e numa fermentação contínua por causa disso. Essa era a “anarquia feudal”.
Essa situação favoreceu indiretamente a causa da Revolução, pois para coibir essa anarquia, os reis começaram a exercer uma autoridade brutal sobre os senhores feudais até quebrá-los, passando para a monarquia absoluta dos tempos modernos, certamente muito menos digna de aplauso do que a feudal como o ideal medieval a tinha imaginado.
Tratava-se, nesse tempo, de fazer uma reação contra esse espírito de fanfarronada, de vaidade militar, em favor da luta contra o gérmen da Revolução que se vinha acumulando.
Temos, então, um príncipe que faz o escândalo daquele século. São Casimiro vai invadir a Hungria porque, em virtude de direitos hereditários e por aclamação popular, fora eleito Rei daquele país no lugar do monarca deposto. Porém, quando chega à fronteira e recebe a notícia: “O Papa considera a sua causa falsa. Julgou o assunto e reconhece o Rei Matias como verdadeiro monarca. Aliás, este já subiu ao trono novamente, porque as diferenças existentes entre ele e os súditos foram aplacadas. Portanto, o Rei legítimo está no seu palácio”, São Casimiro se detém na fronteira e diz: “Se esse é o pensamento do Papa, eu paro, submeto-me e volto para trás. Não irei conquistar um reino ao qual não tenha direito.”
Isso era o contrário da mentalidade da “anarquia feudal”, segundo a qual ele deveria dizer: “Eu provarei, pela ponta de minha espada, que sou homem de coragem e conseguirei o que eu quero!” E avançaria contra toda razão e todo direito, para mostrar ser audacioso.

Suscitado para rebater a Revolução de seu tempo

Também, nessa época, começava a se acentuar a ideia de que um príncipe que reza muito, dá esmola aos pobres e tem um trato

muito afável não possui as virtudes verdadeiramente militares e não é um homem corajoso, o qual, segundo a concepção errada, não é afável nem piedoso; ao contrário, é um fanfarrão disposto a toda hora a brigar com qualquer pessoa, e não conhece o oposto harmônico que é exatamente a placidez, a serenidade, o amor à paz, o equilíbrio que dão o verdadeiro valor à coragem.

Na realidade, a fanfarronada estava substituindo a coragem sincera. Ora, São Casimiro enfrentou toda essa posição errada de seu século e praticou tais virtudes, ditas moles, mas que naquela época era preciso ter uma coragem extraordinária para praticar, porque todo o mundo as desprezava.
Com efeito, o Santo é equilibrado, forte, vigoroso, heroico se necessário, mas capaz também de não praticar esse falso heroísmo de ponta de faca se as circunstâncias pedem dele outra forma de heroísmo, que consiste em enfrentar a opinião pública. Esse herói é, portanto, o tipo do verdadeiro príncipe que devemos venerar e honrar.
Nota-se como Nossa Senhora o suscitou, no fundo, para salvar o feudalismo. Se os senhores feudais tivessem seguido esse exemplo, a “anarquia feudal” se aplacaria por si mesma, e teria sido muito difícil a implantação da monarquia absoluta e pré-revolucionária dos tempos modernos.
Nós devemos ver em São Casimiro o varão que teve coragem de resistir à pressão de seu tempo, de fazer o contrário do que convinha à Revolução da época. Esta é a verdadeira coragem, e quem a possui conquista as demais, inclusive a de derramar o seu sangue no campo de batalha se as circunstâncias exigirem.
Se vejo alguém com coragem de enfrentar a opinião pública, embora nunca tenha dado provas de bravura numa batalha campal, sou capaz de afirmar: “Esse homem tem grande possibilidade de ser um herói no campo de batalha.”
Entretanto, de um herói no campo de batalha, eu me perguntaria: “Que probabilidade ele tem de enfrentar a opinião pública?”
Porque quem enfrenta o mais difícil, isto é, a opinião vigente, é capaz de expor a sua vida.
Alguém perguntará: “Mas será verdade, Dr. Plinio, que é mais difícil enfrentar a opinião pública do que o adversário no campo de batalha?”
É nobilíssimo, belíssimo, empolgante enfrentar o adversário no campo de batalha a serviço de uma guerra justa e, sobretudo, sagrada. Mas há muita gente disposta a correr o risco de entrar em combate por medo de ser objeto de caçoada se permanecer na retaguarda. Logo, tais pessoas têm mais medo da risada do que da metralhadora.
Assim, nós podemos considerar São Casimiro como um verdadeiro herói.

Difundindo o aroma de santidade

Estando São Casimiro enfermo, diziam os médicos, e o importunavam seus domésticos, que lhe era necessário o casamento para conservar sua vida e saúde, tão importantes ao bem público. Desprezando com uma heroica constância os avisos dos médicos, respondeu-lhes ele uma sentença digna de seu espírito casto, generoso e celestial: “Não conheço outra vida e outra saúde mais que a Cristo, por cuja companhia desejo desatar-me”.
Deus lhe fez a graça de revelar o dia e a hora de sua morte, para a qual ele se preparou particularmente. No dia 4 de março do ano de 1483, aos vinte e quatro anos, expirou docemente entregando a sua alma a Deus. Seu corpo foi levado com grande pompa fúnebre para a Catedral de Santo Estanislau, em Welms, capital do ducado do qual ele era senhor, e recebeu ali as honras da sepultura. Operou-se grande número de milagres por sua intercessão.
Cento e vinte anos após a sua morte, seu corpo e as ricas vestes com que fora enterrado foram encontrados incorruptos, construindo-se uma riquíssima capela de mármore para conservação desta relíquia. São Casimiro é padroeiro da Polônia e modelo de pureza para a juventude.

Nós temos falado em muitas ocasiões a respeito dos Santos fundadores de povos ou de ciclos de civilização, e que por sua ação extraordinária movem a História. Porém, também podemos considerar que há uma outra categoria de Santos que nascem e se tornam exímios na prática de uma virtude, a qual eles vão representar em toda a vida da Igreja. E, para que a atenção dos fiéis não se desvie deste ponto central, esses Santos morrem relativamente jovens e a sua vida fica circunscrita à prática daquela virtude.
Considerem, por exemplo, São Luís Gonzaga. Ele fez pouca coisa, mas morreu no apogeu da virtude, ainda adolescente. Se ele tivesse realizado numerosas obras, as atenções se voltariam para o que ele fez, em vez de se concentrarem no que ele foi, e o principal exemplo a ser dado por ele acabaria esquecido.
Tais Santos nos mostram que a santidade consiste, sobretudo, em ter uma ação de presença dentro da Igreja, em difundir o aroma dessa santidade, não só enquanto estão vivos, mas depois de mortos. E que a vida deles, tão precocemente imolada e, em geral, oferecida em benefício da Igreja Católica, é um elemento preciosíssimo para a salvação das almas.

 

(Extraído de conferências
de 3/3/1964, 3/3/1966,
3/3/1967 e 25/11/1974)

 

1) Cf. ROHRBACHER, René-François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. v. IV, p. 177-180.
2) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

Nada é tão necessário, útil, doce e glorioso – II

O demônio promete às pessoas o prazer na vida, se forem egoístas. Entretanto, precisamente isso ele vai tirar, pois é o pai da mentira. Não há coisa mais miserável do que a vida de quem é egoísta. Somente tem verdadeiro gáudio quem vive do enlevo desinteressado.

 

No Reino de Maria tudo vai ser diferente. Devemos considerar que, eliminado o pecado de Revolução, no Reino de Maria as almas vão começar a ser sensíveis para esses temas. Vão aparecer de novo as pessoas que se via outrora, chorando ao fazer a Via Sacra.

Relógio de São Rafael

Eu ainda peguei isso no meu tempo de pequeno. De vez em quando, eu ia à igreja e encontrava uma ou outra pessoa fazendo a Via Sacra; eram três ou quatro da tarde, que são as horas mais simpáticas. Eu via, então, uma velha, uma mocinha, um menininho, rezando a Via Sacra, calmamente, lentamente, meditando cada um daqueles passos. Como isso deveria falar para as almas! Mas gastou…

Lembro-me de que havia em minha casa uma cozinheira de cor, a qual era reumática; uma vez eu vi o quarto dela e chamou-me a atenção encontrar um desses despertadores comuns, chamado relógio de São Rafael, que era artigo muito barato. E no mostrador do relógio, em cada hora, estava descrito, por meio de uma figurinha, o que Nosso Senhor durante a Paixão havia sofrido àquela hora. Era um relógio para doente, que ficava à cabeceira de sua cama, e quando o enfermo começava a achar longa a sua doença, que o tempo estava custando para passar, ou quando chegava a hora da dor pungente, da preocupação mais tremenda, ele olhava para o relógio e dizia, por exemplo: “Na hora em que estou sofrendo isso, Jesus penetrava no pretório de Pilatos”; ou, padecendo as constrições de uma angina, pensava: “Jesus tinha seu Coração transpassado pela lança de Longinus”. E dessa forma o doente encontrava uma distensão.

Recordo-me, ainda, que lhe perguntei:

— Você olha para esse relógio e reza conforme ele indica?

Ela deu uma risada, com uma certa bonomia, e disse:

— Se olho…

Essa cozinheira negra era uma Amiga da Cruz!

Tais relógios deixaram completamente de existir, e eu tive uma dor pungente quando, há anos atrás, alguém dizia para todo mundo que nunca tinha visto um relógio assim, era uma verdadeira curiosidade, e comentou: “Olhem, como os antigos eram piedosos…”

E a livraria do Coração de Jesus(1) vendia esses relógios para as empregadas do bairro, no tempo em que eu era menino. Foi um lindo pensamento que inspirou a elaboração de tais relógios; tenho certeza que nesta sala não haveria um que não gostasse de ter um relógio como esse. Entretanto, isso sumiu tão completamente que, 50 anos depois, encontrado um deles, é mostrado com uma curiosidade como quem mostraria um amuleto, tirado de dentro de um sarcófago de uma múmia egípcia.

Como era a Semana Santa nas primeiras décadas do século XX

Lembro-me de que uma vez ou outra, quando era pequeno, eu ainda ouvia as criadas, ou outras pessoas, fazerem interjeições dessas: “Pelo Sangue de Cristo, não faça isso!”

E alguns antigos documentos pontifícios pediam que Fulano ou Cicrano não fizesse tal coisa, “pelas entranhas de misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo”.  Havia um vinho chamado “Lacrima Christi”, dulcíssimo como a lágrima de Cristo, que era cheia de doçura e de misericórdia.  E existe uma trepadeira “Lacrima Christi”, cujas flores são brancas com uma pétala vermelha, simbolizando o Sangue misturado numa lágrima cristalina e puríssima de Jesus Cristo.

Na Semana Santa, os fiéis se aproximavam da igreja com um senso sacral, um enlevo, uma admiração, uma ternura enormes. As pessoas se vestiam de preto, não se fazia barulho, as crianças não podiam falar alto, os motores não funcionavam, as chaminés das locomotivas não apitavam. E uma espécie de doçura de dor pairava sobre toda a humanidade. Então se compreendia o que São Luís Grignion fala da suavidade do sofrer. Porque o fato de Nosso Senhor estar presente nesse sofrimento proporcionava uma suavidade, uma tranquilidade de alma, uma resignação, da qual o homem moderno já não tem nenhuma ideia, nenhum conhecimento. A cozinheira, há pouco citada, compreendia bem isso. Mas infelizmente essas coisas passaram completamente.

Entretanto, São Francisco de Assis quanto chorou aos pés de um Crucifixo, Santo Afonso de Ligório quanto o osculou!

Quantas almas, não maculadas pela Revolução, eram sensíveis para isso! Aí se compreende um aspecto do pecado de Revolução, que é uma insensibilidade córnea, algo que se tem dificuldade de definir e explicitar; esse pecado faz com que, diante dessas coisas, as almas simplesmente não liguem.

Alguém me dirá: “Dr. Plinio, o senhor está fazendo uma grande confusão. Porque está falando de piedade sensível, e a sensibilidade com a piedade não tem relação com a Revolução. Isto é uma concepção de Deus, que dá o dom das lágrimas ou não. E, às vezes, há mais mérito em não ter essa sensibilidade do que ter”.

É bem verdade, mas não estou falando só da sensibilidade; é de algo por onde esses raciocínios moviam as almas e hoje não movem mais. E diante de uma coisa que impressiona, as pessoas ficam simplesmente com a impressão.

Forma requintada de egoísmo

E exatamente um efeito do pecado de Revolução é uma espécie de dureza de alma, de frieza, de falta de ternura e de capacidade de se enlevar, e ao qual corresponde uma forma requintada de egoísmo.

Assim, compreendemos também uma outra coisa: a nossa famosa procura do absoluto como está ligada a isso!

As almas picadas pela Revolução não se incomodam com o absoluto. Mostramos-lhes a coisa mais sublime, e se não tiver relação com uma vantagem prática delas, da vida de todos os dias, elas não se incomodam.

São secas e frias para essas considerações; são almas incapazes de se enlevar. Elas possuem umas fruições, mas verdadeiro enlevo, que é o entusiasmo pela coisa enquanto tal, e sem preocupação de gozo, essas almas não têm. O egoísmo é tal que elas só são capazes de pensar no seu próprio gozo. E não cogitam em mais nada. Por isso também estão fechadas para a Paixão de Cristo.

Se quisermos ter a ideia de uma alma em diâmetro oposto a isso, podemos, por exemplo, pegar aquela fotografia de Santa Teresinha do Menino Jesus menina. Cheia de enlevo, ela ama uma porção de coisas por não serem ela mesma. E não por lhe darem vantagem, mas porque as coisas são como são. Aquelas famosas meditações que Santa Teresinha fazia, nos “Buissonnets”, olhando para as estrelas, eram coisas que ela amava não como um egoísta pode amar porque gosta de olhar para estrela, mas porque a estrela é estrela. Entretanto, quão poucas almas são assim!

É tremendo, mas aquilo que o demônio promete é precisamente o que ele quer tirar. Ele promete às almas que, se forem egoístas, irão encontrar o prazer na vida. Não há coisa mais miserável do que a vida da alma de quem é egoísta. O único prazer da vida é ter uma alma enlevável, enlevada e que vive do enlevo desinteressado; o resto da vida não tem prazeres. Mas quantos ignoram isso! E daí a secura das almas para com as nossas considerações.

Se alguém, portanto, quiser ter uma noção do que vai ser o Reino de Maria, deve imaginar almas completamente diferentes das de hoje; almas capazes de se tocarem desinteressadamente por essas coisas, e de amar esses temas por serem eles mesmos e não por qualquer outra razão. Afinal raia no mundo a aurora do desinteresse!

O verdadeiro escravo de Maria não busca seu próprio interesse

Embora não claramente enunciado por São Luís Grignion de Montfort — mas eu dizendo todos percebem —, por detrás do conceito da sagrada escravidão à Santíssima Virgem está precisamente isso: o escravo é aquele que renuncia a ter qualquer interesse. Ele só tem os direitos mínimos do Direito Natural, os inalienáveis, e renuncia a suas vantagens, a seus próprios interesses; e quase se diria que ele renuncia ao seu próprio eu. Porque o escravo de Maria compreende que essas coisas não são nada; são puro egoísmo e trazem consigo a frustração de todas as amarguras. E ele se funde em Nossa Senhora, que é sua Senhora; torna-se escravo d’Ela porque não quer fazer outra coisa senão contemplá-La, admirá-La, e todo o prazer dele está exatamente em que tudo na Terra seja conforme a Ela, viva e prospere independente dos seus interesses.

Um perfeito escravo de Nossa Senhora seria de tal maneira, que ele teria incomparavelmente mais ventura em ser lixeiro no Reino de Maria, do que um duque na Inglaterra ou um milhardário nos Estados Unidos.

Mais ainda: um verdadeiro escravo de Nossa Senhora, no Reino de Maria, gostaria mais de ser o último, não ter nenhuma vantagem pessoal, para contemplar desinteressadamente aquele quadro do seu cantinho, do que ser um ator do centro da cena. E são almas assim que o “Grand Retour”(2) deve suscitar. Almas nesse ponto escravizadas ao enlevo, ao ideal, e que já não procuram mais nada para si. E que, afinal, encontram paz para suas almas.

Mas isso supõe graças muito especiais, verdadeiramente de “Grand Retour”. Graças de uma renúncia interna, que tanto dá no heroísmo dos Macabeus, quanto no isolamento dos eremitas, na pequena via de Santa Teresinha, quanto em todas as formas de santidade, mas não nesse egoísmo que a Revolução criou.

Aqui estaria uma meditação sobre um dos aspectos mais fundamentais do que é a cruz.

O que é a cruz? É o conjunto de renúncias que se faz para ser assim. E, quando a pessoa realiza esse esplêndido negócio, percebe que de fato toma uma cruz sobre os ombros, mas entende ser bem verdade o que dizia o Cura de Ars: “A vida dos que vivem segundo a cruz é como um manto de espinhos, forrado de arminho. E a existência dos que vivem segundo o seu egoísmo é como um manto de arminho, forrado de espinhos”.

Quanta coisa excelente existe para a alma nesta vida de enlevo! Que miséria existe no contrário! v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/8/1967)

Revista Dr Plinio 193 (Abril de 2014)

 

1) Situada junto ao Santuário do Sagrado Coração de Jesus, em São Paulo, bairro Campos Elíseos.

2) Do francês: grande retorno. No início da década de 1940, houve na França extraordinário incremento do espírito religioso, quando das peregrinações de quatro imagens de Nossa Senhora de Boulogne. Tal movimento espiritual foi denominado de “grand retour”, para indicar o imenso retorno daquele país a seu antigo e autêntico fervor, então esmaecido. Ao tomar conhecimento desses fatos, Dr. Plinio começou a empregar a expressão “grand retour” no sentido não só de “grande retorno”, mas de uma torrente avassaladora de graças que, através da Virgem Santíssima, Deus concederá ao mundo para a implantação do Reino de Maria

O Sepulcro do Senhor

Imaginando o Santo Sepulcro, Dr. Plinio faz riquíssimas considerações que podem inspirar-nos à meditação por ocasião da Páscoa.

 

Atualmente, o ambiente que cerca o Santo Sepulcro difere bastante daquele existente quando Nosso Senhor ali estava morto na sua humanidade.

Entretanto, a fim de fazer uma meditação sobre a Ressurreição de Cristo, farei o que Santo Inácio de Loyola chama, nos Exercícios Espirituais, a composição de lugar, sabendo que o Santo Sepulcro assim não foi. Vou imaginar um sepulcro em concreto, ou seja, real, e depois descreverei a impressão que ele me causaria, se lá estivesse.

Um arco prodigioso, não definido

Eu imaginaria o Santo Sepulcro como algo completamente tosco, aberto na pedra pelos pedreiros de José de Arimateia, que formavam talvez uma das primeiras empresas funerárias do mundo.

ma coisa tosca, mas para quem soubesse interpretar e conhecesse o gótico, olhando para aquilo perceberia que formava um arco prodigioso, não definido. Um indivíduo que vivesse no tempo de Jesus não perceberia, mas um medieval diria: “Olha o gótico!” Se quiserem, foi a primeira ogiva da História.

A lápide que encerrava o Santo Sepulcro, ao contrário de ter aquela beleza leve do gótico, aquele charme, seria uma pedra bruta como que fazendo carranca.

E a ogiva era um louvor do Filho de Deus e a tragédia do deicídio, a justaposição do lindo e do horror da morte, da virtude e do pecado.

A câmara mortuária em forma de cruz

Como se poderia imaginar a câmara mortuária onde estava Nosso Senhor?

Poder-se-ia representar, não uma montanha gigantesca, seria ridículo, mas uma rocha muito grande, ainda com terra por cima, com plantas, de maneira que se sentisse que ela é muito maior do que nossos olhos percebem.

Afastada a pedra de abertura, entrar-se-ia numa espécie de corredor, no fundo do qual se tem a ideia do âmago da morte. E no âmago da morte, o Deus vivo.

É bonito imaginar o cortejo que entra, levando o sagrado Corpo: os archotes, a resina dos mesmos e a fumaça marcando o teto e as paredes; aquela escavação escura e tenebrosa vai recebendo uma luz surpreendente. Nessa escavação, cuja forma seria alongada, haveria uma como que mesa de pedra, sobre a qual se colocaria o Corpo divino.

Quem prestasse uma atenção amorosa e meditativa perceberia, não à primeira vista, mas à terceira ou quarta, que aquilo formava uma cruz. No âmago da morte não cabe a festa nem o “pulchrum” ostentado, mas apenas insinuado, entrevisto.

Contraste entre Nossa Senhora e a montanha de pedra

Prestando-se atenção nas paredes e na estrutura geral, se compreenderia que aquilo representava um dossel fabuloso, embora de pedra comum, o dossel de todos os séculos, pois ali estava colocado o Corpo de Nosso Senhor.

Talvez não se devesse imaginar que também Nossa Senhora entrasse. Ela, em cujo claustro Nosso Senhor tomou vida, vendo agora o sepulcro onde está o seu Filho morto! Seria lancinante o contraste entre a Virgem-Mãe e a montanha de pedra, a vida que começa e a morte dando seu golpe brutal, o crime mais inopinado, mais satânico, mais estúpido, se não fosse diabólico.

Assim, podemos conceber que Ela julgasse não dever estar ali, como uma espécie de protesto das entranhas que O geraram contra a entranha de pedra que O vai conter: uma incompatibilidade intransponível.

É mais bonito supor que todos saem, ficando ali apenas o sagrado Corpo ultra-aromatizado, isolado, na escuridão completa, havendo, na aparência, a vitória deslumbrante da impiedade, da vulgaridade, da morte, do pecado, sobre Nosso Senhor Jesus Cristo.

Fosforescência lívida, mas gloriosa

Se, pela ação de um anjo, uma pessoa tivesse a felicidade de ver através da rocha, perceberia que do Corpo emanava uma discretíssima claridade, não a de um homem vivo, mas a de um cadáver.

ara a autenticidade da Ressurreição era preciso que Jesus estivesse morto, com todas as características da morte, exceto a putrefação, que n’Ele não cabe. Se não fosse irreverência, poder-se-ia comparar essa luminosidade à fosforescência. Seria uma fosforescência lívida e cadavérica, mas gloriosa.

Num canto qualquer, e também no solo, uma luz mantida por anjos, que brilhasse de um modo lindíssimo, como um vitral iluminado por detrás. Brilharia apenas num canto, sem chegar a iluminar tudo, como são os quadros da escola holandesa.

E por que no chão? Porque a glória de Nosso Senhor impunha que, junto ao cadáver d’Ele, nunca se fizesse noite completa.

Seria de certo modo o “lumen gloriae”(1) porque, no lugar da morte, a luz não tem a sua residência própria. Ela está como que enxovalhada, posta de lado, iluminando só um canto, enquanto a vida não voltar para Ele. Tratar-se-ia de luz angélica, que não precisa de oxigênio, pois independe das leis da Física.

E essa luminosidade aumentaria paulatinamente, se desdobrando em como que fosforescências cada vez mais bonitas, cujas várias zonas lembrassem os tormentos d’Ele e tudo quanto em sua alma humana, em união hipostática com a Divindade, se passou durante a existência: a vida íntima da Sagrada Família, os três anos da vida pública, a aurora radiosa, a glória, a perseguição, as apreensões, o Horto das Oliveiras, tudo isto iria se desdobrando em luzes. Seria como que uma narração.

Poderíamos imaginar também que as feridas, as chagas sagradas, fossem gradualmente tomando, em harmonia com isso, à maneira de matizes, fosforescências próprias, indicando o significado de cada uma, o que Ele havia sofrido e expiado em cada passo da Paixão.

Quando isto estivesse inteiramente representado, seria preciso pensar nas legiões de anjos adorando o sagrado cadáver. E, incomparavelmente superior a todos os anjos, Nossa Senhora à distância, no Cenáculo, em contínua adoração. Poder-se-ia objetar: “Está bem, mas anjo não precisa de fosforescência”. Sim, mas ela poderia existir para que algum dia fosse o seu sentido meditado por outros.

Nesse momento, algo de novo começaria a se dar dentro do Santo Sepulcro.

Duas formas de imaginar a Ressurreição

Podemos imaginar duas formas de Ressurreição.

Cristo morto, deitado, em determinado instante, dá sinais de vida; a fosforescência se torna uma luminosidade e sua Alma imediatamente glorifica a Deus Pai, faz um ato de amor ao Espírito Santo. A Pessoa do Verbo Se levanta com uma majestade indizível e caminha no sepulcro transformado, de repente, numa catedral feita de luzes, em meio aos cânticos dos anjos.

Chegando junto à entrada, os anjos rodam a pedra e Ele… meus ouvintes estão imaginando que Ele apareceria a Santa Maria Madalena. Não. Do momento em que Nosso Senhor se levantou até o instante em que ela O reconheceu, houve um interstício insignificante. É-nos lícito imaginar que, com o deslocamento rapidíssimo dos corpos gloriosos, neste interstício Jesus esteve no Cenáculo e apareceu a Nossa Senhora. Assim, imagino ter sido Ela a primeira pessoa que O viu. E logo depois Se apresentou a Maria Madalena, tendo então lugar a cena que o Evangelho descreve.

Essa seria uma modalidade de imaginar a Ressurreição.

Conforme a piedade e o modo de ser de cada um, poder-se-ia supô-la de outro modo: nas trevas intensas, de repente, à maneira de um corisco sublime, a montanha como que racha, Nosso Senhor se levanta como um raio e, num instante, está junto à porta. Um anjo rola a pedra e Ele se encontra diante dos olhos de Maria Santíssima.

Fato tocante: durante toda a Paixão, Nossa Senhora teve em Si a presença eucarística

Há, entretanto, um fato tocante, do qual as pessoas que meditam sobre a Ressurreição nem sempre se lembram: Nossa Senhora fez sua primeira Comunhão no Cenáculo, quando Jesus instituiu a Eucaristia; e a partir desse momento — hipótese defendida por inúmeros teólogos(2) —, nunca mais a presença real n’Ela cessou. E depois de sua morte, Jesus de fato estava em dois lugares no mundo: na sepultura e em Nossa Senhora.

Isso forma, a meu ver, um contraste lindíssimo e afirma, de um modo tão glorioso que não encontro palavras para qualificar, a vitória de Nosso Senhor sobre o demônio, porque Ele morto estava em seu paraíso, ou seja, Maria Santíssima. E, durante a Paixão, Ele estava atado à coluna, carregando a Cruz, crucificado e até morrendo, mas permanecia ao mesmo tempo no paraíso d’Ele e — julgo indispensável considerar isso — desse modo triunfava dentro de sua derrota.

Eis aí, de modo esquemático, alguns pontos que depois devem ser desdobrados, para se fazer uma meditação sobre a Ressurreição.

No fim do mundo, o incêndio poupará o Santo Sepulcro

Devemos também recordar a glória que ao Santo Sepulcro deram os fiéis em todo o curso da História, mas me comprazo em pensar especialmente nos que derramaram o sangue para libertá-lo.

Ficaram eles desolados quando souberam que o Santo Sepulcro estava ocupado pelos inimigos da Igreja, impedindo aos católicos do Oriente de para lá se dirigirem. Além da desolação, houve a indignação do Papa Bem-aventurado, Urbano II, que pregou a Cruzada. Ocorreu, então, por toda a Europa aquela espécie de santa propagação, como a luz, do brado “Deus o quer!”, e avalanches de cruzados, durante muito tempo, lutaram para libertar o Santo Sepulcro.

Depois podemos imaginar o Santo Sepulcro cercado pelas labaredas que vão consumir quase toda a Terra no fim do mundo. Digo “quase” porque alguns lugares sagrados, antes de tudo o Santo Sepulcro, vão ser poupados.

Julgo que, no fim do mundo, todas as relíquias da Paixão que restarem — relíquia é o que restou — serão reunidas gloriosamente junto ao Santo Sepulcro.

Quanto ao Santo Lenho, há relíquias autênticas misturadas com outras que não o são. A coroa de espinhos e os instrumentos da Paixão, os cravos, não estão inteiros. Poder-se-ia imaginar que para tais relíquias haveria uma espécie de ressurreição, ou seja, as autênticas seriam desentranhadas para se reincorporarem.

Essa é uma ideia pelo menos muito simpática e enormemente atraente. Nem por isso é prova de que seja verdadeira, porque pode haver obstáculos metafísicos e teológicos a isso; seria preciso estudar o caso.

Lábaro de dor

A respeito do Santo Sudário, parece-me que poderá ocorrer o seguinte: continuará sendo uma espécie de lábaro de dor, lembrando as sofrimentos de Nosso Senhor; ou acontecerá o que sucedeu com suas chagas, as quais se tornaram gloriosas, recordando todos os crimes cometidos contra Ele. Quem sabe, o Santo Sudário conserve esse aspecto funerário e doloroso — é como que a fotografia da própria dor —, mas irradiando uma glória como as chagas.

Ninguém pode descrever como seria essa glória. O Santo Sudário é uma “fotografia” — entre aspas — de Nosso Senhor; todo o brilho que aquele emitir vai ser uma espécie de réplica do esplendor que do Divino Redentor promanará, e será objeto de enlevo, de adoração, etc., de todos os anjos e bem-aventurados.

O Corpo sacratíssimo de Nosso Senhor, com suas chagas, e analogamente o Santo Sudário, brilharão, constituindo o gáudio de todos os eleitos. E cada um de nós verá então, com reconhecimento, o que custou seu próprio resgate.

O Imaculado Coração de Maria: a mais perfeita figura de Nosso Senhor

Tudo quanto Nosso Senhor sofreu e, lindamente, Maria Santíssima padeceu em união com Ele, se projetará sobre os anjos maus e os réprobos de maneira a estertorarem de ódio e de horror.

Imaginemos que o indivíduo A tenha inveja do indivíduo B. De repente, A descobre que B é príncipe e será coroado rei. A não vai assistir a coroação, preferindo ficar em algum antro se contorcendo de inveja e de ódio. Embora não esteja vendo a coroação, cada rito da mesma, cada brilhante da coroa, etc., o dilaceram. A inveja e a revolta o devoram. Assim, podemos calcular qual foi o ódio dos demônios diante do Santo Sudário e de Nosso Senhor Jesus Cristo, apesar de não os verem.

Mas acima do Santo Sudário há uma representação mais alta de Nosso Senhor Jesus Cristo.

É o véu da Verônica?

Não. É o Sapiencial e Imaculado Coração de Maria. Aquele que é a própria Beleza ali se representa com complacência.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 18/4/1981)

 

 

1) Luz da glória.
2) Entre os que defendem esta piedosa hipótese está o Revmo. Pe. Gregório Alastruey em sua obra Tratado de la Virgem Santíssima. (Madrid: BAC, 1956.)

“Tenho sede”

Quando do alto da Cruz Nosso Senhor disse “tenho sede”, Ele sentia sede corporal, por ter vertido muito Sangue. Mas isso era um símbolo de sua sede das almas, conhecidas por Ele individualmente, especialmente as que viriam a constituir, até o fim do mundo, a Santa Igreja Católica. 

Em Jesus Cristo as naturezas humana e divina estavam hipostaticamente unidas, formando uma só Pessoa. Portanto Ele, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada para nos salvar, era  verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. Este é o ensinamento  da Igreja Católica a respeito de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Quis verter todas as lágrimas e todo o Sangue para nos salvar

Sendo Homem-Deus, Ele poderia ter permanecido na Terra o tempo que quisesse. E poderíamos imaginar que Ele ficasse fazendo apostolado, pregando, ensinando até o fim dos tempos, sem morrer. Todos morreríamos, mas nós somos como as águas que correm num rio. Jesus Cristo era como uma pedra celeste, junto à qual todos passam, se abrem e depois se fecham de novo. Ele fica ali de pé, parado, dando vida, beleza, esplendor a tudo.

Ele não quis isso, preferiu morrer na Cruz, depois ressuscitar e subir ao Céu e nos deixar, na aparência, longe d’Ele. Custa compreender que tenha sido assim, pois poderia haver algo mais  extraordinário do que se encontrar com Ele? Entretanto, Nosso Senhor Jesus Cristo julgou ser isso o melhor para a salvação dos homens.

Imaginem que Ele residisse em Jerusalém, num palácio esplendoroso ou num templo, porque estava à altura d’Ele morar dentro de uma igreja, como objeto contínuo de nossa adoração, não  precisando de repouso, de alimento, de nada, pois a vontade d’Ele era soberana; continuamente adorado, adorável e fazendo bem aos homens.

Se Jesus residisse em qualquer parte da Terra, sem dúvida se construiria uma enorme cidade em torno d’Ele, tal seria o número de pessoas que quereriam morar perto d’Ele. Ele poderia fazer este milagre: conservar a vida de Nossa Senhora junto a Ele.

Não é exprimível a quantidade de vantagens, de dons, de bondade e de tudo que os homens receberiam. Entretanto, Nosso Senhor não quis  porque nada disso salvaria os homens. Para salvar os homens era necessário que Ele sofresse, que o seu Sangue infinitamente precioso fosse derramado por nós em expiação dos nossos  ecados. E todo o bem que Ele nos pudesse fazer, estando nesta Terra, não seria comparável ao bem da Redenção infinitamente preciosa que Ele nos conquistou, a qual Nossa Senhora como corredentora do gênero humano obteve para nós.

Na circuncisão Ele verteu Sangue. Os teólogos dizem que simplesmente as gotas de Sangue ali vertidas já teriam sido suficientes para resgatar toda a humanidade. Mas tal é a insondável, incompreensível e adorabilíssima bondade de Nosso Senhor, que Ele não se contentou com isso e quis verter todo o Sangue que derramou na sua Paixão, Crucifixão e Morte.

Ele quis verter todas as lágrimas que verteu, sofrer tudo quanto sofreu, para que nós fôssemos salvos, e constituir com esses que ele remiu a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Temos assim um meio de medir toda a glória que a Esposa de Cristo dá a Ele e de compreender como devemos amá-la. Por conseguinte, precisamos entender o que representa a repetição, na Santa Igreja atólica, do martírio sofrido por Ele.

Uma ideia muito bonita a respeito do universo Nosso Senhor Jesus Cristo remiu- -nos com o seu Sangue infinitamente precioso e, a partir do momento de nosso Batismo, somos transformados em templos do Espírito Santo e a vida da graça começa em nós  e, com ela, Nosso Senhor passa a viver em cada um.

Isso determina uma misteriosa união entre nós que estamos habitados pelo mesmo Deus, constituindo  um vínculo enormemente maior do que qualquer liame de amizade, de respeito, de consideração, de estima, de parentesco, seja o que for. O fato de que a divina graça habita em mim e num outro nos une mais do que todos os laços meramente humanos.

Às vezes, veem-se pessoas conversando sobre o parentesco que têm entre si, recordando os ancestrais, etc. Certamente é de se tomar em consideração. Mas o que é isso em comparação com o fato  e que o Divino Espírito Santo tem sua morada naquelas almas, e ambas são membros do Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo?

Que maravilha se todos os membros da Igreja Católica compreendêssemos, por exemplo, isto: lendo no jornal que uma criancinha de um país longínquo acaba de ser morta, tendo recebido o Batismo segundos  antes de falecer, a alma dela passou a ser habitada pelo mesmo Espírito Santo que está na minha alma e, por isso, ela passou a ser parentíssima nossa pelo fato de se ter tornado uma célula viva do mesmo Corpo sobrenatural ao qual pertencemos: o  Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo! Deus fez da Igreja a verdadeira obra-prima de toda a Criação.

Os antigos tinham uma ideia muito bonita. Diziam eles que, como na Terra nasceu, viveu, sofreu e morreu Nosso Senhor Jesus Cristo, então ela deveria ser o centro de todo o universo. E  maginavam que o centro da Terra fosse Jerusalém, porque ali, no meio de tormentos e de dores incomensuráveis, o Divino Redentor disse “consummatum est” e redimiu o gênero humano. Dali a sua Alma desceu ao Limbo para se encontrar com Adão, Eva e todos aqueles que Lhe tinham sido fiéis na Antiga Lei.

De lá voltou para a Terra, ressuscitou gloriosamente, inundou de alegria e de  lória a Nossa Senhora. E, depois de passar algum tempo ainda na Terra, subiu ao Céu do alto do monte Tabor com um esplendor, uma glória de que ninguém tem ideia. E assim a sua vida terrena estava terminada.

Fica-se com o coração partido. Mas como Jesus Cristo foi embora e nós ficamos na Terra, Ele deixou  quem o representasse, São Pedro, a quem Ele disse aquelas palavras magníficas: “Tu és Pedro, e sobre essa pedra Eu construirei a minha  Igreja e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18). De lá para cá, formou-se a mais antiga dinastia que há na Terra, a dos pontífices romanos. Dinastia inesperada e singular, onde ninguém é pai daquele que o sucede e ninguém é filho daquele a quem sucede. Dinastia, entretanto, tão contínua e tão augusta: a enorme procissão  os papas através da História. Que magnífica série, que dinastia sem igual essa que vai de São Pedro até aquele que será o último papa sobre a Terra!  Que coisa grandiosa!

Imaginem, no dia do Juízo Final, o cortejo enorme dos papas, dos bispos que ao longo de toda a História apascentaram o rebanho de Nosso Senhor Jesus Cristo! Depois, o séquito dos sacerdotes  ue durante toda a História, ininterruptamente, renovaram de modo incruento o Santo Sacrifício do Calvário, rezando a Santa Missa. Em seguida, o imenso cortejo de todos os que viveram no estado religioso, almas especialmente consagradas a Deus: é a Santa Igreja que passa com sua luz, seu esplendor naqueles elementos que, ou exerceram dentro dela governo, ou foram chamados a ar especialmente o bom exemplo.

Por mais que possa haver vácuos, falhas nessa série, que grande quantidade de santos e de serviços prestados; que imensa glória até que o último papa, o derradeiro bispo e o último padre possam  soltar-se para Deus e dizer: “Está cumprido tudo, a tarefa foi realizada, a glória está conquistada. Senhor, encerrai a História, porque o fim de vossa Igreja na Terra chegou!”

Fonte de toda a verdade, todo o bem e toda a beleza

Se não me engano, foi São Pio X quem escreveu um documento no qual ele falava, de passagem, a respeito da civilização cristã. Tal documento foi lançado em fins do século XIX ou no começo do  éculo XX, antes da Primeira Guerra Mundial. Esse período representou o apogeu da Europa, em que ela estava no auge de todo o progresso, de toda a glória. A América do Norte, filha da Europa,  ma vez que era filha da Inglaterra, começava a tomar lugar entre as grandes potências. Dos vagidos de suas vastidões, suas brumas, suas selvas, de junto de seus mares esplendorosos, ia surgindo uma coisa que seria a glória e a esperança da última parte do século XX: a América Latina, nascendo como uma virgem, filha de Portugal, da Espanha, filha da Fé, prolongada em todas essas vastidões que vão desde o México  até a Patagônia.

Esse documento trazia o seguinte comentário: “Se quereis saber qual é a Religião que ensina a ordem divina ao mundo, olhai para os resultados. Vede as nações que confessam o nome de Jesus Cristo, como elas estão acima de todas as outras em glória, em poder e em toda forma de esplendor e perfeição. Eu vos pergunto, então: Quais as nações que têm a ordem perfeita, senão as que se orgulham do nome de Jesus Cristo? E qual, então, a fonte de todo o verdadeiro bem, de toda a beleza, de toda a maravilha que contemplais na civilização cristã?

Essa fonte está na própria Igreja Católica Apostólica Romana!

Cristandade, tu és bela, gloriosa! Entretanto, digo eu, a corola dessa flor não é nenhuma das nações que te compõem, mas a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. E para que isso fosse assim,  osso Senhor Jesus Cristo sofreu tudo quanto quis sofrer. Sofrimento tão atroz que O levou a dar aquele brado magnífico: “Eli, Eli, lamá sabactâni?” – “Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonaste?” (Mt 27, 46).

Pouco depois, como se estalasse de dor, Ele disse: “Consummatum est” e expirou… (Jo 19, 30).

A primeira canonização da História

Mas Jesus conhecia tão bem a glória que O esperava que, pouco antes Ele tinha dito a um ladrão: “Ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43). Nosso Senhor tocou a alma daquele  miserável,  perdoou-o e profetizou essa coisa preciosíssima: ele não iria desesperar, nem pecar até a hora de morrer.

A Santa Igreja, por razões verdadeiras e excelentes, estabeleceu que o padroeiro da boa morte é São José, uma vez que ele morreu tendo Nosso Senhor a seu lado, ensinando-o a bem morrer, e  ossa Senhora junto aos dois rezando a Jesus por José, para que a morte dele fosse perfeita. Não se pode morrer melhor.

A morte de Nossa Senhora foi tão leve que os teólogos falam de “dormição”, como um sono. E quando Ela ressuscitou não dava a impressão de ter saído das garras da morte, mas de que florescia  ais uma vez. Excetuadas essas duas mortes, que outra poderia ser bela como a do bom ladrão?

Imaginemos a cena: o bom ladrão ao lado de Nosso Senhor, contorcendo-se de dor; um bandido que, tocado pela graça, estava arrependido e, em meio a todos seus sofrimentos, pensava: “Eu aqui, o meio de minha dor e vendo a dor d’Ele, sinto-me mais feliz do que em qualquer momento de minha vida! A morte se aproxima de mim com seus passos pesados e suas garras terríveis, mas Ele  lha para mim com amor e me restituiu na amizade d’Ele. Se eu pudesse ficar eternamente cravado nessa cruz, sofrendo como estou, mas olhando para Ele, ah, como seria bom! Só sou alguma coisa porque Ele olha para mim e eu para Ele. Nunca mais quero deixá-Lo. Se a morte me agarra e me leva, o que será de mim?”

Talvez nesse momento auge de dor, Jesus, que tanto sofria, mas olhava com tanta compaixão para a dor dos outros, tenha dito para o bom ladrão: “Tu hoje estarás Comigo no Paraíso”.

Assim, naquele momento em que a Inocência e o criminoso, contrito e penitente, se reuniam, ali estavam Nossa Senhora, São João Evangelista e as santas mulheres. A Santa Igreja fazia a sua primeira canonização. Como é benfazejo, assistindo às cerimônias de canonização conforme eram realizadas antigamente no Vaticano, tão pomposas e magníficas, com os sinos e as trombetas que  ocavam, etc., lembrarmos que a primeira canonização foi feita na dor e na aflição, na humilhação e no terror, mas com uma promessa incomparável! É glorioso para a Igreja Católica simplesmente esse fato de ela poder inclinar-se sobre a história desses ou daqueles que viveram na Terra, e dizer com poder infalível: tal pessoa está no Céu. É parecido com Nosso Senhor afirmando: “Tu estarás no Paraíso”. Não é igual, pois Nosso Senhor garantiu ao bom ladrão o Céu.

A Igreja não garante o Paraíso a ninguém, mas declara que alguém já falecido está no Céu, num alto grau reservado aos heróis. Quanta beleza e quanta glória da Igreja Católica! Ela deu origem a todas as pulcritudes da Europa, do mundo, e à maior de todas as belezas: a das almas!

Sede de almas

Foi por amor às almas que Nosso Senhor sofreu toda a Paixão. E quando Ele, do alto da Cruz, disse “tenho sede”, todos os intérpretes estão de acordo em dizer que Jesus sentia muita sede  corporal, o que é explicável por ter vertido muito sangue; mas isso era um símbolo da verdadeira sede d’Ele, que era a de almas.

Sede da alma de cada um de nós. Ele nos conheceu individualmente, sabia como nos chamaríamos, como seríamos, como O injuriaríamos… Entretanto, conhecia também os momentos de bondade nos quais, Ele tocando nossas almas, nós nos arrependeríamos e voltaríamos para o bom caminho. Ele sabia de tudo e queria que nossas almas Lhe pertencessem. Quer dizer, que nossas almas Lhe fossem fiéis e a graça pudesse viver nelas. Foi por ter esta sede desmedida de almas que Ele sofreu também desmedidamente e verteu seu Sangue sem nenhuma medida, desde o primeiro instante em que no Corpo sacratíssimo d’Ele, enquanto agonizava no Horto das Oliveiras, começaram a estalar as primeiras veias e Ele principiou a suar Sangue, até ao fim de sua  paixão, quando veio Longinus e O perfurou com uma lança para que saísse o resto do líquido existente no seu Corpo santíssimo. Ele quis dar e derramar tudo por causa dessa imensa sede de almas!

Se é verdade que muitas almas se perdem, é também verdade que várias outras se salvam. Se pensarmos  simplesmente no mundo contemporâneo, no meio do oceano de pecados que se cometem,  quantas crianças vão para o Céu porque foram batizadas e morreram sem atingir a idade da razão, e brilharão no Paraíso como  sóis por toda a eternidade, compreenderemos quantas almas sobem ao Céu como bolhas de um gás dourado que sai do fundo da humanidade, dos extremos da Terra. E as almas dos recém-nascidos batizados, cantando para todo o sempre a glória de Deus.

A mais bela púrpura de todos os tempos

Em breve celebraremos o Domingo de Ramos, que precede de pouco a Paixão e Morte de Jesus. É o domingo em que Ele entra em Jerusalém aclamado pela multidão, montado num burrico, com mansidão e humildade, o  Filho de Davi e Rei por direito daquela terra que se entregara aos romanos pagãos, não soubera conservar a sua independência e, sobretudo, a sua fidelidade à verdadeira religião.

Nessa entrada triunfal, entretanto, Jesus está meio triste porque, apesar de receber com agrado aquela glória, por serem almas que O amam, Ele olha para elas e, conhecendo todas, não tem ilusão  obre nenhuma. A começar pelos Apóstolos que O acompanhavam. Eles não sabiam, mas Jesus estava ciente do que iria acontecer. Conhecia o sono do Horto das Oliveiras, a fuga medonha no omento em que Ele era preso, as infidelidades dessa gente para com Ele.

O Divino Redentor sabia que aquela aclamação toda provinha de um povo superficial, frívolo, ingrato, que naquele momento gritava “Hosana ao filho de Davi!”, mas pouco depois estaria preferindo Barrabás.

Vem a Quinta-Feira Santa e a Ceia na qual Ele anuncia: “Um de vós há de Me trair!” Todos começam a perguntar: “Quem será? Serei eu?” (Mc 14, 18-21). Fazem sinal a São João para que pergunte  Jesus.

Sendo ele o discípulo predileto, a oração de São João podia alcançar esse favor. Então Nosso Senhor lhe diz baixinho: “É aquele a quem Eu der o pão molhado no vinho”. Molha e como cortesia o  á  para Judas, o qual o recebe e, naquele momento, o demônio entrou nele (Jo 13, 25-27).

Nosso Senhor disse-lhe: “Judas, o que tens a fazer, faze-o logo” (Jo 13, 27). Judas saiu… E o Evangelho diz que era noite; ele entrou na treva, penetrou no horror! Terminada a Ceia, em que Jesus instituiu a Sagrada Eucaristia, todos saem do cenáculo entoando, segundo o ritual antigo, um cântico da Páscoa – isto é, a saída dos judeus do cativeiro do Egito e a travessia do Mar  ermelho, a pé enxuto, por um milagre de Deus – e se dirigem ao Horto das Oliveiras.

As tristezas vão-se acumulando na alma de Nosso Senhor e os Apóstolos não compreendem. Ele os manda aguardar, enquanto Se retira para rezar, levando consigo apenas São Pedro, São Tiago e  ão João. Ali começa a sua Paixão, na previsão de tudo quanto aconteceria. Pela pressão moral diante do terror dos acontecimentos – isso se explica inclusive do ponto de vista médico –, algumas veias capilares começaram a se romper e a derramar Sangue; e Ele suou Sangue no seu Corpo inteiro. Quando os romanos e os judeus O foram prender, com certeza a sua túnica estava purpúrea como a de um rei, mas com a mais bela púrpura de todos os tempos: o Sangue do Filho de Deus, que era o Sangue de Maria, porque a Carne de Cristo é a carne de Maria, e o Sangue  e  Cristo é o sangue de Maria.

Desenrolaram-se, então, todos os episódios da Paixão. Nosso Senhor sofreu a Paixão naqueles dias, mas previu o que a sua Igreja padeceria ao longo da História. Assim, Ele sofreu também por  udo isso, por todos os nossos pecados, por esses dias nos quais vivemos, mais catastróficos do que quaisquer outros da História da Igreja, em que o mal parece ter chegado ao auge. O Redentor Se sacrificou por tudo isso, para nos resgatar. Embora não quisesse que se praticassem esses  horrores, Ele não tirou a liberdade do homem. Este, recusando a graça, fez da sua liberdade o péssimo som que estamos vendo em nossos dias.

O “fatinho” da vida de cada um de nós

Diante disso, o que devemos fazer? O que Ele quer de nós? “Christianus alter Christus”: Todo  cristão é um outro Jesus Cristo. Nessa situação devemos dizer: Vou sofrer a Paixão com Nosso Senhor Jesus Cristo! Se eu tiver sido inocente como São João, estarei ao pé da Cruz amando-O e pedindo-Lhe que preserve a minha inocência. Se fui pecador como São Dimas, ficarei junto à Cruz, quer dizer, aos fiéis, ao que resta da Igreja, pedindo: “Não permitais que eu me separe de Vós!” Rogarei isso por meio de Nossa Senhora, sem cuja intercessão nenhuma oração é válida.

Se eu dever sofrer, ser odiado, perseguido e desprezado, porque fui fiel aos aspectos imutáveis e eternos da Santa Igreja Católica, que aconteça! Meu martírio de alma ou de corpo será um prolongamento do sofrimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Oh, glória! Peço à Mãe d’Ele que me obtenha coragem, e irei para a frente. Debaixo do desprezo e do ódio do mundo inteiro, estarei de pé para dizer: “Blasfemadores e prevaricadores, vós andais mal! Eu estou com Jesus e Maria, com a Santa Igreja Católica Apostólica Romana!” Devemos desde já apresentar esse pedido a Nossa Senhora, incorporando a ele todas as almas existentes, inclusive aquelas que pecam contra Deus, fazendo esses horrores, para que Ele as toque e as converta.

Contudo, merecem um lugar especial em nosso amor aqueles a quem Nossa Senhora chamou para serem, conosco, os batalhadores pela Causa d’Ela. Rezemos especialmente por todos os católicos  e nossos dias, para que sejam inteiramente fiéis e suportem carregar a cruz às costas, aguentem a crucifixão, dispostos a qualquer coisa para acompanhar até o fim Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora.

Os mais augustos episódios, os acontecimentos que o mundo de hoje reputa tão importantes não são nada em comparação com isso. Esses são os grandes fatos da História. Não obstante, devemos tomar em consideração este “fatinho” da vida de cada um de nós: lembrarmo-nos do instante em que fomos chamados, do momento em que alguém passou junto de nós e disse: “Vem, o Senhor te chama!”, quando sentimos a nossa alma tocada e respondemos: “Sim, eu vou seguir!” E, então, nossos passos começaram a percorrer as primeiras distâncias na enorme caminhada que nos esperava; os nossos olhos maravilhados e o nosso coração cheio contemplavam esta sublime “descoberta”: a Igreja Católica! Lembrarmo-nos de que isso foi conquistado para cada um de nós no instante em que Nosso Senhor disse “Consummatum est” e, junto à Cruz, com os sete gládios de dor traspassando o seu Coração, estava chorando a Santa Mãe do Redentor.

Flávio Lourenço

A morte é como um ladrão, vem quando menos se pensa. Que ela seja o fim dessa caminhada, no momento em que Nossa Senhora nos der a graça de fazermos um grande Sinal da Cruz e, com os  lhos postos numa imagem d’Ela e nosso coração transbordante de amor à Santa Igreja Católica, pudermos dizer também: “Consummatum est”.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 30/3/1985)

Um guerreiro perfeito: São Nicolau de Flue

Embora inclinado desde a infância à vida contemplativa, São Nicolau de Flue exerceu os mais variados ofícios, como o de um simples pastor, militar, juiz e pai de família. Soldado de bravura invulgar, empunhava numa mão a espada e na outra o Rosário. Entretanto, o que mais o caracterizou foi o fato de em toda a sua vida, exercendo as mais variadas atividades, nunca deixou de ter visões e revelações místicas.

 

Comentarei uma ficha a respeito de São Nicolau de Flue, tirada do livro Os Santos Militares, do Pe. Charles Profillet.

Inclinação para a vida contemplativa

Nicolau de Flue nasceu no dia 25 de março de 1417, falecendo no mesmo dia, no ano de 1487. Era natural do cantão de Unterwalden, na Suíça. Filho de modestos agricultores, demonstrou, desde criança, aptidões invulgares de inteligência e piedade.

Por isso seus pais procuraram dar-lhe uma educação um pouco melhor daquela que seria ministrada a um futuro lavrador. Nicolau sentia enorme inclinação para a vida  contemplativa.

Tinha visões que o convidavam a isso. Mortificava-se tão violentamente que sua mãe temeu por sua saúde e procurou orientá-lo nesse sentido. É interessante que, mesmo  com tal vocação, Nicolau casou-se, tendo numerosa prole e atingindo seus descendentes as mais altas dignidades do país.

Casado, continuou com seu gênero de vida: levantava-se cada noite para rezar e todos os dias recitava o Saltério em honra de Nossa Senhora. Aos 23 anos foi ele chamado a lutar contra o cantão de Zurique, que se rebelara contra a Confederação Helvética.

Já naquele tempo, a Suíça era dividida, como hoje, em cantões, ou seja, províncias tão pequenas que quase poderiam ser comparadas a municípios. Na época de São Nicolau de Flue, esses cantões eram quase completamente independentes uns dos outros. Tinham uma vaga confederação e viviam numa certa luta entre si, porque a influência  política dentro da Suíça era disputada pelos países vizinhos. Cada grupo de cantões – de língua francesa, alemã, italiana, etc. – era trabalhado pela potência que lhe era afim.

Então, isso proporcionava um jogo político muito intenso. É preciso considerar que esse foi o século militar da Suíça. Foi nesse período que os suíços começaram a se revelar grandes militares, fornecendo tropas mercenárias para a Europa inteira. A Guarda Suíça, que ainda serve os Papas, é uma reminiscência dessa tradição. Portanto, nessa  época a Suíça ia entrando no seu período, relativamente rápido, de glória militar.

Numa das mãos a espada, noutra o Rosário

Quatorze anos mais tarde, ainda nessa luta, comandou, como capitão, uma companhia de cem homens. Nicolau, na guerra, lutava sempre tendo numa das mãos a espada e, na outra, seu Rosário. Soldado de bravura invulgar, foi agraciado com a mais alta condecoração de sua terra.

Que linda cena! Entrar esse homem valoroso no campo de batalha com uma das mãos portando a espada, desferindo golpes, e com a outra segurando o escudo e o Rosário.

É de se notar como o ambiente que cerca os objetos de piedade foi mudando ao longo dos séculos, por causa da influência do espírito “heresia branca”. Quem, vendo hoje um Rosário, diria: “Esse objeto me lembra um guerreiro”? Pelo contrário, a maioria das pessoas associará o Rosário a um símbolo do homem incapaz de guerrear, de tal  maneira a mentalidade “heresia branca” foi transformando a fisionomia moral do católico, e a ideia do católico guerreiro foi se apagando. Ora, essa é uma grave injustiça  para com o Rosário.

Contínuas visões, mesmo exercendo os mais variados ofícios

Ao voltar para casa, quiseram fazê- lo prefeito, mas ele não aceitou por causa da humildade de sua origem. Vejam a beleza do espírito de hierarquia! Ofereceram-lhe um  cargo público, mas ele declara não querer  exercer tal função por ser de uma origem muito humilde, em respeito às pessoas de condição mais alta que havia em seu cantão.

Entretanto, exerceu com rara habilidade o cargo de juiz. Deixou-o após nove anos, para se dedicar exclusivamente ao cuidado de sua alma. Suas visões não o deixavam. Guardando o rebanho viu, certa ocasião…

Isso precisa ser visto na atmosfera suíça. Devemos imaginar uma montanha na Suíça, com o gado em suas encostas, aquela paisagem muito bonita, São Nicolau tocando, ao  pôr do sol, um chifre que serve de corneta para reunir todo o gado. Depois, rezando o Angelus sozinho e se dirigindo ao estábulo para guardar os animais.

Que bela a simplicidade desse homem que, tendo sido guerreiro, escolhido para prefeito e juiz, recolhe-se à vida privada e vai guiar rebanhos. Ademais, durante todo o  tempo ele teve visões. A ficha afirma: “Suas visões não o deixavam.” Quer dizer, tanto enquanto guerreiro, como juiz e pastor, ele tinha visões.

Então, num tribunalzinho do lugar está sentado o juiz Nicolau de Flue. Enquanto as pessoas discutem para decidir uma causa, de repente, o olhar dele se torna extático, sua face se ilumina, ele vê uma cena celeste qualquer, todo mundo para, os ódios se desarmam. Quando cessa a visão, as partes estão reconciliadas e o pleito está resolvido.

Há algo mais bonito do que um pastor ter visões nas encostas dos Alpes? Coisa maravilhosa! Naquela natureza poética, ele toca o olifante e, de repente, ouve um Anjo que  continua o seu toque. Esse Anjo vai para os Céus e o gado se recolhe tranquilamente ao redil, guiado por outro espírito angélico. Está feita uma visão, num desses  crepúsculos ou numa dessas auroras feéricas da Suíça, em que a neve fica rosada, azul-claro, e o céu se tinge de todas as cores… Um Anjo em meio à inocência daquela natureza é uma coisa absolutamente superior!

Não vulgarizar os favores celestes recebidos

Guardando o rebanho viu, certa ocasião, um lírio maravilhoso que saía de sua própria boca e elevava-se até as nuvens mas caía sobre a terra e era devorado por um cavalo. Compreendeu, então, que a contemplação das coisas celestes, em sua vida, era frequentemente absorvida pelos cuidados materiais.

Lindo simbolismo: um pastor vê uma haste delgadíssima e um lírio brilhante que sobe ao céu. É uma coisa maravilhosa!

Mas, depois, cai no chão e um cavalo o come. “Que coisa esquisita…”, pensaria ele. Então conclui que, embora se elevasse, às vezes, a considerações muito altas, as coisas  terrenas  faziam passar essas considerações.

Se a algum de nós acontecer de, às vezes, ter algum pensamento muito elevado e depois voltar para as coisas da Terra – já não digo que os cavalos comam, mas os  automóveis esmaguem! –, então seja devoto de São Nicolau de Flue que, favorecido até por visões, tinha o mesmo problema.

É um alento para nós vermos como os Santos lutaram, tiveram as mesmas dificuldades que nós; como Nossa Senhora os acorreu maravilhosamente porque eles eram  homens de oração e de amor de Deus.

Peçamos a São Nicolau de Flue a graça, que com certeza ele obteve nessa ocasião, de não vulgarizar, na vida de todos os dias, os favores celestes recebidos. Imploremos  também que ele se apiede de nós e se debruce sobre nossa fraqueza, e dê estabilidade aos bons pensamentos que possam passar por nossas almas.

Apaziguador de rixas entre seus conterrâneos

Abandonou, então, mulher e filhos e fez-se eremita. Evidentemente, a mulher deve ter concordado, do contrário ele não seria Santo. Tornou-se um extraordinário extático. Por anos, alimentou-se somente da Santa Eucaristia, recebida uma vez por mês.

Amado e venerado por seus concidadãos, que muitas vezes o chamaram para apaziguar rixas entre os cantões, ele sempre obteve êxito nessas missões. Notem o que era a  visão política da Idade Média, apesar de já decadente.

Aqueles cantões, como dissemos, tinham entre si rixas que chegavam a provocar guerras.  Nessas contendas, com certeza, uma das partes não tinha razão – quando não acontecia de ambas as partes estarem de má-fé; para evitar o derramamento de sangue, os dois lados iam procurar o Santo. E São Nicolau de Flue nunca foi malsucedido na  sua missão. Ora, qual foi a missão em que a ONU foi realmente bem-sucedida? Ademais, com que confiança se procurava um Santo, e com que mil reservas se procura a  ONU… Do que adianta um aparato jurídico quando falta a santidade?

Pouco antes de morrer, Nicolau foi atingido por dores violentas. “Ah, como a morte é terrível!”, dizia ele. Mas exalou o último suspiro com grande calma. Há uma concepção  “heresia branca” segundo a qual o Santo nunca tem medo de morrer. Ele falece sempre dizendo: “Ó morte, vinde a mim!” Não é verdade. Há muitos Santos que faleceram no  terror da morte, mas Deus os sustentou e quase todos eles, no fim, tiveram uma morte calma. São Nicolau de Flue sentiu dores violentíssimas e dizia: “Como a morte é  terrível!” Mas, depois, a morte foi plácida; ele entregou a alma a Deus na tranquilidade.

Condecorado com honras militares mesmo após a morte

Seus restos mortais foram depositados na igreja de Saxen, aldeia natal do bem-aventurado. Quem a visita hoje vê, sob o altar, o esqueleto do “Irmão Klaus”, como o chamam, ornado de ouro e diamantes, trazendo ao pescoço condecorações de numerosas Ordens militares… É uma coisa linda! Como ele foi santo e militar, as grandes ordens  militares mandam-lhe condecorações com  as quais se cobre o cadáver. De maneira que esse homem, que em vida teve apenas uma lutazinha entre os cantões, está  constelado de comendas de Ordens militares. Notem o respeito à santidade que isso significa! …que foram conquistadas pelos seus descendentes ao servirem outros países.

Isso é muito bonito também. Os descendentes desse Santo, ao conquistarem insígnias, enviam para ser postas sobre o cadáver dele e o condecoram com elas. Vejam que respeito à tradição e que amor ao passado isso indica! A Europa está cheia de ensinamentos desses.

Aqueles que negam qualquer valor à hereditariedade levam com isso um verdadeiro soco. O herói que tira a condecoração do peito para honrar o Santo, seu antepassado, dá a entender ser mais bonito descender de São Nicolau do que estar coberto de todas as honras da Terra. Essa atitude é densa, cheia de significado. Ah, Europa sagrada!

Predicados de um perfeito guerreiro

Um contemporâneo descreveu o Beato Nicolau como um homem de estatura elevada; sua cela tinha seis pés de altura, o que era o limite extremo para ele se manter de pé.  Magro, a ponto de parecer feito somente de pele e ossos. Sua pele era bronzeada. À medida que foi envelhecendo, o cabelo, no alto de sua cabeça, adquiriu um tom cinza escuro. Duas mechas de barba desciam de seu queixo. Tinha os olhos negros e serenos, o olhar enérgico e penetrante.

O som de sua voz era másculo, digno e imponente. Que beleza! Assim deve ser um homem. Como isso é diferente de certas imagens que se veem em igrejas, onde se tem a  impressão de que se aquela figura falasse emitiria um som roufenho e amolecido.

Seus pés tocavam a terra, mas seu espírito parecia pairar nas regiões celestes. Enfim, está feito nosso preito de admiração a São Nicolau de Flue. Que ele nos dê coragem  para, nos dias difíceis que esperam todo homem contemporâneo, podermos caminhar para o inimigo empunhando uma arma, o Rosário, e tendo visões e revelações. Esse é o  guerreiro perfeito! 

(Extraído de conferência de 6/4/1971)

São João de Deus – Extraordinária força de alma

São João de Deus foi fundador de uma Ordem religiosa famosa, tornando-se um dos homens mais conhecidos de seu tempo.

Sua fisionomia é toda marcada pelo olhar. Os traços são comuns, regulares, não dizem nada de especial. O bigode, muito fininho, ralinho, com certeza fazia parte dos costumes do tempo; e a barba aparada, cobrindo quase todo o rosto. Caixa ocular bem feita, com certa profundidade, mas nada de extraordinário. Nariz, sobrancelhas, testa e carnatura comuns. Entretanto, tudo sai do banal por causa desses olhos escuros e profundos.

Olhar pensativo e analítico, ao mesmo tempo de um místico e teólogo, cogitando em algo muito elevado que o toma por inteiro. Uma força de alma verdadeiramente extraordinária.

Quando consideramos um semblante como este, devemos compará-lo com as fisionomias que encontramos nas ruas. Quantas caras comuns existem pelas vias públicas! Mas este olhar, onde encontraremos?

Compreendemos assim o trabalho da graça, colhendo um homem que provavelmente foi comum, tornando-o uma grande alma e fazendo, através dele, uma grande obra.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/1/1986)

Revista Dr Plinio 252 (Março de 2019)

Na Anunciação, grandeza e humildade de Maria

Como já o temos afirmado, engana-se quem pensa que os temas preferidos de Dr. Plinio eram de natureza social e política. Seriam, então, os históricos e os culturais? Ou os puramente filosóficos? Nenhum desses. Conquanto seja verdade que navegava por todos eles com desembaraço, discernimento e sabedoria — disto é prova o rico leque de  matérias publicadas nesta revista — os temas com os quais especialmente se regalava eram de índole teológica: a infinitude das perfeições de Deus, as relações entre as três  Pessoas divinas, o Sagrado Coração de Jesus, a santidade da Igreja Católica, etc.

Em conferências que mais pareciam meditações em voz alta, tinha ele predileção em discorrer sobre a Mãe de Deus. Agradava-lhe imaginar, por exemplo, como teriam sido as trocas de olhares entre Jesus e Maria, na gruta de Belém, na casa de Nazaré, no Calvário, no primeiro encontro após a Ressurreição. Ou conjecturar sobre as cogitações que povoavam a alma de Nossa Senhora nas várias circunstâncias de sua vida.

E quais terão sido os pensamentos d’Ela na Anunciação? Sobre este tema, oferecemos nestas páginas ao leitor algumas considerações feitas por Dr. Plinio:

A Anunciação é a festa em que celebramos este fato culminante da história do mundo: Deus, através do Arcanjo São Gabriel, comunica a Nossa Senhora que a Segunda  Pessoa da Santíssima Trindade haveria de assumir nossa natureza, a fim de resgatar o gênero humano.

As circunstâncias em que se realizaram esses eternos desígnios do Altíssimo não poderiam ser mais singelas nem mais maravilhosas.

Em sua modesta casa de Nazaré, uma Virgem, há pouco desposada com um varão igualmente virgem, encontrava-se imersa em subidas contemplações. De modo muito piedoso e razoável, supõe-se que Maria, com base no Antigo Testamento, procurava meditar e imaginar como seria o Messias, de cuja mãe desejava ser a mais dedicada das  servas.

Pode-se conjecturar que, ao completar Ela no seu espírito a composição da figura do Salvador, apareceu-Lhe o Anjo dirigindo-Lhe as célebres palavras: “Ave, ó cheia de graça, o Senhor é contigo; bendita és Tu entre as mulheres”.

E Maria se perturbou, perguntando-se o que significava aquela saudação. Um Anjo tão eminente, tão extraordinário, aparecer a Ela, tão pequena! (a seus próprios olhos), e   chamá-La “cheia de graça”? Ela estava, então, repleta dos dons divinos? “Bendita sois Vós entre as mulheres”, quer dizer que, em meio a todas as filhas de Deus que houve, há e haverá até o fim dos tempos, Ela seria a bendita por excelência? Existiam tantas mulheres santas no Antigo Testamento, e quantas outras ainda viriam pela história afora, e justamente Ela era a escolhida? Na sua humildade, Maria ficou perplexa: “Como é isto? É um Anjo que está falando, mas não compreendo como suas palavras se podem aplicar a mim”.

O celeste mensageiro, por sua vez, responde de forma curiosa, pois assim começa: “Não temas, Maria”. O que indica que Ela manifestara um certo temor. Mas, concebida sem  pecado original, sem ter sombra da menor imperfeição, como poderia Nossa Senhora ter medo de São Gabriel e do que este Lhe dizia?

Na verdade, na presença de um Anjo, e sobretudo na de um Arcanjo, a criatura humana está colocada diante de um ser de tal densidade que este lhe causa não pequeno susto. Anjos houve que, aparecendo a homens, foram por estes tomados como o próprio Deus. E Nossa Senhora, na sua sensibilidade imaculada e perfeita, sentiu essa presença angélica de forma impressionante.

Além disso, recebendo aquela saudação inusitada, prenúncio dos altíssimos planos do Senhor para com Ela, pode-se bem conceber que em sua humildade tenha temido não   dar cabo da extraordinária missão que Lhe seria confiada.

Perplexidade e receio que só aumentaram, quando São Gabriel, a princípio tranquilizando-A, prosseguiu no seu anúncio: “Não temas, Maria, porque achaste graça diante de Deus. Eis que conceberás em teu seio, e darás à luz um Filho…”, etc.

Ela havia feito voto de virgindade perpétua e, segundo a tradição católica, entendera- se com São José para que ambos permanecessem fiéis aos seus propósitos de castidade  perfeita até o fim da vida. Entretanto, chega-Lhe agora da parte de Deus um aviso que contraria de frente seus mais entranhados anseios. Nova indagação: “Como se fará  isso?”

O Anjo Lhe explica ser a vontade de Deus que d’Ela nasça o Messias, concebido pela ação do próprio Espírito Santo no seu claustro imaculado. Tudo se esclarece. A serenidade e a paz reinam no coração da Santíssima Virgem, que pronuncia então esta frase admirável: “Ecce ancilla Domini; fiat mihi secundum verbum tuum” — “Eis a Escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a vossa palavra!”

Quer dizer, esse anúncio era uma palavra vinda de Deus, da qual Ela não podia duvidar. Assim sendo, estava inteiramente à disposição. E desse diálogo, cuja beleza e simplicidade nos deixam abismados, resultou a Encarnação do Verbo!

Mãe de Deus, Esposa do Espírito Santo

Com efeito, a maior parte dos intérpretes afirma que, às palavras “Eis aqui a Escrava do Senhor…”, nesse preciso momento, pela ação do Espírito Santo, Jesus foi concebido no seio puríssimo de Maria.

Quem pode imaginar a fisionomia esplendorosa d’Ela, nessa hora em que a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade se tornou seu Esposo, e Ela engendrou o Menino Jesus?!

A adoração que teve pelo Divino Filho, logo no primeiro instante em que, de seu sangue e carne virginais, Ele começou a ser formado? Maravilha tanto mais inimaginável  quanto Jesus, Homem-Deus perfeitíssimo, assim que passou a viver encarnado em Maria, conheceu-A e amou com uma insondável dileção. E os dois começaram a se querer num mútuo amor que durará por toda a eternidade.

Oh assombroso convívio de almas! Por outro lado, devemos considerar o relacionamento d’Ela com o Espírito Santo, seu Divino Esposo. Em geral, no ato dos desponsórios,  costuma o marido oferecer à sua consorte um presente tão rico e magnífico quanto esteja ao alcance de suas posses. Pensemos então no valor das prendas com que o Todo-Poderoso terá adornado a alma de sua fidelíssima Esposa! Que acúmulo de graças e de esplendores! Mais ainda. A partir do Mistério da Encarnação, Nossa Senhora passou a receber d’Ele orientações, diretrizes, atos de amor e consolações de uma sublimidade indizível, que tinham nexo com as relações entre Ela e Deus Pai, entre Ela e seu  adorável Filho. Assim se estabeleceu um convívio altíssimo, em que Maria era, a um título único e muito especial, a Filha do Pai Eterno, a Mãe do Verbo Encarnado e a    Esposa do Divino Espírito Santo.

Virgindade, humildade e grandeza

Analisado esse comércio de almas entre Nossa Senhora e a Santíssima Trindade, voltemos nossos olhos para as virtudes e predicados marianos que transparecem de modo  singular na Anunciação.

Em primeiro lugar, a pureza. Ela é a Virgem das virgens, e o foi antes, durante e depois do parto, não perdendo sua integridade um só instante. E todo o procedimento d’Ela  durante o fato da Encarnação revelou-se perfeitamente virginal.

De outro lado, consideremos a humildade de Nossa Senhora; como Ela se fez pequena em toda a medida, ao se ver abençoada pelo Altíssimo de uma forma tão extraordinária. Era Ela quem Deus havia destinado, desde todo o sempre, para ser sua Mãe, porque A julgou digna de semelhante missão. Ele preparou a alma e o corpo  d’Ela, para que em tudo fosse inteiramente proporcionada — tanto quanto o pode ser uma criatura humana — à honra da maternidade divina. Porém, Ela que era digna por  excelência, não fazia de si uma alta ideia, nem se deixava levar por conceitos enfatuados de sua própria pessoa. Não! Pelo contrário, ficou perturbada, pois julgava aqueles elogios feitos pelo Anjo inteiramente descabidos para Ela. Mas, bastou que São Gabriel Lhe convencesse de que tal anúncio vinha de Deus, para Nossa Senhora se submeter.

Assim, da humildade e da pureza conjugadas em Maria Santíssima, resultou sua aceitação dos desígnios do Pai Eterno a respeito de seu Divino Filho.

Terceiro predicado a se ressaltar: no momento em que concebeu o Verbo Encarnado, Ela inteira foi elevada a uma condição superior a todos os Anjos e a todos os Santos  reunidos. Ou seja, se somássemos toda a santidade que houve, há e haverá em todos os Anjos e Santos, desde o começo até o fim do mundo, e comparássemos esse resultado  com a perfeição de Nossa Senhora, Ela se mostraria incomparavelmente mais santa do que toda essa montanha de virtude que Deus foi suscitando na Igreja ao longo dos  séculos!

O que significa não podermos ter noção de qual foi e é a grandeza espiritual da Santíssima Virgem. Se Moisés, ao suplicar a Deus a graça de poder vê-Lo, ouviu esta resposta:  “Tu não me podes ver, porque, se me vires, morrerás”, somos levados a cogitar no que nos aconteceria, se nos fosse dada a suprema felicidade de contemplar nesta vida a face  de Nossa Senhora, com todo o seu esplendor e formosura. Quem sabe, não morrer íamos também…

Na Paixão de Jesus, outro “fiat mihi” Agora, a esse momento de submissão e grandeza de Maria, no início da existência terrena de Jesus, corresponde outro ato de suma  humildade d’Ela — não menos grandioso — quando seu Divino Filho estava prestes a expirar na Cruz. Ele viera ao mundo a fim de resgatar as criaturas humanas do pecado, obter- lhes o perdão do Pai, e abrir novamente as portas do Céu. Essa augusta missão do Filho de Deus estava presente no fundo de quadro das meditações de Nossa  Senhora, e Ela provavelmente compreendeu que a Anunciação do Anjo comportava tudo isto: as promessas, o futuro, a glória, mas também o preço da glória: a dor!

Assim, chegado o tempo da Paixão, Deus quis o consentimento da Santíssima Virgem para que o Filho d’Ela fosse imolado, e Ela mesma O oferecesse como vítima expiatória por nossas culpas. Se outros fossem os desejos de Nossa Senhora, Jesus não sofreria a morte, Deus o libertaria das mãos de seus inimigos, e sua vida teria um rumo diverso.

Contudo, a humanidade não seria resgatada. Por isso Nossa Senhora consentiu no holocausto do Divino Redentor. Ela O contemplava estertorando na Cruz, Ela o ouvia exalar esse brado lancinante: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”, e aceitava que tudo isso acontecesse, para o gênero humano ser redimido e as almas poderem entrar na bem-aventurança eterna.

Como era desígnio de Deus que Ela quisesse, Ela quis! E foi este o seu outro “ecce ancilla Domini, fiat mihi secundum verbum tuum”, de extrema e verdadeira beleza.

Imitemos Nossa Senhora da Anunciação

Para encerrar, recolhamos um fruto concreto dessas reflexões. Encarnando-se no seio de Maria Santíssima, no momento da Anunciação, Jesus se deu a Ela com um tal amanhecer de alma, com um espírito tão cheio de louçania, que não se tem palavras para descrever a felicidade que nesse dia inundou a pessoa de Nossa Senhora.

As promessas eram superlativas! Nada menos que o resgate do gênero humano. Entretanto, o próprio fato da Redenção, com os sacrifícios indizíveis que comportaria para  Mãe e Filho, indica bem como caminham as promessas de Deus: passam pelas esperanças mais alegres e pelos desmentidos aparentes mais terríveis. E a alma tem de ir se  habituando às promessas, às alegrias e aos pretensos desmentidos, como o fez Nossa Senhora. Ela disse “sim” a tudo, e dessa inteira submissão Lhe adveio toda a sua gloriosa  dignidade.

Pois a verdadeira glória consiste, antes de qualquer coisa, em aceitar e fazer sempre a vontade de Deus.

Eis a conseqüência que para nós devemos tirar: nos momentos de alegria e, sobretudo, nos de dor e provação, saibamos imitar Nossa Senhora, dizendo “sim” aos desígnios de  Deus a nosso respeito.

À maneira de uma gota de orvalho em que se reflete o sol, saibamos espelhar em nós as virtudes de Nossa Senhora da Anunciação, isto é, sejamos humildes, pequenos, mas  fortes, puros e confiantes. Que do entusiasmo de nossa pureza, de nossa força e de nossa confiança partam contínuos atos de amor e glorificação a Nosso Senhor Jesus Cristo, a Maria e à Santa Igreja Católica Apostólica Romana!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

São José – Modelo de castidade e de força

Para se formar uma ligeira ideia de quem foi São José, dever-se-ia tomar a Divina Face do Santo Sudário de Turim e deduzir, à maneira de suposição, a fisionomia moral do homem escolhido para ser o pai adotivo de Quem tem aquele rosto sagrado, do homem que foi o esposo da Mãe d’Ele, Aquela que era a sede da Sabedoria e o espelho da  Justiça.

Pai do Leão de Judá e consorte de Nossa Senhora, São José teria de ser um modelo de fisionomia sapiencial, modelo de castidade e de força. Um varão de santidade  inimaginável, a quem coube a sublime missão de governar o Filho de Deus e a Santíssima Virgem.

Plinio Corrêa de Oliveira

São José

Depois de Maria Santíssima, São José foi o mais elevado expoente de virtudes da humanidade. Brilha nele a chama da caridade. Um intenso amor de Deus, uma  espiritualidade e uma vida interior admiráveis fazem de sua alma objeto da complacência da Santíssima Trindade.

Este homem humilde foi chamado a participar de acontecimentos dos quais decorreram os mais notáveis fatos da história do mundo. Pela sua admirável correspondência à graça, São José colaborou de modo eminente no plano divino da Redenção e, desse modo, é merecedor de grande parcela da glória que, legitimamente, cabe ao Divino  Salvador, pela imensidade de benefícios com que nos cumulou.

Plinio Corrêa de Oliveira