Torre de Marfim, rogai por nós!

Uma das lindas invocações de Nossa Senhora na Ladainha Lauretana é a de “Torre de Marfim”. Além da beleza de sua cor característica, o marfim sempre foi considerado um dos materiais mais resistentes da natureza. Portanto, a torre de marfim seria uma fortificação magnífica e impenetrável.

Analogamente, a Virgem Santíssima é a Torre forte, esplendorosa e pura, como o mais puro, forte e esplendoroso marfim. Queira Ela nos proteger, com sua força e sua pureza celestiais, nos nossos momentos de provação e de luta na prática da virtude.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 28/8/1993)

Sagrada intimidade com Nossa Senhora e com a Santa Igreja

Encarnação do Verbo, celebrada em 25 de março, é a Festa da Escravidão a Maria Santíssima.

Com efeito, durante o tempo de sua gestação no claustro virginal de Maria, o Verbo Encarnado viveu uma dependência incomparável em relação a Ela. É o maior estado de submissão que se possa imaginar, pois a criança que está no seio materno vive da vida da mãe, e em tudo é conduzida e, por assim dizer, circunscrita por ela.

Como no estado de escravidão voluntária o escravo renuncia completamente à sua liberdade para ficar inteiramente contido e circunscrito pela vontade de seu senhor – de maneira que a sua vida é para o serviço de seu senhor, os seus pensamentos tendem ao seu senhor, os seus atos são para o serviço de seu senhor –, assim também era Nosso Senhor em relação a Nossa Senhora.

Portanto, quem quiser ser verdadeiro escravo de Nossa Senhora deve venerar, de modo muito especial, essa miraculosa e insondável sujeição de Jesus a Maria, em que o infinitamente maior se deixou dominar e conter pelo menor, na realização de um plano de Deus, de uma sabedoria que excede a qualquer cogitação humana.

Por outro lado, se tomarmos a sério a devoção apregoada por São Luís Maria Grignion de Montfort, compreenderemos que a Sagrada Escravidão comporta uma espécie de intimidade com Maria Santíssima por onde cada escravo trata à sua maneira com Ela, e Nossa Senhora aceita benignamente o modo de ser de cada um.

Desta forma, a Sagrada Escravidão à Santíssima Virgem tem um aspecto que poderia chamar-se “a sagrada intimidade com Nossa Senhora”, um sagrado e personalíssimo trato em que Ela é toda inteira como se existisse só para nós.

O mesmo poderíamos dizer a respeito da Igreja Católica. Para cada um dos que nela entram, a Santa Igreja abre um firmamento de beleza particular. Ela tem um jeito de encher até os bordos tanto a alma pequena quanto a grande, sendo para cada fiel como o maná que no paladar espiritual tem um sabor próprio feito completamente para aquele.

Assim, por mais diferentes que sejam os homens, cada católico sempre poderá afirmar: “A Igreja Católica é tal que se fosse feita para mim, ela seria exatamente como é”.(*)

 

Plinio Corrêa de Oliveira
* Excertos de conferências de 15/8/1970 e 16/3/1971.

 

Revista Dr Plinio 228 (Março de 2017)

São Dimas

São Dimas, o “bom ladrão”, foi escolhido por Nosso Senhor Jesus Cristo para simbolizar a sua infinita misericórdia para com os homens e, de modo especial, os pecadores. Além de padecer tudo o que sofreu por nós, quis o Filho de Deus dar-nos uma suprema prova de como seu perdão é ilimitado: no derradeiro momento de sua vida, pregado na Cruz, Ele perdoou o bom ladrão e lhe concedeu a graça da santificação. Como se nos quisesse afirmar: “Se esperardes numa clemência que desafia completamente o que sois capaz de imaginar, vossa alma será salva!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 14/2/1972)

São Dimas: “Roubaste o Céu!”

O  que se passou com São Dimas é algo inimaginável! É o auge do perdão porque, embora fosse um pecador péssimo, ele não só foi perdoado, mas confirmado em graça, pois ao dizer-lhe “tu, hoje, estarás comigo no Paraíso”, implicitamente Jesus afirmava: “Tu perseverarás!”

Assim, de um ladrão crucificado, o Salvador fez o primeiro santo canonizado. Ele, que tinha podido transformar a água em vinho, podia também transformar um ladrão num santo, e o fez. Feliz ladrão que, ao morrer, roubaste o Céu! Os méritos dele não estavam na proporção de alcançar o Céu, mas ele o alcançou porque Deus quis.

É o símbolo da via misericordiosa das almas que sabem valerem pouca coisa, mas se entregam a Deus Nosso Senhor e são cumuladas pela misericórdia divina.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/4/1971)

A escravidão a Maria e o mistério da Encarnação

Enviaram-me uma ficha com trechos do “Tratado da Verdadeira Devoção”(1), que dizem respeito ao mistério da Encarnação do Verbo. Referem-se não só ao fato de o Verbo ter-Se encarnado pela ação do Divino Espírito Santo nas entranhas puríssimas de Maria, mas também à vida oculta de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, durante o tempo da gestação. Então, São Luís Maria Grignion de Montfort diz o seguinte:

A Encarnação é um resumo de todos os mistérios

Os verdadeiros escravos de Nossa Senhora terão uma devoção especial pelo mistério da Encarnação do Verbo […], que é o mistério adequado a esta devoção, pois que esta devoção foi inspirada pelo Espírito Santo:

1. Para honrar e imitar a dependência em que Deus Filho quis estar de Maria, para glória de Deus seu Pai e para nossa salvação; dependência que transparece particularmente neste mistério, em que Jesus se torna cativo e escravo no seio de Maria Santíssima, aí dependendo d’Ela em tudo;

2. Para agradecer a Deus as graças incomparáveis que concedeu a Maria, principalmente por tê-La escolhido para sua Mãe digníssima, escolha feita neste mistério. São estes os dois fins principais da escravização a Jesus Cristo em Maria.

Em outro trecho, afirma São Luís Grignion:

O tempo não me permite deter-me aqui para explicar as excelências e as grandezas do mistério de Jesus vivendo e reinando em Maria, ou da Encarnação do Verbo.

Contento-me, por isso, em dizer, em três palavras, que é este o primeiro mistério de Jesus Cristo, o mais oculto, o mais elevado e o menos conhecido; que é neste mistério que Jesus, em colaboração com Maria, em seu seio, e por isto chamado pelos santos “aula sacramentorum”, sala dos segredos de Deus, escolheu todos os eleitos; que foi neste mistério que Ele operou todos os mistérios subsequentes de sua vida, pela aceitação deles: “Iesus ingrediens mundum dicit: Ecce venio ut faciam, Deus, voluntatem tuam(2)” (cf. Hb 10, 5-9).

Por conseguinte, este mistério é um resumo de todos os mistérios, e contém a vontade e a graça de todos. Este mistério é, enfim, o trono da misericórdia, da liberdade e da glória de Deus.

Um livro profético por seu misterioso conteúdo sobre a devoção a Nossa Senhora

Há aqui duas notas correlatas e que convém acentuar: Na primeira delas, São Luís Maria Grignion de Montfort declara que esta é a devoção por excelência dos verdadeiros escravos de Nossa Senhora. Na segunda, ele afirma que o mistério da Encarnação — mistério da vida oculta de Jesus em Maria Santíssima — contém todos os outros mistérios. Foi em Nossa Senhora que Ele resolveu fazer todas as coisas que realizou e, portanto, o ponto de partida de todas as maravilhas d’Ele está nesta vida oculta em Maria.

Vamos analisar cada uma dessas notas.

O “Tratado da Verdadeira Devoção”, a meu ver, é um livro eminentemente profético, pelo que contém de misterioso sobre a devoção a Nossa Senhora. Vê-se que há coisas insondáveis ditas por ele, as quais, com certeza, vão se revelar com o progresso da Teologia no Reino de Maria, mas que, por enquanto, não se conhecem devidamente.

Jesus quis depender de Maria mais do que um escravo de seu senhor

Por exemplo: quem poderá aprofundar convenientemente este fato posto em realce?

Nosso Senhor, vivendo em Nossa Senhora, estava completamente escravizado a Ela, e a situação d’Ele era a de um ente consciente — porque Jesus teve uma perfeita consciência desde o primeiro instante do seu ser — que formou, inteiramente lúcido, o seu próprio Corpo nas entranhas da Santíssima Virgem e começou a viver ali. Ele ficou contido só por uma criatura, vivendo no contato exclusivo com Ela e na dependência a mais completa que uma pessoa possa estar em relação à outra.

Para termos um pouco a ideia deste mistério, imaginemos um homem adulto a quem fosse dado viver no ventre materno. Até que ponto ele se sentiria circunscrito, aprisionado, dependente, escravo, englobado por sua mãe completamente?

Pois bem, nesta situação viveu o Verbo de Deus feito carne. E Ele, lúcido desde o primeiro instante do seu ser, quis, por um desígnio d’Ele, viver assim dentro deste templo, deste palácio, numa relação misteriosa com Nossa Senhora.

Aquele que teve o poder suficiente para fazer com que a Encarnação se desse em Maria Virgem, com que Ela fosse virgem antes, durante e depois do parto, também poderia fazer com que, por exemplo, realizada a concepção, um minuto depois se desse o nascimento. Não era nem um pouco condição obrigatória Deus Encarnado, Deus Humanado, viver nove meses em Maria. Ele quis que fosse assim, ou seja, desejou ter com Ela esta forma de dependência, de relação de alma que não chegamos a compreender completamente, de tal maneira ela é profunda, misteriosa e inesgotável.

Em suma, Ele quis ser verdadeiro escravo d’Ela. É uma inversão de valores que nos deixa desnorteados. Ele dependeu d’Ela mais do que um escravo depende do seu senhor. O escravo tem vida, respiração e movimentação próprias. Ele não. Jesus, antes de nascer, quis depender assim de Nossa Senhora.

Jesus, verdadeiro Homem e verdadeiro Deus

Qual foi a forma de união que assim se fez? Qual o estilo de relação entre Criador e criatura que ali se estabeleceu? É uma questão insondável, mas para a qual temos um certo termo de comparação no mistério que Ele mesmo operou.

Jesus Cristo, verdadeiro Homem, era verdadeiro Deus. Do homem Ele tinha a alma, o corpo e o sangue. Na sua humanidade era tão homem como nós, naturalmente concebido sem pecado original, mas descendente de Adão e Eva. E a sua natureza humana, unida à sua natureza divina, forma uma só Pessoa divina. É um mistério.

Por outro lado, quando Nosso Senhor, no alto da Cruz, sofrendo tudo quanto sofreu, pronunciou estas palavras do salmo que prediz a Ressurreição d’Ele: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”(3). Sendo Ele a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, tendo, portanto, a plenitude de todas as felicidades, como pôde dizer que estava abandonado? E Jesus também disse: “A minha alma está triste até a morte”(4), embora, como Deus, estivesse nadando no oceano infinito de todas as alegrias e de todas as glórias do Céu.

A escravidão a Maria: imagem da união de almas entre Ela e Jesus

Há também um mistério na relação de almas de Nossa Senhora com Nosso Senhor. É um mistério, naturalmente, menos augusto, menor, mas infinito também, e por isto, para nós, completamente insondável. Mas que algum dia, suponho eu, deitará mais luzes para a humanidade.

Eu creio que no Reino de Maria vai aparecer uma explicação teológica mais completa de alguns desses segredos, e então se compreenderá melhor o próprio Reino de Maria, e também um mistério já bem menor, mas ainda superior ao nosso entendimento, que é nossa escravidão a Maria Santíssima.

Quer dizer, Nossa Senhora consente em estabelecer com seu escravo uma união de almas incomparavelmente menor, mas que é imagem da união de almas entre Nosso Senhor e Ela na Encarnação.

Mistérios que só no Reino de Maria serão desvendados

São mistérios encaixados, imbricados, que não sabemos absolutamente como desvendar, e constituem uma espécie de linha admirável, mas, para dizer tudo numa palavra, misteriosa, em oposição a dois erros da Revolução. Esses dois erros, igualmente abjetos, detestáveis, da Revolução são, de um lado, o individualismo e, de outro, o socialismo que chega até a forma mais inumana: o panteísmo.

O panteísmo afirma: “Todas as coisas que existem são deus e não há uma distinção de pessoa a pessoa, mas tudo é uma pessoa só no universo”. O individualismo diz: “Cada homem é inteiramente irredutível — e nisto ele tem razão, ou seja, pois o homem não se reduz a nenhum outro ser —, e as relações entre alma e alma são apenas essas que nós vemos e das quais podemos nos dar conta”.

Há algum mistério da graça, insondável, que não cai nem no extremo do individualismo nem do panteísmo, e que indica uma possibilidade de relação de almas a qual não se sabe bem como é, mas que, creio eu, no Reino de Maria se desvendará.

Em um livro de revelações privadas — não me lembro se de Santa Catarina de Siena ou de Maria de Ágreda — está dito o seguinte: um dia o Apocalipse seria desvendado, porque apareceria alguém que daria a chave de sua explicação. Quando acontecesse isso, o mistério de Maria se esclareceria, e então raiaria para o mundo a riqueza de um horizonte teológico novo, que iria se somar a todos os horizontes teológicos anteriores.

Creio que devemos colocar nossas esperanças nisso, e que esses mistérios conjuntos possam algum dia ter alguma explicação para nós; à espera do momento em que no Céu esta explicação se dilate um tanto, porque tenho a impressão de que compreender até o fundo, o homem jamais compreenderá.

Forma de comungar indicada por São Luís Maria Grignion de Montfort

Devemos atentar para o fato de que está dito nessa ficha que o mistério da Encarnação — e este é o segundo ponto — contém todos os outros mistérios. E dado que cada festa da Igreja traz graças especiais, próprias ao que é comemorado, no dia da Encarnação todos os mistérios da Igreja devem ter uma espécie de fragrância, irradiação do perfume espiritual inicial.

E devemos nos recomendar muito a Nossa Senhora da Encarnação para isto: que Ela venha a nós e penetre em nós na fecundidade e na sacralidade dos seus mistérios, e que Ela tome conta de nossas almas e inicie conosco esta relação de almas, esta plenitude de união da Senhora com o escravo para nos dominar, nos conter e sermos com Ela humildes e submissos como o Menino Jesus foi. Esta deve ser a nossa súplica.

Seria, por exemplo, um bonito tema para a meditação, ao recebermos a Sagrada Comunhão no dia da Encarnação, lembrarmo-nos desta coisa admirável: Nosso Senhor repete em nós, de algum modo, a presença d’Ele em Nossa Senhora. É fora de dúvida. Devemos pedir à Santíssima Virgem que venha a nós espiritualmente receber Nosso Senhor, que Ela prepare as nossas almas e que Ela esteja, tanto quanto se possa entender, presente em nós, para Ele ser dignamente recebido, já que não estamos à altura de fazê-lo. Então, nosso ato de adoração ser praticado por meio d’Ela. É uma forma de comungar indicada por São Luís: os quatro atos de piedade — adoração, ação de graças, reparação e petição — serem feitos por meio d’Ela.

Quer dizer, que Ela faça tudo isso a Nosso Senhor quando Ele estiver presente em nós e que nos unimos a Ela. Há depois outro aspecto: deveríamos fazer a Nosso Senhor, presente em nós, uma adoração bem feita, que é a das nossas almas com toda a perfeição que elas deveriam ter, segundo o plano da Providência. Entretanto não estamos nesta situação. Precisamos pedir então a Nossa Senhora que ame a Deus daquele jeito como deveríamos amar, de maneira que O reparamos mais completamente. É um modo de indenizar um pouco a Nosso Senhor pelo muito que Lhe negamos, recusamos e decepcionamos.

Eis o esquema para uma Comunhão no dia da Encarnação, e oxalá para todos os dias. Não sou favorável a esquemas obrigatórios para a Comunhão. O Espírito sopra onde quer, mas serão felizes aqueles em cuja alma o Espírito soprar a ideia de comungar todos os dias assim.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/3/1970)

1) GRIGNION DE MONTFORT, São Luís Maria. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Petrópolis: Editora Vozes, 2002, n. 243 e 248. pp. 230; 232-233.
2) “Ao entrar no mundo, Jesus declara: ‘Eis que Eu vim, ó Deus, para fazer vossa vontade’”.
3) Mt 27, 46.
4) Mt 26, 38.

Florão no cajado do Pastor

Desde as minhas primeiras impressões a respeito do garbo e da beleza dos trajes com que certas corporações militares se apresentavam outrora, transformei-me numa espécie de colecionador, em minha memória, dos vários e lindos tipos de uniforme que conheci ao longo dos anos.

De maneira particular me entusiasmei quando, pelos idos de 1950, fui convidado a assistir uma cerimônia de canonização na Basílica de São Pedro, em Roma, e, em meio à pompa toda particular e grandiosa dessa solenidade, pude considerar de modo mais minucioso o uniforme da Guarda Suíça do Papa. A meu ver, concebido com extremo bom gosto e, no seu conjunto, manifestando um esplendor que culmina no seu capacete prateado, superiormente adornado por plumas vermelhas ou brancas.

Quando os vi, veio-me logo o desejo de comprar um daqueles capacetes a fim de trazê-lo para casa, como recordação desse maravilhamento que senti ao contemplá-los no meio dos fulgores de uma cerimônia de canonização.

De fato, antes de retornar ao Brasil procurei o comando da Guarda Suíça, onde fui atendido de forma muito amável pelo comandante, na época um fidalgo da Suíça alemã. Após nos cumprimentarmos, expus-lhe o motivo de minha visita e o meu intuito de adquirir um dos seus capacetes. Ele sorriu, conservando a sua nobre cortesia, e me disse: “Professor, eu lamento, mas não temos senão os capacetes necessários para nosso uso, porque são de prata”.

Pelo que consta, todo o traje da Guarda Suíça fora desenhado pelo próprio Michelangelo, o que o tornava ainda mais valioso. À medida que o comandante ia falando, aumentava meu desejo de ter o capacete. Como argumento mais persuasivo, ele acrescentou: “O senhor pode bem compreender que são quase peças de museu, e não sairia a preço acessível para qualquer um. Além disso, se eu lhe vendesse, desfalcaria o uniforme de um dos meus soldados”.

O meu nobre interlocutor percebeu que a explicação não me convencia inteiramente, e então arrematou: “Caso o senhor deseje comprová-lo pessoalmente, seria um prazer levá-lo até a sala de armas e ali poderá cotejar o número de capacetes com o de soldados que servem o Sumo Pontífice”.

A proposta me pareceu interessante, pois se não me era possível adquirir um dos capacetes, ao menos os contemplaria todos juntos, de perto. Aquiesci com gentileza à oferta do comandante e descemos juntos à sala onde, numa prateleira, os capacetes se achavam enfileirados. Realmente, não sobrava nenhum…

Essa reminiscência vem a propósito para salientar a beleza e a importância da instituição da Guarda Suíça. Esta é, na verdade, um rico florão na ponta desse fabuloso cajado que é um Papa. Chamado a velar sobre as dependências do Vaticano, a preservar seus tesouros eclesiásticos, a manter a ordem e guiar as multidões de fiéis na Praça de São Pedro, sobretudo disposto a dar a vida em defesa do Pontífice, o guarda suíço está à altura — com seu belo uniforme e seu heroísmo militar — da dignidade do Vigário de Cristo e Pastor Supremo da Santa Igreja Católica.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 4/4/1990 e 2/2/1993)

Maravilha, sonho, realidade!

O homem de hoje sofre uma verdadeira caçada das novidades. Estas o perseguem, a bem dizer, o dia inteiro. Não há lugar onde ele entre e não esteja exposto a ouvir o rádio  ou a televisão relatando os últimos acontecimentos. Em geral, neste mundo caótico em que vivemos, sucederam calamidades e misérias, tristezas e provações, e sobrevêm  sustos.

Porém, se o homem é tão perseguido pelo noticiário, cumpre notar que a recíproca é igualmente verdadeira: ele vai atrás das novidades, das quais tem uma fome  inextinguível. E ainda que essas novidades o apedrejem, está disposto a receber as pedras, se estas lhe proporcionam as sensações mais recentes de seu cotidiano.

O homem se torna, assim, inadequado para conhecer as verdadeiras novidades, aquelas que não são os fatos a espoucarem daqui, de lá e de acolá, não são nada da  humanidade que passa, mas os sentidos, as correlações e os reflexos novos que partem dos grandes valores — espirituais e materiais — que o passado nos legou e que tocam nossas almas.

Exemplifico.

Tive em mãos um lindo álbum de vitrais e, folheando-o, veio-me ao espírito uma consideração nova para mim. Olhando esses vitrais, por certo mais velhos do que eu, analisando-os com admiração, surgiu-me a pergunta: Esses vitrais são tão, tão belos. É bem certo que o Paraíso terreno tinha coisas mais belas do que eles? Uma pessoa que se imagina num lugar amplo, aos pés de um extraordinário vitral no momento em que torrencialmente atravessam por ele todos os raios de sol; em que o olhar dela é  inundado por esses raios, mas a pessoa percebe no corpo inteiro que aquelas refulgências do sol estão vindo, estão ferindo os vitrais e a enchem de luz e de colorido, como se  ela entrasse num mar luminoso e policromado — nesse momento, é bem certo que a pessoa não veja algo de tão belo quanto havia no Paraíso terrestre?

Costuma-se entender que o Paraíso terrestre continha tudo quanto há de mais bonito e excelso na criação temporal. E, grosso modo falando, é verdade. Em confronto com a  realidade deste nosso chão de exílio, a superioridade  do Paraíso é incomparável. Mas, se formos conhecer alguns pormenores, determinados aspectos desta Terra, será que  não existe aqui beleza ainda maior do que há no Paraíso?

E não será que, por esta forma, nós conhecemos melhor um verdadeiro paraíso de nossas almas que existe neste vale de lágrimas, e que é a Santa Igreja de Deus? Se nós a  sabemos ver, se nós a sabemos amar, se nós a sabemos sentir, se sabemos admirar tudo quanto ela engendrou de magnificências e riquezas ao longo de sua História , como  os vitrais por exemplo, não é ela o nosso paraíso neste mundo?

Imerso nessas reflexões, continuando a folhear o álbum, lembrei-me de dois personagens que a tradição nos autoriza a supor que ainda vivem em algum lugar misterioso da  Terra, provavelmente no próprio Paraíso terrestre: Santo Elias e Santo Enoc.

E então pensei: No ambiente onde eles passam os milênios, se for mesmo um lugar paradisíaco, haverá incontáveis maravilhas. Mas, na linha de minhas anteriores considerações, por um dom que lhes terá concedido a Providência, eles podem apreciar esses aspectos da Terra que sejam ainda mais belos do que aqueles do Éden criado por Deus para o homem inocente.

Portanto, eles podem se encantar com os vitrais espalhados pelas igrejas de todo o orbe, conhecendo-os melhor que qualquer homem. Nas horas em que as igrejas estão vazias, nos momentos em que não há ninguém para admirar os seus vitrais, Santo Elias e Santo Enoc os estarão contemplando.

Mais ainda. Eles sabem de todos os vitrais que foram destruídos, como eram e como seriam se ainda hoje resplandecessem. Eles sabem de todos os vitrais que foram planejados, mas que por miséria humana ou por qualquer vicissitude não puderam ser elaborados.

Eles têm conhecimento de quando e como nasceu o intenso desejo do maravilhoso na alma humana, um anseio que a preencheu de tal forma que ela teve a necessidade de  extravasá-lo, de expressá-lo, e, à força de excogitar o meio de fazê-lo, tateando, de repente empreendeu a magnífica epopeia dos vitrais.

Eles conhecem a história do senso artístico de que resultou o aparecimento das inexcedíveis policromias que guarnecem as aberturas em ogivas, em arcos, em rosáceas, das  catedrais, igrejas, abadias, mosteiros e capelas semeados pela Terra.

Eles se enlevaram diante da alma de um vitraleiro humilde e despretensioso que, na sua modesta oficina de artífice, desejou a cor perfeita para sua obra, pôs-se a fabricá-la e  quando finalmente a elaborou, pensou: “A minha vida está explicada. Eu trouxe ao conhecimento dos homens, eu trouxe à piedade da Igreja, eu trouxe à glória de Santo tal,  ou de tal mistério da vida de Nosso Senhor, de Maria Santíssima, essa nova cor. Ó, sol! tu que me antecedeste na Criação, tu também foste feito para que um dos teus raios passasse sempre por este vitral. E enquanto tu fores sol e o mundo for mundo, um dos teus  raios atravessará o azul com que eu sonhei, vai iluminar o chão de granito e arrebatará alguma alma fiel que o veja. Minha vida está justificada”.

Santo Elias e Santo Enoc, ao verem e admirarem esses vitrais, compreendem que eles de algum modo resplandecem, à maneira dos inefáveis esplendores do Padre Eterno, matrizes de todas as cintilações, luminosidades e coloridos postos na Criação. Não será temeridade supor que os Anjos desçam do Céu para acompanhar e instruir a esses  grandes personagens bíblicos na sua peregrinação pelo universo dos vitrais, colocando diante dos olhos deles a fabulosa coleção dos que existiram, existem e poderiam ter  existido.

E os dois, reconhecidos, entoam a Nossa Senhora um cântico de louvor, uma homenagem de todos os vitrais, de cada fragmento de vitral, de cada cor, de cada figura, de cada rosácea… Eles, pelo seu espírito, são o sol que atravessa esses vitrais. E Nossa Senhora os fita comprazida, e pensa: “Meus filhos e meus vitrais!”.

Nestas condições, também é de se supor que eles concebam para si a ideia de que, no fim dos tempos, quando Nosso Senhor Jesus Cristo vier em sua pompa e majestade,  seguido de Maria Santíssima, de todos os Anjos e Santos do Céu, para julgar os vivos e os mortos, esse espetáculo de conjunto nos dê uma impressão à maneira de um  fabuloso vitral que preenche, de ponta a ponta, o horizonte.

Quando, no dizer da Escritura, o céu estiver enrolado como um pergaminho, tudo tiver acabado e a magnitude de Deus aparecer, será talvez este o “supremo” vitral que  marca para sempre o começo de uma era onde não há mais história, mas apenas eternidade. Os vitrais, que maravilha! Os vitrais, que sonho! Os vitrais, que realidade!

Plinio Corrêa de Oliveira

Não durmamos enquanto se renova a Paixão!

Em suas invectivas ao povo israelita, os profetas do Antigo Testamento eram instrumentos da misericórdia de Deus: seu objetivo era chamar o povo à conversão. De igual forma procederam os Papas ao longo dos séculos. Já as admoestações de Dr. Plinio tinham amiúde por objetivo despertar os católicos para suas obrigações, como se pode ver neste artigo.

 

Há dois funestíssimos erros, que não raramente lavram entre os católicos brasileiros e que, com extraordinária oportunidade, devem ser desmascarados na Semana Santa.  Como freqüentemente ocorre, esses erros não provêm propriamente de premissas falsas, mas de premissas incompletas. É uma visão parcial e estreita das coisas, que os  provoca. E só uma meditação acurada, feita à luz de considerações naturais ou de argumentos inspirados em motivos sobrenaturais, pode pôr à luz o mau germe que neles se  culta.

Ineficiência da Igreja diante da crise? O primeiro desses erros consiste em acoimar de ineficiente a ação da Igreja, para a solução da crise contemporânea. […] E [dizem] que, portanto, é preciso apelar para uma outra organização, que, ela sim, salvará a civilização católica.

Argumentemos. E argumentemos só com a infalível autoridade dos Pontífices. Porque se para algum católico um argumento inspirado nas palavras dos Papas não for suficientemente convincente, é melhor que esse católico estude bem o seu Catecismo, antes de tentar “salvar a civilização”.

Diz o Santo Padre Leão XIII, e, depois dele, todos os Pontífices o têm repetido, […] que essa crise moral gerou crises econômicas, sociais ou políticas. E só quando ela for    resolvida, serão resolvidos os problemas relacionados com as finanças, a organização política e a vida social dos povos contemporâneos.

Por outro lado, a solução desse problema moral só pode estar na ação da Igreja, porque só o Catolicismo, armado de seus recursos sobrenaturais e naturais, tem o dom maravilhoso de produzir nas almas os frutos de virtude indispensáveis para que floresça a civilização católica. O que acabamos de dizer é diretamente extraído das Encíclicas. Basta abri-las, para encontrar o que afirmamos.

Como conseqüência, de duas uma: ou os Papas estão errados, ou devemos reconhecer que só o Catolicismo salvará o mundo da crise em que está mergulhado. Portanto, é  inútil discutir se, no país A ou no país B, os católicos agiram ou não agiram bem. […]

Se é verdade que só a Igreja pode remediar os males contemporâneos, é só nas fileiras da Igreja que devemos procurar lutar pela eliminação desses males. Pouco nos importa que outros não cumpram o seu dever. Cumpramos o nosso. E, depois de termos feito todo o possível — a palavra “todo” significa tudo, mas absolutamente tudo, e  não apenas “um pouco” ou “muito” — resignemo-nos diante da avalanche que vem. Porque, ainda que pereçam o Brasil e o mundo inteiro, ainda que a própria Igreja seja devastada pelos lobos da heresia, ela é imortal. Nadará sobre as águas revoltas do dilúvio. E é de dentro de seu seio sagrado que sairão depois da tempestade, como Noé da  Arca, os homens que hão de fundar a civilização de amanhã.

Duas lições, para duas mentalidades erradas

Mas é aí que não querem chegar certos católicos. Como os [apóstolos antes de Pentecostes], eles só compreendem Cristo sobre um trono de glória. Eles só Lhe são fiéis nos  dias parecidos com o Domingo de Ramos, quando a multidão O aclama e cobre o seu caminho com suas vestes. Porque, para eles, Cristo deve ser um Rei terreno. Deve dominar o mundo constantemente. E se, por algum tempo, a impiedade dos homens O reduzirem de Rei a Crucificado,  de Soberano a Vítima, não mais querem saber d’Ele. […]

No entanto, Cristo quis passar por todos os opróbrios,todos os vexames, todas as humilhações, mostrando que  a História da Igreja também teria seus Calvários, suas  humilhações, suas derrotas. E que muito mais meritória  era e é a fidelidade no Gólgota do que no Tabor.

Foi para ensinar a gente assim que Nosso Senhor se submeteu a todas as humilhações, no Calvário. Entretanto, foi para ensinar gente diferente que Ele quis a glória do Domingo de Ramos.

Há gente de uma mentalidade detestável, que acha absolutamente natural que Cristo sofra, que a Igreja seja vexada, humilhada, perseguida. Gente comodista, “cujus Deus venter est” — “que têm por Deus o seu próprio ventre”, e que pensa que, como a Igreja deve imitar a Cristo, é natural que todos os [seus inimigos] se atirem contra ela e a  façam sofrer. É a Paixão de Cristo que se repete, dizem eles. E enquanto essa Paixão se repete, eles levam sua vida farta e cômoda, nas orgias, nas imundícies, na exacerbação  e todos os sentidos e na prática de todos os pecados.

Para gente como esta é que foi feito o látego com que foram expulsos os vendilhões do Templo.

Devemos estar sempre com a Igreja

Não é verdade que devamos cruzar os braços ante as investidas dos inimigos da Igreja. Não é verdade que devamos dormir enquanto se renova a Paixão. O próprio Cristo  recomendou que seus Apóstolos orassem e vigiassem. E se devemos aceitar os sofrimentos da Igreja com a resignação com que Nossa Senhora aceitou os padecimentos de  seu Filho, não é menos exato que será um motivo de [reprovação] para nós, se nos portarmos ante as dores do Salvador com a sonolência, a indiferença e a covardia de  discípulos infiéis.

A verdade é esta: devemos estar sempre com a Igreja, “porque só ela tem palavras de vida eterna”. Se ela é atacada, lutemos por ela. Mas lutemos como mártires, até a efusão  e nosso sangue, até o emprego de nosso último recurso de energia e de inteligência. Se, apesar disto tudo, ela continuar a ser oprimida, soframos com ela, como São  João Evangelista aos pés da Cruz. E estejamos certos de que, neste mundo ou no outro, Jesus misericordioso não nos negará o esplêndido prêmio de assistirmos à sua glória  divina e suprema.

Plinio Corrêa de Oliveira (Excertos do “Legionário”, nº 236, de 21/3/1937.Título e subtítulos nossos.)

“Sim!” – e o Verbo se fez carne…

Em Maria e por Maria é que o Filho de Deus se fez homem para nossa salvação; desceu ao seu seio virginal, qual novo Adão no paraíso terrestre, para aí ter suas complacências; Deus feito homem, encontrou sua liberdade em se ver aprisionado no claustro da Virgem Mãe — afirma o grande São Luís Grignion de Montfort, estabelecendo os princípios de sua luminosa doutrina sobre escravidão de amor a Nossa Senhora.

De toda a alma aderiu Dr. Plinio a essa devoção mariana proposta pelo Santo, tornando-se um amoroso servo de Maria Santíssima. Seguia, assim, o divino exemplo de Jesus, Quem primeiro se submeteu inteiramente a Ela, durante os nove meses que passou no imaculado claustro materno.

Por ser o marco inicial dessa admirável dependência, a festa da Anunciação era particularmente cara a Dr. Plinio, sugerindo-lhe tocantes reflexões as quais ele se comprazia em comunicar a seus discípulos. Ouçamo-lo:

“Encarnando-se no seio de Maria, no momento da Anunciação, Jesus se deu a Ela com um tal amanhecer de alma, com um espírito tão repleto de louçania, que não se tem palavras para descrever a felicidade que nesse dia inundou a pessoa de Nossa Senhora! A geração da humanidade santíssima do Filho de Deus houve de ter sido a maravilha das gerações!

“Conforme ensina São Luís Grignion, Jesus, considerado o novo Adão, veio ao mundo para reparar o pecado cometido pelo primeiro homem. Ora, assim como este, enquanto permaneceu inocente, viveu em meio aos esplendores do Éden terrestre, também Nosso Senhor teve seu Paraíso — incomparavelmente melhor e mais precioso do que aquele — no ventre virginal de sua Mãe. Durante nove meses, esteve Ele encerrado como num tabernáculo perfeitíssimo, onde encontrava alegrias, belezas e delícias que excedem a qualquer concepção de nosso pobre intelecto. Além disso, numa inefável união de espíritos, o Filho ia revelando à Mãe, a respeito de si próprio, todas as magnificências que fossem cabíveis a uma criatura entender.

“Nesse indizível convívio, Jesus elevava a alma de Maria a um maravilhoso grau de formosura, tornando-a mais bela e luminosa do que todo o resto do universo. Insondável intercâmbio de afetos, carinhos e atos de amor que teve início no instante do ‘fiat’ bendito.

“No dia da Anunciação, com o ‘Sim!’ pronunciado pela Virgem de Nazaré, o Verbo se fez carne e habitou entre nós.

“No dia da Anunciação, a Palavra de Deus raiou para o mundo, aureolada de promessas superlativas, de certeza das esperanças finalmente atendidas: nada menos que o resgate do gênero humano.”

Um seminário do Céu

Dr. Plinio amava de tal modo a Europa que, se para lá viajasse de navio, teria vontade de oscular o solo do cais do primeiro porto europeu onde a embarcação ancorasse,  porque é a única parte do mundo onde o Sangue de Cristo e as lágrimas de Maria geraram uma civilização católica.

Ao tratar a respeito das belezas da Europa, é preciso evitar dar a ideia de ser um lugar como o Brasil, mas onde há castelos e palácios como Chenonceau, Versailles, ou alguns  existentes ao longo do Reno.

Pelo menos na Europa de antes da Segunda Guerra Mundial, essas belezas existiam enquanto sendo o ponto alto de toda uma vida comum em que, em ponto menor e de maneiras diferentes, havia também belezas mais singelas.

Um castelo elevado, nobre, digno

De maneira que não eram como aquelas montanhas no caminho de Teresópolis que, geograficamente falando, são únicas, saem diretamente do chão. A Europa constituía, por assim dizer, uma “cordilheira” altíssima na qual, para haver os “picos” de que falamos, deviam existir muitas outras elevações na vida cotidiana, mais ou menos naquela  altura, formando, portanto, todo um ambiente, um estilo e um teor de vida de um continente. Por exemplo, assim como há Chenonceau, existem centenas de castelos em  graus menores muito bonitos, casas antigas senhoriais, residências populares e aldeias que, enquanto tais, são superiores à cidadezinha brasileira, como Chenonceau é  superior à mais bonita casa que haja no Brasil. Esse traço é importantíssimo, e sem ele a Europa verdadeiramente não se compreende.

Então, chegando à casa de um pequeno burguês de Munique que tem pãezinhos de leite, encontrar-se-ão taças para beber cerveja, facas com cabo de chifre de veado, e uma  porção de outros objetos outrora acessíveis a todo o mundo, mas que para os padrões atuais são superiores ao nível comum das pessoas.

Portanto, tempo houve em que todo o teor da vida era diferente, e a Europa é um continente onde muito disto resta ainda e foi possível ao homem realizar na Terra, não  propriamente um mundo de gostosuras, mas de maravilhas, de coisas arquitetônicas sapienciais capazes de nos falar do Céu e que, por ricochete, também eram agradáveis.

Muitas vezes, comentam-se belezas da Europa, como o castelo de Chenonceau, dizendo: “Olhe que gostoso estar aqui!”

Ora, esse aspecto agradável não é um critério profundo. É preciso afirmar o seguinte: “Olhe como é elevado nobre, digno, e como isso engrandece o homem. Não parece até um mundo irreal?!” Esse mundo “irreal” é a imagem do Céu.

Desejo de realizar a maravilha na Terra Deve-se acentuar que esses são valores religiosos, por causa do aspecto simbólico que tais coisas têm. O Paraíso celeste, considerado na sua realidade material, é um lugar onde Deus fez coisas magníficas para o homem viver imerso num mundo da matéria que lhe fala de Deus, enquanto sua alma goza da  visão beatífica. Tão necessário é ao homem alimentar o seu espírito com Deus, não só na consideração das coisas diretas da Religião, mas a propósito do mundo temporal e  do mundo da matéria, que até no Céu isso vai ser assim.

Precisamos compreender, portanto, que houve uma virtude, levada pelo europeu medieval a um grau inimaginável, que foi exatamente o desejo de realizar a maravilha na  Terra.

Aliás, aqueles monumentos gregos tinham isto de interessante: exprimiam o desejo de fazer um Olimpo na Terra. As construções dos gregos são mais feitas para serem habitadas por semideuses do que por homens. Havia  uma certa ideia de fazer um mundo de maravilha. De sorte que a Europa é uma espécie de mito realizado, e que a  Religião Católica elevou a um seminário do Céu.

A maior maravilha da Europa, por onde propriamente era maravilhosa, não consistia tanto no fruto produzido e deixado por ela, mas no espírito europeu, o contato com as  almas sedentas de maravilhoso, nas quais se sentia muito mais isso do que naquilo por elas realizado, porque o efeito é sempre menor do que a causa. Os homens e a  sociedade que elaboraram essas maravilhas tinham-nas em quantidade enormemente maior do que as coisas por eles deixadas.

Belezas como fator de santidade

Por exemplo, a corte de Luís XIV era muito mais fina do que Versailles. São Luís IX era enormemente mais a Sainte-Chapelle do que ela própria. Como também São  Francisco de Assis, incomparavelmente mais que o Eremo delle Carceri, pois o efeito nunca manifesta tudo quanto está dentro da causa. Nessa causa, o efeito existia de um  modo inebriante.

Então, ao considerar a Europa, trata-se de imaginar as virtudes, as qualidades de alma, o ambiente moral outrora ali existentes.

Os historiadores, em geral, ressaltam os defeitos e omitem tudo quanto tornava possível a realização, por exemplo, Versailles e tantas outras belezas, que duraram séculos e  ainda se encontram nos dias de hoje. Ora, é claro que havia uma estrutura moral, virtudes, capacidades sem as quais aquilo não seria possível.

Não se concebe, por exemplo, um nababo que atualmente construa um palácio como o grande Trianon de Luís XIV. Embora custasse incomparavelmente mais barato do que  m arranha-céu moderno, não se construiria, porque havia qualidades de alma que no homem contemporâneo já não existem.

Devemos, pois, procurar conhecer essa alma e considerar tais belezas como fator de santidade, como atmosfera orientada ao Reino de Maria, e imergir no lado religioso da  questão, porque esse é o aspecto mais profundo.

Portanto, ver como do Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo, das lágrimas de Nossa Senhora se gerou, pela correspondência à graça, um mundo inteiro apetente disso.

Teríamos vontade de, chegando à Europa sacrossanta que criou essas maravilhas, beijar o solo do cais do primeiro porto europeu onde nosso navio parasse, porque é a única  parte do mundo onde o Sangue de Cristo e as lágrimas de Maria geraram uma civilização.

Sem dúvida, o Escorial é muito bonito. Mas que encanto pensar em Felipe II lendo, em um dos salões daquele palácio, uma carta de Santa Teresa! E desfazendo, por exemplo, as manobras de um núncio gordalhão, bonachão, renascentista e contrário à reforma do Carmelo.

Aqui está o cerne, porque Filipe II era mais Escorial do que todo o Escorial. E Santa Teresa ainda mais, pois ela era o “Escorial” do Céu, enquanto Filipe II era o da Terra olhando para o Céu. Assim nós temos a visualização completa e mais profunda, pois toca no religioso, no sacral, reconhecendo e afirmando que nada é válido, nada é autêntico se não brotar de uma verdadeira visão da Religião Católica, que os santos tiveram nos seus conventos, nas suas Ordens religiosas, enfim, nas instituições da Santa  Igreja Católica.

É preciso aprender a amar o Paraíso celeste nesta Terra

Nessa perspectiva, compreendemos que Versailles, por exemplo – nos seus bons aspectos, pois ali nem tudo era bom… –, estava presente na alma de São Luís IX, de São Vicente de Paula, que viveu no tempo de Luís XIII, dos santos que existiram na época de Luís XIV. Porque, em seus aspectos virtuosos, Versailles nasceu da Igreja – receptáculo e fonte de todas as virtudes – e, enquanto tal, tinha de estar contido no espírito, na mentalidade e no modo de ser das instituições e dos homens sagrados, que incutiram naquela gente o espírito católico.

Essa junção entre a Europa e a Religião Católica me fala à alma até o fundo e é indispensável para compreender a História da Igreja. Desse modo, temos uma visão católica da Europa e uma perspectiva da Igreja meditada em função da obra realizada por ela, o que proporciona um alargamento da própria visão da Esposa de Cristo.

O erro dos que não aceitam essa visão é querer para esta Terra uma espécie de “visão beatífica”, a qual é o contato com a Igreja sem essa espécie de “paraíso celeste”, a Civilização Cristã. É fundamentalmente errado conceber uma religião desligada dessa modelação celeste da Terra, quando no próprio Céu vamos ter um quadro  material    que sustenta a natureza humana, por causa da psicologia e da estrutura do homem.

Alguém poderia me objetar: “Mas o puramente celeste não é mais alto do que o terreno?”

Eu respondo: é evidente que é. Basta falar em celeste para o terrestre ficar como que pulverizado, não precisa dizer mais nada. “Então por que o senhor se inebria com essa junção?”

Porque é por meio dela que eu tenho a inteira perspectiva do celeste, que é o inebriante; aí está a questão. Mesmo no Céu, sem a junção entre os dados do Paraíso celeste e a  visão beatífica, não teríamos tudo quanto nossa natureza pede para contemplar a perfeição de Deus. Em última análise, o Paraíso celeste é necessário, e é preciso aprender a  amá-lo na Terra.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência provavelmente de 1969)