“Meu filho…”

Ao tecer enlevados comentários a uma passagem do livro do Eclesiástico, Dr. Plinio nos mostra a Sabedoria divina ensinando aos filhos de Deus — verdadeiro Pai e protetor dos que O amam — a paciência, a humildade e a confiança, especialmente nos momentos de infelicidade e provação nos quais a alma se edifica e se modela, conformando-se aos desígnios que lhe reserva a Providência.

 

Inspirados pelo Divino Espírito Santo, os livros da Bíblia estão permeados de uma riqueza de ensinamentos, aliada a uma beleza literária e poética, que nunca cansamos de admirar e haurir para o engrandecimento de nossa alma.

A título de exemplo, consideremos os seguintes versículos do Eclesiástico (2, 1-6;11-12):

Meu filho, se entrares para o serviço de Deus, permanece firme na justiça e no temor, e prepara a tua alma para a provação; humilha teu coração, espera com paciência, dá ouvidos e acolhe as palavras de sabedoria; não te perturbes no tempo da infelicidade, sofre as demoras de Deus; dedica-te a Deus, espera com paciência, a fim de que no derradeiro momento tua vida se enriqueça.

Aceita tudo o que te acontecer. Na dor, permanece firme; na humilhação, tem paciência. Pois é pelo fogo que se experimentam o ouro e a prata, e os homens agradáveis a Deus, pelo cadinho da humilhação.

Põe tua confiança em Deus e ele te salvará; orienta bem o teu caminho e espera nele. Conserva o temor dele até na velhice.

Considerai, meus filhos, as gerações humanas: sabei que nenhum daqueles que confiavam no Senhor foi confundido. Pois quem foi abandonado após ter perseverado em seus mandamentos? Quem é aquele cuja oração foi desprezada?

Pois Deus é cheio de bondade e de misericórdia, ele perdoa os pecados no dia da aflição. Ele é o protetor de todos os que verdadeiramente o procuram.

Inefável timbre da Escritura

A Escritura como que possui um timbre de voz próprio, em virtude do qual quando diz “meu filho”, sente-se realmente o desvelo materno ou paterno para com seu filho. Quase nos tomamos de remorso ao ler tais palavras em voz alta, acrescentando nosso verbo ao inefável, mas verdadeiro, que os livros sagrados expressam.

Nota-se, aliás, um reflexo desse predicado na frase que São Bento escreveu na introdução de sua regra: “Escuta, filho meu,  os preceitos do mestre, e inclina o ouvido do teu coração. Recebe de bom grado o conselho de um bom pai, e cumpre-o eficazmente, para que, pelo trabalho da obediência, voltes Àquele de quem te havias afastado” (Regra de São Bento, Prólogo).

Dever-se-ia aprender a exprimir frases semelhantes, não se fazendo a pergunta: “Qual o melhor efeito que posso tirar de minha voz pronunciando essas palavras?”, mas formulando outra indagação: “Qual o timbre com que a Escritura afirma tal coisa? De que modo posso obrigar minha laringe a emitir os acentos dessa voz inspirada por Deus?”

Esta última seria a disposição correta para se saborear a beleza do texto do Eclesiástico acima citado.

Humildade e paciência

Então diz o autor sagrado:

Meu filho, se entrares para o serviço de Deus, permanece firme na justiça e no temor, e prepara a tua alma para a provação.

Ou seja, na prática das virtudes e no temor de Deus, preparamos nossa alma para o momento da tentação. É um esplêndido conselho! “Começastes a amar o Criador? Atenção: prepara-te, pois a provação virá.”

E prossegue:

Humilha teu coração, espera com paciência…

É interessante notar a correlação estabelecida pela Escritura entre humildade e paciência. O homem humilde espera com paciência; o orgulhoso se exaspera com a demora.

Dá ouvidos e acolhe as palavras de sabedoria; não te perturbes no tempo da infelicidade.

Ou seja, no tempo difícil, não tenha pressa em sair dele. É o que a sabedoria sussurra em nosso espírito. Trata-se de outro ensinamento admirável.

Suportar a demora com heroísmo

Sofre as demoras de Deus; dedica-te a Deus, espera com paciência, a fim de que no derradeiro momento tua vida se enriqueça.

“Sofre” aqui significa aturar, suportar. Pelo que se depreende do texto, a vitória é concedida a quem sofreu com paciência. Paciência esta que não é indolência, mas a virtude forte por onde se aguenta a dor da espera. E ai do homem para o qual a demora não representa uma dor! Ai daquele, portanto, que não suporta pacientemente o sofrimento da espera!  Deve fazê-lo como um herói. Nisto se acha a beleza desse conselho do Eclesiástico, numa íntima conexão com aquele da humildade.

O homem reto poderia pensar: “Minha paciência me dá o direito de presenciar em vida a realização de tudo que desejo, o triunfo da Igreja no Reino de Maria”. É verdade… Porém, por humildade, devo compreender que Deus faz de mim o que quiser. Posso, inclusive, ser posto de lado em seus divinos planos. Resultado, essa provação me granjeará riquezas no fim de minha existência: “…no derradeiro momento tua vida se enriqueça”.

Aceita tudo o que te acontecer. Na dor, permanece firme; na humilhação, tem paciência.

Em outros termos, sinta a dor, sofra, porque é terrível o que te acontece. Não sejas um inerte e tolo que, à força de apanhar, não tens mais dor. Não. Suporta teu sofrimento, por amor a Deus. Adiante!”

Não se trata de uma atitude simples de ser tomada, mas é profundamente formativa.

Deus prova aquele a quem ama

Pois é pelo fogo que se experimentam o ouro e a prata, e os homens agradáveis a Deus, pelo cadinho da humilhação.

Quer dizer, a quem Deus ama, fá-lo passar pela humilhação. Como diz o Salmista, “de torrente in via bibet” (Sl 109, 7) — “beberei da torrente do caminho”, isto é, sofrerá grandes abatimentos, depois dos quais poderá chegar aos píncaros. Tais humilhações hão de estar no seu caminho nesta ou naquela ocasião, ou durante a vida inteira, conforme os desígnios do Altíssimo, que por isso aconselha: Sê paciente e caminha!

Põe tua confiança em Deus e ele te salvará; orienta bem o teu caminho e espera nele. Conserva o temor dele até na velhice.

Outra bela expressão do autor sagrado, indicando que devemos, até o fim dos nossos dias, cultivar não apenas nossa confiança no socorro divino, como também o temor filial e reverencial a Deus.

Considerai, meus filhos, as gerações humanas: sabei que nenhum daqueles que confiavam no Senhor foi confundido. Pois quem foi abandonado após ter perseverado em seus mandamentos? Quem é aquele cuja oração foi desprezada?

Pois Deus é cheio de bondade e de misericórdia, ele perdoa os pecados no dia da aflição. Ele é o protetor de todos os que verdadeiramente o procuram.

Para dizer tudo numa palavra, esses versículos se compaginam de modo maravilhoso com a tocante súplica dirigida por São Bernardo a Nossa Senhora, no Lembrai-Vos: “Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tenham recorrido à vossa proteção, implorado a vossa assistência, reclamado o vosso socorro, fosse por Vós desamparado…”

Guiados pela sabedoria, ao encontro da Santa Igreja

Para concluir esses comentários, recordo outra linda passagem da Escritura, desta feita do Livro da Sabedoria (6, 12-17):

Resplandecente é a Sabedoria, e sua beleza é inalterável: os que a amam, descobrem-na facilmente. Os que a procuram encontram-na. Ela antecipa-se aos que a desejam. Quem, para possuí-la, levanta-se de madrugada, não terá trabalho, porque a encontrará sentada à sua porta. Fazê-la objeto de seus pensamentos é a prudência perfeita, e quem por ela vigia, em breve não terá mais cuidado. Ela mesma vai à procura dos que são dignos dela; ela lhes aparece nos caminhos cheia de benevolência, e vai ao encontro deles em todos os seus pensamentos, porque, verdadeiramente, desde o começo, seu desejo é instruir, e desejar instruir-se é amá-la.

Desdobrando o luminoso pensamento contido nesse trecho, pode-se deduzir que se um homem, ao longo de sua existência, encontrou o que deveria procurar, no fim de seus dias poderá dizer: “Eu vivi!”. Do contrário, lamentar-se-á: “Andei pelas ruas como um cão sem dono, comi nas latas de lixo, bebi nas sarjetas, dormi na garoa, na chuva e ao sol, porém não vivi. Porque não encontrei a mão amiga que me agradasse, o dono que me afagasse. O cachorro foi criado para ser fiel e eu, para servir. Mas, não achei senhor. Tive uma via vazia e morro de modo desprezível”.

E se a pessoa, em qualquer etapa de sua existência — infância, juventude, idade madura, ancianidade — procura realmente o que deve, ela encontra, na proporção de seu entendimento em cada uma dessas etapas, a sabedoria. Esta se acha à nossa porta, esperando-nos despertar. Ao acordarmos, ela, com seu esplendor de rainha, suas carícias de mãe e iluminações incomparáveis, convida-nos a segui-la.

E, deixando-nos guiar pela sabedoria, encontraremos os esplendores ainda maiores da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

 

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 102 (Setembro de 2006)

 

Uma conversa de Jesus…

Imaginando a vida quotidiana de Jesus, Dr. Plinio realiza como a Alma de Nosso Senhor se elevava às mais altas cogitações, sem entretanto abandonar a proporção normal de um homem.

 

Suponhamos que o Redentor estivesse descansando em casa de Lázaro; Ele comia e mantinha uma conversa normal, quer dizer, propriamente conversa à “bâton rompu”.

Nosso Senhor deveria dar um discreto valor à comida. Então, nesta perspectiva, como seria o trato com Ele, que impressão causaria?

Parece-me que todas as suas expressões seriam sumamente coerentes umas com as outras, em que o olhar, a voz, os gestos, o porte, a atitude da cabeça e o modo de se dirigir às pessoas, ou de ouvir o que elas Lhe falavam, tudo isto deveria apresentar um “unum” perfeito, dando a ideia de uma harmonia completa. De maneira que Jesus devia causar aquela impressão vitorina de emoção estética total, porém ainda mais alta porque não era só a estética física, mas através desta, a estética psicológica, moral. Quer dizer, com uma proporção, uma beleza perfeita, e a Alma que se via por detrás era incomparável, causando a impressão de se tocar no divino, no inefável, embora não fosse a visão beatífica. Era propriamente a ética estética total.

Figuremos Nosso Senhor à mesa, comendo um cordeiro que Lhe tivessem preparado. Ele faz um comentário qualquer: “Este cordeiro foi alimentado com tal coisa assim, na perspectiva de nosso encontro.” E alguém diz: “Aliás, foi difícil laçá-lo, o cordeiro saltava muito”, e conta que o cordeiro pulou do colo de um escravo para fugir. E o Redentor, na sua natureza humana, ouve entretido a narração desse fato.

E no entretenimento veríamos aquela espécie de bondade, do enormemente maior que sente coesão e continuidade com o tema pequeno, e não julga que este seja indigno d’Ele.

Pelo contrário, Nosso Senhor, tomando conhecimento do fato, compreenderia. Durante a conversa se perceberia que ora sua humanidade santíssima transparecia mais, quer dizer, subia em considerações comunicadas pela natureza divina, ora transparecia menos, mantendo, entretanto, uma proporção com a conversa. De maneira que no ambiente havia um fundo discreto, que não convidava a fazer Teologia, mas a sentir o tema concreto do cordeirinho, túmido de outras coisas nas quais o Redentor não entrava, mas apenas — para usar uma expressão que não indica bem o que eu quero dizer — aromatizava. Ele punha molho naquilo, mas não deslocava o assunto, e a conversa continuava caseira.

Noção divina das correlações

Notar-se-ia a transição suave, harmônica da Alma do Divino Mestre para o mais elevado, com lampejo do mais alto, e depois voltar ao comum, a propósito das várias coisas tratadas na conversação. Uma flexibilidade de alma e uma noção divina das correlações: o modo pelo qual um tema encaixa, imbrica com outro; o valor simbólico das coisas; tudo posto tão bem, e correlacionado com tanta suavidade, harmonia, facilidade — todas as palavras são impróprias para falar d’Ele, por causa da excelsitude —, com tanto “dégagé”, que nossa alma ficaria simplesmente encantada de sentir os espaços interplanetários que separam um assunto do outro, transpostos por Nosso Senhor com tanta facilidade e conduzidos de um lado para outro com uma naturalidade, sem deixar as pessoas propriamente — note-se bem — extasiadas e fora do teor da conversa privada.

O êxtase viria pouco depois que o Redentor tivesse ido embora, quando as pessoas se sentissem sem Ele e percebessem o diferente de tudo. Teriam vontade de dizer: “Por que fiquei aqui e não fui atrás de Jesus, uma vez que viver é estar ao lado d’Ele?” E se alguém levanta um assunto prático, nem se interessam.

Todo mundo está discretamente deliciado, mas é uma autêntica conversa doméstica, na superfície.

As várias teclas através das quais Jesus tratava os assuntos

O melhor dessa conversa seria os momentos nos quais se percebia que a Alma de Nosso Senhor tocava nas mais altas cogitações. Era um olhar, um timbre de voz, talvez um comentário ligeiro, deixando entrever outras ideias, mas sem nada da indireta de salão, que é trabalhosa, porque nada disto deve ser imaginado trabalhoso. Tudo normal, magnífico e facílimo, que é o próprio d’Ele, evidentemente.

E as pessoas ficavam verdadeiramente maravilhadas pelo seguinte aspecto, entre mil outros: sentir como Jesus tomava o tamanho das várias teclas por onde fosse tratando os assuntos; quando falava de um tema comum, Ele tinha uma proporção do auge da beleza daquilo, deixando apenas entrever muito vagamente outros auges, que na Alma de Nosso Senhor residiam.

Quando Ele falava apenas de raspão do maior dos assuntos, sentiriam que tratava aquilo de igual a igual. De maneira que aquele Homem, há pouco tempo tão igual aos outros, de repente aparecia como num píncaro de uma montanha, mas por instantes, e logo depois estava de novo misturado com as pessoas. Em seguida, tratando de alguma coisinha, o Divino Mestre ficava de tal maneira comprazido, condescendido, que se diria que Ele descia até a coisa e esta se elevava até Ele. Por exemplo, se enquanto Nosso Senhor falava entrasse um passarinho na sala — aquelas salas eram muito abertas — e pousasse perto d’Ele, sem milagres, cena comum, o Redentor acharia graça em ver o passarinho comer uma migalha de pão.

Ele sorriria com isto, de tal modo que tudo aquilo que simboliza o passarinho comer a migalha de pão se perceberia que Ele relaciona com o mais alto, mas achava interessante ver o mais elevado enquanto simbolizado no menor. Não é de nenhum modo, portanto, efetuar uma abstração, e passar a fazer Filosofia ou Teologia, mas comprazer-se em ver o mais alto simbolizado, alojado, se quiserem, dentro do menor e como que um com o menor.

Então, Jesus diria uma palavra encantadora qualquer, mas também não de arrebentar.

Insinuando que era o Cordeiro de Deus

De repente, a respeito do cordeiro, tema da conversa, Nosso Senhor faz uma insinuação de que Ele era o Cordeiro de Deus, um dia seria morto, e que todos se preparassem. Mas, digamos, durante a conversa, talvez falasse disso uma só vez.

Os Evangelhos não fazem referência a uma conversa assim. Acho que cinco quintilhões de livros não dariam para registrar uma conversa com Ele, porque tudo era memorável, com o ar mais natural do mundo. Tenho a impressão de que isto é muito mais reconstituível pela piedade do que escrevível e legível.

Então, quando Jesus fizesse tal afirmação, haveria um frêmito, mas não à maneira de uma cena renascentista: uma pessoa se levanta, outra faz não sei o quê. Não. Todo mundo continua a conversar. Penetrou-se até ao fundo, ao extremo de Nosso Senhor; depois aquilo passa e fica uma tinta depositada nas almas.

Alegria, seriedade, tristeza

Jesus dava assim uma noção conjunta de sua divindade — a conaturalidade d’Ele com o divino — e a relação de todas as coisas com Ele, como se tudo existisse apenas para ser relacionado com Nosso Senhor. Aqui está o que eu quereria exprimir, mas não sei se conseguirei fazê-lo.

Tal era seu modo de ser que se notaria uma hierarquia de valores harmônica e sumamente bem encaixada, procedente do mais alto, com uma gravidade extraordinária e uma luminosidade impossível de ser qualificada; e descendo depois degrau por degrau, de maneira que em cada degrau por onde passasse, a Alma d’Ele deitasse outro reflexo de si mesma, mas não se sentisse esgotada; manifestando-se nos mais altos e deitando um reflexo novo e adequado em cada degrau menor até o último, formando propriamente no contraste entre o maior e o menor e todos os pontos intermediários, certa forma de imbricamento e de harmonia que fosse no mais alto cheia de gravidade e, ao mesmo tempo, de uma felicidade transbordante. Jesus não devia irradiar só tristeza; de vez em quando Ele transluzia um fulgor de felicidade.

Se, por exemplo, na sala onde Nosso Senhor estivesse comendo entrasse uma brisa refrigerante, Ele faria um comentário, com um gáudio apenas insinuado; aquele zéfiro era apenas um símbolo de uma alegria fulgurante: a visão beatífica. Mas tudo nas proporções de uma conversa comum; não são de nenhum modo os grandes momentos do Evangelho, mas os momentos normais da vida d’Ele.

Então haveria esse entrelaçamento de alto a baixo. No alto, a alegria esplendorosa e seriedade enorme, acompanhada de uma tristeza noturna, que era uma espécie de prenúncio do Calvário.

Nos graus intermediários, a conaturalidade com o homem: a seriedade, as alegrias e as tristezas proporcionais a nós. E nos graus menores, a alegria de todas as coisas pequenas e graciosas com aquela forma de dor e de sofrimento própria da inocência da criança.

E notar isto passando de um lado para outro daria uma espécie de noção de hierarquia, como nenhuma ordem social, nem política, nem estética, ou qualquer outra pode dar. Tal noção seria transmitida pela voz, pelo olhar, pelo modo de ser de Nosso Senhor, com uma espécie de plenitude do que o homem deve sentir a cada momento.

Após a saída de Nosso Senhor, recordar as diversas cenas

Em qualquer dos estágios se notaria a tristeza, a seriedade, a proporcionalidade e também a alegria, que a tudo acompanhava. E quando Jesus saísse, uma pessoa que tivesse critério se destacaria cuidadosamente da roda e, andando sozinha pelo jardim, se sentaria no beiral de um poço; não faria nenhuma reflexão, mas deixaria aquelas cenas voltarem ao seu espírito e, à tardinha, depois de esgotados os últimos reflexos, ela começaria a pensar. Ou seja, muito depois de degustar é que viria a reflexão.

E no final da reflexão, esta ideia: “Eu vou deixar tudo e segui-Lo. Não quero mais saber daquele plano de passar uma quinzena em Jerusalém na minha bonita casa. É verdade que estou precisando comprar uma túnica nova, mas deixarei isto para depois. Onde é que Ele está?” E possivelmente o indivíduo não esperaria a aurora para ir ao encalço de Nosso Senhor.

Continuidade entre os pequenos e os grandes momentos da vida de Jesus

Embora não escrito, algo disso ficou transmitido e permanecerá até o fim do mundo. Sempre que um católico verdadeiro, um bom professor de catecismo, um bom sacerdote, bons pais pronunciam a palavra “Jesus” ou “Jesus Cristo”, todos esses imponderáveis, por uma tradição meio avivada por carismas, continuam e caminham nesta linha.

Falando a respeito de Jesus, o protestantismo toca com o piano quebrado, faltam sempre algumas notas. O calvinismo faz hipertrofia da seriedade e o luteranismo da bonomia d’Ele, não um simples exagero, mas uma hipertrofia leprosa.

A “heresia branca”(1) julga que essas pequenas coisas da vida de Nosso Senhor são impróprias de serem contadas, porque toldam a atmosfera dos grandes momentos. Pelo contrário, tudo isto está numa espécie de continuidade com os grandes momentos.

 Se de repente Nossa Senhora entrasse na sala…

E a cena que eu não ousaria imaginar: Nossa Senhora entrando de repente na sala. Quando Ela se dirigia ao local, Jesus em sua humanidade acutíssima, capacíssima, sem revelação dos Anjos nem manifestação do sobrenatural, sentiria de longe que Maria Santíssima para lá caminhava.

Nosso Senhor vai Se iluminando para a chegada d’Ela, tomando um ar de quem entra em contato com a companhia das companhias; é o mundo inteiro para Ele. Em certo momento, Ele se levanta e vai de encontro a Ela.

Também Nossa Senhora já O pressentiu e, quando Ela se aproxima, os dois Se olham e Se saúdam. Mas acho impossível descrever, eu ao menos não consigo. Todos os encontros de Jesus com sua Mãe não são descritíveis. Ora, só em função da descrição desses encontros, digamos comuns, é que se compreende o relacionamento d’Ele com Ela durante a Paixão, quando se encontraram, e até a morte de Nosso Senhor.

Tenho a impressão de que as sete palavras d’Ele na Cruz, exceto as últimas, foram de um sofredor nesta clave. Mesmo quando Jesus disse: “Mãe, eis aí teu filho; filho eis tua Mãe”, o fez com a tal naturalidade que acabo de referir. Apenas o último grande brado d’Ele e depois o ato pontifical — “Meu Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” — devem ter sido ditos com uma solenidade, uma grandeza dentro do gemido. Aqui seria preciso mais se tocar música ou pintar do que falar.

Também a atitude de Nossa Senhora, creio que se deduz adequadamente a partir da imaginada conversa comum.

Nesta Terra, não devemos querer viver apenas de apogeus

Repito: o convívio quotidiano com Nosso Senhor era proporcionado à capacidade receptiva da natureza humana, como será no Céu. Digo mais. Acho que há algo de enfermiço no fato de uma pessoa só se sentir bem nos apogeus. Na realidade, devemos ter fome e sede dos apogeus, mas não de viver em apogeus, porque não é de acordo com a nossa natureza; e estas situações intermediárias precisam suceder-se aos apogeus e precedê-los, numa sucessão que só Deus mede adequadamente. A Providência gradua através dos fatos.

Suponho que no Céu, pela ação da graça, a alma está elevada a tal estado que é conatural com ela o pináculo permanente. Isso se fará de um modo que não podemos entender, porque o Paraíso celeste vai ser infinitamente repousante.

Voltemos ao tema da vida quotidiana de Nosso Senhor. Se uma pessoa que tivesse assistido à refeição de Betânia desta maneira e depois pensou em Jesus, vendo alguém que lançasse contra o Divino Salvador uma ironia ou chacota, sua reação normal seria a bofetada. Isso só se compreende devido ao efeito que o Redentor causou a uma pessoa que O viu. E a reação dela foi à maneira da desintegração do átomo.

As perfeições de Nosso Senhor na mais eleita das criaturas

Toda criatura, individualmente, é incapaz de refletir adequadamente todas as perfeições de Deus. Daí a necessidade de haver várias criaturas, como sabemos.

E a recíproca disto é que Deus não pode, nesta Terra e nesta ordem, fazer aparecer todas as suas perfeições aos homens num grau que vá além do que a natureza humana comporte, porque, por assim dizer, lota demais as pupilas dos olhos.

Por causa disto, há certas perfeições em Nosso Senhor que, sem dúvida, se notam n’Ele, mas com a seguinte circunstância: se o Redentor fizesse perceber mais ainda, o olhar humano como que estalaria. Então, Ele faz notar estas perfeições na mais eleita de suas criaturas. E esta criatura é como que um desmembramento — como que, entenda-se bem, porque é uma criatura, não o Criador —, um suplemento de Nosso Senhor, fazendo notar algo que no texto principal não caberia pela diminuição de olho do indivíduo que lê.

Então, tudo quanto se diz de maravilhoso sobre a bondade de Nossa Senhora, seu amor materno, seu ódio ao mal — entretanto não é a principal missão d’Ela, ao longo da História, exprimir este ódio, mas a bondade materna, a afetividade — e cem outras coisas, tudo isto Maria Santíssima, como que, exprime em separado de Nosso Senhor, num grau menor do que Ele, forçosamente, mas insondável para nosso olhar, para termos uma ideia ainda mais global do que é Jesus. Tudo quanto estou dizendo aqui fica naturalmente sujeito ao julgamento da Teologia.

Parece-me que, de algum modo, olhando-se para Ela, veem-se excelências que não se percebem tão claramente n’Ele.

Entretanto, como pintá-las? Em que grau? De que modo? Sob que formas? No momento eu quase não teria o que dizer, porque são de algum modo coisas quintessenciadas de Nosso Senhor, as quais, não permitindo que apareçam tão claramente, Ele as exprime por meio de um ser inferior, o qual, por mais alto que seja, é uma criatura.

Correlação entre a Cristologia e a Mariologia

Seria preciso tomar uma clave em extremo delicada para considerar a relação exatamente em sua nota, pois na verdade nenhuma meditação cristológica poderia ser feita em completo sem uma espécie de superposição de Nossa Senhora; sobretudo nenhuma meditação mariológica seria adequadamente feita sem ter a Ele como fundo de tudo quanto se dissesse. E à falta de estabelecer essa correlação, tornam-se muitas vezes pobres a Cristologia e a Mariologia na piedade popular,

A Santíssima Virgem é, sob certo ponto de vista, o lago no qual se mira o castelo. Toda a beleza que o lago mostra, de fato reside no castelo, mas a pulcritude da água se soma para embelezar a figura do castelo. Pode-se dizer também que, de certo modo, a pulcritude da criatura se soma à do Criador, mas a desproporção é muito maior, evidentemente.

Aqui está a imagem da piedade como nós a entendemos. Quer dizer, densa de reflexão e inteiramente equilibrada, em que o homem não precisa se espremer para adquirir piedade, mas ele se põe na boa natureza que Deus lhe deu, na tranquilidade e no bem-estar de sua alma.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/5/1978)

 

1) Ver nota 1 no artigo “São Vicente de Paulo, perfeita harmonia de espírito”, página 17.

 

O Coração de Jesus no interior do Coração de Maria

Na época histórica em que o Sagrado Coração de Jesus aparecia com doçuras de mãe para com o gênero humano, Nossa Senhora apresentava-Se geralmente como a Rainha da Contra-Revolução. A nós foi dada a tarefa de fazer uma síntese e encontrar o Sagrado Coração de Jesus no Coração Imaculado de Maria.

 

Nós, seres humanos, estamos colocados na junção entre o mundo material e o mundo espiritual; vemos abaixo de nós o mundo material em várias gamas e sabemos pela Fé da existência do mundo espiritual em muitas outras gamas. Temos ciência de que participamos do grão de areia, como da própria vida divina pela graça. Percorremos com nossa natureza todas as escalas.

Superioridade participada

Se temos um senso do ser inocente, este nos dá uma noção de nossa própria dignidade que nos faz medir, em nós mesmos, a superioridade de nossa alma sobre nosso corpo, e tudo quanto temos de mais digno por possuirmos alma, sem que sintamos vergonha por termos corpo. Mas notamos tudo quanto há de belo em possuirmos uma alma, e como ela é um céu em comparação com nosso corpo.

Nós sentimos a superioridade de nosso corpo sobre os animais, as plantas e os minerais. Percebemos que é uma superioridade participada. Eles e nós temos algo de tudo quanto existe, mas estamos no ápice da matéria, a tal ponto que somos uma montanha no alto da qual arde a chama denominada alma.

Estamos, portanto, num ápice, mas por cima dessa chama há o céu inteiro. Então a montanha é ao mesmo tempo altíssima, porém se medirmos a distância com as estrelas veremos que é um “formigueiro”. Tendo o senso do ser reto a pessoa sente ordenadamente tudo isso em si, todas essas grandezas, como todas essas pequenezes, proporcionando-lhe uma espécie de maravilhamento discreto, interno.

Lembro-me de que isso se deu em mim, por exemplo, quando pela primeira vez comecei a pensar a respeito do olhar humano, o que é o olho humano e tudo quanto confere de dignidade ao corpo o fato de ter olhos.

Acho que realmente a parte mais sensivelmente nobre do corpo humano são os olhos. Não se pode negar. E como o olho é bonito, quanta coisa exprime! É o único traço que o homem tem o qual nunca é feio! Pode existir um olho machucado, doente, mas um olho feio não há! A fisionomia, o porte, o passo e tantas outras coisas são reflexos da alma no corpo; os olhos espelham a alma.

Consideremos os bichos. Deus quer que alguns animais inferiores a nós sejam mais bonitos do que nós; mas são de uma beleza de segunda classe. De beleza de primeira classe somos nós.

O pavão, por exemplo, como ele é distinto, diplomata, se mexe com jeitos! Um certo modo que tem o pavão de jogar para trás a cabeça e o pescoço; os olhos  quase que se dilatam, e ele olha de frente e de cima, com nobreza. Ele de certo modo finge não estar vendo bem as coisas que se encontram diante dele, como se estivessem distantes. Depois ele se volta bem devagarzinho para receber o aplauso das multidões… É muito bonito!

As mais marcantes diferenças existentes entre os homens

Possuindo um senso do ser bem construído, nós sentimos essas hierarquias e compreendemos que umas estão para as outras numa forma de relação que deve encher de admiração as menores, porém de uma admiração grata! Porque sempre que a maior toca na menor não a humilha, mas a beneficia e honra.

Prestando bem atenção, ao considerarmos a relação entre nós e os Anjos, põe-se muito clara a seguinte pergunta: Como é o Anjo em face de quem é superior a ele? Ora, superior a ele, enquanto natureza, só Deus. Como natureza, Nossa Senhora não é superior ao Anjo, e nem sequer a humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo.

As mais marcantes diferenças que há entre os homens são de ordem sobrenatural. É o batizado para o pagão, depois o clérigo para o leigo. São relações como que divinas.

Somos membros do Corpo Místico de Cristo e em nós vive a graça de Deus; somos templos do Espírito Santo, escravos de Maria Santíssima, filhos d’Ela, portanto, a um título e de um modo todo particular.

Nós estamos para um pagão, na ordem da graça, mais ou menos como na ordem da natureza o Anjo está para nós. Somos “anjos” para um pagão. E um pagão que dissesse a um de nós: “Vou dar-lhe uma bofetada porque você é batizado”, ele esbofetearia em nós o sacramento do Batismo conferido indelevelmente. Sobretudo o bispo, que possui a plenitude do sacerdócio, é como que Deus para nós. Ele ensina, governa e santifica. Todos os sacramentos, toda verdade, a direção de nossos passos no rumo da vida eterna vêm por ele. É como que Deus presente entre nós, e algo de divino habita o bispo.

Na ordem natural há algo disso na relação pai-filho. Mas a Doutrina Católica sempre entendeu que honrar pai e mãe é honrar adequadamente todas as autoridades, na medida em que elas tenham um poder análogo à paternidade, por exemplo, o patrão, enfim, todos os superiores devidamente. Porque quando a autoridade é de um certo gênero, ela participa, na ordem natural, de uma superioridade análoga — não idêntica — à superioridade existente nas relações Deus-homem.

É isto que devemos saber reconhecer nos nossos superiores, e tocá-los, inclusive fisicamente, com respeito, porque neles habita isso.

Respeitabilidades amigas, o contrário da luta de classes

Dou um exemplo claro de ver: o professor e o bedel num colégio. O professor, enquanto está dando aula, tem uma superioridade pura e simples sobre o aluno. O bedel possui uma superioridade, mas uma superioridade que até é um título de inferioridade. Ele é um empregado do colégio para tomar conta dos alunos e, portanto, não imita, a não ser de um modo muito indireto, um vislumbre, o poder de Deus. Mas o poder do professor imita o poder de Deus, e um aluno que esbofeteasse seu professor, enquanto este ensina, pecaria contra Deus.

Sirvo-me, agora, de uma metáfora muito familiar: a nata e o leite.

Uma quantidade abundante de leite de alta qualidade posta numa panela, por exemplo, dá origem, por um lento, discreto e nada artificial processo de diferenciação, à nata que fica acima dele e constitui uma camada. Se cada gota de leite pudesse falar, diria para a dona de casa: “Olhe a nata!” E se a dona de casa sorrisse para a nata, esta falaria: “Mas olhe também de que leite eu fui formada!”

Disseram-me — e me parece bem provável — que as qualidades do ar têm algum efeito para a formação da nata. Logo, o céu atmosférico, a seu modo, age sobre o leite para que destile a nata. Portanto, esta não é puro produto do leite, mas do leite “tocado” pelo céu.

E notem: isso ocorre na ordem meramente natural, mas que nos ajuda a ter uma ideia do que significa essa superioridade divina, do que é Deus em relação a nós, e o que é um de nós perto de Deus, para compreendermos todos os abismos onímodos de inferioridade e de hierarquia e, depois, os graus intermediários como são.

Tomemos outro exemplo: o mármore. Dir-se-ia que o mármore é nata da terra, reservada por Deus em blocos e dada aos homens para fazerem suas igrejas, seus monumentos, palácios etc. Por isso eu falo do mármore com respeito.

Esta visão do mundo como uma espécie de jogo de respeitabilidades amigas, que se perdem quase ao infinito, é o contrário da luta de classes.

Respeitabilidades amigas que a mil títulos reluzem aos olhos do homem, fazendo entender tudo quanto vai desde a pequena respeitabilidade do bedel, quando ele transitoriamente dirige a fila, até a autoridade de um reitor de universidade. Há mil aspectos da superioridade que ficam cintilando como estrelas no céu, cada uma com um brilho próprio e, no fundo, cantando a glória do Superior dos superiores que é Deus.

Resolvendo um problema até o fundo

Tive um professor que, em certa ocasião, pôs a seguinte questão, de um modo inteligente e atraente:

“Nós existimos para Deus, mas hoje em dia não se tem uma ideia clara do que significa existir para alguém. Por isso, vou dar-lhes um exemplo. Se uma galinha tivesse inteligência, ela de tal maneira saberia ter sido criada para ser comida por um homem que, enquanto estivesse no galinheiro, ficaria frustrada de ver as outras galinhas irem para a panela e ela não. Agora, qual seria a reação dessa galinha inteligente quando fosse chamada para a panela? Seria uma reação de pavor, porque nenhum ser escapa ao instinto de conservação; ou uma sensação de alegria, porque afinal seria comida por um homem?”

Ele dizia que a galinha, ao se imaginar comida, sentiria ao mesmo tempo o horror e o gáudio da imolação, e desaparecia num sentimento contraditório.

De fato, ele não resolveu o problema até o fundo. O professor imaginava uma hipótese absurda de um ser que, ao mesmo tempo, é inteligente e mero animal. Daí as reações são contraditórias, porque o ser inteligente existe para Deus, mas não para ser comido por Deus. Aquele que é o fim do ser inteligente é tão superior a este que não o mata, mas lhe dá a vida. Isso o professor não soube dizer; donde um certo mal-estar que a pergunta causava.

Entretanto, este ponto me parece que ele viu bem: se a galinha fosse capaz de conhecer o homem, ela reconheceria nele, com encanto, o seu dono.

Quando o homem, por exemplo, agrada um cachorro, o animal toma, muitas vezes, uma atitude deliciosamente submissa, o que é um símile da posição que tomaríamos em relação a um Anjo. Um vegetal que pudesse sentir e compreender faria o mesmo com um animal, e um mineral a mesma coisa com um vegetal. Há uma regra que forma um certo gênero de relação que, conservadas as proporções, é sempre de sentir-se pequeno, mas repleto de honra.

Subindo ao ápice da Criação, vemos isso até nas relações de Nossa Senhora com Deus. Convidada a um título muito especial para ser Filha do Padre Eterno, Mãe do Verbo e Esposa do Espírito Santo, a resposta d’Ela foi: “Ecce ancilla Domini — Eis a escrava do Senhor” (Lc 1, 38). Ela Se sente muito pequena, porque, de fato, diante de Deus ainda que seja Ela, é-se infinitamente pequeno. Então um gesto, uma postura de respeito deliciado é uma atitude de alma que hoje as pessoas quase não sabem mais medir.

O Menino Jesus vivo no coração de Santa Gertrudes

Ora, o Sagrado Coração de Jesus tem algo que predispõe o espírito em todas as gamas para essa posição.

Evidentemente, as pulsações mais sublimes do Sagrado Coração de Jesus eram quando Ele rezava. As orações d’Ele citadas no Evangelho eu acho tudo quanto há de mais bonito!

Sempre o modo de dizer “Pai” sai com uma grande doçura e, ao mesmo tempo, tão honrado de ser Filho d’Aquele Pai. Ele, como Homem, dizendo “Pai” é quase que rezando para a sua própria natureza divina. É uma coisa tão bonita que prepara a alma para receber essas superioridades genéricas com uma espécie de devoção carinhosa e cheia de veneração.

É interessante notar que no período em que o Sagrado Coração de Jesus aparecia com doçuras de mãe para com o gênero humano, em suas manifestações Nossa Senhora apresentava-Se menos como Mãe de Misericórdia do que como a Rainha da Contra-Revolução e preparando a batalha. Ela é “castrorum acies ordinata”(1).

Com exceção de duas aparições d’Ela no século XIX — uma enquanto Nossa Senhora das Graças, em Paris, para Santa Catarina Labouré, e outra na Igreja do Miracolo, que é uma reversão, corresponde à mesma devoção, mas são dois milagres diferentes —, essa sensação de misericórdia requintada Maria Santíssima dá menos do que manifestava aos medievais, a São Bernardo, por exemplo.

Mesmo em Lourdes, onde a Santíssima Virgem difunde a misericórdia como sabemos, a nota dominante é a apologética. Diante dos séculos de ateísmo, Ela entra em luta contra este produzindo milagres a jorro e confirmando a Imaculada Conceição.

A nós, porém, foi dada a tarefa de fazer uma síntese e encontrar o Sagrado Coração de Jesus no Coração Imaculado de Maria.

Certa ocasião observei uma pintura representando Santa Gertrudes em cujo coração se via o Menino Jesus, o que deveria fazer referência a algum fenômeno místico que se deu com ela.

Se é legítimo apresentar o Menino Jesus vivo no coração de Santa Gertrudes, a um título muito mais literal, muito mais cogente, com outra ênfase, é legítimo mostrar o Coração de Jesus dentro do Coração Imaculado de Maria. É claro! E nós encontraremos tudo quanto estou dizendo — e muito mais — emoldurando o Sagrado Coração de Jesus dentro do Coração Imaculado de Maria.

De todas as boas imagens de Nossa Senhora que conheço, nenhuma delas me satisfaz inteiramente, porque não visam apresentar Jesus vivendo em Maria, concebendo tanto quanto possível a Santíssima Virgem como parecida com Nosso Senhor, fisicamente, mas de uma semelhança que era apenas uma imagem da similitude espiritual.

Sabe-se que muitos cristãos queriam conhecer São Tiago porque era primo de Jesus e muito parecido com Ele. Ora, se assim ocorria com São Tiago, primo em segundo ou terceiro grau de Nosso Senhor, imagine com Nossa Senhora o que era essa semelhança!

Eu me pergunto se não seria uma graça do Reino de Maria algum artista ou algum místico chegar a imaginar, na perfeição, uma imagem de Nossa Senhora inteiramente “cristiforme”, mas conservando toda a delicadeza da natureza feminina. Porque nós vemos isso pelo Santo Sudário: Ele era Varão, no sentido mais nobre da palavra; Ela, Mãe e Senhora, Dama e Rainha. Saber representar essa variedade em uma versão marial de Nosso Senhor!…

Assim, mesmo cenas da vida de Nosso Senhor se tornam muito mais cheias de vida e muito mais explicáveis. Por exemplo, os dois se abraçando na hora do encontro da Via Sacra, com essa semelhança de corpo e de alma entre ambos. Ele com a face como que d’Ela, desfigurada; e Ela com a face como que d’Ele, íntegra. De maneira que se olhava e percebia-se o contraste. Ela nobremente invadida pelo pranto sem que nada A descompusesse, e Ele aviltado pelas bofetadas e pela dor sem que nada Lhe diminuísse a majestade.

Um ósculo de Nosso Senhor na França

Quando falo com calor de Luís XIV e da devoção que ele deveria ter tido ao Sagrado Coração de Jesus, há pessoas que julgam entrar nisso uma espécie de atitude mundana, ou pelo menos terrena. Mas não é. A razão é que eu vejo nele o lampadário perfeito onde a lamparina do Sagrado Coração de Jesus deveria ter sido acesa.

Se ele fosse o devoto perfeito do Sagrado Coração de Jesus, nós teríamos tido uma figura de homem como não houve na História.

Para compreender o “meu” Luís XIV, a “minha” Versailles e o “meu” Ancien Régime é preciso entendê-los enquanto o Rei-Sol tendo sido fiel. E mais: foi no reinado de Luís XIV que São Luís Grignion de Montfort construiu o calvário dele, pregou aos camponeses e que Marie des Vallées(2) fez a troca de vontades com Nosso Senhor. Isso tudo tenderia a uma só coisa.

Então, era preciso concebê-lo criando uma atmosfera pela devoção ao Coração de Jesus, onde a escravidão a Nossa Senhora tivesse voado como uma águia em céu próprio.

É uma coisa maravilhosa! Não se tem ideia do que a infidelidade de meia dúzia de almas rateou na ocasião… Não se tem ideia da oportunidade perdida!

A partir disso fica compreensível também o meu furor contra a Revolução Francesa.

O Dauphin Luís(3) mandou colocar atrás do altar da capela do palácio uma imagem do Sagrado Coração de Jesus. Ele não teve a audácia de colocar na frente…

Mas isso significa durante quantas gerações se manteve a ideia de que uma consagração ainda salvaria a França. E a consagração que Luís XVI fez da França ao Sagrado Coração de Jesus, na Torre do Templo, prova que ele ainda levava no espírito essa ideia de que, se correspondesse, poderia ter salvado o país.

Durante todo esse tempo, a Casa Real e o “Ancien Régime” conservaram uma capacidade de receber. Essa receptividade era um ornato, e aquela possibilidade, naquele tempo, um “lumen”.

O grande pranto pela Revolução Francesa era o da esperança que não se realizaria mais, e pela extinção desse “lumen” que acompanhou a Casa Real até o fim.

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus ficou com uma ligeira nota francesa, é um ósculo de Nosso Senhor na França.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/9/1980)

 

1) Do latim: exército em ordem de batalha (Ct 6, 10).

2) Mística francesa (*1590 – †1656).

3) Luís Fernando de França, Delfim de França (*1729 – †1765), filho de Luís XV e pai de Luís XVI.

A “Carta circular aos Amigos da Cruz” – III Um nome mais brilhante que o sol

O Amigo da Cruz é um escolhido entre mil, apartado das coisas naturais e entregue à contemplação das sobrenaturais, colocando o seu amor naquilo que todos desprezam: o sofrimento, em união com o Divino Mestre. Dr. Plinio prossegue seus comentários ao opúsculo de São Luís Maria Grignion de Montfort.

 

Com seu fervor característico, São Luís Grignion continua a escrever:

Chamai-vos Amigos da Cruz. Como é grande este nome! Confesso-vos que ele me encanta e deslumbra. É mais brilhante que o sol, mais elevado que os céus, mais glorioso e mais pomposo que os títulos mais magníficos dos reis e dos imperadores. É o grande nome de Jesus Cristo, a um tempo verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, é o nome inequívoco de um cristão.

Exclamações contagiantes

Cumpre considerar que São Luís Grignion escreveu essa obra numa época em que — não tanto como na Idade Média — os títulos ainda tinham muita importância, e por meio deles se definiam as pessoas com o direito de usá-los. Então o Santo utiliza o valor da titulatura, conforme à ordem natural das coisas, para mostrar como o título de amigo da Cruz é elevado. Nesse intuito, registra várias exclamações que traduzem o fogo de sua alma, com possibilidade de um contágio extraordinário.

Como é grande este nome! Confesso-vos que ele me encanta e deslumbra.

Não se trata de expressões lançadas ao léu. Encantar não é o mesmo que deslumbrar. O encanto assemelha-se à ternura, e o deslumbramento, à admiração. O que me encanta, de certo modo me pertence profundamente. E aquilo que me deslumbra desperta em mim admiração, veneração. Talvez sem intenção de fazê-lo, São Luís Grignion de Montfort aponta aqui os dois elementos característicos do enlevo: a veneração e a ternura.

É mais brilhante que o sol, mais elevado que os céus, mais glorioso e pomposo que os títulos mais magníficos dos reis e dos imperadores.

As duas primeiras comparações me parecem muito felizes, e na pena do Santo adquirem um calor, uma força de atração, uma refulgência extraordinários. Como que sentimos a sua alma de insigne teólogo, de inspirado literato, de varão católico, vibrando de emoção diante do título “Amigo da Cruz”.

Ternura e veneração pela Paixão de Cristo

É o grande nome de Jesus Cristo, a um tempo verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.

Tal é o valor de ser Amigo da Cruz, que esse título equivale ao nome d’Aquele que é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Nosso Senhor Jesus Cristo. Pensamento lindíssimo e acertado, pois ao longo de toda a História a piedade católica elegeu a Cruz como símbolo do próprio Redentor.

Nota-se, ainda, que ele não se refere apenas à cruz como sofrimento, aceito e levado até seu termo em união com os méritos infinitos de Nosso Senhor, mas considera filosoficamente a forma de uma cruz como símbolo que traz consigo algo de santo, pelo vínculo que adquiriu com a Paixão. São Luís deseja nos comunicar, assim, ternura e veneração pelo holocausto redentor de Jesus, bem como pela santa Cruz considerada como tal, conforme, aliás, ensina a teologia. E como o ratifica a mesma piedade popular, ao erguer cruzeiros ou plantar cruzes nos mais variados locais, aonde vão em peregrinações, ou simplesmente depositar um punhado de flores junto a elas, num singelo e sincero testemunho de sua devoção.

Escolhidos entre milhares

Continua São Luís Grignion:

Entretanto, se seu brilho me encanta, seu peso não me espanta menos. Quantas obrigações indispensáveis e difíceis contidas nesse nome, e expressas por estas palavras do Espírito Santo: “sois uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa e um povo que Deus formou” (1 Pd 2, 9).

Quer dizer, a cada Amigo da Cruz corresponde essa definição: pertence ele a uma raça eleita, possui um sacerdócio real, é filho de uma nação santa e membro de um povo que Deus formou.

Um Amigo da Cruz…

Faço notar que São Luís escreve Amigo da Cruz com “A” e “C” maiúsculos, pois não se refere a todo e qualquer católico, mas especialmente àqueles que se consagraram na associação por ele fundada para propagar o amor à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. A essa fundação ele fará elogios magníficos, por causa dos seus objetivos. Para nós significa algo pleno de ensinamento, pois nos mostra como o valor de nosso movimento provém igualmente do fato de amarmos a Cruz, e esse amor sobrepuja a qualidade individual de seus membros ou a consistência de sua estrutura jurídica.

Um Amigo da Cruz é um homem escolhido por Deus entre dez mil que vivem segundo os sentidos e apenas da razão, para ser unicamente um homem todo divino e elevado acima da razão, e todo em oposição aos sentidos por uma vida e uma luz de pura fé e um amor ardente à Cruz.

Então, sentir uma vocação especial para uma vida e uma luz de pura fé, bem como de um ardente amor à Cruz, é graça invulgar que Deus concede a um entre dez mil que “vivem segundo os sentidos e a razão”. Já naquele tempo se estabelecia oposição entre a fé e a razão, esta última entendida no sentido do racionalismo cartesiano(1). Donde, aqueles que vivem de acordo com a pura razão natural, recusando o sobrenatural, só têm luzes proporcionadas por aquela. São os racionalistas — que de fato claudicam também em matéria de razão — e os que vivem de acordo com os sentidos.

Espírito metafísico e amor ao sublime

Um homem todo divino e elevado acima da razão, e todo em oposição aos sentidos.

A linguagem de São Luís é frisante: não é contra a razão, mas acima dela. E quanto aos sentidos, refere-se à desordem deles. Está subjacente nessa afirmação a ideia de que o pecado original abalou de modo tão profundo o homem que seus sentidos se tornaram desordenados.

Um Amigo da Cruz é um rei todo poderoso e um herói triunfante do demônio, do mundo e da carne em suas três concupiscências. Pelo amor às humilhações, esmaga o orgulho de Satanás; pelo amor à pobreza, triunfa da avareza do mundo; pelo amor à dor, amortece a sensualidade da carne. Um Amigo da Cruz é um homem santo e separado de todo o visível, cujo coração está acima de tudo quanto é caduco e perecível, e cuja conversa está no Céu (Fl 3, 20); que passa pela Terra como estrangeiro e peregrino; e que, sem lhe dar o coração, a contempla com o olho esquerdo e com indiferença, calcando-a com desprezo aos pés.

Trecho muito bonito, que exprime o amor aos imponderáveis e, de certo modo, ao sublime, ao maravilhoso. Para estar “separado de todo o visível”, ou seja, afastado das coisas materiais e voltado para as invisíveis — mormente as sobrenaturais — importa ter um feitio de espírito contrário ao materialismo, bem como à concepção racionalista e cientificista da existência humana. Para os adeptos dessa mentalidade, apenas o material é atingível pelos sentidos, é confiável e desejável, constituindo a finalidade da vida terrena. Tudo quanto é metafísico, que vai além dos sentidos, deve ser evitado como quimera do espírito e, portanto, inconsistente.

Devido à decadência da civilização, os homens cada vez mais adotaram essa postura de alma, que certas escolas filosóficas do século XIX levaram ao apogeu. São Luís Grignion de Montfort prevenia seus discípulos contra esses desvios. Para ele, o Amigo da Cruz não é apenas o que se enternece com a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas o que possui alguns pressupostos mentais para esse enternecimento, e um deles é o espírito metafísico, interessado no espiritual.

Em suma, para se compreender o valor do sofrimento, a pessoa deve apreciar os bens do espírito e estar desapegada da matéria, o que envolve um padecimento especial, pois significa disciplinar seu próprio ser. Tal disciplina, que exige certa renúncia — e, portanto, dor — é inerente ao autêntico Amigo da Cruz.

Desejar mais o “beau” que o “joli”

Os franceses fazem uma interessante distinção entre “joli” e “beau”. O primeiro vocábulo significa “bonito” e se aplica a coisas pequenas. Já o segundo quer dizer “belo”, um conceito mais elevado e corresponde à beleza da alma. É preciso ter algo de ascese para se conservar a posição do “beau”; querer exclusivamente o joli importa em escravização à matéria. Então nosso Santo mostra que o Amigo da Cruz deve ter como pressuposto uma forma de mentalidade metafísica visando mais o “beau” do que o joli. Este deve ser apenas pequeno acessório daquele.

Somente uma alma assim é capaz de compreender inteiramente a grandeza do sofrimento, da dor e, portanto, da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.  

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 6/6/1967)

 

 

1) Referência à filosofia do autor francês René Descartes (1596-1650) que, rompendo com a escolástica, coloca como base do pensamento o que ele chama a “dúvida metódica”.  Teve grande influência no racionalismo dos tempos posteriores,  notadamente na França e nos países que ela inspirou culturalmente.

 

Levar a cruz com ufania

Os infortúnios, nossas limitações e defeitos constituem cruzes, por vezes muito pesadas, que devemos saber carregar. Certas pessoas, sem compreenderem a beleza e a necessidade do sofrimento, procuram fugir dele por meio de um blefe. Dr. Plinio nos aponta a atitude, ao mesmo tempo ufana e equilibrada, de um verdadeiro católico face à dor.

 

“Tollat”, leve-a! E não a arraste, nem sacuda, nem reduza e, ainda menos, a esconda! Isto é: leve-a bem alto na mão, sem impaciência nem pesar, sem queixa nem murmuração voluntária, sem partilha e sem alívio natural, sem envergonhar-se, e sem respeito humano. “Tollat”, que a coloque sobre a fronte, dizendo com São Paulo: “Que eu me abstenha de gloriar-me de outra coisa que não a Cruz de meu Senhor Jesus Cristo!” (cf. Gl 6, 14). Leve-a aos ombros a exemplo de Jesus Cristo, a fim de que essa cruz se torne para ele a arma de suas conquistas e o cetro de seu império: “(imperium) principatus (ejus) super humerum ejus” (cf. Is 9, 6). Enfim, coloque-a, pelo amor, em seu coração, para torná-la numa sarça ardente que, sem consumir-se queime, noite e dia, de puro amor de Deus(1).

Sofrimentos que devemos aceitar para salvar nossas almas

Neste trecho da “Carta Circular aos Amigos da Cruz”, vem enunciado o princípio de que, em relação à cruz, ou seja, ao sofrimento que Nossa Senhora nos manda, não nos cabe o levarmos resignada e arrastadamente, mas conduzi-lo alto, com alegria e ufania.

Dizia o Duque de Saint-Simon que o mundo deveria ser conduzido “à la croix haute”, tomando a cruz na mão e, com ela bem alta, fazer tocar todas as coisas. Porque se nos reportarmos ao que se entende por cruz, então compreenderemos bem o que diz esse texto de São Luís.

A cruz é o conjunto dos sofrimentos que devemos aceitar para salvar as nossas almas. Em primeiro lugar, os esforços que nossa santificação exige, abrangendo o enorme domínio da ascese. Em segundo lugar, os infortúnios que nos acontecem. E em terceiro lugar, as limitações e restrições em nós mesmos, com as quais devemos nos conformar. Todo homem tem uma série de limitações, e não deve apenas arrastá-las penosamente, tristemente, tomando-as como um fato consumado, mas, ao ver outros que têm mais virtude, mais inteligência, ou qualquer coisa a mais do que ele, precisa ter satisfação, dar graças a Deus, a Nossa Senhora, e por esta forma manifestar a aceitação das próprias limitações.

Como levamos nossa cruz em matéria de ascese? Se algo me custa muito, é de bom aviso pedir graças a Nossa Senhora para entregar não apenas o que me foi pedido, mas dar mais. Porque, assim, faço uma renúncia mais completa àquele apego que me levava a sentir dores em conceder aquilo, e vou muito mais longe no caminho da cruz e da santidade, do que um outro que não segue esse princípio.

Devemos cortar as raízes de nossos defeitos

Por exemplo, uma pessoa que seja colérica e se põe como norma: “Nunca darei o meu consentimento em encolerizar-me com alguém, sem razão”. Se o defeito preponderante dela é a cólera, ela nunca ficará nesse limite. Porque, com a preocupação de ficar no mínimo, ou seja, apenas no limite da correção nos assuntos em que temos uma tendência contrária muito forte, não extirpamos a raiz, mas apenas cortamos os maus frutos que estão em nós. Resultado: esses frutos surgirão com tanta abundância, que todo nosso tempo e energia não bastarão para cortá-los continuamente.

Então, como se leva a cruz nesse caso? Dizendo: “Tenho uma tendência para estar continuamente me irritando com os outros. Portanto, não vou me limitar a não me irritar, mas serei um modelo de correção no trato com os demais. Mesmo nos casos em que fosse meu direito me encolerizar, não me encolerizarei. Só por esta forma eu mato a raiz de minha cólera. É o meu mau gênio que me leva continuamente a estar implicado e irritado com os outros. Então, tenho que descer aos porões de minha alma e fazer uma poda dolorosa”.

Devemos pedir a Nossa Senhora as graças para fazermos essa poda generosamente e com ânimo forte, isto é, fixar uma resolução e traçar um programa: “Eu chegarei, de uma vez só ou por progressivos cortes, a eliminar dentro de mim aquilo que constitui essa raiz da qual brotam os meus pecados”. Isso será com a cólera ou com um defeito oposto à cólera, que é a apatia e a falta de sensibilidade para com as ofensas profundas; será em relação a qualquer defeito preponderante. Leva-se a cruz alta, como recomenda São Luís Grignion de Montfort, quando temos a graça de operar por esta forma.

Todos os homens passam por infortúnios

O que é a aceitação dos infortúnios que nos acontecem?

Não há pessoa que não receba, de vez em quando, uma bombarda de algo que não quereria e acontece de um modo inteiramente imprevisto. Ora é a morte inopinada de alguém a quem estimávamos muito; ora é uma campanha de calúnias, ou uma amizade que desejávamos muito e não a obtivemos, ou um dinheiro, a saúde; seja o que for, mas ninguém deixa de receber o impacto de vários infortúnios.

Como levar a cruz até o fim, em relação a esses infortúnios? Preparando a alma no período de tranquilidade para que, no tempo da adversidade e das desventuras, ela seja forte.

Se logo depois de me acontecer uma coisa desagradável, de ter me aclimatado e posteriormente saído dela, eu esfrego as mãos e penso: “Graças a Deus, saí de dentro disso, e nunca mais vai me acontecer novamente!” Quando me acontecer, apanha-me fraco e desprevenido, e tenho outro drama.

Devo pensar o contrário: “Esta vida é um vale de lágrimas. Aconteceu-me isso agora e pode me suceder outra desventura daqui a dez minutos. E isto é normal, porque são as regras do jogo, não posso estranhar. Por pouco que eu olhe em torno de mim, desde que não o faça como um ingênuo, mas procure ver como é a vida dos outros, percebo que cada um tem infortúnios sérios, grandes e, portanto, é natural que eu os tenha também. Pela bondade divina, no momento não tenho, mas tê-los-ei daqui a pouco. Se vier o sofrimento, Nossa Senhora o estará mandando para o bem de minha alma, e devo estar preparado. Assim, habituo um pouco a minha imaginação de maneira a não ficar tão surpreso e não ser colhido de improviso se me acontecer alguma desventura”.

O oposto a isso é o defeito moral de muita gente que começa a imaginar situações otimistas. Isso amolece a alma, tira completamente a coragem para a luta.

O que se deve fazer? Prever o mal, não exagerando a possibilidade de ele acontecer, mas acostumando os olhos a considerá-lo de frente. E, durante o infortúnio, rezar para Nossa Senhora afastá-lo, se for a santíssima vontade d’Ela;  pedir até que seja a santíssima vontade d’Ela afastá-lo, se Ela não nos dá a sede de cruz. Rezar filialmente, pedindo isso à Virgem Maria, mas compreendendo que Ela pode não conceder, porque, por mais altos desígnios, quer que eu tenha uma cruz a carregar nesta vida.

Cada criatura tem um belo e digno lugar nos planos de Deus

No tocante às limitações que temos, deveríamos partir da ideia de que cada criatura, por menor, mais apagada e mais defeituosa que seja — e falo, sobretudo, da criatura racional —, tem um lugar nos planos de Deus. E um lugar de formosura, de dignidade. Portanto ela deve aceitar, com enlevo, e dentro de todas as suas limitações, esse destino.

Não me refiro apenas a limitações físicas, mas a defeitos nativos, por exemplo, de inteligência, de temperamento e até morais.

A pessoa deve fazer este raciocínio: Se Deus compôs para Si um universo como um diadema, no qual há pedras centrais enormes e, à medida que se distanciam do centro, as pedras vão diminuindo, até o diadema fechar-se em pedras bem pequenas; e se, para a beleza desta joia, deve haver pedrinhas e eu sou uma delas, então vou me alegrar por isso, dar graças a Nossa Senhora e aceitar de bom humor, porque componho a beleza desse conjunto.

Portanto, não vou morrer de tristeza, por haver pedras maiores do que eu. Pelo contrário, fico alegre de compor o cortejo das pedras e ser um lampejo pequeno dentro dos lampejos maiores. Uma vez que a beleza do conjunto precisa de mim, tenho um papel, uma razão de ser, e não sou uma excrescência, desde que saiba realizar o meu destino.

Um ponto fundamental nesta questão é que não se deve ter vergonha de ninguém. Por menor que eu seja, tenho uma razão para existir e, por isso, não há motivo para me desprezarem. Estou desempenhando meu papel.

Por mais rico que seja um palácio, é necessário que nele haja vassouras. O dono da residência não pode desprezar, quebrar e jogar fora a vassoura, pois ela tem uma função a exercer.

Logo, se tenho a minha razão de ser, não terei complexo ou vergonha por não ser os outros. Quererei ser eu mesmo. E se os outros quiserem pisar em mim, eu rio deles, porque a boa razão e o bom direito estão de meu lado. O próprio Deus está de meu lado. E vou ser, com toda a paz da alma, o que sou, com os meus defeitos e limitações.

Se sou pouco inteligente ou sem graça, ou tenho má memória, ou sou pequenininho; que importa? Não tenho minha razão de ser? Então eu me afirmo: sou como sou, sou o que sou, aqui estou! Desde que eu seja de acordo com a regra com a qual devo ser, não tenho vergonha de nada e me afirmo com toda a dignidade e toda a minha finalidade.

Um blefe existente hoje mais do que em qualquer outra época histórica

Como esse senso da cruz importa ao senso contrarrevolucionário! O oposto disso é o blefe, por onde o mundo de hoje está continuamente elaborando atitudes pelas quais as pessoas procuram dar a entender que são mais do que são.

Por exemplo, bancar ser mais inteligente do que é, ou então mais fino, de melhor posição social, ou ter mais dinheiro, mais importância, mais prestígio, e outros mil recursos para blefar. Acho que hoje em dia o blefe é de uma frequência maior do que em qualquer outra época histórica. Isso significa não querer carregar a cruz.

Certa vez, uma pessoa, estando em minha residência, disse-me:

— Sua casa é bonita, e tenho muito gosto em vir até aqui. Mas não teria coragem de morar nela.

— Mas por quê? — indaguei.

— Porque, neste gênero de casas, há objetos muito mais ricos e distintos do que os existentes aqui, e eu não teria coragem de habitar num ambiente que não fosse o mais bonito no gênero. Como também, na sua posição, não teria coragem de ir até a esquina e ficar “pescando” um táxi, como o senhor “pesca”. Um homem de sua idade e condição tem automóvel. E eu teria vergonha de não possuir automóvel. Jamais iria para uma esquina, por onde passa muita gente conhecida, e estar ali “pescando” um táxi. Cada um que passa dentro de um automóvel próprio e vê o senhor ali, pensa: “Está vendo? Este chegou a essa idade e não tem automóvel!”

Eu disse:

— Meu caro, isso não me causa a menor emoção. Moro nesta casa e julgo que ela me serve de boa moldura, porque não sou, nem pretendo ser, mais do que isso. Acho, inclusive, que está de acordo com meu nível de educação e com minha posição tomar um táxi na esquina e, portanto, não me incomodo. E se eu tivesse que pegar ônibus ou bonde, também não teria vergonha, porque, se não possuo dinheiro, não adianta pensar que tenho. Se eu possuir um automóvel, darei graças a Deus; se não o tiver, estarei com a mesma fisionomia ao sol, com a mesmíssima apresentação. Aqui estou, Plinio Corrêa de Oliveira, pronto a aguentar qualquer desprezo e revidar, mantendo-me normal, sem me amargurar.

Entretanto, muitas pessoas procuram blefar até mesmo aos seus próprios olhos, quando o melhor é ver a verdade, pois a humildade é a verdade. Isso é carregar a cruz. E carregando-a, devo considerar também que posso vir a perder um pouco do que tenho e ser menos do que sou. Se isso acontecer, Deus seja bendito!

Essas são verdades conhecidas e cuja lembrança faz bem à vida espiritual.

Martírio de São Théophane Vénard

Contudo, parece-me que haveria restrições a fazer, de ordem prática, ao que eu disse. Porque, pelo nervosismo, pela debilidade de vontade, por algo de desengonçado existente nas gerações mais recentes, compreendo que esse quadro traçado assim, embora se preste a ser admirado, sua simples explicitação pode causar, em certos momentos, tremor.

Alguém me contou, outro dia, como foi o martírio do Bem-aventurado Théophane Vénard(2). Ele estava sendo preparado para ser decapitado, diante do mandarim. E o carrasco, vendo um pequeno objeto de ouro que ele possuía, disse-lhe: “Se você me der isso, eu tiro a sua cabeça de um golpe só, você nem vai sentir”. Não lembro se ele deu ou não o objeto, mas respondeu ao verdugo: “É melhor que você demore, porque quanto maior o número de pancadas, mais ocasião terei de sofrer”.

Admiro isso profundamente, mas uma coisa como essa me enregela. Se eu fosse morrer decapitado, não me passaria pela cabeça fazer isso. Eu julgaria ter cumprido inteiramente o meu dever, simplesmente deixando-me decepar. De maneira que se eu tivesse que ser martirizado, eu “tout bêtement”(3) teria que pensar em outra coisa e me entregar nas mãos da Providência. Se Nossa Senhora quiser permitir que me cortem a cabeça com vários golpes, e Ela me der forças para isso, ficarei encantado. Mas se Ela não me der forças, não há remédio, tem que ser de um golpe só, porque do contrário não aguento mesmo. O que equivale a dizer que, se for de sua vontade, Ela me dará as graças.

Esse estado de alma é um pouco o da santa mártir que tinha disposição para ser comida por qualquer fera, exceto por um leopardo. E a Providência arranjou um jeito de que não fosse um leopardo que a devorasse.

O problema da cruz e a pequena via

Esses são exemplos de uma debilidade de alma que não se pode considerar propriamente como um defeito, mas uma estrutura com sua fragilidade própria. E diante do dever descrito em toda a sua austeridade, pergunto-me se não há almas que experimentam uma constrição, uma incapacidade de realizar o sacrifício até o fim, com todas as aparências de falta de generosidade que, entretanto, não o é; trata-se apenas do indicativo de uma outra via de dentro da qual o homem pede a Nossa Senhora:

“Minha Mãe, sou fraco demais para enfrentar esses pavores. A simples perspectiva de suportá-los me faz tremer. Se quiserdes isso de mim, dai-me uma graça especial, operai na minha alma com uma rapidez, uma sublimidade, uma eficácia especial, para que ela seja capaz daquilo de que eu, pelo simples jogo da graça ordinária, não sou. E então, eu Vos peço enlevos, entusiasmos, favores e auxílios, por onde, em determinado momento, minha pobre alma se torne capaz.”

Creio ser esta uma das diferenças mais frisantes entre a grande e a pequena via; esta última conta com auxílios desses. Nossa Senhora toma a alma débil e a carrega aos ombros para fazê-la atravessar as dificuldades mais tremendas. De maneira tal que a alma faz, com toda facilidade e suavidade, coisas enormes que nunca se imaginaria capaz de realizar.

Ou, então, não faz essas coisas, porque são afastadas de seu caminho. E a Santíssima Virgem obtém para a pessoa auxílios a fim de realizar as coisas pequenas, frágeis, comuns, com tanto amor que as engrandece por esta forma.

Eis como devemos considerar esse problema da cruz na pequena via.

Muitos caminham, ora pela grande via, ora pela pequena via

O Bem-aventurado Teóphane Vénard, levado por uma grande graça no último momento de sua vida, realizou um ato da grandeza de um dos Macabeus, desses martírios mais terríveis. Mas não o fez pela ascese inaciana, com propósitos, e prevendo ponto por ponto, mas meio impelido por um vendaval da graça que o suspendeu.

A mesma coisa se deu, depois, com Santa Teresinha, grande devota dele. Ela morreu com um heroísmo que o herói da Chanson de Roland poderia invejar, ou considerar que emulou com ele. Mas ela chegou a isso pela pequena via.

Tudo quanto acima foi dito sobre a aceitação do sofrimento deve ser profundamente admirado. Mas cada alma, conforme seu caminho, toma em relação a isso alguma distância; e muitas almas, em relação a alguns pontos, ora andarão à grande via, ora à pequena via, de acordo com o feitio de cada uma e o tipo de perfeição moral que Nossa Senhora quis suscitar.

Quantas vezes, ao desvendar panoramas muito sérios e grandiosos em matéria de vida espiritual, há almas que podem se sentir alquebradas ou desanimadas e, ao mesmo tempo, empolgadas. O que fazer diante de panoramas como esses?

Devemos não só amar e admirar, mas conhecer e compreender esta outra via. Rezando bem, entenderemos como aplicá-la aos nossos próprios problemas, para transpor — suavemente, no ritmo da nossa personalidade e sem nos alquebrarmos — obstáculos para os quais de outra maneira não teríamos coragem.

Por uma via ou por outra, portanto, seguimos a Nosso Senhor Jesus Cristo com a cruz, e a levamos alto. E, guiados pelo Divino Espírito Santo, com o auxílio das graças obtidas por Nossa Senhora, seremos levados a praticar a virtude de carregar a cruz, com aquela plenitude que São Luís Maria Grignion de Montfort deseja.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/8/1967)

 

1) Carta Circular aos Amigos da Cruz, n. 19.

2) Jean-Théophane Vénard, presbítero e mártir (*1829 – †1861). Beatificado por São Pio X e canonizado pelo Beato João Paulo II.

3) Do francês: ingenuamente, inocentemente.

Inigualável papel da cruz na vida humana

Festa da Exaltação da Santa Cruz, celebrada pela Igreja no dia 14 de setembro, sempre despertou em Dr. Plinio profundos sentimentos de adoração ao Santíssimo Redentor que, ao se deixar imolar no alto do madeiro, resgatou o gênero humano e nos legou para sempre seu consolador exemplo de perfeita aceitação do sofrimento.

 

Certa feita, assim se expandiu Dr. Plinio, ao considerar a sublime importância do holocausto de Nosso Senhor no alto da Cruz: “O Evangelho nos faz ver com a maior evidência quanto a misericórdia de nosso Divino Salvador se compadece de nossas dores da alma e do corpo. Basta atentar para os milagres assombrosos de sua onipotência, praticados tantas vezes para as mitigar.

Entretanto, não imaginemos que esse combate à dor tenha sido o maior benefício por Ele feito aos homens, nesta vida terrena. Não compreenderia a missão de Cristo ante os homens quem fechasse os olhos para o fato central de que Ele é nosso Redentor, e de que quis padecer dores crudelíssimas para nos remir. Até na culminância de sua Paixão, Nosso Senhor poderia ter feito cessar instantaneamente todas essas dores, por um mero ato de sua vontade divina. Desde o primeiro instante de sua Paixão até o último, Ele poderia ter ordenado que suas chagas se fechassem, seu sangue precioso deixasse de correr, os golpes por Ele recebidos deixassem de manter cicatrizes no seu corpo divino e, por fim, uma vitória brilhante e jubilosa cortasse o passo, bruscamente, à perseguição que O ia arrastando até a morte.

Porém, Ele não o quis. Pelo contrário, Ele quis deixar-se arrastar pela via dolorosa até o alto do Gólgota, quis ver sua Mãe Santíssima entregue ao auge da dor e, por fim, quis bradar, de maneira a que O ouvissem até o fim dos séculos, as palavras lancinantes: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?’ (Mt 27,46). Nesses fatos compreendemos que, dando-nos a graça de sermos chamados com Ele para padecermos cada qual um quinhão da sua Paixão, Ele tornava claro o papel inigualável da cruz na vida dos homens, na História do mundo e na sua glorificação. Não pensemos que, convidando-nos a padecer as dores da vida presente, Ele tenha querido dispensar-nos de pronunciar, cada qual, no transe da morte, o seu ‘consummatum est’ (cfr. Jo 19,30).

Sem a compreensão da cruz, sem o amor à cruz, sem ter passado cada qual por sua “via crucis”, não teremos cumprido a nosso respeito os desígnios da Providência. (…) Com tal amor à Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo tudo conseguiremos, ainda que nos pese o fardo sagrado da pureza e de outras virtudes, os ataques e os escárnios incessantes dos inimigos da Fé, as traições dos falsos amigos.

O grande alicerce, o máximo alicerce da Civilização Cristã está em que todos os homens exercitem generosamente o amor à Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Que a tanto nos ajude Maria, e teremos reconquistado para o Divino Filho d’Ela o Reino de Deus, hoje tão bruxuleante no coração dos homens.”

  • * *

Há 10 anos, precisamente no dia 1º de setembro de 1995, Dr. Plinio era internado no Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo. Ao longo daquele mês, esse insigne varão católico provaria o seu edificante amor à Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, encetando com resignação — e inteira confiança na misericórdia da Santíssima Virgem — os derradeiros passos de sua própria “via crucis”.

Façamos nossa, a prece que Dr. Plinio costumava recitar diante de um Crucifixo:

“Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos, porque por vossa santa Cruz redimistes o mundo. Mãe Dolorosa, rogai por nós. Vós, que tivestes pena de vosso Filho no alto da Cruz, tende compaixão de cada um de nós, nos fundos vales de nossa existência cotidiana. Amém.”

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Solução para todos os problemas – III

Pela razão, uma pessoa pode ter certezas fragmentárias. Mas a certeza do conjunto das verdades que dizem respeito ao homem, a Deus e ao universo, somente pela Fé pode ser adquirida.
Desde menino, Dr. Plinio possuía ardente Fé e, quando tomou conhecimento da infalibilidade pontifícia, acolheu essa verdade com fervor e entusiasmo, compreendendo
que sem ela não poderia haver ordem humana.

 

Por que a infalibilidade papal me tocou mais do que tudo?

Sei que a infalibilidade é um carisma conferido por Nosso Senhor Jesus Cristo à sua Igreja.  Jesus, Deus e Homem verdadeiro, nosso Criador e Redentor, fundou a Santa Igreja Católica Apostólica Romana e, quando prometeu que as portas do Inferno não prevaleceriam contra ela, deu-lhe o carisma da infalibilidade. Se a Igreja caísse em erro, as portas do Inferno teriam prevalecido contra ela.  Eu creio, portanto, que a Igreja tem essa infalibilidade porque Nosso Senhor Jesus Cristo o afirmou. Mas por que razão isso de tal maneira me enche a alma?

Infalibilidade da Igreja: fechadura que encerra todos os tesouros

A explicação está no histórico que acabo de fazer. Se um menino, de passos incertos, que mede as dimensões daquilo que todo o homem pode atingir, vê como suas dimensões atuais são menores e não sabe como chegar à plenitude delas, nem que rumo dar, em que lado procurar o ponto terminal das suas dimensões, não sabe o que fazer de si mesmo e encontra a solução na Igreja, ele se põe normalmente na posição de discipulado, de súdito. E fica encantado quando ele sabe que este mestre para o qual a sua alma se volta, este rei que ele deseja ter para lhe guiar os passos, é um homem na Terra: o Papa. Quer dizer, está tudo predisposto nele para receber com entusiasmo esta verdade.

Para mim, pessoalmente, o entusiasmo especial decorre do seguinte:

Imaginemos que a porta deste auditório estivesse murada, tal como as outras três paredes, nós estivéssemos de fora, e uma pessoa me dissesse: “Plinio, todo o espaço contido por essa cubagem está cheio de pedras preciosas, de barras de ouro e de prata, tudo o que há de mais maravilhoso. Pertence a seu Movimento, e vocês podem aplicar esse tesouro para o apostolado, as boas obras, a glória de Nossa Senhora, como entenderem, mas com uma condição: vocês têm que descobrir a fechadura. E vou dizer mais: isso não foi dado só a vocês, mas a milhões de homens. Quem descobrir a fechadura ficará com o tesouro, quem não a encontrar, não terá o tesouro”.

E vemos em torno de nós milhões de pessoas, as quais desistiram de procurar a fechadura. Moram perto do tesouro, dizem que são donos dele, mas caminham, comem, bebem, dormem, preocupam-se com outras coisas porque não têm mais a esperança séria de encontrar o tesouro.

Mais ainda, cada um diz ao outro: “Está vendo? Todos esses não encontraram a fechadura, não sou eu que vou achá-la”. E desses milhões de homens que morrem e se sucedem, quase ninguém procura a fechadura.

Em certo momento, um de nós encontra a fechadura, e — como todos os homens — tem na mão a chave por meio da qual aquela se abre. A questão é ter encontrado a fechadura, que é microscópica, minúscula…

Ora, para mim a fechadura, através da qual tudo se abre, é a infalibilidade da Igreja.

Não se pode ter inteira certeza sem a Fé Católica

Com quanta certeza eu falei do bom senso e do raciocínio! O valor de um e de outro sinto em mim, todos os outros sentem também. Mas percebo que todas essas certezas que possuo, eu não teria tido personalidade nem força para adquiri-las se não fosse a Fé.

Não é uma fé qualquer. A Santa Igreja Católica Apostólica Romana é única, e fora dela nenhuma outra merece o nome de Fé. Tendo a crença nessa infalibilidade, todos os tesouros se abrem para mim. Perdendo-a, as minhas certezas amolecem, meu bom senso se gelatiniza e eu não sou nada.

Como fica horrível um homem reconhecer que ele não é nada! Por isso, o indivíduo que não se apoia nessa infalibilidade começa a mentir para os outros, dizendo ser alguma coisa, mas ele sabe que não é nada. Então, de zero ele passou para um valor negativo: um saco de vaidade e de mentira. É uma pessoa que não tem certeza da própria certeza e titubeia: “Será que é? Será que não é?”

Um indivíduo assim, eu tenho vontade de pegar pela gola e dizer-lhe: “Você se diz católico? Você tem ou não certeza da Fé? Por que não conferiu seus dados com o Magistério da Igreja? Confira! Aí você terá certeza! Ande, ponha-se de pé — ou, muito melhor do que se pôr de pé, ponha-se de joelhos! Então você saberá o que precisa fazer, como deve pensar, encontrará o seu próprio rumo”.

Assim, torna-se claro que tudo me predispôs a um particular fervor, a um particular entusiasmo para com essa verdade, sem a qual eu não creria em nenhuma ordem humana, não creria em absolutamente nada.

Alguém dirá: “Mas o senhor então, no fundo, é um relativista”

Explico: de nenhum modo sou um relativista. Eu acabo de dizer que o homem, tomando os conhecimentos que ele tem pela Fé e conjugando-os com os que ele possui pela razão, pode, no inteiro respeito e no desenvolvimento do seu bom senso, ter um tesouro magnífico de certezas. Mas sem a graça de Deus ele não consegue isso. Ele pode ter certeza num ou noutro ponto, como um cientista que encontrou uma reação química consegue ter certezas, mas certezas fragmentárias. Pedaços de certeza não formam uma certeza, como cacos de vidros não constituem um vitral. A certeza é do conjunto das verdades que dizem respeito ao homem, a Deus e ao universo. Isto é certeza!

É em função disso que as certezas científicas e outras se encaixam, se ordenam. Mas não se pode ter inteira nem adequada certeza sem a santa Fé Católica, Apostólica, Romana.

A Fé alarga os horizontes, ordena o pensamento

É certo que a razão humana, sem recorrer à Revelação, encontra por si mesma muitas verdades que Deus também ensinou. Por exemplo, a unidade de Deus; o homem pode chegar a essa verdade pela razão. É certo que os Mandamentos da Lei de Deus o homem alcança por sua razão; a razão humana, sem recorrer à Revelação, chega a demonstrar que aqueles preceitos são verdadeiros.

Mas, sem a graça de Deus, o homem não seria capaz de permanecer muito tempo com uma noção límpida dos dez Mandamentos. Embora sua razão pudesse conhecê-los, ele não seria capaz de praticá-los duravelmente. Isso só é possível pela graça de Deus.

São Paulo diz que nós somos consortes da natureza divina; algo da própria vida de Deus vive em nós dessa maneira. Pela luz, pela força que nos vem da graça, a inteligência e a vontade podem crer, conhecer e praticar respectivamente o que devem. Com a graça, a inteligência se engrandece e passa a conhecer verdades que o homem jamais conheceria, nem mesmo antes do pecado original, se não fosse a Revelação.

A fonte da graça é a Igreja Católica, e a cúpula da Igreja Católica é o Papa, a infalibilidade papal. Aqui temos a ordenação, o calor de alma com que nós, católicos, devemos viver.

Drama pelo qual passam todos os homens

Não quereria terminar a reunião sem mencionar, neste histórico, algo ao qual já me referi, de passagem, anteriormente.

Para lhes tornar claro o assunto relativo à Fé e à Igreja, fiz quase uma espécie de narração biográfica do que eu poderia chamar a minha instalação dentro da Igreja. E julgaria andar mal se encerrasse sem dizer uma palavra sobre Nossa Senhora.

Um drama de todos os homens, e que eu senti de um modo pungente — todos sentimos, a todo momento, de modo pungente —, é o seguinte: a desproporção e a fraqueza do homem diante da própria vida, do dever e do problema da verdade. Como eu me sentia pequeno, insuficiente, mole, preguiçoso!

Aliás, o interesse do que estou expondo não consiste em terem sido fornecidos dados de minha biografia, mas em que essas realidades, de um modo ou de outro, são vividas por todo mundo.

Quem não exaltou, em que língua não foram glorificadas as alegrias da inocência? Toda criança, máxime a batizada, as tem.

Lembro-me dessas alegrias, que às vezes ocorriam nas minhas horas de reflexão, antes das sestas que, na minha primeira infância, eu era obrigado a fazer todos os dias.

Evidentemente eu levava algum tempo para dormir, ficava pensando e, muitas vezes, dizia para mim mesmo: “Tudo isto é tão bom! Mas como é enorme!” Quando eu olhava na outra ponta da vida minha avó — que devia ter naquele tempo uns 60 anos —, pensava: “Idosa como ela está… eu tenho que chegar até lá. Quanto tempo para viver!”

Quando eu encontrava velhos na rua, pensava: “Tenho que percorrer o caminho que chega até lá? Ah, não tenho fôlego para isso! Como vou viver tudo isso? Que esforço! Que coisa enorme!”

Depois, veio a obrigação de cumprir o dever, estudar. E quando começou a batalha pelos Mandamentos, que dificuldade, que coisa penosa! E quantas e quantas vezes refleti: “Eu não conseguirei, porque isso importa em um sofrimento para mim, que não quero suportar. E não quero por moleza, porque como sou mole, não gosto de fazer esforço. Eu sofro com o esforço e não quero, portanto, fazê-lo. Sei que tenho culpa, mas é assim”.

De outro lado, eu pensava: “Não devo omitir-me. Mas como?” Impasse sem solução.

Nossa Senhora se debruça sobre o fraco, dizendo: ”Meu filho”

Entendi bem qual era o elo indispensável para todas as soluções, a chave de tudo, quando, diante da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, na Igreja do Coração de Jesus, atentei melhor para o que queria dizer “Salve Rainha, Mãe de misericórdia”, etc., e comecei a ter devoção a Nossa Senhora. Aí compreendi a misericórdia d’Ela para quem não merece.

Eu tinha ideia de que Ela amaria somente quem merecesse. E a falência de quem não tivesse méritos seria irremediável, pois Maria Santíssima não o quereria, os Anjos lhe voltariam as costas, Deus estaria encolerizado com ele. De outro lado, eu também não queria me esforçar. Parecia-me, portanto, não haver solução.

Mas depois comecei a entender que Nossa Senhora ama a quem não merece, protege o ingrato, tem pena de quem não vale dois caracóis e deveria ser castigado, se debruça e diz: “Meu filho.” Ela sorri, estimula, perdoa, arranja um jeito industrioso e cheio de bondade para dissimular que não viu tal coisa, esquece tal outra, e sempre, sempre ajuda de novo, põe a pessoa de pé e lhe dá outro ânimo.

Cada um de nós passa a vida inteira aprendendo isso e só entende mesmo no momento em que morre. É no Céu que compreende porque vê, e então pode amar inteiramente.

Sem isto, como o jovem da magnífica metáfora contada no início da reunião(1), eu teria visto a montanha, tido o entusiasmo pelo castelo, mas depois menearia a cabeça e diria: “Não! Eu nasci para a planície”. Mas saberia estar mentindo, porque eu teria descido pelo resvaladouro abaixo.

Tenho a alegria de vos falar a respeito do castelo, ao cabo de 72 anos de vida, em que procurei não propriamente me aproximar — se o castelo é a Santa Igreja, graças a Nossa Senhora estamos todos dentro dela —, mas penetrar dentro do castelo e tê-lo na minha alma o quanto possível. E se recebi essa graça é porque, no mais alto dos Céus, a Mãe de Misericórdia — vida, doçura, esperança nossa — teve pena de mim.

E se os participantes desta reunião estão aqui, não é por outra razão.

Correndo o olhar sobre o auditório, eu que gosto de observar as personalidades, vendo um ou outro, às vezes me aflora a ideia: “Como há de ter sido este, antes de pertencer ao nosso Movimento?” E percebo todo o ziguezague havido antes, e me dou conta do que a Mãe de Misericórdia dispôs, pediu. E quanto Ela chorou por nós ao pé da Cruz, quanto suas lágrimas se uniram ao Sangue redentor de Nosso Senhor Jesus Cristo para alcançar a nossa salvação!

Assim, há toda razão para encerrarmos a reunião rezando a Salve Regina. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  de 17/10/1981)
Revista Dr Plinio 185 (Agosto de 2013)

 

 

1) Cf. Revista “Dr. Plinio”, n. 183, p. 10.

 

Hediondez do pecado e beleza da confissão – II

Com seu dolorosíssimo padecimento na Cruz, Jesus Cristo pagou o preço de nossos pecados e nos reabriu as portas do Céu. Infelizmente, porém, o homem continua a ofendê-Lo, a cada vez que transgride os mandamentos divinos. E a cada vez, o infinito perdão de Nosso Senhor se oferece àquele que, com firme propósito de emenda, procura a assistência de um confessor.
Acompanhemos a conclusão das considerações de Dr. Plinio sobre o Sacramento da Reconciliação, dirigidas a um auditório de jovens ouvintes.

 

A  metáfora das esculturas de moços que adquirem vida insuflada por Deus, e modelam ou deformam sua fisionomia moral conforme pratiquem a virtude ou se entreguem ao vício, ajuda-nos a compreender como o pecado ofende o Senhor. Este, desde toda a eternidade, pensou em nos criar com as maravilhas que depositou em cada um de nós. Não há homem que não seja uma obra-prima d’Ele. O mais coxo e estropiado, o mais desagradável de trato, possui um lado de alma por onde foi chamado a ter determinada perfeição moral como nenhum outro teve nem terá.

Cada homem representa mais para seu genitor do que a escultura para o artífice. O pai ama mais o filho do que o escultor a escultura. Ora, criar é superior a gerar. Assim, Deus ama mais a criatura do que o pai ama o filho, ou o artista a sua realização em pedra. Com sua visão simultânea do passado, presente e futuro, Deus acompanha os passos de todos e cada indivíduo. E não apenas os nossos movimentos externos, nossas atitudes e gestos, mas, sobretudo, o que vai em nossa alma, a todo instante. Conhece o que pensamos, queremos, sentimos, seja em relação ao bem, seja quanto ao mal. Com sua onipresença augusta, vê cada criatura como se só esta existisse.

Nosso Senhor sofreu em vista dos nossos pecados

Como consideramos naquela metáfora, o escultor se aflige com a “escultura” que decai. O mesmo, entretanto, não se pode dizer de Deus com relação ao filho que peca. O Padre Eterno, causa de sua própria felicidade, possui no Céu o gáudio completo e imperturbável que nenhuma ofensa ou acontecimento contrário aos seus desígnios, neste mundo, é capaz de incomodar. Deus não sofre.

Podemos, contudo, dizê-lo no tocante ao Homem-Deus, unido hipostaticamente à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, encarnado no seio puríssimo de Maria Virgem, para redimir o gênero humano. Do alto da Cruz, Jesus Cristo discerniu todos os nossos atos de virtude, tendo-se dado por bem pago. E também todos os nossos pecados, sofrendo por causa deles, com gemidos e estertores, a ponto de exclamar: Meu Pai, meu Pai, por que me abandonastes? (Mt 27, 46), e, por fim, bradar: Tudo está consumado (Jo 19, 30).

Nosso Senhor padeceu com a intenção de nos salvar, acompanhando com sua presciência divina o que haveríamos de fazer. Conforme as explicações de alguns estudiosos da Paixão, do ponto de vista médico, Jesus, como todos os condenados à crucifixão, estava com os braços estendidos e os pés sobre um pequeno apoio, tal como aparece nas imagens do Crucificado. Permanecendo muito tempo nessa posição, a pessoa começa a sentir falta de ar. Para respirar melhor, é obrigada a se levantar ou abaixar um pouco. Ora, cada vez que o Redentor fazia esses movimentos — e à medida que o ar diminuía, eram eles mais freqüentes e intensos — os pregos cravados nos sagrados pés e mãos rasgavam mais os seus músculos. De maneira que Ele fugia de uma aflição para uma dor, e de uma dor para uma aflição.

Todo esse martírio, Nosso Senhor deu por bem empregado, por amor às suas “esculturas”. Como Lhe seria fácil ordenar às legiões de anjos do seu Pai que viessem libertá-Lo daquela situação, fazendo-O descer de modo triunfante do patíbulo ao qual fora condenado! Em seguida, caminharia serenamente em direção à casa de Anás e Caifás, ao pretório de Pilatos, com tanta suavidade que seus algozes ficariam estarrecidos de pavor. Que vitória magnífica!

Porém, quis padecer aquele tormento até o fim, transpor os umbrais da morte e nos abrir as portas do Céu. Tudo para salvar cada um dos homens. Esta é a realidade.

Nobreza e elevação do arrependimento

Devemos ter presente esse sacrifício inaudito que custou nossa salvação, quando fizermos o exame de consciência e trazermos a lume os pecados que cometemos. “Que fiz eu? Infligi outros tantos tormentos Àquele que tanto me amou! Desfigurei minha alma com as faltas cometidas. Fui relapso, mole, não evitei as ocasiões de pecado, cedi às tentações, ofendi a Nosso Senhor. Não combati como deveria os meus defeitos, e estes me dominaram. Ora, o Criador me concedeu tantos dons! Depois que fui batizado, e até certo tempo de minha infância, era uma pessoa inocente. Anjos esvoaçavam em torno de mim, cantando a nova maravilha que Deus havia criado. Ou seja, eu mesmo. E agora penso em que estado se encontra minha alma! Meu Deus, pequei!”

Essa atitude caracteriza o verdadeiro arrependimento. Como a contrição é nobre, razoável, elevada! Diante de alguém assim contrito, tem-se o desejo de ajoelhar ao seu lado e pensar: “Como eu quereria que essa lepra do pecado fosse curada em sua alma. Mãe de Deus, Maria Santíssima, Vós podeis tudo com vossas súplicas irresistíveis; sois a Co-redentora do gênero humano; por vosso intermédio, recorro a Deus. Salvai este meu irmão. Arrancai-o de tal pecado e de tal vício. Estou disposto a sofrer por ele, conquanto que melhore”.

Quão belo é ver alguém que, estando num triste estado de culpa, faz seu exame de consciência para em seguida se confessar! Que maravilha há nessa atitude de alma!

Porém, às vezes o espírito humano é tão miserável que todas essas considerações não lhe bastam. Ele não se arrepende. Pensa: “O pecado é tão agradável, que voltarei a cometê-lo”. Entretanto, sem que perceba, conserva no fundo do coração um resto de amor a Deus. Um anjo sussurra-lhe ao ouvido palavras de temor, recebe uma graça e cogita: “Que louco sou eu! Transformei-me num trapo moral. Se não me arrepender e continuar a pecar, e morrer nessa situação, serei condenado ao inferno por toda a eternidade. Oh! horror! Expulso da presença de Deus para todo o sempre, porque não O amei como devia. E a qualquer momento posso morrer… Com o auxílio da graça e a proteção de Nossa Senhora, não pecarei mais!”

A necessidade do firme propósito

Além do arrependimento, é necessário o firme propósito de nunca mais ofender a Deus. A palavra “nunca” merece ser analisada com profundidade. A pessoa tem de pensar no que lhe cumpre renunciar para não voltar a cair. E estabelecer um programa de emenda que a possibilite permanecer na prática da virtude.

Digamos, por exemplo, que ela seja obrigada a fazer determinado percurso, todos os dias, para ir ao trabalho, ao colégio, etc. No caminho há uma banca de jornal onde, além dos periódicos, estão também expostas revistas imorais que constituem para ela ocasião próxima de pecado.

Ou a pessoa se sente fortalecida pela graça e nunca mais deitará olhares para a banca, ou tem de tomar a deliberação de mudar seu trajeto, para evitar de uma vez por todas aquela perigosa proximidade com o pecado: “Andarei pelo outro lado, embora seja um caminho mais longo. Sirva para me humilhar e formar minha vontade na linha do bem”.

Importa, pois, estudar o que se deve fazer para não cair novamente.

Outro exemplo: as más companhias. O pecador arrependido deve pensar: “Tal indivíduo tem sobre mim uma péssima influência e me conduz ao pecado. Se ele portasse uma doença contagiosa, eu o evitaria? Provavelmente. Ora, com seus defeitos e maldades conscientes, ele transmite a pior das doenças, que é a falta grave contra Deus, e não vou evitá-Lo? Onde está meu firme propósito de emenda?”

Como é igualmente belo ver uma pessoa que pesa essas circunstâncias e sente no seu interior a força, inspirada pela graça, de dizer: “Não mais cometerei pecado”, e cumpre seu propósito!

O reerguimento após anos de quedas

Por vezes a pessoa não tem essa força, mas deseja seriamente não cair, e sabe que, na hora da tentação, pelos rogos de Nossa Senhora, obterá a graça de resistir. Diz à Santíssima Virgem: “Vede que mulambo sou eu. Sinto-me fraco, nem sinto desejo de que me concedais o vigor de alma necessário para vencer a tentação. Porém, rezarei tudo quanto possa e farei algum esforço, minha Mãe, para caminhar em direção a Vós. No momento, estou disposto a não cometer pecado. Estarei assim amanhã? Ah, minha Mãe…! Não sei. Mas desejo querer. Tende pena de mim e obtende-me o perdão”.

Após essa prece, ela recebe um graça e persevera no bom caminho.

Há casos de pessoas que caem inúmeras vezes no pecado e, por fim, se reerguem definitivamente. Já comentamos em outras ocasiões o fato tocante narrado por Louis Veuillot — célebre escritor católico francês do século XIX — em seu livro Perfume de Roma. Conta ele que, durante sua visita à Cidade Eterna, estando junto aos muros de uma velha igreja, reparou numa pedra na qual se distinguiam certas inscrições. Leu-as, anotou-as e as publicou: “Ano tanto, tal data: perdão, meu Deus, pequei! Confessei-me no dia tal. Dia tanto: perdão, meu Deus. Pequei e mais gravemente. Confessei-me…”

Em síntese, tratava-se de um diário de quedas e ascensões sucessivas, ao longo de anos. Aos poucos aquela alma ia melhorando, adquirindo novas energias morais, e subiu lentamente a imensa montanha da vida espiritual. Em certo momento, recebeu uma graça insigne, emendou-se de modo completo, e escreveu na pedra: “Aleluia! Magnificat! Neste ano, não pequei mais!”

Impressionado, Louis Veuillot comenta que, se essa pedra estivesse salpicada com sangue de mártires vertido no Coliseu, ele não a veneraria mais do que como então se apresentava a ele, “tingida” do sangue de uma alma contrita e humilhada.

Como isso é verdade!  E esse sangue, nós o podemos verter pela prática assídua da confissão, seguida da Comunhão.

A paz restabelecida entre Criador e criatura

Após o exame de consciência, contrita, detestando cada um dos seus pecados, a pessoa diz para si mesma: “Não tive vergonha de cometê-los, não devo ter vergonha de declará-los ao sacerdote. Vou contá-los para me humilhar”.

Dirige-se ao confessionário, ajoelha-se e afirma: “Padre, andei mal! Fiz tais coisas, com tais agravantes. Perdoai-me!”

Esta é a hora verdadeiramente celeste. O ministro de Deus ergue sua mão e traça o sinal da salvação, dizendo: “Eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.

Então sucede algo que escultor algum poderia dar a uma estátua viva: a graça para não pecar mais. O pecador se inclinara diante do padre como um miserável verme, uma larva que se arrasta na terra e, de repente, torna-se borboleta e começa a voar! É a indizível beleza da alma que se ajoelha desfigurada pelo pecado e se ergue limpa e justificada. Aceitando a penitência imposta pelo sacerdote, recebe a absolvição.

Uma vez mais, estão seladas as pazes entre o pecador e Deus, entre o Criador e a criatura.

Plinio Corrêa de Oliveira

Admiração transformante

A experiência da vida nos confirma o princípio segundo o qual aquilo que admiramos penetra em nossa alma e nos transforma. Exemplo arquetípico dessa verdade encontramos em Nosso Senhor.

Percorramos as páginas do Evangelho sob este ângulo e veremos como Ele, durante todo o tempo de sua passagem pelo mundo, procurou despertar admiração. O povo que O ouvia não cabia em si de tanto admirá-Lo. E como se tal não bastasse, o Divino Mestre ainda se transfigurou no Tabor. Para quê? Para transformá-los, para obter o amor daquela gente, pois o autêntico amor começa pela admiração.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 30/9/1969)

Teoria do Amor à Cruz

O mundano, conforme seu feitio e o ambiente em que foi formado, admira quem é cheio de honras, dinheiro e conforto. O verdadeiro católico, dotado de sabedoria, desapegado de seus bens e que os utiliza por amor a Deus, possui uma dignidade, um decoro, uma distinção, uma compostura, que são o brilho da Cruz de Cristo.

 

São Luís Maria Grignion de Montfort(1) apresenta o seguinte elemento para praticarmos perfeitamente o amor à Cruz:

“Renuncie a si mesmo!”

Longe dos Amigos da Cruz os orgulhosos e os sensuais!

Se, pois, alguém quiser vir após Mim, assim aniquilado e crucificado, que só se glorifique, como Eu, na pobreza, nas humilhações e nas dores de minha Cruz! “Abneget semetipsum”, renuncie a si mesmo! Longe da Companhia dos Amigos da Cruz os sofredores orgulhosos, os sábios do século, os grandes gênios e os espíritos fortes, que são teimosos e convencidos de suas luzes e talentos! Longe daqui os grandes tagarelas, que fazem muito ruído e colhem apenas o fruto da vaidade! Longe daqui os devotos orgulhosos e que levam para toda parte o “quanto a mim” do orgulhoso Lúcifer, “non sum sicut ceteri” (Lc 18, 2), que não podem suportar que os censurem sem desculpar-se, que os ataquem sem defender-se, que os rebaixem sem exaltar-se!

Tende bem cuidado para não admitir em vossa companhia os delicados e sensuais, que temem a menor picadela, que se queixam da mínima dor, que nunca provaram a crina, o cilício, a disciplina e, entre as suas devoções em moda, misturam a mais disfarçada e refinada delicadeza e falta de mortificação.

Mudança completa de mentalidade

Há aqui umas pequenas observações a fazer. Em primeiro lugar, essa ideia claríssima, de Nosso Senhor:

“Se, pois, alguém quiser vir após Mim, assim aniquilado e crucificado, que só se glorifique, como Eu, na pobreza, nas humilhações e nas dores de minha Cruz!”

Essas são palavras já tão conhecidas e referidas, com tanta superficialidade e banalidade de espírito, por pregadores de segunda classe, que elas tomam aspecto de chavões. Ora, Nosso Senhor não poderia ter dito chavões. E não é possível que o Espírito Santo tenha inspirado chavões. De maneira que, chavões não podem ser. Existe uma pátina de trivialidade por cima dessas coisas, que não se pode confundir com a substância delas, porque do contrário seria admitir que Nosso Senhor diria banalidades, o que é o absurdo dos absurdos.

Como nós podemos atender esse conselho de Nosso Senhor?  Tal conselho de algum modo toca o preceito e até o âmago do preceito: “Se alguém quiser vir após Mim, renuncie a si mesmo…”; e deve ser aniquilado e crucificado, de tal maneira que só se glorifique na pobreza, nas humilhações e nas dores.

Em primeiro lugar, isso supõe uma espécie de metanoia, uma mudança completa de mentalidade. Porque o homem, pelas forças, pelas tendências de sua natureza, admira o contrário dessas coisas. Ele tem admiração pelo sucesso, pela riqueza, pelas glórias, pelo bem-estar. E quando ele vê uma pessoa nos píncaros da fortuna e das honrarias, gozando do sumo bem-estar, é levado a querer admirá-la. Pelo contrário, quando um indivíduo não tem isto, ele tende a não admirá-lo.

Honras, dinheiro e conforto

É por causa disso que os amigos do mundo procuram cercar de glória, de dinheiro, de bem-estar os homens que eles querem prestigiar; e buscam evitar o acesso a essas coisas às pessoas cujo prestígio desejam evitar. Porque eles sabem que uma grande glória, uma grande fortuna, a ostentação de um bem-estar mais nítido, são tribunas do alto das quais um homem afirma a sua superioridade perante os outros, e se transforma num doutor deles; o que ele diz, os outros acreditam facilmente, ele se torna um símbolo e um guia para os outros. Quer dizer, ele representa a própria plenitude da humanidade. Doutor, símbolo e guia são as três formas pelas quais um homem pode arrastar a opinião pública atrás de si.

Alguém me dirá: “Mas Dr. Plinio, isso é igualmente sabido”.

Eu afirmo: “É verdade, porém não é tão lembrado”. Além disso, é preciso dizer o seguinte: devo retificar em mim esse modo de pensar, e aí está o aspecto metanoia. Quer dizer, preciso agir internamente em mim mesmo, pedir a Nossa Senhora que me dê a graça de ser de tal maneira, que essas coisas não contribuam para que eu tome alguém como meu mestre ou doutor, meu símbolo e meu guia. Mas que eu seja capaz de compreender que isso não são credenciais para ninguém, debaixo de nenhum ponto de vista, e devo tomar outros critérios para julgar os homens.

Por exemplo, o mundanismo não é senão isso. Toda forma de mundanismo acaba tendo esses sintomas. A pessoa que é mundana, conforme seu feitio e o ambiente em que foi formada, admira o homem cheio de honras, ou de dinheiro, ou de conforto.

Erva daninha em nosso espírito

Eu lhes garanto o seguinte: se fizermos um exame de consciência cuidadoso, corremos o risco — não digo uma certeza, mas um risco sério — de encontrar resquícios disso dentro de nós. Quer dizer, há pessoas que admiramos e exercem império, se não sobre a nossa razão, pelo menos sobre as nossas vivências, porque elas têm algum desses três títulos. E isso de tal maneira nos fascina, que não somos capazes de abalá-lo, de derrubá-lo. Mais ainda, quando desejamos nos credenciar à consideração dos outros, em vez de procurarmos brilhar pelo esplendor da Cruz, intentamos dar-lhes ideia, ou de que somos ricos, ou cercados de muitas honras, ou de que temos um bem-estar esplêndido.

De maneira que há uma verdadeira necessidade de meditarmos a respeito disso, para evitar o desenvolvimento de uma erva má, que a todo o momento está renascendo no espírito de todos nós, ou de quase todos nós; corta-se e renasce, corta-se e renasce.

Por exemplo, conversas mundanas, tratando sobre pessoas que têm qualquer evidência na classe à qual pertencemos. No fundo, tais conversas são sempre seguidas de um preito de admiração à pessoa de quem se fala, por causa desses títulos. Daí vem o efeito debilitante do mundanismo sobre nós. Porque, admirando essa gente, imediatamente em nosso espírito forma-se uma posição falsa a respeito de nós mesmos. Começamos a nos sentir pouca coisa, inibidos, a duvidar do alcance dos grandes lances que nós jogamos. Por quê? Porque não temos dinheiro, honras, em quantidade suficiente para deslumbrar os outros. Possuímos o suficiente para aparecer com dignidade, com decoro, se quiserem, mas para deslumbrar não. Temos o nosso bem-estar nessas proporções. E muitas formas de insegurança em nós resultam da pujança dessa erva daninha no nosso espírito.

Dignidade, desapego e amor de Deus

Se os que estão neste auditório dessem orientação espiritual, compreenderiam melhor o mal que pode fazer a uma alma, numa hora errada, a evocação de um mundano. Aquilo entra como uma picada de uma mosca venenosa e pode estragar um dia, exatamente por causa do mundanismo.

Alguém poderia dizer: “Dr. Plinio, o senhor está preconizando que nós não procuremos nos vestir bem, ter um decoro, uma compostura! E que sejamos uns trapos, ao contrário do que o senhor toda a vida ensinou! Porque se é para ostentar só a Cruz de Jesus Cristo, não se pode fazer brilhar as outras coisas que a pessoa tem”.

O princípio se transmuda da seguinte maneira: como faço brilhar a Cruz de Cristo em mim?

Há uma expressão fisionômica do verdadeiro católico que lhe dá compostura, dignidade e beleza. É um quê pessoal indefinido, o qual resulta da intimidade ou da compenetração da alma com os mais altos princípios da doutrina católica. As expressões mais elevadas do pensamento se tornam para ela como que naturais. A posse da virtude da sabedoria, incluindo em si todas as outras virtudes adequadas, adaptadas ao próprio temperamento; com aquele senso da dignidade sobrenatural do que a pessoa é de fato; com o desapego das coisas no que diz respeito à vaidade, e com aquele puro amor, desejando que essas coisas brilhem, porque são dons de Deus, e para que agradem ao Criador, mas desinteressado em que façam pôr em relevo a miserável pessoinha de cada um de nós; quando isso entra numa alma dá-lhe uma dignidade, uma honestidade, um decoro, uma distinção, uma compostura que é o brilho da Cruz de Cristo.

A Cruz de Cristo é o conjunto de sofrimentos necessários para adquirir a sabedoria. É o conjunto de renúncias, de asceses, de aplicações contínuas e, portanto, muitas vezes esses sofrimentos são sentidos nos pontos fundamentais, com os devidos equilíbrios, contrafortes, as devidas hierarquias; a alma pena para ter amor à Cruz de Cristo. E o esplendor da Cruz de Cristo é uma certa nota de desapego, que vem junto com todos esses dons, e é condição para que esses dons se tornem suscetíveis de serem amados por outros.

Quando uma pessoa tem uma superioridade qualquer, é difícil fazer com que os outros aceitem a própria inferioridade. Mas o modo pelo qual isso ainda é possível, com o auxílio da graça, consiste em fazer com que os outros notem o desapego. Mas se notam uma satisfação vibrante, apegada àqueles dons, e o olhar oblíquo para ver se outros estão admirando ou não, e uma efervescência se não for admirado, os outros notam o apego. Apego gera apego, e nada torna um inferior tão apegado quanto o apego do superior.

Prestígio verdadeiro e sacrossanto

Então, a posse de todas as qualidades de uma determinada alma — que a graça ou a natureza lhe concedeu —, consideradas pelo aspecto sapiencial, nas proporções sapienciais, com renúncia a qualquer coisa contrária e sendo a posse desapegada, isto dá à alma algo que é fator de prestígio verdadeiro e sacrossanto, incomparavelmente maior do que o prestígio de ter automóvel ou qualquer outra coisa.

Esse autêntico prestígio vale mais do que o da Ciência. Há um mundanismo dos homens livrescos e outro dos fúteis. E, no fundo, um é tão fútil quanto o outro; apenas o segundo é um mundanismo mais deslumbrado e ensebado.

Há uma espécie de honestidade, de dignidade, de grandeza de alma, em comparação com o qual tudo mais é resto.

Senso aristocrático e sabedoria

Alguém me dirá: “Dr. Plinio, o senhor parece fazer uma exclusiva glorificação da virtude. A glória do homem é a virtude e nada mais. Ora, isso está em contradição com o hábito que o senhor tem de realçar muito os valores aristocráticos”.

Não é verdade. O que é aristocracia? O senso aristocrático é o aspecto da sabedoria pelo qual o homem sábio nota o que é mais excelente e o que é menos excelente. E dá às coisas com que ele trata um valor que está de acordo com as hierarquias delas. E, quanto a si mesmo, se mostra compenetrado do valor que lhe toca nessas hierarquias, tudo por amor de Deus. De maneira que nada pode produzir um senso aristocrático tão “raffiné”, tão requintado, quanto a verdadeira sabedoria.

O espírito hierárquico não é senão um amor sapiencial à desigualdade, que leva o homem a ter um amor próprio — não de quem está pensando em si mesmo —, mas um amor adequado ao seu próprio grau, tanto quanto ao grau dos outros. E a respeitar cada coisa, não porque é sua, mas por amor de Deus.

Vê-se em muitas pessoas que têm, por exemplo, qualquer grau aristocrático, se entra o amor de Deus ou o amor de si mesmo pelo meio, e a vivacidade com que se interessam pela instituição nobiliárquica, quando não diz respeito a elas.

Então o amor à Cruz não é em nenhuma hipótese o “débraillé”, o desarranjado, o esmolambado, nem o sentimental. Mas é qualquer coisa que prepondera sobre isto.

Segurança e insegurança

Quanto às seguranças e inseguranças, isso dá no seguinte: quem tem esse espírito condenado por São Luís Grignion de Montfort, ou que pelo menos possui “vegetações” subconscientes desse espírito, no conflito ou no contraste entre as duas formas de esplendor — a da Cruz e a do mundo —, chega a sentir-se inseguro. Quem ama verdadeiramente essa hierarquia de valores compreende a força dela e que essa insegurança não tem razão de ser. Pode-se ir para a frente, e aguentar o confronto com toda a firmeza, porque em si a superioridade da Cruz é simplesmente incomparável.

Se nós tivéssemos sempre a compenetração disso, como a nossa vida se tornaria mais fácil! E como todas as nossas atividades se tornariam mais compreensíveis! Por exemplo, um dos segredos de nosso apostolado, do nosso modo de nos apresentarmos em público, consiste em realçar isso. Aqui está a nossa grandeza.

Pôr em ordem a consciência

Alguém perguntaria: “Mas então o senhor considera que o dinheiro, o traje e outras coisas são inúteis para a apresentação?”

Eu não disse que essas coisas são inúteis. Afirmo que elas são de uma utilidade real, mas secundária, para serem assumidas por essa superioridade de espírito e representá-la. Elas existem para sublinhar o prestígio da virtude junto às pessoas com menos profundidade de vistas. Elas representam, em relação ao esplendor da Cruz, o papel do pedal do piano em relação à nota musical, aumentando sua sonoridade. E, como a força do mundo está continuamente procurando acalcar o pedal que diminui a sonoridade, é normal que se acalque o pedal oposto. Mas não é indispensável e nem o principal.

Que vantagem há em explicar isso? Os que se encontram nesta sala não apreenderam nada de novo pelo que eu disse. Mas se lembraram de alguns princípios úteis, tiveram ocasião de se embevecer e de amar mais uma vez a doutrina católica diante de uma reexposição de tudo quanto ela tem de bonito, e sobretudo puderam pôr em ordem a sua consciência, em face a alguns desses chavões, que sempre constituem umas pedrinhas nos sapatos da pessoa.

Aí está uma pequena teoria do amor à Cruz, num comentário muito livre desse texto de São Luís Maria Grignion de Montfort.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  de 29/7/1967)

 

1) Carta-Circular aos Amigos da Cruz, n. 17.