Bendita Mãe de Deus

“Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus” — dizemos a Nossa Senhora quando recitamos a Ave-maria, depois de A exaltarmos como bendita entre todas as mulheres.

Ela, excelência do gênero feminino, transmitiu essa maravilhosa primazia ao Esperado das Nações, o Messias, o Redentor do mundo.

A Escritura nos apresenta grandes heroínas da fé e da virtude, virgens e mães santas, cujo elogio os autores sagrados se comprazem em cantar. Porém, nenhuma outra mereceu o incomparável louvor que o Anjo trouxe do Céu para manifestá-lo a Maria Santíssima. Ela é o pináculo das mulheres, o píncaro das mães.

Entre todas Bendita, deu-nos o Bendito entre todos.

Mãe de Deus e nossa Mãe

Deus, estabelecendo a união hipostática com a natureza humana, dignificou toda a Criação. Ele quis que essa união se operasse no seio virginal de Maria Santíssima, Aquela que supera todas as meras criaturas.

A importância da Maternidade Divina de Nossa Senhora para a piedade católica está em que todas as graças extraordinárias pela Virgem Maria recebidas — que fizeram d’Ela uma criatura única em todo o universo e na economia da salvação — têm como título e ponto de partida o fato de Maria ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O espírito contrarrevolucionário ama o matiz

Podemos ver como na obra de Deus estabeleceu-se uma espécie de hierarquia, e como todas as coisas da Providência são matizadas.

O espírito revolucionário é a favor das simplificações. O espírito contrarrevolucionário, pelo contrário, ama o matiz. E quando vê algo antitético, difícil de entender, ama aquilo porque sabe que naquela aparente antítese há, no fundo, uma verdade muito bonita que se vai acabar por compreender.

Desde pequeno, eu tinha surpresas quando via certas coisas na Igreja que me deixavam confuso. Mas depois aprofundava a observação e percebia que, quanto mais esquisito era o que eu via, tanto mais bonita era a explicação daquilo.

Habituei-me, então, à ideia de que toda objeção que se tente fazer à Igreja é como os pequenos furos que se encontram na areia da praia, dos quais saem umas borbulhas. Cava- se um deles e aparece um caramujo. Assim também na Igreja. Sabendo-se esperar e aprofundar, tudo quanto parece esquisito ou antitético e contraditório, que não se entende bem, em certo momento Nossa  Senhora nos faz compreender aquilo  e encontramos uma “pérola”, uma verdadeira maravilha. Isto é próprio da Igreja: numa coisa eriçada de contradições, encontra-se sempre algo de uma harmonia profunda que esconde uma verdade.

Para um espírito cartesiano, que afirmação pode parecer mais absurda do que “Mãe de Deus”? Uma pessoa que nunca teve aula de Doutrina Católica abismar-se-ia sabendo que a Igreja Católica ensina ser Deus eterno, puro espírito e, ao mesmo tempo, que tem Mãe. Mãe material, carnal, de um ente espiritual; Mãe temporal de um ente eterno.

Vê-se aí uma série de contradições. Tratando-se da Igreja, em tudo quanto se julga absurdo não há absurdo. Existe uma harmonia profunda e superior presa a um princípio extraordinário. A questão é esperar para compreender.

Essência da devoção mariana

Deus infinito, eterno, perfeito, cria os Anjos e, abaixo deles, os homens. Mas a Encarnação, a união hipostática, é estabelecida não com Anjos, mas com a natureza humana. Parece também uma  contradição,  pois a dignidade superior dos Anjos pediria que a união hipostática fosse feita com o mais alto dos coros angélicos.

Ora, Deus, estabelecendo a união hipostática com a natureza humana — portanto num grau menos elevado que o angélico —, opera maravilha maior do que se fizesse essa união com um Anjo, pois dignificaria apenas as criaturas espirituais.

Mas realizando-a com a natureza humana Ele dignifica os Anjos porque o homem, enquanto tendo alma e corpo, participa da dignidade espiritual dos Anjos; e enobrece ainda todo o reino material, pois o homem é também feito de matéria. Assim, todo o cosmos se dignifica muito mais com a aparente incongruência da união hipostática  feita com a natureza humana, do que se ela   fosse realizada com uma natureza angélica. Estabelece-se, desse modo, uma hierarquia admirável: acima de tudo Deus, infinito, incomparável a qualquer criatura; depois, a humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, em  Quem a condição de criatura é aceita em união hipostática com a natureza divina: Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Após Nosso Senhor Jesus Cristo há naturalmente um abismo.

Porém esse abismo é preenchido por Aquela que supera tudo quanto pode existir na mera Criação: Maria Santíssima, Mãe do Verbo encarnado. A Santíssima Virgem é o espelho mais perfeito que de Deus possa  ser uma mera criatura.

É a Rainha dos Anjos e dos homens, Rainha do Céu e da Terra, revestida de todas as outras qualidades e graças, de todos os outros títulos que Ela possui, inclusive o da mediação universal; tudo isso pelo fato de ser Ela Mãe de Deus. A Maternidade de Nossa Senhora, de algum modo, é a própria raiz, a própria essência da devoção mariana.

Espírito simplificador revolucionário

Há uns vinte anos, eu quis fundar  uma Congregação Mariana num bairro de São Paulo, e uma das pessoas por mim convidadas para fazer parte dela disse: “A congregação chamar-se-á Nossa  Senhora, Mãe de  Deus.”

Pareceu-me irrepreensível e perguntei- lhe: “Mas por que você escolheu esse título pouco usual?” Resposta: “Porque, afinal, em Nossa Senhora apenas importa o fato de ser Mãe de Deus. Todos os outros títulos dados a Ela não valem nada”.

Evidentemente havia nessa concepção um desequilíbrio. Seria o mesmo que dizer: na árvore só se deve considerar a raiz e o tronco; a galharia, as flores, os frutos não importam.

Entrava nisso a influência do espírito simplificador protestante, revolucionário que, sob o pretexto de ir às raízes, rejeita a galharia, afirmando que, uma vez aceita a doutrina, procura-se despojá-la de toda essa complexidade e variedade de títulos de invocação, para ficar só o tronco. O espírito católico é o oposto dessa mentalidade. Ele procura venerar imensamente esse título de Nossa
Senhora, respeitando-o como merece  ser respeitado, mas por isso mesmo sendo sequioso de tirar dele todas as suas consequências. Assim, volta-se para as mil invocações já existentes e para as novas que se  criarão até o fim do mundo, a fim de cultuar a Santíssima Virgem debaixo de mil aspectos, sempre decorrentes da Maternidade Divina.

Ainda sobre essa invocação podemos considerar um ponto muito importante. Nossa Senhora como Mãe de Deus é, a título especial, Mãe dos homens e, portanto, nossa Mãe. A mais preciosa graça que podemos receber, em matéria de devoção a Maria Santíssima, é a de Ela condescender em estabelecer, por laços inefáveis, com cada um de nós uma relação verdadeiramente materna. Isso se pode dar de mil maneiras diferentes.

Mas geralmente Nossa Senhora revela-se verdadeiramente nossa Mãe quando nos tira de algum apuro de um modo especial, que nos fica gravado indelevelmente, ou quando Ela nos perdoa alguma falta particularmente imperdoável, por uma dessas bondades que só é dado às mães terem. Jesus Cristo curava a lepra, de maneira a não ficar nada da doença.

Realmente, nada naquela falta merecia ser perdoado, nada ali tinha atenuante, tudo pedia somente a cólera de Deus; porém Ela como Mãe, com seu poder soberano, indulgente como só as mães conseguem ser, com um sorriso apaga tudo, elimina o passado que fica queimado e completamente esquecido.

Mais um sorriso, mais um perdão

Nossa Senhora concede às vezes essas graças de um modo tal que, na vida inteira, fica a alma marcada com fogo. É fogo do Céu, não da Terra e menos ainda do Inferno: a convicção de que podemos recorrer a Ela em circunstâncias mil vezes mais indefensáveis, e sempre Ela nos perdoará de novo, porque abriu para nós uma porta de misericórdia que ninguém fechará.

É propriamente do que a nossa família de almas vive. Um crédito de misericórdia aberto por Nossa Senhora, mas de misericórdia como poucas vezes terá havido. Não merecendo nós coisa alguma, Ela tem ainda para nós mais um sorriso, mais um perdão. “Porque eles eram fracos, Eu lhes abri uma porta que ninguém poderá fechar”, diz o Apocalipse (cf. Ap 3, 8). Muito legitimamente podemos ver aplicadas essas palavras ao Imaculado Coração de Maria e ao Coração Materno de Maria para conosco.

De maneira que, propriamente, quando se fala da graça especial do nosso Movimento, não se deveria entender como graça merecida por nós; isto é conversa fiada com C e F maiúsculos! Mas enquanto dada por Nossa Senhora e imerecida, eu não conheço verdade mais palpável, mais digna do nosso amor e de nossa gratidão. Para dar uma imagem criada, muito reles, que me vem agora ao espírito, nós estamos para Maria Santíssima como o Brasil para com os Estados Unidos: pagamos empréstimo, contraímos novo empréstimo em que andam incorporados os juros do empréstimo anterior; estamos  completamente entalados. Só que Ela nos trata como os Estados Unidos estão muito longe de nos tratar.

Se Nossa Senhora nos der a graça, ao cabo deste dia ou desta semana de ter no íntimo da alma um sentimento de confiança — não porque tenhamos razão de estar contentes conosco, mas porque sabemos como Ela é boa —, tenho a impressão de que o dia e a semana foram inteiramente pagos.

Existe um antigo adágio que diz: “Mais vale cair em graça do que ser engraçado”. Quando um potentado, um rei, por exemplo, acha graça em alguém, é melhor do que de fato alguém ter graça. Se o potentado achou graça,  todas as coisas passam como se fossem engraçadas. Porém, adianta ter graça quando o potentado não acha graça? Isso acontece conosco em relação a Nossa Rainha, Maria Santíssima: não temos graça, mas caímos em graça, o que deve ser para nós motivo de alegria e satisfação.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/10/1965)

Mãe de Deus e nossa!

Desde toda a eternidade, Maria foi eleita para gerar o Salvador. Em virtude dessa predestinação, foram-Lhe concedidos todos os demais dons e privilégios constitutivos do grande edifício de sua   santidade ímpar e insuperável por qualquer outra criatura humana ou angélica. “Deus Pai ajuntou todas as águas e denominou-as mar; reuniu todas as suas graças e chamou-as Maria”, afirma São Luís Grignion de Montfort. Entretanto, a própria plenitude de graça n’Ela existente, foi-Lhe conferida pelo Senhor em função de sua Divina Maternidade.

Até mesmo nesse pináculo de perfeição marial está presente o pressuposto cristocêntrico da ordem da criação. E estes eram princípios fundamentais da piedade de Dr. Plinio. Nada o comovia  tanto quanto a contemplação das excelsas relações entre Jesus e Maria, quer durante os nove meses de gestação, quer nos trinta anos de convívio na humilde casa de Nazaré. Dr. Plinio era  sensivelmente tocado por graças ao considerar aspectos da vida quotidiana entre Mãe e Filho, como longa preparação para as ações públicas do Salvador.

Nos seus escritos, conversas ou conferências, Dr. Plinio jamais deixava de se referir a Maria, e com facilidade estendia à maternidade espiritual os maravilhosos corolários de ser Ela a Mãe de  Deus: “Nossa Senhora é incomparavelmente melhor do que todas as mães da Terra. Ela nos ama e é muito mais nossa verdadeira Mãe do que aquela que nos trouxe ao mundo. Ora, sabemos até onde nossa mãe seria capaz de ir para nos proporcionar um benefício. Do que, então, será capaz Nossa Senhora?

“Se, pois, cada filho tem para com sua mãe terrena um carinho peculiar, devemos    cada um de nós amar Nossa Senhora de maneira inteiramente própria, especial e inconfundível. Ela, por sua vez, terá para conosco uma ternura particular, que pousará sobre cada um de nós, como se só nós existíssemos na face da Terra.” Imbuído desses sentimentos, uma das orações mais caras a Dr. Plinio era a “Salve Rainha”, na qual se invoca sobretudo a misericordiosa maternalidade de Maria, “vida, doçura e esperança nossa”.

Foi a “Salve Rainha”, aliás, rezada candidamente como “Salvai-me Rainha!”, que o livrou de uma provação infantil e imprimiu em sua alma, de modo indelével, a noção vivíssima de ser filho de Maria Santíssima.

Por isso mesmo, ainda muito jovem adquiriu o costume de dizer essa tocante prece, ao ouvir as badaladas que encerram um ano e abrem outro, na meia noite do 31 de dezembro (Cfr. “Dr. Plinio”  nº 34, seção Datas na vida de um cruzado).

Cumpre ressaltar que essa entranhada devoção a Maria, como Mãe de Deus e nossa, era na alma de Dr. Plinio um eco da mais pura doutrina católica, conforme nos ensina o Papa João Paulo II na Encíclica “Redemptoris Mater”: “A Tradição e o Concílio não hesitam em chamar a Maria ‘Mãe de Cristo e Mãe dos homens’: ela está, efetivamente, associada na descendência de Adão com todos os homens; (…) mais ainda, é verdadeiramente mãe dos membros [de Cristo], (…) porque cooperou com o seu amor para o nascimento dos fiéis na Igreja. Esta ‘nova maternidade de Maria’, portanto, gerada pela fé, é fruto do ‘novo’ amor, que n’Ela amadureceu definitivamente aos pés da Cruz, mediante a sua participação no amor redentor do Filho”. Nossa Revista — que alcança hoje sua 70ª edição — honra-se em ser, graças a Deus, testemunha de que Dr. Plinio não cessou de pregar o amor filial a Maria Santíssima como o melhor caminho para se chegar até as profundezas do Coração de Jesus.

Plinio Corrêa de Oliveira

Maternidade de Maria

A importância da maternidade divina de Nossa Senhora para a piedade católica, é que todas as graças extraordinárias que Ela recebeu e que fizeram d’Ela uma criatura única em todo o universo e na economia da salvação, têm como título e ponto de partida o fato de Maria ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, envolvida nesse fato, a afirmação da Igreja de que Ela é Mãe de Deus!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/11/1965)

Admiração e afeto da Virgem-Mãe

Ao contemplar o Menino Jesus, Nossa Senhora tinha por Ele um afeto cheio de admiração, primeiramente considerando-O como Deus, e secundariamente em sua fragilidade humana.

Ao meditarmos no relacionamento de Maria Santíssima com seu Divino Filho ainda criança, consideremos a adoração da criatura para com seu Deus e Criador e, ao mesmo tempo, o afeto d’Aquela Mãe celeste para com seu Filho único e incomparável.

Afeto que começa por atos de admiração

Sendo modelo de humildade, Nossa Senhora não se aproximaria do Menino-Deus antes de ter-Lhe manifestado todo o respeito e toda a admiração que Ele merecia. Por outro lado, Ela, que sabia Quem era enquanto mera criatura, ou seja, a chave de cúpula da Criação, entretanto não poderia deixar de se colocar nessa posição humilde diante do Salvador. Porque a mais alta das criaturas está tão infinitamente abaixo do Criador que pode falar a Nosso Senhor como se fosse a última delas. Por exemplo, se uma pessoa se julgasse mais próxima do Sol por medir dez centímetros a mais do que o comum dos homens, daríamos risada, porque é tal a distância entre a Terra e o Sol que se pergunta: o que são dez centímetros?

Assim Deus, sendo infinito, até mesmo a imensa distância que separa Nossa Senhora de todos nós é pequena diante daquela que A separa de Nosso Senhor. Portanto, é compreensível a série de atos de humildade que Ela poria na presença do Menino Jesus.

Não é uma humildade egocêntrica, e sim teocêntrica. Ela não começa apenas a dizer “Eu sou a última das criaturas”, mas, mais do que a sua condição limitada de criatura, Nossa Senhora tem em vista a grandeza infinita de Deus. Por isso, seus afetos começam por atos de admiração.

Há nisso uma ordenação lógica que merece um rápido comentário. Quando queremos muito bem a alguém, devemos começar por admirá-lo. Porque a admiração é o fundamento do amor verdadeiro. Amar por quê? Ter amor por outrem apenas como alguém que gosta de um bonequinho, isso é sentimentalismo. No caso concreto, a Santíssima Virgem tinha para amar Aquele que, enquanto homem, era a mais admirável de todas as criaturas, e enquanto Homem-Deus, hipostaticamente unido à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, estava infinitamente acima de tudo. A Santíssima Trindade, nem se têm palavras para admirar. Ora, se não há palavras para admirar, também não há palavras para exprimir suficientemente o amor, pois este é a defluência da admiração.

No frágil Menino, contemplar a infinita grandeza de Deus

Evidentemente, Maria Santíssima tinha razões para amar seu Filho recém-nascido muito acima do fato de Ele ser muito engraçadinho, bonitinho, etc. Isso tem seu papel legítimo também, mas não é o principal. Muita gente imagina que Nossa Senhora olhou o Menino Jesus e disse: “Que engraçadinho! Que bonequinho!” Absolutamente isso não estaria à altura da circunstância.

Ela conhecia, por revelação divina feita diretamente a Ela, que o Filho gerado n’Ela era a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. E o primeiro assombro é: “Tão fraquinho, tão pequenino, entretanto Deus, na sua infinita grandeza, e na sua admirabilidade incomensurável. Deus está aí!” O primeiro pensamento d’Ela vai para Deus no que Ele tem de grandioso, depois se volta para o Menino, medindo o espaço que vai de um a outro, a profundidade da união hipostática, e a glória que essa união faz defluir, a torrentes solares, sobre o Menino; para depois começar a analisá-Lo com afeto de mãe, e ver no olhar d’Ele o sol de Deus que se faz refletir. Entra, então, a ternura materna pelo Filho tão pequenino.

A admiração e o afeto são duas posições de alma correlatas

Contudo, a admiração não desaparece nessa hora, para deixar lugar ao puro afeto, porque na hora em que admiração morresse, o afeto morreria também; assim como na hora em que morresse o afeto, morreria a admiração.

A admiração e o afeto são duas posições de alma correlatas, a tal ponto que quando uma boa mãe tem um bebê, ela se enternece com a criança, mas deveria estar, ainda que no subconsciente dela, a seguinte ideia: “Que grandeza há no fato de uma criatura humana, chamada a levar uma vida de longa duração, a cumprir obrigações graves, como as da paternidade ou da maternidade, e, sobretudo, os deveres para com Deus, a ser boa filha ou bom filho da Igreja Católica, dominar as suas paixões, santificar-se, ir para o Céu por toda a eternidade! Este como que projeto de anjo que está aqui, que coisa extraordinária! E como eu fico enternecida vendo como uma coisa tão grande cabe em tão pouco.”

Ao considerar que aquele pequenino é seu filho, entra uma ternura muito grande, mas também uma grande admiração: “Que mistério admirável pelo qual eu, criatura humana, gerei outra criatura humana! Que coisa misteriosa e profunda! Nasceu de mim, foi alimentado por mim, formou-se no meu claustro, eu o liberei para a vida e aqui está tão pequenino, tão minúsculo, mas para ele existir realizou-se um imenso mistério.”

Depois este outro mistério: a hora exata, que não se sabe qual é, na qual Deus, como que Se debruçando sobre aquele embrião, “sopra” uma alma, e lhe dá algo que a mãe não gerou, que não veio do ato nupcial, mas criado diretamente por Deus. Que coisa magnífica!

Na ternura de uma mãe verdadeira, bem orientada para com seu filho, deve aparecer isto.

Toda essa série de mistérios que se formaram nela, ao qual ela deu origem, e que fizeram com que sobre a carne da carne e o sangue do sangue dela — esse “outro eu mesmo” — pairasse o Divino Espírito Santo, e criasse uma alma que não foi dada por ela, em que a obra de Deus se somou à obra dela para fazer uma coisa tão imensamente maior: infundir-lhe uma alma. Com a alma, os horizontes se abrem para aquela criança! Horizontes na Terra, horizontes de luta, de batalha, de abnegação, horizontes também de dias de alegria, de vitória, em que se tem a impressão de estar tocando o Céu com as mãos. Mas também horizontes de tristeza, de abatimento, de desfalecimento, em que se tem que pedir graças a Deus para se continuar.

Elucubrações de uma verdadeira mãe

Então, aparece outro aspecto do nascimento de uma simples criança. Segundo a Igreja, a vida de toda criatura é comparável a um herói que se prepara com exercícios para a luta, e, depois, na hora de entrar na arena, se prepara por fricções, óleos perfumados, etc., para que toda a musculatura esteja em condições para enfrentar as feras que vai combater, ou então outros gladiadores com os quais vai lutar. Pega as armas, o escudo, e com tudo em forma entra na arena. Quem olhasse para um herói desses na sala dos gladiadores, dos domadores de feras, e o visse sentado esperando o chamado, tranquilo, pronto, para uma imensa batalha, não poderia deixar de se admirar.

Ora, uma criança que entra no mundo é como esse herói. Ela está na entrada de uma imensa batalha. Seja uma menina ou um menino, se a mãe tiver uma verdadeira noção das coisas, ela dirá: “Batalhador! Batalhadora! Eu te admiro porque és combatente do bom combate! Teu dever é este. Uma vez que recebas o Batismo, a graça te chamará. E a partir desse momento começará uma vida sobrenatural em ti que é mais ou menos como uma vela na qual alguém ateia um fogo.” Então a criança é para a mãe como uma vela que daqui a pouco vai ser acessa. Ela mesma vai levá-la até o padre que vai acender ali a luz da graça, participação criada na vida de Deus. Ela olha e diz: “Quanto vai arder esta alma? Que bem fará? Que glória dará a Deus?”

Se for um medíocre, mas tiver a coragem de assumir a própria mediocridade, dirá: “Eu nasci e Deus me criou de inteligência, de saúde, de capacidade de atrair, de capacidade de agir medíocres, eu todo sou medíocre. Mas em mim uma coisa não é medíocre: eu adoro a Deus de todo o meu coração! Creio na Santa Igreja Católica com toda a minha alma, e estou disposto a viver a minha vida medíocre e a carregar a minha cruz de mediocridade, que me imporá em todas as circunstâncias o segundo, o terceiro, o quinto lugar, pouco importa, mas eu carregarei tudo isso comigo até o fim.

E quando eu morrer, entregarei a Deus a minha mediocridade ornada pelo meu sacrifício, pela minha aceitação, pela minha humildade. Deus receberá essa mediocridade ornada com o amor com que Ele a criou medíocre. E na escala de valores, Ele amorosamente me destina um lugar no Céu. Que maravilha ter a fronte no Céu iluminada por toda a eternidade com esta nota: é um medíocre que amou sua mediocridade com todo o amor, porque assim realizava os desígnios de Deus. Oh, grande homem!”

Na mesma hierarquia dos seres celestes, nós poderemos encontrar talvez grandes homens, com grande inteligência, e na fronte escrito: “Grande homem, teve grandes dotes e fez algo por Deus”. Isto lhe valeu um lugar no Céu.

Assim é como uma mãe olha para o seu filho.

Antes de tudo, ver nas almas o desígnio de Deus

Mais ainda, se uma mãe tiver a coragem de levar os seus raciocínios até o fim, ela não poderá deixar de pensar: “Não será que essa criança vai, um dia, ofender a Deus? Não abusará ela da paciência divina? Não será que Deus descarregará sobre esta pessoa a sua cólera e ela irá para o Inferno? A mim, como mãe, que preparei para ele este berço tão delicado, tão esplendoroso, como me dói pensar que esta boquinha que chora é capaz de ser condenada, de tal maneira que blasfemará contra Deus por toda a eternidade! E se eu me salvar, do alto do Céu, por toda a eternidade, verei esta criancinha, já adulta, blasfemando contra Deus por toda a eternidade! E direi: ‘Meu Deus! Não teria sido melhor que não tivesse nascido a correr esse risco?’”

Entretanto, se ela for verdadeira mãe, é porque antes de tudo soube ser verdadeira filha de Deus e, portanto, pensará de outra maneira:

“Se acontecer que essa minha criança, apesar de eu rezar por ela como Santa Mônica rezou por Santo Agostinho, resistir a qualquer graça e for precipitada no Inferno, oh! Deus, que destino terrível! Mas se ela merecer a vossa cólera eterna, eu não sei, meu Deus, desunir-me, desligar-me de Vós; e se Vós a odiardes, eu a odiarei também! E quando ela blasfemar contra Vós no Inferno, e Vós a amaldiçoardes, desde já junto à vossa a minha maldição de mãe. Se ela for vossa inimiga, ela terá a mim, mãe dela, como inimiga também.”

Esta seria a meditação de uma mãe levada até o último ponto.

Convívio entre Nossa Senhora e Nosso Senhor

Mas, voltando a meditar no convívio entre a Santíssima Virgem e seu Divino Filho, podemos considerar a história d’Eles durante os trinta anos em que Jesus passou recolhido na casa de Nazaré, assistiu à morte de São José — proclamado, com muito tato e acerto, pela Igreja, como Padroeiro da Boa Morte, pois não se pode morrer em melhores condições do que assistido por Nossa Senhora e pelo próprio Menino Jesus —, e o auxílio prestado pelo Filho a sua Mãe que ficara viúva.

Poderíamos imaginar as conversas d’Ele com Ela, quando, estando sozinhos na casa de Nazaré, à noite, terminada a refeição, olhavam-se e se queriam bem, fruindo da enorme felicidade de estarem juntos, de se olharam e de se quererem bem, de conversar, trocar pensamentos, etc.

Nossa Senhora meditando no que aconteceria futuramente, pensava, inclusive, que viria um determinado momento em que os Anjos haveriam de transportar aquela casa santa pelos ares para não cair nas mãos dos maometanos. Que a santa casa de Nazaré, ia ser pousada num lugar chamado Loreto, e que ali, um número incontável de peregrinos, provavelmente até o fim do mundo, iriam venerar as paredes santas entre as quais ecoaram essas conversas, onde se ouviram os risos cândidos e cristalinos do Menino Jesus, onde se ouviu a voz grave, paterna e afetuosa de São José, onde se ouviu a voz de Virgem-Mãe, modulada quase ao infinito como um órgão, exprimindo adoração, veneração e ternura em todos os graus e modalidades.

Maria Santíssima pensava na vida pública de Nosso Senhor, nos milagres que Ele iria praticar, nas almas que Ele iria atrair, como tudo isto daria no momento em que Ele começaria a ser recusado pelos judeus, e na traição de Judas.

Depois Pentecostes, a dilatação da Igreja por toda a bacia do Mediterrâneo, os lugares misteriosos por onde andariam os Apóstolos, enchendo a Terra com a presença deles. A libertação da Igreja por Constantino, a Igreja que brilha na face da Terra, a invasão dos bárbaros, depois São Bento, que se desprende daquele pantanal, caminha até Subiaco e ali começa uma vida espiritual da qual nascerá a Idade Média.

Vem a Idade Média, mas começa a Revolução: o Renascimento, o Humanismo, o Protestantismo, a Revolução Francesa, a Revolução Comunista…

Tudo isso nós devemos considerar quando estivermos ao pé do Presépio, e dizer: Ele é a pedra de divisão, a pedra de escândalo que divide a História pelo meio. Tudo quanto está com Ele, é a Contra-Revolução, tudo quanto é contra Ele é a Revolução.

Prece ao Divino Infante

Poderíamos, então, fazer esta oração junto ao Presépio:

Aqui está mais um filho da Igreja militante, Senhor Jesus Cristo, trazido pela graça que vossa celeste Mãe, por suas preces, obteve de Vós. Aqui está este batalhador, ajoelhado diante de Vós, antes de tudo para Vos agradecer.

Agradeço-Vos a vida que destes ao meu corpo, o momento em que insuflaste minha alma, o plano eterno que tínheis a respeito de mim, como de qualquer homem, um plano determinado e individual, por onde deveria haver nos desígnios de Deus alguém que, dentro da coleção dos homens, haveria de ocupar este lugar, mínimo que fosse, no enorme mosaico de criaturas humanas, que devem subir até o Céu.

Agradeço-Vos por terdes posto uma luta no meu caminho, para que eu pudesse ser herói. Agradeço-Vos a força que me destes para rezar, resistir e espancar o demônio, como dizia Santo Antonio Maria Claret, o fundador dos padres do Coração de Maria: “A Dios orando y con el mazo dando”.

Agradeço-Vos todos os anos de minha vida que já se foram e que se passaram na vossa graça. Agradeço-Vos os anos que se foram e que, embora não se tenham passado na vossa graça, Vós os encerrastes, num determinado momento, e eu abandonei o caminho da desgraça, para entrar de novo na vossa graça.

Agradeço-Vos, oh! Divino Infante, oh! Menino Jesus, a hora em que eu disse sim e comecei a Vos servir.

Eu Vos agradeço tudo quanto fiz de difícil para combater os meus defeitos; por não Vos terdes impacientado comigo, e por terdes me conservado vivo para que eu ainda tivesse tempo de corrigi-los antes de morrer. E se um pedido quero Vos fazer neste Natal, Senhor Jesus, ei-lo, adaptando um pouco o versículo de um Salmo que diz “Não tireis a minha vida na metade dos meus dias”: Não me tireis os dias, na metade da minha obra, e concedei-me que meus olhos não se cerrem pela morte, meus músculos não percam seu vigor, minha alma não perca a sua força e sua agilidade, antes que eu tenha, para a vossa glória, vencido todos os meus defeitos, galgado todas as alturas interiores que Vós me criastes para galgar, e no vosso campo de batalha eu tenha prestado a Vós, por feitos heroicos, toda a glória que Vós esperáveis de mim quando Vós me criastes. Assim seja.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/12/1988)

Santo Odilon

O famoso abade do mosteiro beneditino de Cluny foi objeto dos comentários de Dr. Plinio durante uma série de conferências proferidas no ano de 1972. Nos seguintes trechos selecionados, Dr. Plinio salienta como até o modo de andar ou de falar de uma pessoa pode demonstrar a santidade de sua alma.

Cada época histórica possui grandes homens característicos. Santo Odilon o foi para a Idade Média: grandioso no sentido verdadeiro da palavra.

Apesar de possuir grande valor pessoal, o que sobretudo transparecia em nosso santo eram as graças sobrenaturais — incomparavelmente mais preciosas do que qualquer valor pessoal — que adornavam sua alma.

Sua personalidade tinha tal amplitude harmônica de aspectos, como não se encontra nos grandes homens do tempo da Revolução.

O modo de andar

Passemos a comentar trechos de sua vida, retirados de uma ficha biográfica(1):

“Comecemos por seus méritos menores. E digamos que esse homem tinha um andar grave, uma voz admirável, ele falava bem. Era uma alegria vê-lo.”

Ao descrever o porte e o modo de ser do santo, o autor ressalta mais os sinais da virtude do que a virtude propriamente dita.

O modo de andar das pessoas as define muito, e por causa disso o biógrafo, contemporâneo de Santo Odilon, julgou que deveria começar a descrevê-lo pelo passo.

O que é um passo grave?

É um passo firme, varonil, de alguém que, ainda que não tenha diante de si obstáculos visíveis, anda vencendo. É um passo cheio de consequências e de ponderação.

Compostura respeitosa

“Cada um de seus movimentos exprimia honestidade. Sua fisionomia era angélica e seu olhar sereno.”

Honestidade, no francês antigo, significava compostura. “Un honnête homme” significava um homem muito composto, muito digno. Vê-se, então, que todo o modo de ser de Santo Odilon era cheio de compostura e de dignidade.

É preciso ressaltar também que na Idade Média o conceito de anjo não era o desse tipo de anjinho gorduchinho, com ares de irresponsável. Não seria um elogio dizer para alguém que ele tem aquela carinha. A ideia que o medieval fazia dos anjos era a que está expressa nos vitrais medievais: os grandes heróis do Céu; príncipes na presença do Altíssimo.

Percebe-se, assim, o que o autor quer dizer quando afirma que “sua fisionomia era angélica”. Este era Santo Odilon, que grande figura

Continua a ficha:
“Cada dobra de seu hábito sacerdotal apresentava dignidade e mostrava o respeito que ele tinha por si mesmo e pelos outros.”

Santo Odilon sabia que era a “alma” do grande movimento de Cluny, o qual, por sua vez, era a “alma” irradiante da Idade Média.

A verdadeira humildade consiste em respeitar-se a si próprio como deve ser respeitado.

Sabendo ser Superior de uma Ordem religiosa, homem sagrado por Deus, ele se respeitava enormemente. Vemos que o porte desse varão de Deus era, ao mesmo tempo, principescamente angélico e cheio de humildade.

Alma luminosa

Continua a narração:

“Ele trazia consigo qualquer coisa de luminoso, que convidava a imitá-lo e venerá-lo. A luz da graça, que estava nele, brilhava, por assim dizer, no exterior, e manifestava a qualidade de sua alma.”

O autor soube fixar essa luminosidade que havia em Santo Odilon, a qual nota-se em tantos santos. Ela é algo difícil de descrever, pois trata-se de uma luminosidade do olhar e de algo que paira em torno da personalidade.

Assim como há algo que distingue um homem morto daquele que apenas dorme, há também uma luz na fisionomia do santo, a qual o distingue de quem não o é.

“Seu rosto exprimia a uma vez a autoridade e a benevolência.”

O autor acentua muito bem os contrastes: autoridade e benevolência.

Imaginemos um claustro medieval, repleto de ogivas, e Santo Odilon andando sozinho. Ao longe, um noviço o vê e se ajoelha, Santo Odilon passa e o abençoa.

É bem o contrário daquilo que a Revolução procura incutir nas mentalidades: quem tem autoridade é uma espécie de fera que subiu e, quando encontra a oportunidade de pisar nos outros, fica contentíssima, como quem diz: “Eu apanhei até subir; agora desconto nos que estão embaixo”.

Uma concepção da autoridade não pode ser mais ordinária do que essa.

Pelo contrário, a autoridade existe para fazer o bem. Sua missão é cumprir a benevolência. Benevolência quer dizer querer o bem dos outros.

“Para os bons, ele se mostrava risonho e acolhedor, mas, para os orgulhosos e rebeldes, se tornava tão terrível que era difícil conseguirem fitar seu olhar.”

Que verdadeira maravilha! Eu tenho entusiasmo por essa arma do homem que é o olhar. Quão poucos homens a possuem! O autor dessa ficha soube ver o olhar terrível de Santo Odilon. Isso é admirável! Terrível como um exército em ordem de batalha!

“Seus olhos brilhavam com brilho singular: eram olhos acostumados às lágrimas.”

Como o mundo moderno não compreende mais isso! O mundo moderno só gosta dos olhos habituados a rir; olhos estultos e néscios, os quais só dizem o que sente o egoísmo. O mundo antigo compreendia qual era o valor dos olhos habituados a chorar pelas coisas santas. Chorar pela Paixão de Nosso Senhor, chorar pelos pecados, pelos outros e por si. O pranto sagrado transforma o interior do olhar e o faz luminoso como uma linda rosácea banhada pelos raios do sol.

“Mesmo em viagem, Santo Odilon trazia sempre um livro nas mãos. Enquanto viajava a cavalo, sua alma refazia as forças através da leitura.”

Não entendamos isso à maneira moderna, onde o indivíduo tira do bolso um livrinho e lê comodamente. Devemos pensar que os livros do tempo de Santo Odilon eram in-fólios, pesadões, feitos em pergaminho.

Apesar disso ele tinha sempre um livro consigo. Quer dizer, ele aproveitava todos os pequenos interstícios para ler alguma coisa e assim desenvolver seu espírito na meditação das coisas celestes.

Ademais, a locomoção não era como hoje em dia! Viajava-se a cavalo ou a burro. E as estradas, como eram? As mais precárias possíveis. As menores distâncias eram transpostas em longos períodos.

Imaginemos, então, que cena pitoresca: o cavalo trotando e Santo Odilon com uma das mãos na rédea e com a outra segurando um pergaminho escrito com umas letras enormes; ele enrola a folha que terminou de ler, pensa um pouco, coloca essa folha num saco, e tira outra página. O animal andando em meio de precipícios, onde Santo Odilon para e pede o auxílio do Anjo da Guarda!

“Gloria tibi, Domine”… E continuava.

Autoridade e benevolência, virtudes indissociáveis

“Santo Odilon difundia a caridade fraterna por sua própria feição, antes de ensiná-la. E ele a ensinava, sobretudo por seus atos.

“Amando seus irmãos com o interno calor de sua alma, o santo queria engrandecer a cada um deles, e levá-los ao amor de Deus. Jamais desprezava ou rejeitava pessoa alguma; por sua caridade — verdadeiramente divina — ele convidava a todo o mundo, sem nenhuma reserva, a aproveitar de sua indulgência, pois aquele que é verdadeiramente grande arde nesse desejo de amar o próximo.”

Santo Odilon foi abade de Cluny numa época em que a íntima conjugação das instituições temporais e espirituais fazia de um abade um personagem de grande importância. E, tomando em consideração que Cluny representava a maior abadia francesa do tempo, ser seu abade significava ser um dos homens mais consideráveis da estrutura política e social da Idade Média.

Ademais, o mosteiro de Cluny possuía os direitos feudais sobre grande quantidade de terras, e isso dava a Santo Odilon não só o poder espiritual, mas também o material. Ele, por sua reputação pessoal, pelo prestígio de sua santidade e cultura, estava elevado muito acima de seus contemporâneos.

Esse homem, tão insigne por uma porção de circunstâncias, sabia, entretanto, ser muito paterno para com os monges colocados sob a sua jurisdição.

Então, o biógrafo mostra como ele se aproximava de cada um com afeto, entrando em seus problemas pessoais para resolvê-los, e fazendo junto a cada um o papel de Bom Pastor.

Continua a ficha:

“Pois, como é natural, quanto mais alto é um homem, tanto maior é a caridade que ele tem para com os seus irmãos.”

Segundo o espírito que sopra no mundo depois do Protestantismo e da Revolução Francesa, tem-se a errada idéia de que quanto mais um homem é elevado, mais ele despreza os que estão abaixo de si; o superior vê no inferior um concorrente, o qual quer subir e necessita ser espancado para não ter êxito; o inferior, por sua vez, vê no superior um tirano que está lhe explorando e precisa ser derrubado. Desse modo, em qualquer lugar onde haja um degrau hierárquico, há uma luta entre superior e inferior.

Na história de Santo Odilon vemos o contrário. Quanto mais elevado está um homem, mais ele deve tender à bondade, à proteção dos inferiores e a exercer uma autoridade benfazeja.

Onde está o fundamento da idéia de autoridade, como ela era exercida por Santo Odilon?

São Tomás de Aquino explica, esplendidamente, que o superior está para com o inferior como uma imagem de Deus. Quer dizer, ele deve proteger o menor, orientá-lo, guiá-lo, à semelhança de como Deus protege todas as suas criaturas.

Na ordem estabelecida por Deus, os anjos são desiguais, o superior guia o inferior.

Isso se verifica também no mundo humano. Os mais eminentes — por seu poder, talento ou autoridade — devem representar a Deus junto aos que estão abaixo de si e fazer-lhes bem.

Segundo essa consideração, quanto mais alta é a autoridade de alguém, maior é a responsabilidade que ele tem de fazer bem aos outros.

Por isso os súditos devem amar especialmente suas autoridades e querer bem aos que estão constituídos numa dignidade especial.

Este é o princípio que rege a Santa Igreja Católica. Por exemplo, numa paróquia, não é razoável que um fiel ame o seu Vigário e espere dele toda proteção e apoio? Mas, o fiel deve amar ainda mais ao Bispo. E, por isso, não há motivos para esperar maior bondade do Bispo do que do Vigário? E o Papa, não deve ser ainda mais venerado? E não há também motivos para esperar mais indulgência dele do que do Prelado?

A “poluição” do mundo moderno

Essas são considerações que nos descansam da brutalidade de todos os dias!

Não é verdadeiro que nos despolui pensar nisso?

Quando leio nos jornais matérias referentes à poluição em nossas cidades, tenho vontade de dizer: “Vocês não percebem que o que mais polui o mundo contemporâneo é o homem contemporâneo? Não há chaminé que polua mais do que a Revolução!” A verdadeira despoluição se daria quando tivéssemos na terra verdadeiros “Santos Odilons”…

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 23 e 25/9/1972, 2 e 13/10/1972)

1) Não possuímos referência exata para a citação do trecho comentado.

Ternura da Mãe de Deus

O protótipo de ternura é o coração materno. Especialmente o é o Coração da Mãe das mães, que excede de um modo inimaginável a ternura de todas as mães que houve, há e haverá. Quase que se poderia dizer que Nossa Senhora é a personificação da ternura.

Para exprimir isso aos homens por formas diversas, Maria Santíssima multiplica suas graças. Ora Ela aparece sob a forma de uma Rainha esplêndida, em homenagem à qual se constroem catedrais magníficas; ora sob o aspecto de Mãe de misericórdia, meiga, que Se contenta com o culto que Lhe é tributado em pequenas choupanas, onde, entretanto, Ela faz milagres excelentes para tornar mais patente sua maternal bondade, animar os homens a Lhe pedirem, com confiança, tudo quanto queiram, e convidá-los a amá-La por causa da ternura que Ela lhes demonstra.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/5/1966)

Virgem e Mãe

Não há título maior do que o de Mãe de Deus. Não é dado a uma criatura ser elevada a honra maior do que esta. A Igreja, não satisfeita de chamar Nossa Senhora de Mãe de Deus, chama-A também de Virgem; e com frequência Ela é tratada de Virgem-Mãe, nos livros de piedade.

Embora a virgindade esteja ao alcance de qualquer pessoa que queira ser pura e conte com a graça divina para isso, a Igreja preza tanto esta virtude que quis conjugar esses dois títulos em Maria Santíssima.

O próprio Jesus, nosso Senhor, ama tanto a virgindade que não Se contentou em adornar sua Mãe com todos os dons, preservando-A do pecado original, mas quis que Ela fosse virgem antes, durante e depois do parto, realizando para isso um milagre estupendo!

(Extraído de conferência de 22/5/1990)

Mãe admirável

O início de um novo ano sempre traz consigo incógnitas e esperanças. Sabendo disso, a Santa Igreja, através de suas festas litúrgicas, dá aos homens a clave na qual devem impostar as almas para transpor os dias vindouros. Solenemente, na aurora do novo ano, recorda a Maternidade Divina de Maria, lembrando aos fiéis que o amor materno da Santíssima Virgem e sua poderosa intercessão jamais faltarão àqueles que a Ela recorrem. Poucos dias depois, a Liturgia contempla a figura dos Magos que, vindos do Oriente, adoram ao Menino como verdadeiro Deus.

Infindas lições espirituais poderíamos tirar destas duas grandes solenidades, entre elas a importância e a beleza da virtude da admiração, comentada por Dr. Plinio na presente edição(1).

O que é admiração? — perguntava, certa vez, Dr. Plinio.

“Mirare ad”: olhar para. É olhar para algo com entusiasmo, compreendendo sua grandeza e, por causa disso, amá-lo.

A admiração é a porta de toda a grandeza e é impossível eu admirar algo sem que a grandeza daquilo que admirei, de algum modo, penetre em mim. Por isso, a grandeza é dada aos que admiram e se dedicam ao objeto de sua admiração. Aqueles que são grandes, esses devem ser dedicados.

Neste sentido poder-se-ia interpretar o versículo do Magnificat que diz “Depôs os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes” (Lc 1, 52) como um convite feito aos poderosos para descerem de sua sede e servirem os pequenos; e a estes a se elevarem pela admiração e se encherem da grandeza dos Anjos. Temos, assim, a admirável harmonia do universo, onde grandes e pequenos coexistem uns para os outros, segundo a Doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo(2).

Não há maravilha mais autêntica do que a alma verdadeiramente maravilhável. Essa tem o amor de Deus, pois a perfeita Caridade consiste em maravilhar-se humilde e desinteressadamente com as coisas divinas. Não só com as invisíveis conhecidas pela Fé, mas também com as visíveis que Deus colocou ao nosso alcance.

Eis a virtude, tão fundamental para a alma contrarrevolucionária e para o espírito católico, que devemos procurar e pedir a Nossa Senhora que, como ninguém, foi a mais maravilhável das almas.

Se Deus concedeu a Maria Santíssima o Menino Jesus para encerrar-Se no seu claustro virginal, passar sua infância ao lado d’Ela, viver trinta anos maravilhando-A, é porque Ela possuía uma potência de maravilhar-Se que estava na proporção dessa maravilha. Compreende-se, assim, qual era a capacidade de maravilhar-Se de Nossa Senhora.

Resultado: tornou-Se maravilhosa. Por isso todas as gerações a chamarão Bem-aventurada (Cf. Lc 1, 48). Pelo desinteresse com que Maria amou, pela humildade com que Ela admirou, tornou-Se admirável(3).

 

1) Ver “Admiração: doutrina e exemplos”, p. 18 e “Admiração e afeto da Virgem-Mãe”, p. 12.
2) Conferência de 3/2/1973.
3) Conferência de 19/6/1971.