Gloriosa noite coroada de contradições

Senhor Jesus, com quantas contradições quisestes coroar a noite mil vezes gloriosa de vosso Santo Natal!

“Coroa” sim, é bem este o vocábulo que convém a esse conjunto de circunstâncias com que quisestes cercar a hora tão rica em símbolos de glória e de dor, na qual, nascendo do seio da Virgem Mãe, iniciastes a caminhada esplendorosa que, conduzindo-Vos da gruta de Belém até o alto do Tabor, e deste último ao Calvário, haveria de ter seu termo final no momento glorioso e terrível em que destruireis o Anticristo, encerrareis por um terrível decreto de extermínio a História da humanidade e baixareis à Terra para iniciar o julgamento de todos os homens!

Contemplando essas cenas de dor e de vitória, de glorificação suprema como de condenação inexorável e extrema, situamos a Festa de vosso Santo Natal em sua plena perspectiva histórica. Sim, uma perspectiva na qual Deus e o demônio, o Céu e o Inferno, num contraste implacável, em uma luta suprema, haveriam de desfechar os seus golpes até o momento em que, cessada a História, só restariam em confronto os bons e os maus, uns votados pela Justiça eterna para a felicidade inteira, perfeita, gloriosa e sem fim, e outros para o abismo perpétuo e insondável de dores, de opróbrios e de vergonha, onde tudo não é senão derrota, insucesso, gemido e revolta perfeitamente inútil.

Na Noite Feliz os Anjos cantaram “Glória a Deus no mais alto dos Céus, e na Terra paz aos homens de boa vontade” (Lc 2, 14). Sim, aos homens de boa vontade. Porém, já havia também sob a abóbada celeste, constelada de estrelas, homens de má vontade. Certamente não era para eles – os malditos, os precitos – o precônio da paz, mas o da inexorável e total desgraça.

Vós quisestes que rodeassem vosso Presépio não só as glórias de aturdir, que Vos tocam na infinitude de vossa Santidade, mas as doçuras insondáveis do perfeito Coração de Mãe que Vos adorou desde o primeiro instante de vossa concepção.

É no ápice de todas essas perfeições que nossos olhos Vos contemplam hoje, na noite de Natal. De tantas contradições ao mesmo tempo magníficas e supremas, deslumbrantes e terríveis decorre um ensinamento que, súplices, Vos pedimos marqueis em nossos corações.

Também o mundo contemporâneo está imerso na contradição entre a verdade e o erro, o bem e o mal, a beleza e a hediondez. De um lado, contemplamos-Vos, Senhor Jesus, e vossa Santa Mãe, junto a quem refulge a santidade de José; e de outro, vemos o oceano das ignomínias, dos crimes, das abjeções nas quais vai se precipitando o mundo “totus in maligno positus est” (1Jo 5, 19).

Para onde quer que nos voltemos, algo vemos ou ouvimos que Vos ofende, ultraja e conspira contra Vós. Não há o que não se volte para Vos escarnecer, golpear, fazer sangrar e arrastar à Cruz. Em torno de Vós tudo é contradição, no sentido de que quase não há senão mal, e este é essencialmente contraditório.

Senhora das Dores, fazei que compreendamos esta hora de contradição, mantendo-nos genuflexos aos pés da Cruz, mas ao mesmo tempo eretos e destemidos como guerreiros, como Anjos em pleno campo de batalha. Combatentes implacáveis, de coração abrasado de amor a Vós e a vosso Divino Filho, para esmagarmos o mal, destroçarmos as contradições, elevar-Vos ao fastígio da glória de vosso Reino, ó Maria!(*)

 

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 261 (Dezembro de 2019)

* Conferência de 23/12/1993.

A harmonia interna da alma como elemento da contemplação da ordem do universo – I

Durante uma conferência para jovens discípulos, indagam a Dr. Plinio sobre como nasceu nele a contemplação da ordem do universo. Usando de um método que lhe era muito próprio, Dr. Plinio introduz o denso assunto citando exemplos e ilustrando com fatos  de sua vida.

 

Eu devo tratar a respeito da ordem do universo, mas em termos “enjolráticos”(1), evidentemente, dando a este adjetivo a afetuosa conotação de sempre.

Antes de tudo, é preciso mostrar como se adquire a noção da ordem do universo, e depois descrever como é a ordem do universo.  Primeiro aprontar a lente, depois colocar nela o olho, e não o contrário.

É muito difícil ser virtuoso

Como se obtém a noção, o gosto da contemplação da ordem do universo? Também isso é doutrinário demais para a minha cara “geração ultra-nova”. E então tem de ser outra coisa: como é que uma pessoa adquiriu a noção de ordem do universo, para depois estudar como outro pode obtê-la. Posteriormente fazer a exposição teórica de como se adquire, e então subir ao mundo diáfano dos princípios nos quais se entrava diretamente nos tempos de outrora. Não era preciso jardim na casa, entrava-se diretamente. Hoje é necessário ajardinar largamente o palácio antes de chegar a ele.

Vamos, então, cuidar do jardim tanto quanto mãos nascidas no começo deste século XX conseguem fazê-lo para o fim de um século que vai caminhando para o seu encerramento.

Nesse sentido, dou as minhas recordações. Tanto quanto eu posso me recordar — e talvez o que vou dizer não seja inteiramente edificante, ao menos segundo certos manuais que existem por aí —, eu tive desde cedo a noção de que era muito difícil ser virtuoso. Minha moleza, minha indolência natural — não me queiram mal — tão frequente no Nordeste, de onde o meu pai era procedente, era uma herança de família. A modorra, a tranquilidade, o gosto da despreocupação… Como eu achei interessantes as expressões francesas, quando as aprendi: “laissez faire, laissez passer!”(2). Oh, que coisa agradável! Eu não me incomodo com nada, contanto que não mexam comigo.

Procurar os deleites das coisas honestas e sadias

Com esse temperamento, quando me dei conta de que a virtude era muito difícil de praticar, pensei o seguinte: “Se eu for me impor um sacrifício total e em tudo, não terei meios de cumprir esta virtude que desejo. Preciso fazer uma coisa criteriosa: farei todos os sacrifícios necessários para ser virtuoso, custe o que custar terei de ser virtuoso, viverei na graça de Deus!”

Posteriormente, Nossa Senhora acendeu em minha alma um desejo mais ardente que era de chegar até a perfeição espiritual, mas nesse tempo isso estava mais ou menos vago no meu espírito. A ideia imediata era não cometer pecado mortal, não perder a graça de Deus e nem aquilo que eu percebia possuir, mas não sabia dar nome: o meu tau(3)!

Mas, de outro lado, quem gosta de modorra, gosta de viver gozando dos legítimos prazeres da vida. Então pensei o seguinte: “Preciso arranjar um jeito de praticar a virtude com a maior quota de deleite com que ela seja praticável. Porque, pelo menos assim, encontro algum lastro para tocar para a frente esse caminho, que é dificílimo, mas tenho de fazê-lo de qualquer jeito. Então, vou estudar tudo quanto há na vida de virtuoso, mas agradável para ter. E assim beber água a fim de ter coragem de enfrentar os areais do deserto, conhecer o mapa dos oásis para neles descansar quanto possível, e chegar ao outro lado da travessia”.

E daí começar a deitar muita atenção nos deleites das coisas honestas e sadias. Por exemplo, qual era o modo agradável de deitar na cama, de adormecer, de comer — o que sempre ocupou no meu mapa de coisas agradáveis um papel de relevo, que a “Fräulein” Mathilde(4) ainda acentuou teutonicamente —, como era deleitável ver um panorama e outras coisas do gênero.

A arte de enfrentar a dor

Mas eu fui, desde logo, salteado por uma sombra que poderia se exprimir da seguinte maneira: “Tudo isso é agradável, mas você o percorre na perspectiva do desagradável e teme perder o deleitável que tem. Quando chega o sábado, você está na perspectiva das delícias do domingo. Mas, no domingo à noite, se encontra nas previsões das agruras de segunda-feira: aula de Aritmética, Geografia etc., uns pesos do outro mundo. A própria aula de História, um fardo por causa da insipidez irremediável do seu pobre professor.” Era a vida do colégio, a batalha com a Revolução e toda espécie de desaguisados e desentendimentos, que me esperavam ao longo da semana.

Analisando isso, disse para mim mesmo: “Mas esse temor de que o sábado e o domingo passem é uma sombra que se projeta para dentro de mim, e o agradável que eu quero, que procuro dentro da virtude, não conseguirei. Mas preciso encontrar alguma coisa, porque do contrário não aguento o caminho que preciso seguir. Tenho que resolver esse assunto.”

E assim, insensivelmente, foi se introduzindo no meu espírito a noção de que o agradável não é tanto uma coisa que vem de fora para dentro, mas resulta do estado de espírito com que, de dentro, se olha para as coisas que estão fora. E a arte do agradável dentro da virtude não é só ter aquilo de que se gosta, mas saber manejar a sua própria alma, de maneira a degustar aquilo que tem. O manejo interno de si próprio é um elemento fundamental para a agradabilidade da virtude.

Eu percebia, desde logo, outra coisa: era o lado fraco em mim. Angustiava-me facilmente pensando no futuro. E a perspectiva do sacrifício, da luta, do esforço, da incompreensão, me atormentava mais ainda do que a própria realidade de sofrimento que eu tivesse dentro de mim.

Então comecei a elaborar — mas no sentido de aproveitar a vida virtuosamente a fim de ter fôlego para a virtude — uma arte de enfrentar a dor de maneira que ela doesse o menos possível, e desse à vida a maior fruição possível para eu conseguir ser virtuoso, que era o ponto fundamental em torno do qual se esboçava toda essa elucubração.

Não ser otimista

E cheguei à conclusão seguinte: para meu temperamento pessoal — a perspectiva do trabalho, ou pior do que o trabalho, da luta, pior do que a luta, da dor — era preciso eu tomar três regras de viver que, com a graça de Nossa Senhora, eu não abandonei e me ajudaram a chegar até a idade a que cheguei(5).

A primeira dessas regras era: não me deixar arrastar apavorado pelas vias da semi-realidade. Se, dentro de mim, tenho uma perspectiva que me oferece um perigo, seja ele de que ordem for, não devo ficar como certos otimistas que eu notava, os quais fechavam os olhos para o perigo e, à medida que o perigo ia se aproximando, iam descerrando os olhos, e cada pequeno descerrar de olhos era um tormento, e cada tormento prenunciava um tormento maior. A pessoa ia, devagarzinho, bebendo o cálice da angústia, gota por gota, e ainda fazendo passear cada gota em todo o alvéolo da boca. Isto não!

Se se apresenta diante de mim um perigo, vou desde logo prever, no primeiro passo, o pior do perigo que pode acontecer e vou retesar a minha alma para aquilo, pôr-me na presença daquilo, pois eu tenho de suportar. De que maneira? Antes de tudo, ver como evitar. Não vou me jogando na fogueira, quando é inútil. Caminho cuidadosamente, estudando para não cair dentro da fogueira, plano cuidadosamente elaborado; mas se for preciso estou resolvido a entrar na fogueira. E minha resolução está tomada logo, e eu já vou vendo o pior. De maneira que esse descerrar de olhos lento, dolorido, vagabundo e inglório eu não aceitaria. É de uma vez abrir o peito e abrir o olhar para aquilo e ir para a frente!

Qual era a vantagem disto? Encurtava a longa e horrível trajetória. Vou dar uma comparação, que é muito prosaica. Quando uma pessoa é operada, o médico põe esparadrapos e algodões em cima do lugar onde foi feito o corte.

Depois, quando vai arrancar os esparadrapos, ele não o faz milímetro por milímetro, porque contunde a pele. Não diz nada ao doente e, de repente, o médico arranca o esparadrapo de uma só vez. Um minuto depois, o enfermo está tranquilo.

Então eu resolvi “esparadrapiar” a minha vida: adotar a técnica do esparadrapo arrancado rapidamente. Tal coisa pode acontecer, prepare-se! Faça tudo para que não aconteça, e esteja pronto para aguentar caso aconteça. É mais ou menos como aquelas torres com guerreiros em cima, que os medievais levavam sobre pequenas rodas, nos campos de batalha, a fim de encostar na torre ou muralha dos adversários para começar a combater. Assim deveria ser eu ao longo da vida: uma torre móvel, já preparada para o alto da dor, o alto da batalha, o alto do perigo, e já disparando os golpes para vencer o inimigo tão logo quanto possível e depois descansar. E, na hora do descanso, a despreocupação. Esse era o modo de eu conceber as coisas.

A segunda regra era o seguinte: nunca ter pena de si mesmo. O homem que tem pena de si mesmo perdeu a batalha. É preciso ser inclemente consigo, porque é a única maneira de ser clemente consigo.

Meu próprio olhar sobre mim mesmo como que dizia: “Eu quero saber, ó Plinio, se você é ou não é homem, é ou não é filho de Nossa Senhora, recebe ou não recebe d’Ela as graças que pede para fazer o que é o seu dever. Agora vá adiante, eu quero julgar!”

Nunca começar pelo mais fácil

E, por fim, a terceira regra: num serviço qualquer, nunca começar pelo mais fácil, mas pelo mais importante, mais necessário, ainda que seja difícil. Mais ainda: em igualdade de condições, sendo tão importante o fácil quanto o difícil, começar pelo difícil, porque assim ele já fica feito e se atravessa depois o fácil ou o alegre. É melhor atravessar o fácil com o difícil atrás, do que tendo este pela frente. Joga-se a dor para trás, logo que se pode, para fazer a caminhada o mais suave possível.

Em diversos assuntos, se alguém prestar atenção verá que eu estou sempre tendo em vista o pior que possa acontecer, e com os planos feitos. É assim que agirei e estarei pronto para o pior. E ainda que não chegue já a hora do sacrifício, eu com toda a tranquilidade como, bebo, durmo e tenho minhas distensões porque já está tudo pronto. Na hora é só fazer. Ficam eliminados da alma a torcida e algo germinado com ela, que é o apego.

Porque nessa tática não se está apegado a nada. Se eu precisar fazer qualquer coisa a qualquer hora, realizarei. Não tem rangeres, nem “ai-ai-ai”. Tem de fazer, faça logo!

Isso me deu ao longo da vida muita facilidade, porque muita cruz inútil, que Nossa Senhora não me pedia que carregasse, e que eu podia, com uma ordenação séria de mim mesmo, afastar de lado, Maria Santíssima me ajudou e afastei. Alguém me dirá: “Não! O senhor previu uma porção de coisas ruins que acabaram não acontecendo, e se atormentou com hipóteses que não se efetivaram. Não seria muito melhor não ter previsto coisas tão más, pois assim teria levado uma vida mais agradável?”

Só há o agradável nesta vida a partir do momento em que existe o desagradável. Sentir-se preparado para enfrentar qualquer coisa, dê no que der, aí o homem tem sossego. E para ele se sentir assim, ele precisa de vez em quando imaginar o desagradável e testar-se: “Você está à altura disso? Se estiver, passeie, repouse e cante.”

Lembro-me de uma canção que a “Fräulein” Mathilde ensinava: “Rir e cantar, bailar e saltar, a primavera logo chegará.” Assim também, se estou preparado para tudo, tenha eu a idade que tiver, o resto é primavera. Porque é preciso estar a postos para tudo. E com isto se tem uma vida mais animada, mais feliz e a virtude fica mais fácil.

Talvez alguém pense que o assunto sobre o qual estou tratando não tem nada a ver com a ordem do universo. Mas, de fato, tem. Como se adquire uma noção amorosa da ordem do universo? E aqui vamos passar para um outro panorama psicológico. v

(Continua no próximo número)

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/8/1980)

 

 

1) Relativo aos “enjolras”, como eram chamados por Dr. Plinio os jovens que assistiam a suas reuniões.

2) Do francês: deixai fazer, deixai passar.

3) Tau é o nome da última letra do alfabeto hebraico e da décima nona do grego. Na visão de Ezequiel, Deus ordenou ao “homem vestido de linho, o qual trazia um estojo de escriba na cintura” (Ez 9,3), que “assinalasse com um sinal a fronte dos homens que gemem e choram por causa de todas as abominações que se fazem no meio dela [Jerusalém]” (Ez 9,4). Por analogia com essa visão, Dr. Plinio dizia que tinham “tau” aqueles que eram chamados a uma vocação contra-revolucionária e portanto alimentavam em si uma inconformidade com a Revolução, ou seja, “gemem e choram por causa das abominações”.

4) Governanta alemã que Dr. Plinio teve em sua infância.

5) Dr. Plinio tinha 72 anos quando fez esta conferência.

Duas “escolas” de conversa

Dr. Plinio prossegue em suas reflexões sobre a interessante arte da conversa. Desta feita, salienta ele como as novas gerações se esqueceram da prática da “causerie” como meio de apostolado, tendo em vista as diferentes psicologias dos eventuais interlocutores. Trata-se, pois, de resgatá-la, por amor ao próximo.

 

Como dissemos em exposição anterior, a conversa se verifica tanto mais autêntica quanto mais nela transparece as características individuais dos interlocutores, o intercâmbio de personalidades, antes de ser uma simples troca de informações e comentários. Trata-se de uma alma vibrando em contato com outra.

Por exemplo, no momento em que converso com meus ouvintes, percebo neles o interesse em me conhecer mais profundamente, e o modo como meu espírito se mostra ao longo dessa exposição. Por sua vez, notam de minha parte análogo interesse, o desejo de conhecê-los, de nos aproximarmos pela comunicação de olhares, de expressões fisionômicas, etc.

Uma forma de oração

Quer dizer, ou cada um presta atenção no mesmo tema, por amor ao assunto tratado, e na alma do outro, pelo amor que deve nutrir por todas as almas, ou não se faz uma verdadeira “causerie”. Observando essa atitude cumpriremos na conversa a síntese de todos os Mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, por amor a Deus.

Com efeito, interessar-se por um tema enquanto tal, é amar a Deus, autor de tudo quanto existe e, portanto, dos elementos que proporcionam uma interlocução. De outro lado, demonstramos nosso amor ao próximo ao nos preocuparmos com sua alma, ao considerarmos suas qualidades e aquilo por onde ela é um reflexo da perfeição divina. Quando procuro discernir a alma do meu ouvinte, no fundo procuro ver algo de Deus. Assim, poder-se-ia dizer que, fitando-nos uns aos outros, estamos fazendo oração.

Se houver esse estado de espírito, insisto, teremos uma genuína conversa. Do contrário, não.

Decadência da arte da conversa

A esse propósito é oportuno ponderar que, embora a Idade Média tenha sido uma época marcada por luminosos exemplos de caridade fraterna e de intenso amor a Deus, não se percebe nela a manifestação da arte da conversa. Os medievais não sabiam conversar bem, mas acumularam os tesouros que dariam origem a essa excelência do convívio humano, surgida depois deles, como certos botões de rosa que desabrocham após terem sido cortados da roseira e postos num jarro. O vaso foi a Europa, a rosa, o amor de Deus herdado da virtude medieval, em estado de tradição.

Porém, com o avanço da Revolução, esse amor ao Criador foi se tornando cada vez menos presente na sociedade, e o egoísmo humano, mais atuante. Por esse motivo, a conversa foi decaindo aos poucos, até se encontrar no estado moribundo em que a notamos hoje, reduzida a raros ambientes nos quais ainda é cultivada, à espera de que a exacerbação egoísta a suprima de vez.

A “escola dos assuntos práticos”

Lembro-me de em certa ocasião, estando em Roma, ter me encontrado com outro brasileiro e, por razões de cortesia, convidei-o para um almoço. O restaurante escolhido situava-se num local muito aprazível e pitoresco, chamado “gallopatoio”, pois era utilizado para fazer galopar os cavalos.

Estando à mesa, tomei a iniciativa de levantar um tema, outro, outro, mas os assuntos morriam. Pensei: “Que almoço fracassado! Não consigo interessar meu conviva”.

Em determinado momento, ele me pergunta:

— Dr. Plinio, o senhor não gostaria de entrar logo na matéria a ser tratada nessa refeição?

Caí de algumas nuvens, mas, habituado a semelhantes situações, “desci de pára-quedas”, já percebendo que dali sairia a “mãe da natureza”, ou seja, algo sesquipedal. E lhe indaguei:

— Qual é o tema do almoço?

— Não, eu suponho que o senhor me trouxe aqui para tratarmos de um assunto específico.

Sem deixar de ser amável, respondi:

— Não há nada de concreto a tratar. Convidei-o para esse almoço a fim de saborearmos juntos uma boa comida…

Pela surpresa estampada na fisionomia de meu interlocutor não era difícil compreender o que ia no fundo de seu espírito. Ele, como a maioria dos homens modernos, fora formado na ideia de que, quando se convida alguém para almoçar ou jantar, tem-se em vista tratar de um negócio, de um interesse prático. Dessa sorte, de início ao fim da refeição não se fala de outra coisa, e o êxito do encontro será completo se ao término dele tal contrato estiver assinado, tal compra acertada, tal campanha eleitoral programada, etc., etc.

Ora, as gerações antigas, como a minha, educaram-se em outra escola. No almoço ou jantar não se cuida de nada que tenha ares de negócio ou política. O espírito flana como uma borboleta pelo ar. Quando se quer falar sobre transações comerciais, vai-se a uma sala própria chamada escritório, cujo mobiliário é adequado para isso. Se o assunto é cultura, há o living ou a sala de visita. Por essa razão as residências têm vários cômodos.

Infelizmente, hoje já não se procura essas distinções, e grande parte dos jovens cresce sob a influência da primeira “escola” e da televisão: todos ficam olhando para a tela do aparelho sem fazer comentários…

Resgatemos a arte da conversa

Essa decadência da arte da conversa não faz senão nos incentivar a cultivá-la, a resgatá-la, revivê-la, torná-la o quanto possível atual. Nesse sentido, poderíamos ainda apontar outros de seus importantes aspectos.

Um deles é o fato de que o espírito católico nos leva a considerar com desvelo o tema de uma conversa, e a conhecer não apenas a alma de nosso interlocutor, mas também as características da sua região, do seu país, da cidade onde nasceu e da família de onde ele procede.

Por exemplo, ao tratarmos com um cearense, devemos perceber e admirar suas peculiaridades, os lados pelos quais é diferente dos habitantes de outras regiões e mesmo dos outros povos nordestinos. Enquanto o pernambucano é raras vezes otimista — meu pai o era imensamente… — o cearense alimenta um otimismo curioso. Este não espera um fácil desenrolar das coisas, e até se mostra desapontado com tal ideia. Porém, sempre acha que no fim das contas tudo dará certo. E assim enfrenta o quotidiano e conduz sua vida com aquela alegria proverbial.

Ora, na arte da conversa autêntica, praticada segundo o espírito cristão do amor ao próximo, devemos aplicar esses conhecimentos, seguir essas balizas, e assim torná-la interessante e agradável.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 92 (Novembro de 2005)

 

A restauração da ordem

Continuamos a exposição do livro Revolução e Contra-Revolução, na forma de perguntas e respostas, a que demos início no número anterior. Conforme escreve em sua obra, Dr. Plinio concebia a restauração cristã não como o retorno a um passado imobilista e morto, feito apenas por um apostolado doutrinário, mas pela difusão de um “tonus”, um tipo humano, tanto mais saliente se divulgado por uma associação religiosa aprovada pela Hierarquia da Igreja.

 

O que a Revolução tem destruído?

O que tem sido destruído, do século XV para cá, aquilo cuja destruição já está quase inteiramente consumada em nossos dias, é a disposição dos homens e das coisas segundo a doutrina da Igreja, Mestra da Revelação e da Lei Natural. Esta disposição é a ordem por excelência. O que se quer implantar é, “per diametrum”, o contrário disto (pp. 59-60).

Brilho superior ao da cristandade medieval

O que a Contra-Revolução visa restaurar?

Se a Revolução é a desordem, a Contra-Revolução é a restauração da ordem. E por ordem entendemos a paz de Cristo no reino de Cristo. Ou seja, a civilização cristã, austera e hierárquica, fundamentalmente sacral, anti-igualitária e antiliberal (p. 97).

Em que consiste o espírito da Revolução?

Duas noções concebidas como valores metafísicos exprimem bem o espírito da Revolução: igualdade absoluta, liberdade completa. E duas são as paixões que mais a servem: o orgulho e a sensualidade. (…)

Sempre que falamos das paixões como fautoras da Revolução, referimo-nos às paixões desordenadas. E, de acordo com a linguagem corrente, incluímos nas paixões desordenadas todos os impulsos ao pecado existentes no homem em conseqüência da tríplice concupiscência: a da carne, a dos olhos e a soberba da vida (pp. 65-66).

Quais os pontos capitais em que a ordem nascida da Contra-Revolução deverá brilhar?

Por força da lei histórica segundo a qual o imobilismo não existe nas coisas terrenas, a ordem nascida da Contra-Revolução deverá ter características próprias que a diversifiquem da ordem existente antes da Revolução. Claro está que esta afirmação não se refere aos princípios, mas aos acidentes. (…)

A ordem nascida da Contra-Revolução deverá refulgir, mais ainda do que a da Idade Média, nos três pontos capitais em que esta foi vulnerada pela Revolução:

* Um profundo respeito dos direitos da Igreja e do Papado e uma sacralização, em toda a extensão do possível, dos valores da vida temporal, tudo por oposição ao laicismo, ao interconfessionalismo, ao ateísmo e ao panteísmo, bem como a suas respectivas sequelas.

* Um espírito de hierarquia marcando todos os aspectos da sociedade e do Estado, da cultura e da vida, por oposição à metafísica igualitária da Revolução.

* Uma diligência no detectar e no combater o mal em suas formas embrionárias ou veladas, em fulminá-lo com execração e nota de infâmia, e em puni-lo com inquebrantável firmeza em todas as suas manifestações, e particularmente nas que atentarem contra a ortodoxia e a pureza dos costumes, tudo por oposição à metafísica liberal da Revolução e à tendência desta a dar livre curso e proteção ao mal (pp. 97-99).

Apostolado moderno e o fenômeno “R-CR”

Todo católico deve ser contra-revolucionário?

Na medida em que é apóstolo, o católico é contra-revolucionário. Mas ele o pode ser de modos diversos.

Pode sê-lo implícita e como que inconscientemente. É o caso de uma Irmã de Caridade num hospital. Sua ação direta visa a cura dos corpos, e sobretudo o bem das almas. Ela pode exercer esta ação sem falar de Revolução e Contra-Revolução. Pode até viver em condições tão especiais que ignore o fenômeno Revolução e Contra-Revolução. Porém, na medida em que realmente fizer bem às almas, estará obrigando a retroceder nelas a influência da Revolução, o que é implicitamente fazer Contra-Revolução (p. 149).

Como o apóstolo moderno poderá aumentar sua eficácia?

Numa época como a nossa, toda imersa no fenômeno Revolução e Contra-Revolução, parece-nos condição de sadia modernidade conhecê-lo a fundo e tomar diante dele a atitude perspicaz e enérgica que as circunstâncias pedem.

Assim, cremos sumamente desejável que todo apostolado atual, sempre que for o caso, tenha uma intenção e um “tonus” explicitamente contra-revolucionário.

Em outros termos, julgamos que o apóstolo realmente moderno, qualquer que seja o campo a que se dedique, acrescerá muito a eficácia de seu trabalho se souber discernir a Revolução nesse campo, e marcar correspondentemente de um cunho contra-revolucionário tudo quanto fizer (p. 150).

Poderá haver uma associação religiosa para combater a Revolução?

A ação contra-revolucionária pode ser feita, naturalmente, por uma só pessoa, ou pela conjugação, a título privado, de várias. E, com a devida aprovação eclesiástica, pode até culminar na formação de uma associação religiosa especialmente destinada à luta contra a Revolução (p. 152).

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 92 (Novembro de 2005)

À procura do ótimo

Em mais uma reunião da série auto-biográfica na qual narra como se formou seu espírito, Dr. Plinio satisfaz o filial interesse de o de seus jovens ouvintes, e lhes descreve feitios personalíssimos da sua alma.

 

Dizer-lhes como se desenvolveu em mim o desejo do ótimo me traz recordações das minhas primeiras batalhas espirituais, de como elas nasceram, se desdobraram e desfecharam em outras pugnas, até chegar às de hoje.

Lembro-me de como se foram forjando em meu espírito alguns princípios que me conduziram ao amor não só ao bem, mas ao mais alto grau de bem em todas as coisas, isto é, ao ótimo. Antes de prosseguir, devo dizer que não é verdadeira a generosa afirmação aqui expressa, segundo a qual em minha alma nunca houve tendência para o medíocre ou para o ruim. Todos somos concebidos no Pecado Original e todos temos, por nossa natureza decaída, inclinações más ao lado de boas. E devemos combater as más, logo que elas se manifestem. Isto posto, de que maneira o desejo do ótimo histórica e concretamente se desenvolveu em mim?

Lembro-me de dois — é possível que fazendo um esforço maior de memória eu completasse o quadro — elementos fundamentais para isso. Em primeiro lugar, certos enlevos por determinadas virtudes e qualidades, mas principalmente pela Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, conhecida na Pessoa adorável e divina de Nosso Senhor Jesus Cristo, na pessoa de Nossa Senhora, a Mãe perfeita por excelência, e, em grau menor, refletida na pessoa de minha mãe terrena.

Havia momentos em que a santidade e o bem da Igreja — é o que me vinha com mais frequência ao espírito — me apareciam tão clara e nitidamente, que eu ficava deveras entusiasmado. Em segundo lugar, concomitante a esse entusiasmo pelo bem, havia em mim um horror a determinados defeitos e a certos estados de alma, assim como a ideia clara de que, se eu não tomasse cuidado, poderia incorrer neles.

Há pouco tempo me caiu sob os olhos um livro sobre a vida de São Vicente Mártir. Impressiona ver como São Vicente, em meio às piores torturas do martírio, no momento em que o governador romano, para atraí-lo à apostasia, começou a lhe sorrir, ele, que já enfrentara torturas de arrepiar, disse ao governador: “Temo mais o teu sorriso do que todos os teus  instrumentos de tortura!”

Eu também me lembro dos sorrisos do mundo, dos sorrisos da vida quotidiana, tão mais risonha, tão mais amena, tão mais alegre naqueles remotos anos 20 do que nesses tardios anos 80! Era tudo tão diferente! Ainda havia um resto de perfume da “Belle Époque” que trazia consigo um pouco das brisas do “Ancien Régime”, que por sua vez tinha uma certa continuidade histórica com a Idade Média. Nessa minha época de menino havia algo, que valia a pena apreciar na vida.

Recordo-me das delícias daquele tempo. A “Fräulein” Mathilde era uma  alemã habituada fortemente aos prazeres germânicos. Costumava nos levar à confeitaria Vienense, pois os deleites degustativos sempre representaram um grande papel na educação que ela dava. Lá havia um padeiro suíço, de nome Moritz ou semelhante, que fazia uns bolos cobertos de fermento de cerveja, realmente de sabor bem vigoroso.

Outras vezes íamos à casa Fuchs, onde havia exposição de brinquedos. Oh, os brinquedos daquele tempo! Não se pode calcular hoje o que eram: extraordinários e caríssimos! Mas de maravilhar qualquer criança! Levavam os meninos à loja para escolherem um brinquedo. E, claro, tomavam isso como pretexto para ver a loja inteira. Naturalmente, acabavam se perguntando por que deveriam escolher um brinquedo só. Não podiam ser dez? Porque toda criança tinha vontade de comprar quanto brinquedo encontrasse ali.

Tudo na vida era mais entretido e mais agradável do que nos tempos atuais.

Mas os sorrisos das pessoas me faziam perceber que, de sorriso em sorriso, em determinado momento eu acabaria adquirindo o estado de espírito de uma delas, e com ele, o defeito de uma ou de outra. Isso me causava a sensação parecida com a vertigem das alturas, aquela possibilidade de derrapar se não se presta atenção.

Daí, um movimento de recuo e de horror: se eu não me afastar muito de certos estados de espírito, eu rolo abismo abaixo. Não é possível encontrar uma posição de meio-termo em que eu consiga me equilibrar.

Eu percebia que o meio-termo era uma mentira e que ou eu me afastava inteiramente do perigo ou, ficando no meio-termo, acabaria tendo apetência pelo abismo, porque o meio termo é a união ilegítima entre o píncaro e o precipício. Estabilidade no meio-termo é um engodo, não existe, pois nele não se tem vontade de atingir o ápice, mas se tende ao abismo.

O meio-termo era, portanto, por excelência o inimigo que eu devia evitar se não quisesse despencar. Daí nasceu minha decisão de procurar o ótimo, que, não fosse esse horror do péssimo, talvez eu não a tivesse tomado. Vi-me colocado no dilema entre rumar para o píncaro do ótimo, para o vértice de bem, ou rolar para o vórtice do péssimo. Esses foram os dois elementos fundamentais na  minha ascensão para o bem: o enlevo por alguns pontos e o horror por outros.

Ou se praticam todas as virtudes, ou não se pratica nenhuma

Havia um terceiro elemento que, graças à intercessão de Nossa Senhora, não tardou a se formar em meu espírito. Era o seguinte princípio, que compreendi com clareza: é uma mentira imaginar que se pode praticar bem só uma, duas ou três virtudes. As virtudes são irmãs indissociáveis. Ou nós as praticamos todas ou não conseguimos praticar nenhuma. Portanto, as virtudes que eu  reconheço pela razão serem louváveis, mas não despertam em minha alma entusiasmo especial, mesmo essas eu tenho de praticar. E tenho de observar na íntegra, porque se não for assim, não  praticarei nenhuma. É como uma corrente da qual se rompe um elo só: ela fica sem valor.

Tomemos, por exemplo, a mentira. Qualquer um compreende que a mentira é um mal. Não se deve mentir. Aquele dito cínico de Talleyrand: “a palavra foi dada ao homem para ocultar o seu pensamento”, não passa de um gracejo de quem não tem sensibilidade moral. Porque qualquer um entende que a palavra foi dada ao homem para exprimir o seu pensamento. Portanto, não se deve mentir.

Mas eu compreendo que a virtude da veracidade talvez não suscite o máximo do entusiasmo de alguém. E que se pode, por exemplo, ter muito mais entusiasmo pela pureza, pelo heroísmo ou pela Fé, do que pela veracidade. Contudo, se a pessoa peca gravemente contra a verdade, ela perde aquele estado sem o qual nenhuma virtude vale. Perde o estado de graça, e em poucos passos terá  perdido todas as outras.

Assim, alguém pode não ter entusiasmo preponderante pela virtude da veracidade, mas desde que ele ame com autêntico fervor, com legítimo enlevo uma virtude qualquer — a da Fé, por exemplo — ele acaba compreendendo que ou é veraz ou ele não serve à virtude da Fé que tanto ama.

As virtudes são todas irmãs. Não se pode, num anel de irmãs, viver afagando uma e detestando outras… É preciso ter boas relações com todas. Não se pode viver num meio-termo que consistiria em ter boas relações com umas e não com outras.

Batalha contra as aparências

Pude fazer a apologia do ótimo conhecendo ao longo de minha vida esses princípios, refletindo sobre eles em função da mediocridade moral, tão comum nos meus jovens anos. Hoje a mediocridade é menos freqüente, pois ela é como uma fita em bobina: à medida que se vai desenrolando, de cinzenta passa a ficar cada vez mais escura, até que no fim é francamente preta! Os  anos 80 são filhos ou netos dos anos 20, e o que em geral era apenas mediocridade ontem, hoje é maldade, pois o medíocre engendra uma geração má. A mediocridade era, precisamente, o grande sofisma que tive de enfrentar.

Porque, naqueles tempos, o bem e o mal se misturavam muito. Havia tendências más encobertas de uma aparência tradicional boa. E não se podia saber com certeza se, no fundo, uma determinada coisa era boa ou má.

Nessa conjuntura, era-se levado a achar normal aquela mistura entre o bem e o mal. Ora, a condição para que eu perseverasse no bom caminho, era exatamente romper essa convicção, arrancar a máscara dos medíocres que viviam dessa composição impossível entre o bem e o mal.

E eu acabava por fim com a persuasão da maldade que havia naquela composição, a qual gerava sempre o mal, pois o bem era ali uma casca, uma aparência. Era a última brisa de uma tarde que já  se pôs, de uma luz que já está além dos montes. Há certas tardes em que o sol se põe e o céu ainda está claro: isso eram os anos vinte, debaixo de muitos pontos de vista.

Tive de batalhar! Batalhar contra o quê?

Contra as aparências, é verdade. Mas também contra a minha vontade de me contentar com as aparências. Contra a minha vontade de me dizer a mim mesmo que aquelas aparências eram reais e  levar a vida despreocupada, amena e cordial com todo mundo.

Formei a convicção interior de que era preciso ter um espírito diferente dos outros. E os outros notaram isso. Era uma grande batalha que começava!

Plinio Corrêa de Oliveira (Continua)

Desejo do sublime

Continuando suas clarividentes explicitações sobre a sociedade orgânica, Dr. Plinio mostra que os habitantes de uma cidade, animados pelo espírito católico, devem sempre procurar as coisas mais elevadas, o maravilhoso, o sublime. Do contrário, a cidade vai decaindo e acaba chegando à estagnação.

 

Todo regionalismo vive em torno de uma tradição que se aprofunda. Ao invés de o progresso se dar no sentido de adquirir elementos novos, realiza-se na aquisição de aprofundamentos novos, e então ocorre uma espécie de enclausuramento nos tradicionalismos ou nos regionalismos, por onde os regionalistas são tradicionais e os tradicionalistas são regionais. Isso provém da íntima ligação do espírito tradicional com as profundidades inesgotáveis, que jazem numa determinada região.

Um palácio de antigos reis transformado em Palácio de Justiça

Então, destruir uma região é desviar a atenção de suas profundidades para novidades que ficam borboleteando no noticiário. E, pelo contrário, vivificar uma região é fazê-la viver das novas conquistas que o aprofundamento proporciona. Esse dado me parece indispensável para formarmos uma noção exata de um verdadeiro regionalismo.

É importante notar o seguinte: por vezes, o tradicionalismo chega a um ponto de estancamento em que, por falta de novos aprofundamentos, ele não anda mais, fica estagnado, sem fecundidade, pitoresco, mas embolorado e malcheiroso como pode suceder com certos arquivos. Entretanto, isso nunca acontece ao verdadeiro tradicionalismo.

O que ocorre quando um tradicionalismo estagna?

Senti muito esse problema vendo uma fotografia de um pequeno palácio com as proporções de uma casa de família muito confortável, provido de certa seriedade, certo donaire. A legenda da foto indicava tratar-se do palácio dos antigos reis de um daqueles pequenos reinos — menores do que Aragão, Castela, etc., que a Espanha teve em certo momento —, hoje transformado em Palácio da Justiça. E refleti sobre o caso.

Por um lado, para o prédio não ficar abandonado ou tornar-se um museu, é melhor que ali figure o Palácio da Justiça. Mas constitui certa decadência uma construção, outrora habitação de reis, ser transformada em Palácio da Justiça, com o cotidiano próprio a uma repartição como essa. Por exemplo, as partes que entram para se querelar sobre as causazinhas locais: um pato que fugiu do quintal de um e entrou para o do outro; então, a quem pertence o pato? Os dez ou quinze metros de profundidade existentes no quintal são propriedade de quem? E o galinheiro que ali está, a quem pertence, então? Assuntos como esses são discutidos nas salas onde viveu uma pequena corte, e reinaram os pequenos reis daquele lugar.

Causa certa tristeza imaginar os primeiros dias da época em que essa cidadezinha não foi mais habitada pelos seus antigos reis, porque ela deixou de ser a capital do reino. Então, houve a alegria dos medíocres, pois, tendo ido embora o rei, a vida se tornou mais acomodada e banal.

Depois, aquela vida banal se perpetuou e a tradição transformou-se em paralisia.

A estagnação abriu as portas ao progresso descontrolado

Em seguida, entra o progresso… Por exemplo, em frente daqueles antigos palácios, transformados em repartições públicas, instalam-se um ponto de ônibus, uma bomba de gasolina e um bar com anúncio iluminado a gás neon.

O palácio dos reis continua e nele todo mundo vai discutir os frangos, os patos e os fundos de quintal. Entretanto, alguma coisa correu errada ali…

O fenômeno da estagnação é o mesmo em diversas manifestações da vida. Mas o que vem a ser a estagnação? Do que ela decorre? A que males ela conduz? Até que ponto ela é o grande argumento dos inimigos da tradição?

Parece-me ser esse um ponto muito importante dentro do assunto da sociedade orgânica, pois, mais ou menos por toda parte, o progresso descontrolado entrou porque a estagnação lhe abriu as portas.

Quando se estuda o século XIX — por excelência o período em que os progressos entraram: eletricidade, bonde, ônibus, trem, enfim todas as novidades foram muito mais do século XIX do que do XX —, nota-se uma estagnação em diversas áreas, e os povos se voltam deslumbrados para essas novidades, pois a estagnação lhes tinha fechado todos os horizontes.

Então, os partidários da tradição começam a escrever revistinhas, lembrando como tal coisa era pitoresca, tal outra era bonita. Ou fazendo uma polêmica: como se deve escrever tal palavra típica da região: com K ou com C? Nascem, então, os pequenos eruditos locais que são verdadeiros vermes devoradores de papel: “O Rei tal escreveu, em sua carta de tanto, tal coisa assim; mas tal Juiz, que era um luminar e redigiu um livro de Direito, traduzido na Universidade de Compostela, refutou de tal jeito…” E faz-se uma erudiçãozinha local, que ainda agrava o peso da estagnação. Uma espécie de necrologia.

Em geral, quando vem ao espírito esse problema da estagnação, ele se associa à ideia de um lugar pequeno no qual tudo ficou imóvel. Não obstante, essa situação pode exercer um poder de atração extraordinário.

Prêmio Nobel para um indivíduo de uma cidadezinha

Li certa vez, em uma revista francesa, o caso de uma família que vivia numa cidade bem pequena da França. Todas as noites, terminado o jantar, o pai, a mãe e o filho iam a uma confeitaria, em frente à casa deles. Embora o filho já fosse homem feito e os pais bem idosos, ainda saíam juntos, como no tempo em que ele era menino. O filho era um solteirão que passava o dia estudando, não fazia outra coisa.

Nessa confeitaria tomavam sempre as mesmas bebidas, puxavam um jogo de dominós, que ficava junto à mesa desde tempos imemoriais.

Certo dia estoura a notícia que deixou todo mundo da cidadezinha pasmo e entusiasmado.

Esse homem, que jogava dominó com os pais, passara a vida inteira estudando, sem que ninguém lhe perguntasse qual o tema dos estudos. De repente, ele recebe uma carta da comissão Nobel comunicando-lhe que, devido a um trabalho fantástico por ele realizado, receberia o Prêmio Nobel. Nessa ocasião, ele seria convidado pelo Rei para um jantar de gala no palácio, junto com sua família.

Aquilo produziu um movimento extraordinário na cidadezinha. O homem viajou para a Suécia e, no mesmo dia em que voltou para o lugarejo onde morava, foi com seus pais jogar dominó na confeitaria.

É um sintoma característico de estagnação com aquilo que ela tem de simpático, pois são costumes preservados, nos quais se nota certa candura aprazível. Isso também revela uma seriedade de afeto entre ele e seus pais, uma serenidade de vida, um desapego de uma porção de coisas que o mundanismo oferece.

Mas, de outro lado, é de assustar! Toda noite, durante uma vida inteira, jogar dominó com o pai e a mãe, sem ninguém de fora na roda!

Não se pode afirmar que, neste caso, a estagnação conservou alguma fecundidade que permitiu ao homem aquela invenção. O Prêmio Nobel foi proporcionado pela cidade, na medida em que esta evitava uma série de obstáculos que a vida moderna põe para a produção; mas a descoberta não foi, nem um pouco, inspirada pela vida local, nem trazia benefícios para esta. A cidade continuava inteiramente estagnada.

A vida popular na Idade Média

Devem existir centenas de coisas dessas, mais ou menos em todos os países da Europa.

Contudo, sempre levados pela ideia de a estagnação ser um fenômeno de pequenos lugares, nosso espírito se volta para a Ásia, África, Austrália para ver se encontra alguma coisa parecida com essa estagnação.

É evidente que nesses continentes há um mundo de aldeias. Porém, não se ouve falar de um lugar pequeno que seja célebre pelo seu pitoresco, e a respeito do qual se poderia fazer um conjunto como, por exemplo, a “Exposição do pueblo español”, em Barcelona.

Por quê? Pela simples razão de que não se constituíram aldeias nas quais houvesse um regionalismo no sentido do existente na Europa, ou seja, um local com suas características próprias, vivas, e que em determinado momento progrediu e formou um ambiente de vida distinto dos outros: quase se diria uma civilizaçãozinha.

Então, chegamos à conclusão de que a Europa, em determinado momento, teve um enorme florescimento de pequenas unidades que vicejaram extraordinariamente, e isso não se encontra em nenhuma outra zona do mundo, sendo um fenômeno de vitalidade europeia, medieval, e com a característica curiosa de ser, não exclusiva, mas preponderantemente popular.

Portanto, mais do que todas as declamações do enciclopedismo, do iluminismo sobre os direitos dos pobres, o que comunicou à vida popular uma chama, por onde cada local poderia ser uma lamparina acesa, foi a Idade Média. Não se poderia fazer coisa mais importante para o povo do que dar-lhe elementos pelos quais ele fosse capaz de gerar isso. Em vez de viver obscuramente e sem originalidade à sombra dos ricos, fazer ele mesmo, seu mundinho e sua civilização.

Em Roma e na Grécia, o povo era considerado uma ralé

Uma vez mais os incito a pensarem nesse assunto. Isso não existiu nem sequer entre os romanos ou gregos. Quem ouviu falar de uma aldeia clássica, grega, do mundo helênico, ou do mundo romano? Na cultura clássica, alguém se ocupou de aldeias, da arte popular? O povo era uma ralé anônima, no pior sentido da palavra, porque não tinha personalidade. Roma era Roma por causa de uma elite de patrícios, no começo, e de aventureiros depois, no tempo do Império, com certas características. Mas o povo não tinha nada.

Trata-se de saber qual a origem desse fenômeno na Idade Média e, tendo-a localizado, procurar estudar a estagnação.

A única força atuante, no mundo no período originário da Idade Média, era a Igreja, porque todas as outras forças do antigo Império Romano ruíram, dando lugar à barbárie, em luta contra a Igreja Católica. A barbárie, de si mesma, não tinha a intenção de combater a Igreja, mas era completamente plasmada e formada de um modo oposto ao da Igreja. E, portanto, formavam-se entrechoques, a Igreja era obrigada a dizer para tal guerreiro, tal rei ou rainha bárbara quais eram os deveres de cada um e, por vezes, eles não gostavam de cumprir.

Como surgiu o feudalismo

Tomemos a origem do feudalismo, como é narrada pela maioria dos historiadores. Em propriedades agrícolas os habitantes, atacados por hordas de invasores, recorrem ao proprietário da região, que é o chefe natural, para se defenderem. Esse proprietário se dispõe a acolhê-los nas suas próprias terras e se defender junto com eles. Então eles mesmos pensam em construir uma muralha, e com o tempo sofisticam as suas formas para resistir melhor à agressão. Depois, edificam no recinto da muralha a torre de ménage, para poder ver mais longe o inimigo, e, posteriormente, residências de refúgio para a população quando o agressor ataca.

Torna-se um sistema pelo qual o proprietário se transforma em autoridade. Todos dependem dele, e um direito público se constitui. O mesmo se passa em inúmeras propriedades, sob a pressão das mesmas circunstâncias. Surgem os castelos, nasce o feudalismo. Tudo parece tão lógico!

Mas eu pergunto se os proprietários de hoje, querendo se opor a eventuais invasões, fariam uma resistência da qual surgiria o feudalismo. Creio que não, por faltar aquele espírito católico que caracterizava os medievais. Estes eram tão católicos que punham sempre uma capela na praça central do castelo, rezavam quando o inimigo chegava, enquanto este os sitiava, e davam graças quando o expulsava. Com isso o espírito religioso ia crescendo, a virtude aumentando também, resultando daí uma expansão religiosa.

Procurar sempre o mais elevado

Resta, então, uma pergunta: como do espírito católico pode dimanar o regionalismo e o feudalismo?

Por meio de sua doutrina, evidentemente baseada na Revelação; a Igreja põe diante de nossos olhos ideais imensos, uma noção do Céu que nos dá o desejo de uma perfeição e de um tipo de vida verdadeiramente maravilhosos, extraordinários. E que faz a alma ter o anseio do admirável, do magnífico e até do sobrenatural.

Ora, o normal é que esse desejo da sublimidade e do maravilhoso repercuta na vida terrena, levando as pessoas a espelhá-lo no seu cotidiano, não se conformando com a banalidade e a vulgaridade.

Disso não decorre o desejo de cada um fazer um palácio, mas sim de ornar com verdadeira arte, beleza e bom gosto o pequeno mundo em que está.

De onde decorre algo que o mundo pré-medieval não conheceu: a necessidade de ir sempre mais alto na ordem espiritual e, consequentemente, também na temporal. Um desejo de altura mais ou menos incomensurável, que fazia darem-se, por exemplo, coisas como esta: camponeses suíços, para ocupar suas noites de inverno, passavam longas horas conversando e, ao mesmo tempo, trabalhando a título de distração. Produziam, assim, esculturas de madeira para ornar a própria matriz. Por isso encontra-se, em certas igrejas da Suíça, uma magnífica exuberância de ornamentação oriunda do trabalho popular, artesanal.

Há nisso uma espécie de desejo de subir, de melhorar, sem sair necessariamente de sua classe, mas ornando e aprimorando as suas próprias condições de existência, que é muito expressiva de uma vida local, original, profundamente modelada de acordo com as circunstâncias, e que forma propriamente o que se chama “povo” numa sociedade orgânica, que a meu ver é muito diferente do que se denomina “povo”, por exemplo, em qualquer grande cidade moderna. O povo assim movido por esse desejo da perfeição, do maravilhoso, do sublime, era a expressão mais direta da vida espiritual fervorosa.

Febricitação das grandes cidades

Nota-se nisso uma forma de vitalidade religiosa, um desejo, ainda que subconsciente, do Céu Empíreo, o qual tem como consequência que a alma não se contenta em jogar dominó toda noite, não se satisfaz com a estagnação, mas quer subir, tende, de um jeito ou de outro, para a santidade e vive na grande admiração dos Santos.

À medida que as gerações foram passando, o culto aos Santos continuou, mas a admiração por eles foi, paradoxalmente, diminuindo. O Santo deixou de ser um personagem da família, para se tornar uma pessoa na qual se pensa quando se vai à igreja, e com a qual temos relações quando precisamos de favores. Já não é mais o que era o Santo antigamente, diante de cuja imagem a família rezava unida em casa, e cujo nome era dado a vários filhos, e sua vida era conhecida por todos os membros da família, servindo de ponto de referência. O Santo era um personagem da família.

Compreende-se, assim, o processo de estagnação. Acaba a Idade Média, o impulso de ascensão diminui e termina dando lugar a um esforço penoso, para evitar a decadência. Torna-se um sacrifício meditar em Deus, nos seus Anjos, nos seus Santos. O Céu não é mais um atrativo. Com isso, o progresso verdadeiro fica cortado no seu único nervo vital.

Notamos essa estagnação nas aldeiazinhas, porém não nas grandes cidades, porque estas foram invadidas pelo progresso promotor de uma vitalidade falsa, em que a estagnação foi substituída pela febricitação, pelas neuroses, pelas psicoses. Por isso, a estagnação, vista de dentro da cidade moderna, fica até simpática.

Entretanto, a cidadezinha do interior, que vai se modernizando, acaba tornando-se uma gota sem graça da grande cidade, ou uma pequena aldeia estagnada, sem vida, mantendo ainda algumas virtudes do passado, mas também estas sem vitalidade. Em certo momento, uma parte das gerações novas rompe com aquilo. E não adianta o bom vigário pregar contra isso, porque não há o que segure esse resultado da estagnação que devora o lugar, abrindo as portas a um progresso sem tradição, sem passado.

A piedade não é um meio, mas um fim

Temos, então, dois pontos extremos e opostos: de um lado, esse progresso que rompe com a tradição; de outro, o aprofundamento tranquilo das próprias originalidades e regionalidades, movido pelo desejo do sublime.

Creio que aqui tocamos o fundo da vida da sociedade orgânica.

A meu ver, as pessoas que constituíram uma sociedade orgânica não quiseram explicitamente fazer isso. É algo muito mais profundo, como em geral é o fervor religioso, que vem de um efervescer interior de amor, de dedicação, que não passa pelos alambiques de um raciocínio, mas explode diretamente como uma garrafa de champanhe.

Como esse fervor morreu, somos obrigados a acentuar muito o lado racional, mas em condições normais, em que toda a sociedade é movida pelo mesmo impulso rumo à perfeição, essas coisas nascem subconscientemente.

O amor de Deus, a união com Ele, com seus Anjos, seus Santos na vida espiritual, a piedade podem, pela graça divina obtida por meio de Nossa Senhora, se tornar tão extraordinários que deem na era descrita por São Luís Grignion de Montfort, o Reino de Maria, e cuja grande característica é um impulso para o sublime essencialmente sobrenatural.

Um indivíduo que quisesse ser piedoso para ter uma sociedade orgânica, não seria piedoso e não faria a sociedade orgânica. A piedade não é um meio, mas um fim. Se ela deixa de ser o fim da sociedade orgânica, esta morre. É preciso nascer do desinteressado amor a Deus, a seus Anjos e Santos, à sua Igreja, portanto, à Fé e à Moral da Igreja. A partir disso, o resto floresce. v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/8/1991)
Revista Dr Plinio 201 (Dezembro de 2014)

 

Musicalidade das relações humanas

A cortesia é a perfeita relação que passa por cima do abismo que há de homem para homem. Essa força que liga este abismo chama-se amor fraterno católico. A cortesia é o lado cheio de respeito, distinção e afeto que une as pessoas diferentes e as coloca numa relação como as notas de uma música. Dir-se-ia que as notas de uma bela música estão em estado de cortesia entre si.

Se uma pessoa irrefletida passa diante de um piano que está com a tampa aberta, escorrega e se apoia no teclado para não cair, sai um som horroroso parecido com uma descortesia. Porque não há harmonia. A cortesia é a musicalidade das relações humanas.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/6/1974)

A Igreja

Se devêssemos passar dois mil anos apenas aplaudindo a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, enquanto eu vivesse e as minhas mãos pudessem bater palmas, eu estaria participando desse aplauso.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/3/1980)

O amor ao maravilhoso por meio da admiração aos arquétipos

Um dos melhores modos de preparar-se para a visão beatífica é, já nesta Terra, amar o maravilhoso por meio da admiração aos arquétipos. Que relação tem esse amor com a prática do primeiro Mandamento?

 

Para saber o que é um arquétipo, é preciso saber o que é um tipo: a palavra arquétipo vem de “arqui” e “tipo”.

Definindo o que é um tipo e um arquétipo

Arquibancada é uma bancada por cima de outra. Tal coisa é arqui-conhecida, quer dizer, há uma porção de outras coisas que são conhecidas, esta é mais do que todas as outras; mais do que muitas outras.

Então, cada conhecimento, vamos dizer, cada degrau de uma escada é análogo ao outro, mas o mais alto degrau da escada pode ser mais ornado, com um tapete que deita suas franjas. É o mais importante, porque é o fim da escada. Ele é, de algum modo, o “arquétipo” dos outros degraus.

Na linguagem de nossa comissão de estudos chamamos de arquetipia o fato de que Deus pôs nas criaturas uma ordem, uma relação, pela qual umas são “tipo” das outras e a que está mais no alto é a arquetípica. Quer dizer, é o tipo dos tipos.

Uma rosa, por exemplo: é bonita, agradável de ver. É possível que alguém goste de olhá-la, embora não a ache “tipo”. Mas se ela tem todas as formas de beleza próprias a essa flor, dizemos: “Rosa é isto!” Ou seja, é uma rosa que caracteriza, que resume em si, que apanha as qualidades de todas as rosas. É um tipo!

Fulano é um brasileiro típico. O que quer dizer isto? Que se trata de um brasileiro que reúne em si as qualidades comuns da nação — qualidades e defeitos! —, mas de um modo especial aquilo por onde o brasileiro, nas suas qualidades e nos seus defeitos, é diferente das outras nações. Então olha-se para ele e diz-se: “Aquele é típico”.

Dentro do Brasil há tipos. Pode ser um gaúcho típico, um catarinense, um paranaense, um paulista, um carioca. Percorreríamos toda a lista dos Estados, cada um tem seu tipo. Quer dizer, ele tem os traços que todos têm, mas aquilo por onde, naquele Estado as pessoas são diferentes das outras, ele tem muito marcado. Então, ele é um tipo aquele Estado.

O arquétipo é o tipo multiplicado pelo tipo.

Outro exemplo: “Fulano é um siamês típico”. Quer dizer que ele tem tudo quanto é próprio a alguém que nasceu na Indochina onde havia o antigo Reino do Sião. Ou seja, ele tem tudo quanto é próprio a quem nasceu ali, mas tem de um modo característico que o diferencia dos outros. Quando esse “tudo” que ele reúne é “tudíssimo”, e o que o diferencia, diferencia muito, então ele é um arquétipo. Ele tem aquilo levado ao mais alto grau.

Tipos e arquétipos na Criação

Então, a tese é esta: Deus nosso Senhor criou as coisas de tal maneira que, por exemplo, toda espécie de pedras acaba tendo uma que é arquétipo das outras. Há pedras comuns, pedras “tipos” e pedras “arquétipos”. Podemos imaginar um rubi que um joalheiro pega com uma pinça. Perguntam a ele:

— Que pedra é essa?

Ele analisa, pensa um pouco e diz:

— Será um berilo? Será uma turmalina vermelha? Será uma granada?

Ele pensa mais um pouco e diz:

— Isto aqui é um rubi!

Se lhe dão uma outra pedra, ele olha um pouco e diz:

— Isto é um rubi!

Este é um “tipo”.

O primeiro é um rubi meio apagado, meio que se confunde com outras coisas. O segundo, não. É um rubi típico! Mas se lhe mostram um rubi da coleção dos antigos xás da Pérsia, um rubi multiplicado pelo rubi, ele diz:

— Oh, que rubi!!!

Tomemos outra coisa: um esquilo. É um bichinho tão engraçadinho, e faz coisas que têm muito de engraçadinho.

Entendemos, e há certos fundamentos disso em São Tomás, que todos os esquilos que Deus criou desde o começo do mundo até ao fim do mundo, não são criados a esmo, mas formam uma coleção. De maneira que todo os modos de ser principais, possíveis no gênero esquilo acaba até o fim do mundo existindo. E formam uma coleção de esquilos que morrem. Mas Deus criou essa coleção de esquilos.

Coleção de coleções

Assim tudo está coleções no universo. Mais perfeitas, mais graduadas, menos graduadas, mas tudo forma coleções.

Eu me lembro ter lido uma vez que num lugar do Polo Sul, por debaixo da neve — o Polo Norte é todo feito de água consolidada, já no Polo Sul há terra; terra é um modo de dizer, há corpos sólidos — há cardumes de camarões tão numerosos que através do gelo meio transparente se percebe o róseo passear. Não é bem o róseo, é a cor típica daquele camarão.

Todos os camarões desde o começo do mundo até o fim, todos os camarões, no fim, esgotam uma coleção. De maneira que quem os visse — se fosse possível ver todos os camarões que houve e haverá até o fim do mundo — compreenderia que é uma verdadeira beleza.

Alguém poderá dizer:

“Por que Deus faz isso? Se esses bichos desaparecem e Ele, no entanto, é eterno e tem em Si todas as perfeições, que lucro tem em ver esses bichinhos?

Para dar uma resposta: basta que os Anjos vejam para se justificar. Os Anjos assistem a tudo isso. Eles estão colocados, de algum modo, fora do tempo. Para eles tudo é de algum modo simultâneo; de algum modo, eu estou simplificando. Então, eles têm essa noção, eles cantam glórias a Deus.

Alguém dirá: “Mas quando acabar o mundo acabou isso também”.

Não, porque na recordação deles fica. Fica na nossa admiração, porque nós não vemos como eles e não podemos imaginar como é. Então, é uma bonita coisa, por exemplo, olharmos para o esquilinho e perguntarmo-nos: “Quantas modalidades de esquilo houve e haverá até o fim do mundo? Em cada gênero, quantas espécies? Em cada espécie, quantas famílias? Em cada família, quantos indivíduos? Que riqueza da obra de Deus! Que maravilha há dentro disso!” Dá para uma meditação muito bonita.

Seria interessante um dia, com calma, tomarmos alguns exemplos e analisar. Seria uma coisa muito adequada, muito boa!

Imaginem todas as criaturas, já não apenas cada gênero formando uma coleção, mas todas as criaturas que há ou houve na Terra, formando uma coleção de coleções — notem que os Anjos veem isso assim! — podemos imaginar a variedade.

Depois, em cada pináculo de uma coleção, um arquétipo, que é como o rei e o monarca daquela coleção! Várias modalidades de arquétipo, porque a natureza, vamos dizer, dos esquilos é tão rica que não basta ver um para dar uma ideia do “tipo” de esquilo. Oito, cinco, cinquenta, cinquenta mil arquétipos de esquilos. No fim pode-se imaginar o rei dos esquilos!

Mensagens de Deus

Isto que estou falando é acessível, é fácil de entender. E distrai o espírito. Por exemplo, não dá certo repouso tratar disso? Ora, a matéria é filosófica… Acredito que sendo apresentada a coisa de um modo humano, vivo e não apenas esquelético, as coisas da Filosofia podem atrair, e aqui está um exemplo concreto.

Agora, por que que Deus criou tudo isso? É para os Anjos verem. Está bem. Só para isso? Haverá uma outra razão? Há. É que todas essas coisas exprimem de algum modo a perfeição infinita d’Ele. Cada ser que existe é como que uma mensagem de Deus que nos diz:

“Meu filho, note, Eu também sou isto! O esplendor de todas as auroras, a majestade de todos os meios-dias e a dignidade vitoriosa de todos os ocasos, tudo isto reflete-Me a Mim. E se Eu devesse ser conhecido apenas nesse filme fantasmagórico que representasse todas as auroras, todos os meios-dias e todos os ocasos de todos os lugares do mundo, em toda a História, ainda Eu, nem de longe, estava esgotado para tu teres uma ideia do que Eu sou. Mas enfim, aqui está uma coleção que pode dar uma ideia genérica, global do que sou Eu, debaixo desse ponto de vista.

“Olhe agora para o esquilo! Na sua agilidade, naquilo em que ele faz sorrir, compreenda que há algo por onde Eu sou infinitamente aprazível, atraente, distensivo. Infinitamente… Sendo infinito, Eu tenho também em Mim a matriz infinita daquilo por onde o esquilo é engraçadinho. Poder-se-ia dizer: ‘Eu sou o mino, Eu sou a graça! Eu sou a majestade, Eu sou a bondade. Veja, meu filho, são mensagens que Eu dou!’”

O mais alto cume

Outro exemplo. Há uma imagem muito bonita — aliás, são duas imagens meio parecidas —; uma é a de Notre-Dame, está na fachada da Catedral de Notre-Dame de Paris, é Nossa Senhora com o Menino Jesus nos braços. Ela está complacente, muito materna com Ele que repousa posto nos braços d’Ela com intimidade! Mãe e o Filhinho criança. Ela é régia. O Menino Jesus, Homem-Deus, não terá feito algumas coisas à maneira de criança e com graça de criança para Ela olhar?

Outra imagem parecida é a de “La Virgen Blanca”.. São Luís, rei de França, primo-irmão do rei São Fernando de Espanha, mandou essa “Virgen Blanca” para a Catedral de Toledo, onde é conservada para veneração. É uma obra-prima. Ela tem uma expressão ligeiramente entretenida da reação infantil de Deus em face d’Ela! E Ela que é Filha do Padre Eterno, Mãe do Verbo Encarnado e Esposa do Espírito Santo, que conhece Deus como jamais criatura humana conheceu e que tem a ideia de todas as majestades, todas as grandezas de Deus como nenhuma criatura humana teve, Ela sabe que Deus, da excelsitude de suas perfeições, a está fazendo sorrir.

Sente-se o envolvimento do carinho, da bondade e um incitamento à confiança na misericórdia; tudo isto dá mil ideias sobre Ele, que é o ápice de tudo. É a ponta, o mais alto cume de tudo.

Coluna símbolo de certas almas

Mais: Ele não é só o mais alto cume. É mais do que isso.

Uma vez vi, numa ruína de um lugar de civilização greco-romana da Ásia Menor, no meio do cacareco, uma só coluna de pé! Havia acontecido tudo, mas aquela coluna tinha ficado de pé, sozinha! Eu senti um arrepio vendo-a.  Era uma coluna de ordem coríntia, muito ornada, com as folhas de acanto. Pensei: “Por que razão eu estou tendo essa impressão? Por que chegou a me arrepiar? É porque essa coluna lembra certo tipo de resistências que o homem pode opor, quando tudo em torno dele cai, mas ele continua de pé”.

Havia uma altiva família de príncipes, em Roma, que se chamava Colonna — Colonna quer dizer coluna — e o brasão deles era uma coluna com os dizeres: “Mole sua stat” — por seu próprio peso, por sua própria figura, está de pé.

Aí eu percebi qual era a razão pela qual aquela coluna me tinha arrepiado. Começo por dizer que não me arrepio com arte grega nem romana, não tenho grande interesse. Tem coisas muito bonitas, mas não é para o meu gosto especial. Cada um é lá de um jeito. O meu é este!

Aquela coluna me impressionou, não por ser de estilo grego, mas por estar de pé daquela maneira. Entendi que a coluna lembrava uma ordem de seres, uma categoria de seres muito superior a ela, que é o homem. O fato de lembrar o homem, de indicar que ele transcende a coluna por sua natureza — ele é muito mais! A coluna tem, em pedra ou em tijolo, o que o homem tem na alma. Firmeza de alma. Essa firmeza o homem-coluna tem!

Por exemplo, Santo Atanásio chegou a ser muito perseguido porque combatia os arianos com muito vigor. No tempo do Império Romano do Ocidente e do Oriente, já cristianizado, católico, o mundo inteiro, de repente, ficou ariano e ele quase ficou sozinho na luta.  Foi tão perseguido que em certo momento ele não teve outro remédio, para evitar ser morto, do que entrar na sepultura dos pais e morar ali, escondido. Mas ele lutou contra tudo e contra todos e o Concílio de Niceia, com gáudio enorme, acabou definindo algo sobre a relação da natureza humana e da natureza divina em Jesus Cristo, de acordo com a verdadeira doutrina e contra o que Ario queria. Daí decorria que Nossa Senhora era Mãe de Deus.

Santo Atanásio pode ser chamado a coluna da Igreja. Pobre coluna que eu vi de pé no meio das ruínas… Um terremoto a derruba! Nada derrubou Santo Atanásio!

Ele tinha a graça de Deus que o ajudou. Mas ele correspondeu! A muitos Deus oferece a graça e não correspondem. A ele não, Deus ofereceu e ele correspondeu largamente, generosamente! O nome dele ficou com uma espécie de glória de fogo na História da Igreja.

Santo Atanásio transcende as colunas. Quer dizer, ele é de uma natureza superior. Aquilo que a coluna tem por analogia ele tem com muito mais propriedade, pois está na natureza humana.

Deus é transcendente. O que tem o esquilo, o rubi, a coluna, Santo Atanásio, Deus é tão superior, mas tão superior que Ele transcende a isso. É de uma superioridade que é um abismo entre Ele e nós. Para lá desse abismo está a perfeição d’Ele.

Pelo seguinte: podemos dizer que Santo Atanásio era fiel, era forte. Deus não é nem fiel nem forte, Ele é a Fidelidade, a Força. Todo mundo que é fiel o é por uma participação d’Ele. Ele é o Motor Imóvel. Tudo subsiste porque Ele sustenta. Por cima de tudo está Ele!

Em busca do mais excelente

Para compreendermos essa relação e para se ter uma certa noção da infinitude de Deus, consideremos que Ele criou uma coleção enorme de coleções, de tipos e de arquétipos. O homem não é o arquétipo da coluna; Santo Atanásio está para a coluna numa relação, não igual, mas um tanto parecida com a relação entre Deus e o homem. Deus, não tem ninguém acima de Si, Ele é supremo, perfeito, infinito.

Então o que acontece com a natureza humana? Quando ela é reta, instintivamente procura os arquétipos.

Uma criança deitada no berço, que apenas sabe dizer “maaaaa”, se amarrarem num fio de linha uma bolinha de pingue-pongue, branca e comum, o seu instinto lhe diz que algo existe. E ela procurará desajeitadamente com os braços, pegar a coisa. Quando pega, ela tem o instinto de propriedade. Tenta-se tirar e ela não deixa… Mas há algo que não falha: há bolas bonitas que se põem em árvores de Natal. Eram bonitas, com cores reluzentes, dourado, verde, vermelho, azul, cores lindas! Se suspenderem ao mesmo tempo diante da criança a bolinha de Natal e a de pingue-pongue. Ela tem um movimento para o maravilhoso: ela vai para aquilo que tem mais luz! É uma coisa instintiva!

Ponham para uma criança um instrumento de música que bata: pam! pam! pam! — um só som. A criança se habitua e não nota. Imaginem que se ponha um pouquinho de música. A criança, estando um pouco mais desenvolvida, presta mais atenção. Por quê?

Porque a sua natureza é apetente de maravilhoso, no fundo apetente de Deus! Se de algum modo, nos seus sentidos, ela fosse tocada por Deus, ela inteira se voltaria para Ele. A criança apetente do maravilhoso e no fundo, por isto mesmo, apetente de Deus, ela, quando se coloca diante de algo mais excelente, ela tende para aquilo que é mais excelente. Isso é reto. Pode ser que depois a criança abuse, tenha a mania de ter uma coisa, desordens próprias da natureza humana. Mas, em si, este primeiro movimento é um movimento reto. É um movimento pelo qual o homem quer aquilo que é mais excelente, que lhe convém mais!

“Enorme”, um cavalinho de pano

Por causa disso, a criança tem uma imaginação muito fértil. Ela facilmente atribui aos brinquedos que tem uma qualidade que eles não têm.

Uma vez passei por uma cruel decepção. Eu tinha talvez três ou quatro anos e possuía um brinquedo comum: um cavalinho de pano posto sobre umas rodinhas com eixo de metal e havia um laçozinho pelo qual eu podia puxar o cavalo. Ele, para meus braços, era um cavalo muito grande, tinha até uma certa dificuldade de segurá-lo, então, chamava-o de “Enorme”.

Quando ia brincar, pedia para me darem o meu “Enorme”.

Quando minha mãe adoeceu, fui com ela para a Europa, para ela ser operada, e guardaram num armário o “Enorme” para eu brincar quando voltasse.

Durante a viagem à Europa, de vez em quando eu falava do “Enorme” e quando voltei, eu tinha talvez um ano a mais e nesse período um ano faz uma boa diferença, pedi:

— Quero o meu “Enorme”!

Levaram-me, lembro-me como se fosse hoje, para o quarto do andar térreo da casa, onde havia um armário onde se guardavam os brinquedos de minha irmã, de minha prima e meus. Estava tudo trancado, porque todo mundo esteve fora nesse período. Então, tiraram e me deram o “Enorme”.

A minha primeira reação foi:

— Esse não é o “Enorme”!

Risadas de duas ou três pessoas em torno de mim. Era terrivelmente parecido com o “Enorme”, mas terrivelmente mais “poca” do que o “Enorme”. Qual era a razão?

Em parte eu tinha crescido, o “Enorme” tinha deixado de ser enorme. Em parte, eu via o “Enorme” e notava muito que ele era de pano; quando fiquei mais velho, vi que era um boneco. Quando eu fui viajar imaginava-o quase como se fosse um ente vivo. Eu atribuía ao “Enorme” algumas qualidades que um cavalo deveria ter e que um boneco não podia ter. Estava, no fundo, à procura da arquetipia do cavalo, de alguma coisa que o transcendesse: era o cavalo vivo!

Desejo de coisas mais altas

Coisas dessas são movimentos que existem na alma de todas as crianças. E uma das coisas que faz a maravilha da criança é exatamente isto.

Por exemplo, a árvore de Natal. Não há quem, em criança, não se tenha extasiado diante de uma árvore de Natal. Mas o que é a árvore de Natal?

Podemos imaginar que ela seja a figura de uma árvore como poderia existir no Paraíso terrestre.

O homem como está na terra de exílio, não tem as coisas como as do Paraíso. Nele as coisas são muito mais bonitas. O que no Paraíso é mero tipo, para a terra é um arquétipo não alcançável. Então, o homem imagina a árvore de Natal e a criança se encanta, porque sua alma é desejosa de uma perfeição não existente nas coisas que existem. E ela quereria uma ordem de coisas, quereria uma natureza, quereria outras pessoas, quereria tudo como não existe, porque a sua alma foi feita para coisas maiores e deseja essas coisas maiores.

Agora, porque ela deseja essas coisas maiores acontece que ela tem uma forma de talento por onde ela como que adivinha a perfeição que tudo deve ter. E por causa disso também, a criança tem uma imaginação muito criativa e tem o senso do maravilhoso levado a um alto grau.

Educar catolicamente

Numa educação verdadeiramente católica, os pais deveriam fazer o quê? Lecionar, ensinar às crianças a realidade inteira. Quer dizer, o que tem aqui é isto. É assim porque estamos na terra de exílio, foi cometido o pecado original, depois nós também pecamos, o que merecemos é isto. Isso é muito bonito. Então, o esquilo é muito bonito! Mas se quiser imaginar que haja esquilos se movimentando no Paraíso, como seriam?!

E quando passa, às vezes, um bicho muito extraordinário: uma borboleta azul e prata, um beija-flor, alguma coisa assim, temos a impressão de que se extraviou do Paraíso e foi parar na Terra!

Por isso, quando uma criança que tem uma rede dessas para pegar borboleta, vê passar — diante de si, num parque ou na mata brasileira, ou sul-americano em geral, suponho —, uma borboleta azul e prata voando, a criança fica louca e quer pegar de todo jeito. É algo de maravilhoso que ela quer pegar.

A essa tendência, o pai ou a mãe deveria dizer:

“Olha, está vendo, Deus fez assim o Paraíso. Isso aqui era o ponto de partida. Isto aqui está aqui para você ter ideia de como as coisas poderiam ser e não são. Procure imaginar, olhe para o que Deus fez de maravilhoso, procure prestar atenção, procure imaginar como seria o Paraíso. Procure fazer com que tudo quanto você mexa, você modele, tenha alguma coisa que exprima essa sua tendência para o Paraíso. Rume para a perfeição!

“Mas, pobre Paraíso terrestre em comparação com o Paraíso celeste! No Paraíso celeste não há flores, há Anjos! E os Anjos estão dispostos desta maneira, daquela outra. E por cima de tudo está Nossa Senhora, mais sua Mãe do que é sua própria mãe. Porque Ela te ama mais do que todas as mães juntas amariam o filho único que tivessem. A você! E se você se sente um ratinho para ser amado assim por Nossa Senhora, acredite porque é de Fé, a cada ‘ratinho humano’ Ela ama assim! Creia e confie! Alegre-se e reze! Cuide de servi-la, de batalhar por Ela!

“Mas olhe para os olhos de Nossa Senhora, você verá que no fundo há um “lumen” que vai muito além do d’Ela. Ela está olhando para você, mas Ela, ao mesmo tempo, está olhando para alguém, [esse] alguém é o Divino Filho d’Ela! Há um “lumen Christi”, uma luz de Cristo n’Ela que já vai além do humano. É humano, mas é divino. Mais ainda, Ela está vendo Deus face a face! Olhe para os olhos d’Ela e é como se você olhasse num espelho para ver o Sol: o maravilhoso do maravilhoso do maravilhoso, a perfeição de todas as perfeições!”

Se todos os homens tivessem isso diante de si, o mundo não seria outro? Por exemplo, um sermão sobre isso numa igreja, realçado por algo que tem a palavra do padre que a do leigo não tem: é a graça do sacerdócio. Realçado pelo púlpito, pela dignidade do edifício sagrado e pelas bênçãos especiais que Deus põe nele. Tudo ali reunido e um padre dizendo isso. Não seria de comover? As pessoas não chegariam meia hora, uma hora antes para reservar o lugar para ouvir o sermão?

Assim deveriam ser os homens.

O contrário da formação católica

Quanta gente eu vi em torno de mim, já naquela remota época em que eu era pequeno, em que a formação não era dita assim, mas era isto: “Essas coisas são bobagens de infância, não pense nisso! Tudo quanto é maravilha é sonho. Você perde a partida da vida se você pensar em coisas dessas. Seja prático! E, para ser prático, você precisa das duas coisas: ter saúde e ganhar dinheiro!

“Preocupe-se em saber responder a esta pergunta: ‘Como ter saúde?’ Saiba o que é que lhe fez bem, o que é que lhe faz mal. Faça os seus exercícios. Mova-se de maneira a ter saúde, porque a doença é um horror. Outra coisa, que é preciso ganhar dinheiro. Seja rico! Porque a pobreza é a mais triste das condições. Aprenda como ganhar dinheiro. Saiba sorrir, agradar, bajular, dar rasteiras, dar golpes, avançar, recuar; saiba fazer tudo, contanto que te caia nas mãos esta coisa incomparável: o ouro! Corra atrás do ouro! Não sonhe com as coisas nesta ordem. Que dinheiro te dão? Que saúde te dão? Feche seu horizonte e fique só nisso. Toque para frente na vida! Você terá o prazer, você terá a riqueza!”

Isso é o contrário da formação católica!

A resposta pode vir assim:

Alguém — com A maiúsculo e letras de ouro, que é o próprio Homem-Deus — disse: “Não vos preocupeis, “nolite” esse “solliciti”, olhai os lírios do campo, não tecem nem fiam, entretanto, nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como eles… (Mt 6, 28)”… Tecer e fiar eram profissões lucrativas no tempo d’Ele, não tinha máquina, então o trabalhador manual muitas vezes era tecelão, fiava e tecia. Quer dizer: confiai! Confiai, porque isso se arranja. A saúde pode ser recuperada e também a fortuna que se perdeu. Pode ser ganha a fortuna que não se teve. Pode ser obtida a saúde que não se perdeu. É possível — não digo que é certo — mas é possível. Uma coisa não se perde,  não se recupera: é o tempo perdido!

Estado de amor ao maravilhoso

É preciso uma graça muito grande para que uma alma que se tenha deixado trancar nesses horizontes mais baixos volte a compreender e a querer o maravilhoso. É uma verdadeira conversão. Para essa conversão é preciso ter graças muito grandes e muito especiais. Uma graça assim se chama o “thau”!

Então, saibamos compreender o nosso “thau”: esse estado de amor ao maravilhoso, de amor desinteressado ao maravilhoso que é um dos aspectos por onde se vê o amor a Deus — amar a Deus sobre todas as coisas, primeiro Mandamento — esse aspecto, esse amor ao maravilhoso, que é um modo de focalizar o amor a Deus, eu não falei o que é porque o meu tema se tornaria inesgotável. O ver, por exemplo, as grandes figuras históricas canonizadas que refletiram a Deus de um modo, de outro modo, como foi etc. Por exemplo, na Basílica de São João de Latrão, onde mostram, no chão, a laje de pedra sobre a qual estava ajoelhado Carlos Magno na noite de Natal quando o Papa entrou e o coroou imperador, sem ele saber.

Se qualquer um de nós fosse dono dessa pedra, dava até a sua vida para defendê-la. É maravilhoso muito mais do que rubi, do que flor, do que não sei o quê. São duas almas. Carlos Magno, que em alguns lugares é venerado como Santo — a Igreja não se pronunciou — e que deixou um aroma de santidade na Igreja inteira até hoje, e Leão III, Papa, Vigário de Cristo, representante de Cristo na Terra, com o poder de ligar e desligar — “O que ligares na Terra estará ligado no Céu, o que desligares na Terra estará desligado no Céu” (Mt 16, 19) — coroando o Imperador do Sacro Império.

Pobre rubi,  pedregulho engraçadinho diante da majestade dessa cena. Os sinos da Cidade Eterna bimbalhando, o Papa que entra: Carlos Magno majestosamente humilde, ajoelhado naquela laje de pedra para rezar e o Papa que manda trazer uma coroa com a qual ele não contava e o coroa ali imperador do Sacro Império. Funda o Sacro Império! Que beleza!

Que esse Sol volte a iluminar o mundo

Quando uma alma conserva a inocência, ela encontra o “thau”. Mais ou menos como uma flor que está para se abrir encontra, de manhã, o primeiro raio de sol que bate.

Às vezes, chegamos a certa idade com a inocência reduzida a cacos. Mas, oh cacos preciosos! Eles são como aqueles peixes e pães da multiplicação. Bondosamente, Nossa Senhora os toma e os apresenta a Nosso Senhor: “Vede que cacos, Meu Filho” e Ele os recompõe.

Aí temos o ideal católico: Forte, puro, unido e se regozijando com coisas tão espirituais.

Isto tudo nos leva a muito altas considerações, nos leva à ideia de que devemos pedir a Nossa Senhora essa inocência. Devemos pedir para nós, devemos pedir para os nossos irmãos de vocação. Devemos pedir para todas as criaturas de Deus, porque Deus é infinito no seu desejo de bem e quer abarcar com sua grandeza e com sua bondade a criação inteira.

E então compreendemos o seguinte: há uma coisa em nossa época que tem uma beleza comparável à beleza de Carlos Magno sendo coroado por Leão III: É lutar para que esse Sol volte a iluminar o mundo.

Esse Sol é Deus, é Nosso Senhor Jesus Cristo! O vitral por onde entra esse Sol é Nossa Senhora!               v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/10/1985)

Bem-aventurados os que esperaram

Devemos viver para o Reino de Maria e os grandes lances da nossa história. Como esses acontecimentos demoram, a atitude perfeita é a daquele que diante de cada notícia boa estremece, na esperança de que tudo se realizará. Entretanto, se não iniciam já, espera sempre alegre, pronto, disposto, chegando à conclusão: “Deus virá a qualquer momento! E quando Ele vier, encontrará a minha alma preparada!”

 

O  mundo de hoje é muito habituado ao combate contra a espera, e até certo ponto se compreende porque a espera parece engasgar o curso natural das coisas. Por causa disso, a meta da mecanização em nossos dias é apressar todas as coisas e suprimir todas as esperas.

A espera é uma preparação e uma maturação que nos faz dignos de receber algo desejado longamente

Embora essa aversão à espera tenha algo de natural, possui também algo de excessivo, porque no mundo contemporâneo não se compreende o papel da espera na maturação e na formação do homem.

Por exemplo, hoje se toma um avião e, saindo de São Paulo, chega-se à Europa em menos de doze horas de voo. Portanto, em poucas horas transpõe-se o Oceano Atlântico e salta-se para um outro mundo, outra vida, deixando para trás a América.

Antigamente, tomava-se um navio para a Europa, e a viagem demorava quinze dias, durante os quais a pessoa ia preparando o espírito para entrar no país para onde rumava. Essa demora tinha preparado uma maturação. Por isso, chegava-se à Europa maduro. Hoje não: é-se ejetado de dentro do avião e já se sai correndo para outro lugar.

Por vezes, a espera é uma preparação e uma maturação que resulta do desejar longamente uma coisa e que nos torna dignos de recebê-la.

Vemos na Escritura longas esperas e, às vezes, contra o impossível. Por exemplo, segundo uma bela tradição, São Joaquim e Santa Ana, os pais de Nossa Senhora, eram muito velhos, estavam além da idade em que um casal tem filhos. Foi nessa ocasião que milagrosamente nasceu Nossa Senhora.

Ora, algo lhes dizia em seu íntimo que seriam antepassados do Messias, e passaram todo esse tempo esperando. Mas isso é uma coisa extraordinária, porque eles se prepararam, durante a vida inteira, para receber a Mãe do Messias. Teriam sido muito menos preparados para isto se, assim que eles se casassem, a Mãe do Messias, ao cabo de nove meses, nascesse.

Nosso Senhor teve esperas cheias de decepções

A espera tem um grande sentido. Por isso encontramos no Antigo e no Novo Testamentos manifestações de espera assombrosas.

Por exemplo, Nosso Senhor preparou os Apóstolos para serem o que foram. Vejam, entretanto, no que deu o plano do Divino Mestre: de doze Apóstolos, um se torna traidor; os outros onze fogem no Horto das Oliveiras; Ele fica sozinho. Um Apóstolo ainda O renega, São Pedro, e logo de uma vez aquele que deveria ser o chefe da Igreja! Quer dizer, tudo dá errado; é uma espera cheia de decepções, de situações desencontradas.

Pensar que daqueles doze presentes na Ceia mais memorável da História, um trairia; outro, São João, por quem Nosso Senhor tinha uma particular preferência, que encostou a cabeça sobre seu divino peito e ouviu a pulsação do Sagrado Coração de Jesus, esse fugiria como os demais. Quem haveria de imaginar uma coisa dessas!

Nosso Senhor ressuscita, convoca os Apóstolos, eles se convertem, está tudo direito, começam o apostolado pelo mundo.

Chega um Apóstolo que era um perseguidor, um fariseu – quanto Jesus falou contra os fariseus! – que se converteu e, por assim dizer, conquistou para a Fé toda a bacia do Mediterrâneo.

No meio de tudo isso, quanta espera e até quanta decepção teve o Redentor! Mas na ponta de tanta decepção, aguentada com desejo e com a certeza de que viria a conquista do mundo, esta acabou vindo.

A espera sem agitação favorece o pensamento

A beleza disso se apresenta por si mesma, é uma verdadeira maravilha. Deus quer daqueles que desejam alguma coisa d’Ele, que esperem longamente. E isso não está de acordo com os hábitos modernos.

Hoje em dia procura-se eliminar toda espécie de espera; mas por isso também toda forma de maturidade, de reflexão, de pensamento, de meditação está eliminada. Em geral, os países onde mais se corre e menos se espera são aqueles onde menos se pensa.

Considerem os grandes pensadores de outrora: Aristóteles, Platão, na Antiguidade; ou do mundo romano: Santo Agostinho, Santo Ambrósio; ou da Idade Média: São Tomás, São Boaventura, etc.

Pode-se imaginar São Tomás de Aquino fazendo uma tournée de conferências na América do Sul, “pingando” em um avião de capital em capital? Isso não “engarrafaria” o pensamento dele?

Pelo contrário, se São Tomás se deslocasse lentamente sentado num carro puxado por cavalos, ou ele mesmo montado num cavalo, naqueles longos intervalos ele não pensaria, não refletiria? Evidentemente sim. É a vantagem da espera.

Beleza própria da espera

Quando se deseja uma coisa boa, a espera tem uma beleza própria. Suponhamos que Cristóvão Colombo, em sua navegação, não tivesse sofrido aquela espera medonha para chegar até à América, mas, por essas ou aquelas razões, ele tivesse de navegar doze dias, ao cabo dos quais chegasse a uma ilha do Caribe e, de lá, começasse, com seus subordinados, sem muito esforço, a ocupação do novo continente. Uma viagem fácil, simples, rápida, eles chegaram e tomaram posse e começaram a desbravar as novas terras. Não perderia muito?

Mas aquela navegação que não acaba mais, e os marujos se revoltando contra ele… Afinal, aparecem boiando pelo mar pedaços de vegetação, indicando haver terra próxima. Então alguém anuncia: “Terra à vista! Olha ali a vegetação!” Nesse momento, todos se reconciliam.

É muito mais bonito porque não só esperaram, mas esperaram contra toda a esperança. Batalharam para conseguir, sofreram, correram riscos, na incerteza de que, talvez, nunca chegariam a nada. Quem poderia garantir que esse mar não era uma espécie de deserto: gira, gira, gira e não encontra nunca mais terra alguma. Então estavam perdidos, haveria de chegar um momento em que eles não tinham mais água para beber. A morte os esperava. Uma morte de esmeralda e de anil, mas a morte. Entretanto, vão para a frente, vendo como Colombo continuava a esperar.

O lindíssimo episódio de Abraão com Isaac

Porém ainda mais bonita é a espera quando ela culmina em um milagre. Porque no milagre vê-se a mão de Deus, de Nossa Senhora que, por assim dizer, vara as nuvens e aparece dando ao homem aquilo que ele tanto desejou.

É por isso mesmo que muitas vezes vemos, no Antigo Testamento, Deus aparecer, prometer e depois cumprir. Mas, às vezes, há pelo meio toda espécie de dificuldades.

Pensemos no lindíssimo episódio de Abraão com Isaac. Abraão era velho, mas Deus lhe prometera uma numerosa descendência. Afinal, depois de esperar muito, acabou tendo um filho.

Nasce um menino e, quando este fica mocinho, Deus aparece a Abraão e lhe diz:

– Este filho que te prometi, quero que tu o mates em honra a Mim.

Abraão poderia dizer:

– Mas, Senhor, e a promessa? Vós, então, prometeis um filho para tirá-lo depois? E esse menino morre sem ter descendentes! Vós não estais caçoando de mim? Não estais vos burlando da esperança que fizestes nascer no meu débil coração de homem, ó Deus?!

Nada! Ele leva o menino até o alto do monte, disposto a matar o filho da promessa. Com a ajuda da própria vítima ele constrói o altar onde ela deveria ser morta. Ainda enquanto caminhavam para o local do sacrifício, Isaac pergunta:

– Meu pai, temos o fogo e a lenha, mas onde está a vítima para o holocausto?

E Abraão responde ao menino:

– Deus providenciará a vítima para o holocausto, meu filho.

Concluído o altar, Abraão talvez tenha dito a Isaac:

– Deite-se em cima do altar.

Como a dizer: “A vítima é você.”

O menino, dócil como o pai, deita-se. O pai toma a faca e vai brandir um golpe para matar o menino e, no último momento, quando ele ia despencar o ferro no peito do filho, aparece um Anjo e diz:

– Abraão, Abraão! Pare! Deus estava te provando, queria ver até onde vai a tua obediência. Em atenção a tua esperança e a tua disciplina, os teus filhos serão mais numerosos do que as areias do mar e as estrelas do céu (Cf. Gn 22, 2-18).

Abraão não podia imaginar o acontecimento infinitamente maior que se daria: um de seus descendentes seria a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada! O Verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14), quer dizer, Nosso Senhor Jesus Cristo. Deus se encarna na raça judaica, dando, portanto, a Abraão que era o primeiro, o depositário da promessa ao povo hebreu, uma plenitude de recompensa incomparável.

É verdade que a descendência dele seria mais numerosa que as areias do mar e as estrelas do céu; mas, sobretudo, qualitativamente seria maior, pois nela nasceria o Filho de Deus.

Diante da demora, devemos estar sempre alegres, prontos e dispostos

Entretanto, no momento em que nasce o Messias o povo está de tal maneira decadente que é o próprio povo eleito que mata o Messias esperado. Pode haver uma coisa mais terrível do que esta? Cai, então, sobre o povo uma terrível maldição, a maior da História.

Considerem, então, a esperança: Deus prometeu que, por seu amor ao povo de Israel, no fim dos tempos esse povo vai se converter. A história das relações de Deus com o povo judaico se abre por uma prova tremenda e termina com uma reconciliação dulcíssima. Esperar, esperar e super esperar acaba dando certo!

Talvez valesse a pena, em alguma ocasião, contarmos a história de nossas esperas e esperanças. Em face da espera, vemos dar-se uma seleção: há quem procede mal e aqueles que procedem bem.

Os que procedem mal são, por sua vez, de duas espécies: uns se desinteressam, desesperam e começam a se preocupar com as coisas do mundo. Em vez de viverem para o Reino de Maria que virá e para os grandes lances da nossa história, como esses acontecimentos demoram, eles se desesperam e concluem: “Não, isso não dá certo!” Ficam, então, agressivos, briguentos, intratáveis e acabam se lançando, por exemplo, atrás do dinheiro e de tantas outras coisas, procurando engrandecer-se nas vias deste mundo.

Outros tomam um rumo diferente. Esperam durante algum tempo, mas como a esperança não se realiza logo, eles vão entibiando nas vias da vocação, caem numa modorra que os deixam completamente indiferentes diante das maiores maravilhas.

Qual é a atitude perfeita? É a daquele que com cada notícia boa estremece: “Quem sabe se agora vai começar…” E se não inicia já, espera para amanhã, para depois de amanhã. Sempre alegre, sempre pronto, sempre disposto, chegando à conclusão:

“Deus virá a qualquer momento! E quando Ele vier, encontrará a minha alma pronta! Eu não me cansei de esperá-Lo porque Ele é infinito e perfeito. Ora, o infinito e o perfeito se esperam, por assim dizer, infinitamente para esperá-los perfeitamente. Bendito o dia em que a palavra de Deus, confirmada, baixar sobre nós. Vamos para a frente! Nesse dia, poderemos dizer: Bem-aventurados os que esperaram; deles foi a promessa, deles é a vitória!”

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/7/1988)

Revista Dr Plinio 248 (Novembro de 2018)