Intimidade com Jesus na Eucaristia

A Sagrada Eucaristia era freqüentemente tema das conferências de Dr. Plinio. No trecho transcrito abaixo, podemos ver como ele insiste num ponto enormemente importante: a grande alegria que dá a Jesus Cristo quem O recebe na Comunhão, ou ao menos faz uma curta visita ao Santíssimo Sacramento.

 

Nunca seremos tão íntimos de alguém quanto de Nosso Senhor na Sagrada Eucaristia. A Fé nos ensina que todos os Anjos e Santos do Céu adoram cada partícula do Santíssimo Sacramento exis- tente na Terra e que presenciam, portanto, nossas comunhões cantando e louvando a Jesus Cristo. Maria Santíssima, por sua vez, louva a Seu Filho porque Ele está se dando a este, àquele e àquele outro. De maneira que o Céu inteiro olha para essa cena, o Céu inteiro pede a Nosso Senhor misericórdia para aquele que está recebendo a Eucaristia.

Nem os mais altos Anjos do Céu têm com Nosso Senhor a forma de união que nós, homens, temos ao receber o Santíssimo Sacramento. O Anjo não tem corpo. Ele vive na visão beatífica, vê a Deus face a face, está inundado de todas as graças do Céu, mas ele não pode comungar. Ele nos olha como que invejando esta graça.

Aquele que é a Santidade condescende em vir até mim… Que dom formidável é Ele ficar no Sacrário, trancado, até o hora em que chego! Numa hora por mim escolhida, do modo como quero, Ele vem e me visita. E mais intimamente do que visitava Lázaro e Maria enquanto estava vivo na Terra, porque naquela ocasião Nosso Senhor não entrava em Lázaro nem em Maria. Na Comunhão, Ele entra em nós.

Devemos pensar em Nosso Senhor Jesus Cristo entrando em nós da mesma forma como Ele entrava na casa dos doentes que ia curar: ele ingressava com afeto e com vontade de curar; com semblante sereno, ar bondoso, disposto a ouvir; e depois concedia a graça. Nós de- vemos imaginar Nosso Senhor transbordante dessa bondade.

Os Apóstolos, a quem Ele se deu pela primeira vez, estavam tão tíbios, que naquela mesma noite iriam abandoná-Lo, praticar toda aquela ingratidão. E Ele sabia… No entanto, deu com alegria essa prova suprema de amor e disse ainda: “Desejei ardentemente comer convosco esta Páscoa” (Lc 22, 15).

Então, quando formos comungar, devemos pensar: “Nosso Senhor está ali dentro do sacrário, desejando ardentemente ser recebido por minha alma, com todas as imperfeições dela. Com confiança, irei para a comunhão”.

Consideremos a mais santa das comunhões havida sobre a face da Terra, a Comunhão de Nossa Senhora. Ela estava abrasada no desejo de comungar. No entanto, seu desejo de receber Nosso Senhor era infinitamente menor do que o desejo de Nosso Senhor de ser recebido por Ela. De tal maneira o amor d’Ele é maior do que o de qualquer criatura. E aqui podemos, então, avaliar o amor com que Ele espera que nós O recebamos.

Portanto, não devemos ir à Comunhão como quem vai submeter Nosso Senhor a um tormento: “Oh! Ele vai entrar na minha alma indigna!” De fato é indigna, e eu me confundo. Mas, de outro lado, maravilho-me pensando que, dentro do sacrário, Ele está à minha espera com um sorriso, e que na minha alma indigna, na minha alma que está em estado de graça — mas só isso — Ele entra com verdadeira delícia.

Diz a Escritura, e a Igreja põe a frase nos lábios de Jesus Cristo: “Minhas delícias consistem em estar com os filhos dos homens” (Prov. VIII, 31). A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, no gáudio eterno de perfeição completa, tem a delícia de estar na Santíssimo Sacra mento, isolado, à nossa espera, à espera de chegar a hora de comungarmos!

Com que grau de amor iremos nós até Ele? Com que grau de atenção, com que grau de humildade? Sirva-nos isso de lembrança para quando comungarmos.

E ao entrar na capela para fazer uma rápida visita, lembremo-nos: “Ele está aqui, Ele tem suas delícias em estar à espera desta hora em que entro para fazer esta oraçãozinha pardacenta. Ele sorri, tem pena, porque Nossa Senhora rezou por mim e, a pedido d’Ela, Ele me abençoa”. Fazemos o sinal da cruz e saímos.

É muito bonito fazer longas adorações diante do Santíssimo Sacramento. Mas, nem todo mundo dispõe de longas horas. E, sobretudo — é uma pena! — nem todo mundo dispõe do grande fervor que isso supõe.

Lembremo-nos de que temos a felicidade sem nome de ter Nosso Senhor Jesus Cristo realmente presente, co- mo estava na Judeia ou na Galileia, sob nosso teto. Uma visitinha rápida, uma entrada na capela, com uma genuflexão, um sinal da cruz, um olhar para a imagem de Nossa Senhora e uma oração para Ele — ao todo, um minuto ou dois — já são as delícias d’Ele.

E, ao passar diante da capela do Santíssimo Sacramento, pensemos: “Lá está Ele preso. Ele sujeitou-se a esta prisão porque quis, para ter a delícia de que eu fizesse diante d’Ele uma genuflexão dizendo, por exemplo, “Coração Eucarístico de Jesus, tende piedade de nós”.

Eu gostaria de que todos fossem insaciáveis de entrar na capela, e procuro dar exemplo disso: nunca me viram entrar num lugar onde há capela, sem ir  primeiro a ela fazer uma oração. Nunca! Posso estar ocupado, o que for!… Entrei no prédio, e a primeira coisa — não é a segunda, nem a terceira, mas a primeira, diretamente — é ir ao Santíssimo Sacramento e fazer uma pequena adoração.

Pensemos nessa reflexão magnífica de Santo Agostinho: Nosso Senhor é tão misericordioso que no Santíssimo Sacramento estremeceu de alegria, porque eu entrei. É incalculável, mas é assim. Ainda que alguém estivesse em estado de pecado, Ele gostaria de receber sua visita. Deus gosta de receber até a adoração do pecador. Evidentemente, não por uma condescendência para com o pecado, mas porque Deus quer atrair o pecador a Si.

Plinio Corrêa de Oliveira

Encanto sem medida pelo mar

Idas a Santos

Durante as férias, todo mundo de São Paulo que tinha alguma representação ia para o litoral. Mais raramente, ia para uma fazenda. Em Santos, o ponto de reunião era o Hotel Parque Balneário, o melhor da cidade, e ali estive inúmeras vezes.

A Santos de outrora era muito diferente da Santos de hoje! Praias grandes, com gente pundonorosa, o mar que entra naquela baía de um tipo muito convencional e comum. Eu praticamente não conhecia outro tipo de mar.

Ali olfateava e olhava todas as belezas possíveis do mar, gostava até do cheiro da areia molhada e do cheiro de maresia que o mar trazia. Encantava-me ficar olhava para o mar que entrava em ordem dentro daqueles dois blocos de montanhas nas pontas da baía e depois aquele rumor, aquelas ondas, etc.

Praia deserta, o alarido do mundo moderno longe. E, de outro lado, a obra de Deus. Na praia, um menino que pensa… e sente a contradição daquele aspecto do mar, e do mar em si, com a vida agitada que vinha se desenvolvendo.

“Embriagado” de maravilhamento

Também costumava hospedar-me na casa de um tio. Em pequeno, quando estava nessa casa, às vezes levantava-me à noite e ia até o terraço, na esperança de que o sol já tivesse aparecido, para tentar ver o mar, que ficava a 300 ou 400 metros dali. Tal era a minha paixão de o ver!

Se o mar de Santos fica encerrado naquelas tenazes da baiazinha, em Guarujá vê-se o mar aberto. Lembro-me de quando o contemplei pela primeira vez.

Ia-se muito mais a Santos que a Guarujá. Mas um dia, para passear, meus parentes foram todos a Guarujá e me levaram. Descemos do trenzinho na estação, que não dava diretamente no mar, e fomos a pé, um quarteirão ou dois, até o hotel, que tinha nome francês, como tudo naquele tempo: “Grand Hôtel de la Plage”.

Ali senti o mar alto. Aquelas ondas grossas; depois, uns pássaros que quase tocavam com a asa na água; e areia a perder de vista. E, sobretudo, uma invasão da atmosfera marítima até dentro da sala de jantar do hotel. Essa sensação do mar alto me tocou tanto nessa primeira vez, que cheguei a ter alívio quando fui embora. Estava me tomando demais, eu estava embriagado com aquilo, e queria

sossegar de tanto maravilhamento. Vejo que sensações dessas a Providência vai pondo, na hora adequada, na vida de cada um, de acordo com um plano de sabedoria, e de acordo com a estrutura interna da psicologia do indivíduo. Tenho a impressão de que, sucessivamente, a graça ilumina no espírito um mundo de dados metafísicos.

Pequeno contemplativo à procura da sublimidade

Em Santos, eu saía sempre, sob a vigilante tutela da “Fraulein” (a governanta), com minha irmã e uma primazinha que era educada conosco. De manhã tínhamos o banho de mar e, à tarde, passeio pela praia.

No passeio vespertino, eu encontrava buraquinhos na praia. Metia o dedo nos furos e, em geral, saíam de dentro caramujos. Suas conchas eram de belezas variadas: algumas muito comuns, outras bonitas, uma ou outra linda. Eu gostava de abrir aqueles buraquinhos para ver se encontrava o caramujo de concha linda. Quando achava, levava para casa e guardava. Por quê? Porque era linda.

Às vezes, trazidas pelas águas, havia conchas de duas placas, com formato um pouco difícil de descrever. Não eram bonitas, eram comuns, mas, ao serem abertas, o lado de dentro se mostrava de um cor de rosa quase vermelho esmaltado. Quando encontrava uma delas, eu, que sempre gostei muito do vermelho, ficava encantado. Passava a mão pela parte esmaltada, mexia e fazia rutilar aquela cor à luz do sol. E a levava para casa. Por quê? Porque Nossa Senhora me fazia ver naquilo, de um modo implícito, uma maravilha pequena à altura de uma criança. Sem valor econômico nenhum, mas uma maravilha que me fazia perceber, de algum modo, algo do Céu. Eu imaginava que o Céu estivesse além da massa de ar azul que paira sobre nossas cabeças. Bastava furar essa capa azul para encontrá-lo. Quando um raio de sol batia sobre a concha, produzindo um bonito efeito, eu pensava que em algum lugar do Céu haveria uns vermelhidões mais bonitos do que esses, e como seria Deus, autor de todas essas coisas.

Eu deixava tudo para analisar a rutilância daquele vermelho, ou desta ou daquela outra coisa que o mar oferecia à minha contemplação, ou simplesmente para admirar as águas, com seu característico rumorejar, que me extasiava.

Um arrebatamento sempre renovado, porque aquilo era muito maior do que eu, de uma beleza maior do que as proporções que havia em meu espírito, enquanto capacidade de apreender. Eu me regalava de me encontrar com o que era superior a mim, de admirar, de me sentir pequeno e de dar glória a Deus, Criador de tudo aquilo.

A primeira tentação na praia

Quando eu tinha uns quatro ou cinco anos, deram-me uma roupa de um tecido fino, chamado palha de seda, que se usava folgada e era muito agradável ao tato.

Certa vez, eu estava vestido com ela na praia quase deserta de Santos, andando com duas ou três pessoas. O vento batia e entrava pela minha roupa, enchendo-a toda de ar. Isso me causava um grande bem-estar, que chegava a ser meio inebriante.

E senti que havia ali uma espécie de convite para um padrão, um modelo, um estilo de vida que era o contrário da atmosfera cerimoniosa com a qual estava habituado. A solicitação parecia dizer: “Por que não ser assim, como muitas pessoas que você conhece? Viver verdadeiramente é isso!”

Tive de fazer um esforço sobre mim, pois percebi que, se cedesse a esse convite, algo de minha integridade ficaria manchado, e eu começaria a ter atrações mais fortes por coisas mundanas.

Ato de virtude decisivo

Uma vez fui tomar banho de mar em Santos, bem longe do Parque Balneário. Umas irmãs de vovó haviam alugado uma casa em frente à praia. Vovó e mamãe também se hospedaram lá.

Era desses casarões antigos, com mobiliário improvisado, tudo arranjado mais ou menos. E um dos sabores da coisa estava nisto: um certo relax do “pulchrum”, tipo um gênero de férias dentro de uma semi-vulgaridade. Eu tinha uns sete ou oito anos.

Sempre sensível a matéria culinária, ouvi dizer que para a noite preparavam um risoto de siri. E eu me fazia uma ideia mítica desse prato, uma coisa veemente, e me propunha a comer uma tonelada daquilo.

Trocamos de roupa e fomos para o mar. Era tardinha e o mar estava muito temperado. O doce mar do Atlântico, diferente das ondas e dos vagalhões de mares que nos jogam contra as paredes. Muito pacífico, eu me regalava com aquele mar, aquelas ondas que vinham suaves. Eu tinha verdadeira loucura por banho de mar. Era louco pelo banho e louco pelo mar. A água que tocava no corpo inteiro me encantava. Sobretudo quando eu conseguia pegar uma onda antes de ela quebrar, deixar-me levantar pacificamente e abaixar de novo, parecia-me uma delícia.

Do mar, eu olhava a cidadezinha, via aquelas casas todas com as luzinhas que estavam se acendendo, e me dava a impressão de que em todas elas se preparava risoto de siri, e que, como eu, havia meninos dispostos a comer risoto de siri. E a vida me parecia uma coisa maravilhosa.

No meio daquilo tive uma tentação, que era a seguinte: “Eu tenho aqui absolutamente tudo quanto basta para uma felicidade perfeita. Se, dando-me conta disso agora, puser-me a haurir a alegria que tenho aqui, sinto-me perfeitamente feliz. E se a vida me der só isto, deu-me inteiramente tudo quanto quero dela. Sinto-me penetrado pela felicidade, pelo bem-estar, por tudo o mais”. Entrava como um componente do raciocínio a alegria da inocência. As louçanias da inocência é que faziam degustar o mar.

Comecei a notar esse pensamento produzindo-se em mim, e a haurir e a julgar, sem dar um consentimento inteiro. Em certo momento, percebi que se gostasse inteiramente daquilo, passaria a gostar só de coisas como aquelas. E que havia valores mais elevados, que eu não sabia ainda quais eram, mas até os quais deveria chegar, e que eu pecaria (notava isso confusamente) contra a boa ordem das coisas se renunciasse a eles. Era preciso escolher entre haurir aquela felicidade de momento, ou reprimi-la por fidelidade a algo de mais alto, que se apresentava a mim, naquele momento, mais como uma privação e sacrifício, do que como um prazer. Qual era o ponto mais alto? Eu percebia que em mim havia capacidade de ver mais do que eu estava vendo e de amar algo mais elevado. Eu não vinculava isso com Deus, mas era evidente que havia essa vinculação.

Qual foi o sofrimento que me foi pedido naquela hora, na água? O de privar-me da atração de querer só aquilo que estava ali, e que me dava a ilusão de que me bastaria. Então pensei: “Não, não pode ser! Tenho de me privar disso, e fazer coisas desagradáveis. Se eu ficar só no siri e no mar, gostosos como são, não aguento a expectativa do que me aguarda mais alto”. Tomei então uma medida interna pela qual dei uma freada desagradável na minha alma e passei um arranhão na alegria. Resolvi levar a vida inteira esse arranhão, para não sucumbir a essa totalidade de gáudio que tinha diante de mim.

Hoje percebo que, se tivesse cedido nesse momento, teria me tornado um desenfreado gozador da vida. Foi uma hora muito decisiva para mim. Agradeço a Nossa Senhora por ter resistido, porque depois várias vezes essa tentação se apresentou de outras formas, mas já vinha enfraquecida pelo arranhão.

No que consistiu o arranhão? Num ato de vontade que tornou desagradáveis para mim aquelas delícias. Eu o fiz, porque a graça me auxiliou. E a vida inteira me mantive nesta posição meio recusante das coisas em extremo agradáveis.

Outra tentação durante um banho de mar

Tive outra tentação muito tempo depois com uns 15 ou 16 anos no mar também.

Estávamos vários moços brincando dentro d’água, em frente ao Parque Balneário. Era um dia de sol muito bonito. Uma onda me submergiu e, não sei como, fui para o fundo. Cheguei a tocar com os pés no fundo do mar, e senti aquela areia sedosa, agradável. Conservei os olhos abertos e a cor da água me pareceu magnífica. Não senti nenhuma vontade de respirar.

Pensei o seguinte: “Aqui estou num pináculo de bem-estar total, num ambiente maravilhoso. Se eu me deixar ficar aqui” veio-me à mente meio confusamente -, “fico com isso para toda a eternidade. Se eu morrer afogado, de algum modo engulo tudo quanto está aqui e realizo um deleite perfeito que a vida não me dará. Não é melhor eu não expirar, mas segurar a respiração e deixar-me morrer?”

Mas veio-me logo ao espírito o seguinte: “O que você fará é uma coisa malfeita. Você sacrifica algo de muito mais alto e que vale muito mais do que o que você tem aqui”. E interveio logo a ideia religiosa: “Suicídio é pecado, você não pode consentir”. No mesmo instante, decidi: “Isso eu não posso fazer, deixe-me respirar”. Subi e a tentação tinha passado.

A renúncia aos banhos de mar

Lembro-me de que, andando pela praia, encontrava de vez em quando uns pedaços de uma pedra que parecia um granito meio rosado. Eu gostava debandadamente da cor que aquele granito teria se fosse inteiramente rosado. Vinha embrulhado numas tantas algas cheirando a mar. Tudo me levava impressões como esta: se meus compatriotas desistissem das vidas que levam e se metessem numa existência voltada para o mar, muito mais simples, mas contemplativa das delícias do mar, lucrariam muito mais do que com esses automóveis e com todo o resto!

A esse ponto chegava minha atração pelo mar. Sempre pelo manso mar do Brasil, o nosso pequeno mar. Por detrás dessas impressões vinha a ideia de que, em contato com as coisas do mar, tem-se um “plenum” de fruição a bem dizer metafísica. Mas essa fruição representava a desistência de uma coisa mais alta. Daí ter sido preciso riscar as delícias do mar.

Bom tempo depois, precisei muito obter uma graça. Fiz a Nossa Senhora a promessa de renunciar ao banho de mar, caso Ela me obtivesse. Obteve-me, e eu renunciei.

Lembranças de uma visita à Catedral de Notre-Dame

Quem foi a Notre-Dame não a esquece jamais. Quem a conheceu, admirou-a e passou a amá-la. E, porque a amou, evoca com saudades sua beleza, sua grandeza, sua importância, sua história…

Foi o que ocorreu com o professor Plinio Corrêa de Oliveira. Ele a conheceu e a amou. Desde então, qualquer oportunidade que tinha, recordava a famosa Catedral de Notre-Dame e transmitia suas impressões sobre ela. Reproduzimos abaixo palavras dele dirigidas a um grupo de jovens:

*   *   *

[…] Eu não posso me esquecer que em uma das viagens que eu fiz a Paris eu cheguei à noitinha. Jantei e fui imediatamente ver a Catedral de Notre-Dame.

Era uma noite de verão, não extraordinariamente bonita, comum, a Catedral estava iluminada, e o automóvel em que eu vinha passava da ‘rive gauche’ para a ilha. E eu via a Catedral assim de lado, e numa focalização completamente fortuita. Ela me pareceu desde logo, naquele ângulo, tomado assim – se acaso existisse, e em algum sentido existe – eu diria que é tomado ao acaso, olhei e achei tão belo, que eu fiquei com vontade de dizer ao automóvel pára, que eu quero ficar aqui!

Eu sei que o resto é muito belo, mas eu creio que poucos olharam essa Catedral desse ângulo e pararam. E eu quero ser dos poucos, para dar a Nossa Senhora o louvor deste ponto de vista aqui, que os outros talvez não tenham louvado suficientemente.

Ao menos se dirá que uma vez um peregrino vindo de longe, amou o que muitos outros por pressa, ou por não terem recebido uma graça especial naquele momento para aquilo, não chegaram a amar. E em todos os grandes monumentos da Cristandade, depois de admirar as maravilhas, eu tenho a tendência a ir admirando os pormenores, num ato de reparação, porque estes pormenores talvez não tenham sido amados como eles deveriam ser amados.

E então, fazer ao menos isto: amar o que deveria ter sido amado e que foi esquecido. É sempre a nossa vocação, de levar a todas as verdades esquecidas que os homens põem de lado.

Eu fiquei encantado com a Catedral naquele ângulo. Depois dei a volta e voltei para o hotel com a alma cheia. E se alguém naquele momento me lembrasse da palavra da Escritura “eis a Igreja de uma beleza perfeita, alegria do mundo inteiro”, eu teria dito: Oh!, como está bem expresso! É bem o que eu sinto a respeito da Catedral de Notre-Dame.

E aí do fundo de nossas almas, do fundo de nossas inocências, vem uma outra […] sobe uma coisa que é luz, super luz, mas ao mesmo tempo é penumbra ou é obscuridade sem ser trevas, e é a ideia de todas as catedrais góticas do mundo, as que foram construídas e as que não foram construídas, dando uma ideia de conjunto de Deus. Que entretanto ainda é infinitamente mais do que isso. Aí, o espírito que inspirou todas essas catedrais, nos aparece. E aí realmente mais nós vivemos no Céu do que na terra.

E aí o nosso desejo de uma outra vida, de conhecer um Outro, com “O” maiúsculo, tão interno em mim, que é mais eu do que eu mesmo sou eu, mas tão superior a mim, que eu não sou nem sequer um grão de poeira em comparação com ele, esse meu desejo se realiza e de lá eu compreendo, o Céu deve ser assim.

Nós amamos ainda mais o puríssimo espírito, eterno e lindíssimo, que criou tudo aquilo para dizer: “Meu filho, Eu existo. Ame-me e compreenda, isto é semelhante a Mim. Mas, sobretudo, por mais belo que isto seja, Eu sou infinitamente dissemelhante disso. Por uma forma de beleza tão quintessenciada e superior que é só quando me vires, que verdadeiramente te darás conta do que Eu sou. Vem, meu filho, vem que Eu te espero. Luta por mais algum tempo que Eu estou me preparando para te mostrar no Céu belezas ainda maiores, na proporção em que for grande e dura a tua luta. Espera, que quando estiveres pronto para ver aquilo que Eu tinha intenção de que vísseis quando Eu te criei, Eu te chamarei. Meu filho, sou Eu a tua Catedral, a Catedral demasiadamente grande, a Catedral demasiadamente bela, a Catedral que fez florescer nos lábios da Virgem um sorriso como nenhuma joia fez florescer, nenhuma rosa e nem sequer nenhuma das meras criaturas que Ela conheceu”.

Essa Catedral é Nosso Senhor Jesus Cristo, é o Coração de Jesus, que tirou do Coração de Maria harmonias como nada tirou. Ali tu conhecerás. Ele disse dEle: “serei Eu mesmo vossa recompensa demasiadamente grande”.

Plinio Corrêa de Oliveira

Conselhos de sabedoria para alcançar a santidade

Ao redigir, por volta de 1940, um memorando sobre vida espiritual (para esclarecimento de um sacerdote vinculado à Ação Católica), Dr. Plinio não teve dificuldade em discorrer sobre o caminho que leva à virtude: ele mesmo o procurava trilhar desde a infância. Daí suas observações não serem meras normas abstratas, colhidas em algum
manual de vida espiritual, mas o resultado de experiências vividas no fragor das batalhas interiores. Aqui reproduzimos a segunda parte desse trabalho.

 

Tendo em vista a tremenda decadência moral de nossa época, a ninguém será possível conservar uma perfeita pureza de corpo e alma sem uma vigilância constante sobre o seu interior. As más sugestões pululam por toda parte e provocam movimentos desordenados da sensibilidade, que podem passar despercebidos no início, simular-se mesmo de bons sentimentos e de virtudes, até que a onda avolumada se lance impetuosamente e já quase não haja mais como resistir-lhe. Assim, muitas vezes o incauto alimenta, com ingenuidade culposa, a própria chama em que arderá.

Maior perigo corre, ainda, a integridade da fé. Nesse mundo desvairado de nossos dias, a nossa sabedoria católica pode ser substituída por loucura, se não a guardarmos com escrupuloso cuidado. Há muitos que pensam manter íntegra a sua fé, mas, na verdade, conservam apenas as exterioridades do dogma, sem a substância, porque o mais íntimo e oculto recanto da inteligência lhes adere à terra. Isto porque, nos afazeres quotidianos, não tiveram a devida reflexão, e se expuseram às surpresas de uma natureza decaída, e, assim, deformou-se-lhes a mentalidade, como já ficou visto. Principalmente, sem este prudente hábito de ver, julgar e agir em si mesmo, não será possível a formação do senso católico, esta delicada flor da fé, que nos dá a capacidade de sentir, nas mínimas coisas, o bom odor de Cristo ou o cheiro pestilencial da mundanidade; e de saber a cada momento o que é mais favor ável à Igreja, pois que o amor ardoroso tem pressentimentos daquilo que o entendimento ainda não viu.

Dominar as tendências desordenadas O homem é livre, isto é, determina-se no seu agir, sendo senhor de seus atos. Não quer isto dizer que não sinta a atração dos objetos vários, que lhe aparecem como fins possíveis de sua atividade, mesmo porque, sem esta atração, a vontade humana não poderia agir. De fato, a vontade se inclina de si  mesma para o bem, e, portanto, não se pode mover se algum bem não lhe é proposto. Entretanto, o bem para o qual a vontade se inclina própria e necessariamente é o bem absoluto, pois a experiência prova, irrefragavelmente, que todos desejamos uma felicidade ilimitada. Tal felicidade, porém, não pode ser dada por nada deste mundo, porque
as coisas deste mundo são limitadas em si mesmas. Logo, nada deste mundo pode atrair irresistível e absolutamente a vontade. E quando a vontade escolhe algum objeto, ela o faz tendo em vista aquela felicidade ilimitada, para cuja consecução o objeto escolhido contribui de alguma forma.

Muitas vezes, embora vejamos o verdadeiro bem, sentimos o peso das más tendências que nos impelem para objetos que não nos podem saciar o nosso ardente desejo de uma felicidade plena, antes afastam dela, mas que iludem esse desejo com uma aparente satisfação, que logo se dissipa. Cedemos, então, muitas vezes, mas cedemos  livremente, sabendo que abandonamos o caminho do verdadeiro bem, movidos pelo imediatismo, que acha muito longo e difícil aquele caminho. E, livremente, abdicamos de nossa liberdade, entregando-nos às forças tremendas que o pecado original desgarrou em nós. Assim, de queda em queda, vai-se enfraquecendo o poder da vontade, até que aquelas forças se tornam mais poderosas e escravizam o pecador, que, daí por diante, só se utiliza da liberdade para entregar-se a elas. É necessário, portanto, fortalecer a vontade pelo exercício sistemático de atos austeros, para que ela possa, sem perigo, dominar as tendências desordenadas que todos possuem por causa do pecado original, e, assim, pôr ordem na alma.

O que mais fortalece a vontade é a graça de Deus

Nada, porém, pode robustecer tanto a vontade e iluminar a inteligência a respeito do bem como a graça de Deus,  que nos vem abundantemente de Jesus Cristo, Nosso Senhor. Neste sentido, há uma dupla definição do Concílio Tridentino que ilumina singularmente o assunto. Em primeiro lugar, é heresia afirmar que os infiéis não possam  praticar atos virtuosos, porque, se assim acontecesse, o homem não seria naturalmente livre. Entretanto, quem afirmar que é possível ao homem, sem o auxílio da graça, cumprir durável e totalmente os mandamentos, seja anátema, por que isso seria negar os efeitos do pecado original. Assim, aquela educa ção da vontade nunca poderia ser
completada sem a graça, mas pela graça adquire seu verdadeiro significado: é a correspondência livre do homem ao dom inestimável de Deus.

Alem disso, a graça transforma os nossos atos, dando-lhes um valor sobrenatural. Assim, é da graça que dependem a possibilidade e a excelência da obra de nossa santificação; mas é de nossa vontade que depende sua realização. Do contrário, já não haveria mérito; e seria absurdo supor que aquilo que nem o pecado original tirou,  fosse suprimido pela graça, isto é, a liberdade. Não é assim, mas a graça é um conforto para a vontade, que, fortalecida, sabe afirmar-se entre tantas forças dissidentes, e seguir sua inclinação natural para o verdadeiro bem, e não a sua decadência, escolhendo livremente, segundo o seu critério interior, o que lhe parece melhor. E se a graça é  um conforto, é necessário que a vontade se sirva deste conforto, para não acontecer que a graça fique vazia em nós e, portanto, inútil, conforme ao que diz o Apóstolo.

Assim, será ilusão pensar numa santifica ção automática pela graça. A vida dos santos, pelo contrário, demonstraque a santificação é uma luta ardorosa e tenaz.

Meios para vencer a batalha da santificação

A prece verbal ou mental, particular ou litúrgica, não constitui o fim da vida espiritual. Este fim é a santificação, isto é, a morte à nossa natureza decaída e nossa reedificação em Jesus Cristo (Rom. 6, 3-11). Mas a prece é um meio eficaz para dotar o católico de  maiores recursos para o combate interior.

O auxílio divino, porém, é concedido segundo a reta intenção de quem pede, em qualquer espécie de prece. Assim também os sacramentos, embora contenham  objetivamente a graça, e sejam por aí um recurso certo, de nada servem sem a correspondência interior de quem os recebe. Da mesma forma, o Santo Sacrifício da Missa é uma torrente caudalosa de graças, mas a maior ou menor recepção delas, com maior ou menor aproveitamento, depende essencialmente das disposições interiores dos assistentes.

A graça nos torna capazes de vencer dificuldades cada vez maiores

Uma graça assim correspondida por nós, e que em nós produziu fruto, é penhor de novas e maiores graças. E, ao conceder-nos esta maior liberdade, Deus exige de nós mais numerosos e excelentes frutos de santificação, até nossa perfeita consumação em Jesus Cristo. Assim, a maior abundância de graças conferidas a uma pessoa não se destina a privar a sua vida espiritual de todos os obstáculos, mas a torná-la capaz de vencer obstáculos sempre maiores.

De fato, a nossa natureza foi deformada, de alto a baixo, pelo pecado original. Diz São Luís Grignion de Montfort: “Nossas melhores ações ordinariamente são manchadas e corrompidas pelo mau fundo que há em nós. Quando se põe água limpa e clara num vaso que cheira mal, ou vinho numa pipa cujo interior está sujo de um outro vinho que
lá houve, a água clara e o bom vinho se alteram, e tomam, facilmente, o mau cheiro. Igualmente, quando Deus põe no vaso de nossa alma, deteriorado pelo pecado original e atual, suas graças e seus orvalhos celestiais ou o vinho delicioso de seu amor, seus dons ordinariamente são danificados e deteriorados pelo mau fermento e pelo mau fundo que o pecado deixou em nós. Nossas ações, mesmo as virtudes mais sublimes, se ressentem disso. É, pois, de uma enorme importância para adquirir a perfeição, o que só se consegue pela união a Jesus Cristo, esvaziar-nos do que há de mau em nós: do contrário, Nosso Senhor, que é infinitamente puro e odeia infinitamente a menor mancha na alma, rejeitar-nos-á, e não quererá unir-se a nós”.

E continua pouco depois: “Para esvaziar- nos de nós mesmos é necessário todos os dias morrer a nós mesmos: quer dizer que é preciso renunciar às opera- ções das potências  de nossa alma e dos sentidos do corpo, que é preciso ver como se não víssemos, ouvir como se não ouvíssemos, servir-se das coisas deste mundo como se não nos  servíssemos delas” (La vraie dévotion, cap. 2º, art. III, §§ 78 e 81).

Assim, é necessário que destruamos o edifício viciado de nossa natureza pecaminosa, para reedificá-lo em Cristo. E quanto mais progride e se aprofunda este trabalho, com a  graça de Deus, mais dificultoso se torna, porque remontamos para a causa de todos os  nossos defeitos, até chegarmos àquele ponto em que mereçamos receber do Espírito Santo a transformação final.

Não só mereçamos recebê-la, mas tenhamos ânimo de suportá-la.

(Continua no próximo número)

Finalidade do homem, segundo o plano de Deus

Na época em que Dr. Plinio presidia a /unta Arquidiocesana da Ação Católica, era tema de debate saber qual a medula da vida espiritual. Tornando-se conveniente esclarecer um sacerdote vinculado àquele movimento, Dr. Plinio redigiu um memorando altamente orientador.  Reproduzimos aqui sua primeira parte; a segunda será transcrita no nosso próximo número.

 

É Deus quem cria e conserva todas as coisas,  por um ato livre de sua vontade onipotente. Assim,  Deus é supremo Senhor de tudo o que existe, governando toda a criação e ordenando-a para a sua glória. Os seres brutos ou inanimados são conduzidos para este fim cega e forçadamente. Os homens, porém, dotados que são de liberdade, são esclarecidos e atraídos por Deus para bem disporem a vontade e alcançarem a glória pela conformidade consciente e ativa com a vontade divina. Cumpre, pois, aos homens procederem segundo esta atração e aquele esclarecimento, para, submetendo-se livre e integralmente às determinações divinas (distinguindo-se preceito de conselho) atingirem o fim para que foram criados. E nisto consiste a perfeição, posto que o homem, como tudo o que subsiste e acontece, não tem outra realidade senão a que lhe é dada, a cada momento, por Deus. Desta forma, aquilo que depende da vontade humana deve ser posto em correspondência com os desígnios divinos, para que o homem possa conseguir a sua própria plenitude e perfeita realidade. O contrário seria frustrar a generosidade de Deus, que nos dá a existência, a vida, e a dignidade de participarmos conscientemente em sua obra pela liberdade, que nos outorgou, e que nunca deixa de respeitar.

Ordem e harmonia no homem antes do pecado original

O homem, criado por Deus no estado de justiça original, fora enriquecido da graça santificante e de outros valiosos dons que davam à sua natureza harmonia tal que ele via claramente a vontade de Deus e a cumpria com toda a facilidade, seguindo apenas os seus pendores espontâneos. A lei natural, que é a lei que Deus inscreve na consciência de cada um, como manifestação de sua vontade, era perfeitamente legível; é por isso que os nossos primeiros pais tinham as potências da alma em perfeita ordem, de tal forma esclarecida pela revelação, que a sensibilidade estava subordinada inteiramente à vontade, e esta à inteligência, a prática da lei não era penosa, mas era uma fonte de felicidade, pois tudo cooperava no homem para que ele atingisse plenamente seu fim.

Castigo do homem decaído

Entretanto, pelo pecado original foi quebrada esta harmonia tão maravilhosa. Como castigo da rebelião, retirou Deus o poder absoluto da inteligência sobre a vontade e de ambas sobre a sensibilidade, e assim o homem se viu em luta contra a rebelião ora brutal das paixões, ora insidiosa das más inclinações, tornando-se tantas vezes escravo de umas e de outras. Igualmente perdeu o domínio absoluto sobre a natureza criada, de que fora o rei, e os seres animados e inanimados, que a compõem, revoltaram-se contra ele, quebrando-se assim, aquela harmonia que resultava da subordinação do mundo, com suas forças e virtualidades, à inteligência superior do homem. A lei natural perdeu, na consciência humana, a primitiva nitidez; a inteligência ficou alterada em sua lucidez cristalina de outrora; e a vontade desviou-se daquela retidão admirável, que a inclinava sempre para o verdadeiro bem. Sobretudo, perdeu o homem a graça e a amizade de Deus, e o Céu se fechou para ele.

O pecado original, pela contradição abominável que opunha à majestade divina, fez entrar a contradição no mundo. O tédio, o cuidado, a dor, a angústia e a morte se desdobraram sobre a terra; e o inferno se abriu, como suprema contradição, para triturar, sem aniquilar, os prevaricadores, que se tornaram filhos da contradição do pecado. Por outro lado, o desejo de felicidade, que é tão radical no homem que seria mais fácil destruir o ser humano do que extirpá-lo, este desejo voltou-se com todo o seu peso para muitas coisas que não podem dar a felicidade. E os caminhos que conduzem à bem-aventurança, tão sequiosamente almejada pelo coração humano, tornaram-se espinhosos e repugnantes, de tal forma que “todo o que procurar salvar a sua vida, perdê-la-á; e todo o que a perder, salvá-laá” (Lc. 27, 33).

A vida espiritual, depois do pecado original

Nesta situação aflitiva, valeu-lhe a misericórdia de Deus, que não poupou o seu próprio Filho, imolando-o na Cruz pela nossa salvação. Entretanto, a graça, que tão abundantemente defluiu do Calvário, não alterou o quadro das conseqüências do pecado original no homem, senão nesse ponto: que valorizou e tornou viável o esforço humano em vista da recomposição da harmonia interior e da subordinação da vontade à Vontade Divina, e, por aí, reconquistarmos o Céu. Ora, estando comprometidos, em nossa [consciência], os traços anteriormente firmes, com que estava gravada a lei natural, dignou-se Deus de manifestar novamente a sua vontade pela revelação dos Mandamentos, que se aplicam a todos os homens, indistintamente. Além disso, pelos conselhos evangélicos, revelou o que cada um deve fazer, em particular, seguindo a inspiração do Espírito Santo, para obedecer aos desígnios de Deus a seu respeito. A vida espiritual consiste exatamente nesse esforço penoso por conformar nossas disposições internas e nossas ações com a vontade de Deus, o que, antes do pecado original, era uma fonte de felicidade, como já ficou visto.

Disposições do homem concebido no pecado original

Há, no homem, tendências boas ou más da natureza, disposições viciosas ou virtuosas adquiridas, e atos bons ou maus, que seguem as tendências ou as disposições. É de se notar que as disposições virtuosas podem ser o aproveitamento meritório de uma boa tendência, como as viciosas podem ser o agravamento culposo de tendências más. É possível, porém, que não seja assim, havendo, neste caso, maior culpa ou mérito.

As tendências más podem pertencer à vontade, como a tendência para o orgulho, por exemplo, ou à sensibilidade, como a tendência para a luxúria. Para que haja ato mau, entretanto, é necessário que a vontade ou ceda à própria inclinação defeituosa, ou pactue com os movimentos inferiores da sensibilidade desordenada, como que os assimilando a si própria. A repetição de atos

maus vai desenvolvendo as tendências más da vontade, vai aumentando a desordem da sensibilidade, e, por fim, vai habituando a vontade a transigir com as sugestões perversas desta última, até surgirem os vícios, em toda a pujança escravizadora.

Este proceder imoral tem ainda um último e derradeiro fruto de iniqüidade. A vontade não pode agir sem a colaboração da inteligência, pois que a ação humana não se produz sem uma razão. De fato, ninguém faz alguma coisa conscientemente sem um motivo apresentado pela razão, qualquer que seja seu valor. Portanto, o mau proceder conspurca a inteligência, pois chega a forçar esta nobre faculdade muitas vezes a apresentar como bom e conveniente o que é mau e perverso. Ora, esta intervenção violenta, quando muitas vezes renovada, acaba por deformar a inteligência, que de si mesma é generalizadora; e por aí ela pode obliterar-se de tal modo que só muito penosamente chegue a compreender certas verdades e a se desvencilhar-se de certos erros. A pessoa que assim deforma a sua inteligência concebe ideias ou teorias falsas, ou, ainda, adquire uma mentalidade, isto é, uma atitude fundamental de ver e julgar as coisas, que falseia todos os valores. Numa mentalidade há princípios e teorias implícitos, que podem nunca vir a ser explicitados, mas que freqüentemente pesam nos juízos e nas resoluções. Por isso, nada há tão perigoso como uma mentalidade deformada, pois nisso consiste o “desregramento do espirito” de que fala o Evangelho (Mc 7, 22). É o oposto da Sabedoria e, no fundo, é o gosto das coisas do mundo, que se opõe ao gosto das coisas celestiais.

Esta mentalidade defeituosa também pode ser contraída pela complacência íntima e sistemática com os atos maus de outras pessoas, atos estes que lisonjeiam as nossas más tendências e disposições. A causa é análoga à referida quanto aos nossos próprios atos.

As más tendências da natureza, conseqüência do pecado original, são o princípio do mal em nós, e quase sempre o ponto atingido pelas tentações do demônio e do mundo. Podem ser dominadas, com relativa facilidade. A disposição viciosa, pelo contrário, já representa o domínio do mal; e a prática do bem, que se lhe opõe, exige uma grande luta. Porém, a pessoa portadora de mentalidade deformada já não luta, pratica o mal, que se refere ao defeito de sua mentalidade, como se fora a mais natural e racional das coisas.

Deve-se aplicar esta distinção de tendência, disposição e atos a cada um dos Mandamentos de Deus e da Igreja, conforme ao que ficou dito.

Observar, julgar e corrigir as tendências desregradas

Diz o Santo Padre Pio IX, em sua Encíclica sobre os Exercícios Espirituais de Santo Inácio: “O mal gravíssimo de que enferma a nossa época, que é a fonte e origem de todos os males de que se queixam os homens de reto juízo, é a falta de reflexão”. Para curar este mal é necessário forçar “o nosso espírito a observar atentamente os pensamentos, as palavras e as ações e a penetrar intimamente na nossa alma”.

De fato, infelizmente é enorme, hoje em dia, o número das pessoas que moldam a sua atividade exclusivamente ao sabor das circunstâncias exteriores, e não têm o hábito, e quase nem têm a faculdade de se observar, de julgar-se a si próprias e de corrigir as suas tendências e disposições interiores desregradas.

Condições para obter a conformidade com a vontade divina

Entretanto, a ninguém é possível obter uma verdadeira conformidade com a vontade divina, que é o único meio de o homem atingir a perfeição e a felicidade, sem o hábito de ver, julgar e agir dentro de si mesmo. Conforme se viu da Encíclica anteriormente citada, disso depende a cura de todos os males modernos. Ora, o mal não é outra coisa senão a disconformidade com a vontade divina, que jamais deixa de querer o verdadeiro bem.

Além disso, as pessoas que se deixam levar exclusivamente, ou quase, pelos atos exteriores, se expõem a contaminar-se, insidiosamente, pela corrupção do mundo, que é o principado de Satanás (Jo. 16, 11), e a cair na chamada “heresia das obras”, mesmo quando querem fazer o bem. Neste sentido, acrescenta a Encíclica citada: “A frivolidade contínua e febril que se prende às coisas exteriores… enerva e debilita nos corações os mais nobres ideais e de tal modo os envolve nas coisas terrenas e transitórias que mal os deixa pensar nas verdades eternas, nas leis divinas e no próprio Deus, que é o único princípio e fim das criaturas”.

Porém, o hábito salutar de ver, julgar e agir dentro de si mesmo, fornece “um auxílio eficaz para as faculdades humanas, de modo que, neste combate insigne do espírito, a mente se acostuma a avaliar e a pesar, no seu justo valor, todas as coisas; a vontade se robustece com firmeza; os desejos insaciáveis comprimem-se com sensatos conselhos; a ação da vida humana, unida à meditação, conforma-se com uma norma reta; enfim, a alma atinge a sua nobreza e excelência, como se lê tão belamente numa comparação do livro Pastoral do pontífice São Gregório: ‘O espirito humano, à semelhança da água de um tanque, se a fecham, aumenta e sobe para o Céu, donde veio; mas, abandonada, perde-se, espalhando-se inutilmente sobre a terra’.”

Assim sendo, nesse hábito está a medula da vida espiritual.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 37 (Abril de 2001)

Sagrada Família: três auges de perfeição

Na humilde casa de Nazaré verificava-se uma ascensão em graça e santidade, perante Deus e os homens, das três pessoas excelsas que ali moravam. Três perfeições que alcançaram o auge ao qual cada uma devia chegar. Eram três auges desiguais, que se amavam e se inter compreendiam de modo intenso, e que constituíam uma hierarquia — disposta pela Divina Providência — admiravelmente inversa: o chefe da casa no plano humano era o menor na ordem sobrenatural; e o menino, que devia obediência aos pais, era Deus.

A Sagrada Família, modelo de todas as famílias, compunha-se portanto de três perfeições altíssimas, magníficas, mas distintas, realizando uma extraordinária harmonia de desigualdades, como nunca houve nem haverá semelhante na terra.

Plinio Corrêa de Oliveira

Oração da restauração

Há momentos, minha Mãe, em que minha alma se sente, no que tem de mais fundo, tocada por uma saudade indizível. Tenho saudades da época em que eu Vos amava, e Vós me amáveis, na atmosfera primaveril de minha vida espiritual.

Tenho saudades de Vós, Senhora, e do paraíso que punha em mim a grande comunicação que tinha convosco. Não tendes também Vós, Senhora, saudades desse tempo?

Não tendes saudades da bondade que havia naquele filho que fui? Vinde, pois, ó melhor de todas as mães, e por amor ao que desabrochava em mim, restaurai-me: recomponde em mim o amor a Vós, e fazei de mim a plena realização daquele filho sem mancha que eu teria sido, se não fosse tanta miséria.

Dai-me, ó Mãe, um coração arrependido e humilhado, e fazei luzir novamente aos meus olhos aquilo que, pelo esplendor de vossa graça, eu começara a amar tanto e tanto!

Lembrai-Vos, Senhora, deste David e de toda a doçura que nele púnheis. Assim seja!

Exemplo de constância e de fortaleza

Varão de espírito nobre, muito inteligente e culto, São Martinho I foi sujeito a uma das maiores humilhações a que um Papa tenha sido exposto, desde o começo da história do Pontificado.

 

Vamos analisar uma nota biográfica referente a São Martinho, Papa e mártir(1).

Condenado à morte por defender a verdade

São Martinho I sucedeu a Teodoro, no ano 649.

A alma do novo Papa deveria ser grande para suplantar as grandes dificuldades do momento. Para salvar especialmente as Igrejas do Oriente, devia anatematizar a heresia monotelista(2). E foi o que fez o novo Papa.

Imediatamente, por ordem do Imperador Constante II, foi preso numa emboscada e transportado num navio para o Oriente. Sofreu horrivelmente durante a viagem. Ao chegar a Constantinopla estava em extremo grau de debilidade; mesmo assim, manietado, arrastaram-no ao tribunal, chamaram testemunhas falsas que depuseram contra o Pontífice acusando-o de traidor e herético. Depois de condená-lo, carregaram-no para junto das cavalariças imperiais, onde se reunia incontável multidão.

São Martinho foi alçado a um terraço para que Constante pudesse vê-lo da sacada de seu palácio; depois o juiz que havia presidido o tribunal aproximou-se do ancião mofando: 

— Viste como Deus te livrou de nossas mãos, eras contra o imperador. Deus te abandonou.

Em seguida ordenou aos soldados que rasgassem as vestes do Papa e lhe arrancassem os calçados. Entregando-o ao prefeito, recomendou-lhe que o fizesse em pedaços. Como a multidão se mantivesse calada, o juiz incitou-a a anatematizar o condenado, mas ouviu-se somente a voz de umas vinte pessoas. As demais, olhos baixos, dispersavam-se silenciosamente.

Os carrascos então despojaram São Martinho de seus farrapos e do pálio sacerdotal. Revestiram-no com uma túnica aberta de ambos os lados, grotesca e humilhante. Rodearam-lhe o pescoço com uma argola de ferro, puxaram-no por uma corrente pela cidade até a prisão, que era a mesma dos criminosos comuns. Sob o frio intenso, tiritava. Permaneceu preso esperando a morte, mas sua pena foi comutada por prisão perpétua.

No exílio da Crimeia, seu martírio aumentou dia a dia até que o Criador o chamou para Si, no ano de 655.

Esse pontífice deixou cartas notavelmente bem escritas, cheias de vigor e sabedoria, bem como as respostas dadas no tribunal de Bizâncio. Seu estilo é nobre e sublime, digno da majestade da Sé Apostólica.

Constância e fortaleza em meio a injustos tormentos

Encontramos nessa narração vários aspectos desse martírio que são instrutivos para nós.

Em primeiro lugar, a suma respeitabilidade desse Pontífice e a forma especial de tormento a que ele foi sujeito. Por ser um santo, tinha na mais alta conta a dignidade do trono pontifício por ele ocupado, compreendendo perfeitamente tratar-se do maior cargo da Terra.

Não há dignidade de rei, nem de imperador, nem de nenhum outro que se possa comparar sequer de longe à dignidade do Vigário de Cristo na Terra, daquele que é sucessor de São Pedro, a quem Jesus Cristo deu as chaves do Reino do Céu, de maneira que aquilo que ele abrir estará aberto e aquilo que fechar permanecerá fechado.

Além disso, São Martinho era um homem de um espírito nobre, muito inteligente e culto, em cujas cartas se expressava com nobreza e elevação. Portanto, uma pessoa que gostava de tudo quanto é alto, sublime, digno.

Pois bem, ele foi sujeito a uma das maiores humilhações a que um Papa tenha sido exposto, desde o começo da história do Pontificado.

São Pedro, crucificado de cabeça para baixo, foi tão humilhado ou mais do que ele. Mas poucos foram os Papas que sofreram um martírio tão terrível como São Martinho.

Trata-se de um Pontífice romano, que se sabe Vigário de Cristo, e que é jogado no porão de um navio daquele tempo, desce na cidade de Constantinopla, é arrastado ao tribunal por hereges monotelistas, para ser condenado; depois é levado diante de uma imensa multidão, vestido de um modo ridículo, colocam-lhe no pescoço uma argola de ferro atada a uma corda, e o conduzem como se fosse um animal; encontrando-se já na iminência de ser morto, ele é arrastado, a pé e descalço, pela cidade até a outra ponta, para ser preso entre os prisioneiros comuns. Imaginem a humilhação de um homem que se preza, sofrendo tudo isso!

Mais ainda: fazia um frio intenso, ele já estava idoso e tiritava. Naturalmente tomavam o tremor dele como sendo por medo, e muitos terão caçoado dele.

Vê-se a crueldade desse Imperador Constâncio e dos hereges monotelistas, que o arrastaram. Depois ele foi mandado para a Crimeia e ali, submetido a trabalhos forçados, morreu por causa das intempéries, da idade, mas em consequência dos maus tratos. Por isso a Igreja o considera mártir. Até o fim ele não cedeu e, diante do interrogatório do imperador e do juiz, ele suportou com altivez e soube dizer ao juiz as verdades que deveriam ser ditas. É um nobre exemplo de constância e de fortaleza.

Crueldade e indolência, sintomas de um império que caía

Por outro lado, vemos o Império Romano que caminhava para seu fim. Haveria ainda alguns séculos para o termo final do Império Romano do Oriente, mas esse fim vinha sendo preparado de longe por sinais manifestos de decadência. Esse crime praticado pelo imperador na presença de todo o povo é um sintoma disso. O imperador manda expor o Papa num terraço onde ele o pudesse ver e, naturalmente, zombando do Pontífice sacrilegamente.

Todo o povo também presenciou a cena e o juiz estava querendo induzi-lo a vaiar o Papa. Mas a atitude do povo foi esta: ficou quieto e depois foi se dispersando. De dentro da multidão, apenas umas vinte pessoas — provavelmente pagas — vaiaram o Pontífice. A vaia não teve a menor repercussão, ninguém acompanhou, e as pessoas se dispersaram lentamente.

Há uma frase famosa que diz: “O silêncio dos povos é a lição dos reis”. Quer dizer, os povos não vaiam, não agridem, mas quando eles não aplaudem, os reis ficam compreendendo haver uma censura. Essa é uma frase do “Ancien Régime”(3), e isso era verdade antes da Revolução Francesa.

Quer dizer, resta sempre aos povos um recurso que ninguém tem o poder de lhes tirar: é o de não aplaudir. Como obrigar o povo a aplaudir? Uma multidão imensa, se não quiser aplaudir não aplaude, e não se pode matar a multidão por causa disso.

Entretanto, nota-se de um lado o prurido de independência dos imperadores do Oriente contra o Papa, o que acabaria desfechando no cisma e, posteriormente, na queda do Império Romano do Oriente. De outro lado, constata-se também a maldade do povo. À primeira vista, tem-se uma boa impressão do povo porque se recusou a aplaudir; era, portanto, menos corrupto do que o imperador. Contudo, não deixava de ser um povo corrompido também, porque se ele sabia que aquele ancião, sendo o Vigário de Cristo, não deveria ser tratado assim e merecia todo o respeito, o que fez esse povo que não se revoltou contra os algozes, não protestou e não vaiou aquele juiz?

Evidentemente, dispersando-se, a multidão se condenou porque provou saber que aquilo era mau, e mostrou que se tinha intrepidez de não aplaudir, entretanto, não possuía coragem de libertar. Ora, o Papa tinha o direito de ser liberto. Isso mostra o profundo apodrecimento do povo; era um império que caía de podre.

Rechaçados pela Justiça de Deus

Resultado: durante séculos essa rivalidade entre Constantinopla e Roma, as duas maiores cidades de cultura latina daquele tempo, foi aumentando. Quando no século XV os turcos assediavam Constantinopla, estava ali um personagem que pôde até assistir à queda da cidade e conseguiu fugir a tempo.

Nas cartas que esse personagem escreveu, ele pôs a seguinte nota: “O povo de Constantinopla, que era herege, tinha rompido com a Santa Sé, estava apavorado com aquela entrada feroz dos turcos, que fizeram uma carnificina, reduziram inúmeros indivíduos a escravos, entraram em conventos, destroçaram tudo”.

E fez este comentário: “Se se desse aos constantinopolitanos a opção entre salvar a cidade, voltando a aderir à Igreja Católica, ou continuar na heresia e serem destroçados pelos turcos, eles prefeririam a heresia e a morte a se unirem novamente à Igreja Católica”.

Quer dizer, um ódio tão cego à verdade que eles só queriam saber de aderir à heresia, e preferiam a morte com a heresia à vida, à dignidade e à honra. Vemos, por aí, como os adversários da Igreja podem ser fanáticos, a ponto de gostarem mais daquilo que representa o seu próprio destroçamento do que a união com o que significa a verdade integral.

Lembro-me de uma frase de Donoso Cortés(4), grande pensador espanhol, que dizia o seguinte: Os homens gostam de verdades, mas nenhum homem, a não ser pela graça de Deus, gosta da verdade inteira, da verdade global.

A Doutrina Católica oferece a verdade global. Esta, os inimigos da Igreja odeiam mais do que tudo, preferindo qualquer erro à verdade total. Assim eram os monotelistas, como também os cismáticos de Constantinopla séculos depois, e os modernistas do tempo de São Pio X. Tudo menos a verdade global. Resultado: serão rechaçados pela Justiça de Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/9/1973)

 

1) Não dispomos das referências bibliográficas nas quais se baseia Dr. Plinio.
2) Monotelismo: heresia que nega a existência de duas naturezas — a humana e a divina — em Nosso Senhor Jesus Cristo.
3) Do francês: Antigo Regime. Sistema social e político aristocrático em vigor na França entre os séculos XVI e XVIII.
4) Juan Francisco María de la Salud Donoso Cortés y Fernández Canedo. Filósofo, político e diplomata espanhol (* 1809 – † 1853).

Maravilhas excogitáveis

Como será a época áurea, o Reino de Maria? Além de um esplendor da graça, haverá construções tendentes ao paradisíaco,segundo comentários de Dr. Plinio.

 

Considerando a quase inesgotável variedade de recursos com a qual o Criador dotou a natureza, a fim de que dela se servisse o homem para embelezar este mundo, vêm-nos ao espírito algumas reflexões acerca dessas mil possibilidades postas ao alcance do engenho humano.

Palácios de porcelana, avenidas de cristal

Por exemplo, não seria difícil construir um prédio inteiro, digamos uma catedral, utilizando-se o material com que hoje são feitos vasos e outros objetos artísticos. Aliás, o homem mandar fabricar as pedras com as quais edificaria seus próprios palácios, é algo que vai além de toda ideia até agora concebida. Bem entendido, não se trata dessas lâminas de granito aplicadas às paredes, sabendo-se que tal não passa de um revestimento.

Não. Se me fosse dado mandar erguer uma casa ou edifício, gostaria que tivesse grossas paredes, inteiramente constituídas de material cujo colorido fosse semelhante ao de um belo vaso. De maneira que, sendo perfuradas com um prego de lado a lado, encontrar-se-ia a mesma matéria com aquela cor. Nada, portanto, de falsos revestimentos com chapas de granito ou de mármore. Falsificação, mesmo nesse terreno, não tem valor algum.

À primeira vista, essa concepção pode parecer muito bonita, porém inexequível.

Ora, cumpre levar em conta que o homem, com as modernas possibilidades industriais, pode elaborar matérias-primas mais belas do que as pedras preciosas que se acham na natureza, atingindo um grau de esplendor inenarrável.

Claro está, não se deve imaginar isto para qualquer casa ou construção. Conviria, por exemplo, para uma “Via de la Conciliazione”, em Roma. Naquele eixo que liga o trono de São Pedro ao Castelo de Sant’Angelo, poder-se-ia conceber uma pavimentação  com gemas de raro quilate, a fim de honrar o Papa. E se podemos imaginar uma laje de asfalto ininterrupta, de ponta a ponta de uma avenida, por que não cogitar num piso todo feito de porcelana especial? Ou então de um cristal único? Seria algo magnífico e incomparável, tanto é indizível o  até onde os recursos da inteligência e da fantasia são capazes de chegar.

Importância do panorama para as belas construções

Agrada-me tratar desse tema, pois vivo como que imerso nessas cogitações. Entretanto, é preciso ter presente que tais maravilhas devem ser concebidas apenas para determinados tipos de panorama e de povo. Com efeito, existem paisagens nas quais elas se encaixam perfeitamente. Por exemplo, na Baía de Guanabara.

Como é aprazível um passeio por esse espetacular “cartão postal” do Brasil! Sair de manhã e percorrer toda a baía até à noite, presenciando o pôr-do-sol, ao mesmo tempo que um bom cicerone nos vai descrevendo seus pontos mais salientes e recordando os acontecimentos históricos que ali se desenrolaram, como a heroica resistência dos portugueses contra os

invasores do Rio de Janeiro. Sem dúvida, um programa de encher a alma. Sobretudo se considerarmos, então, que essa Baía de Guanabara seria o cenário perfeito para a edificação daqueles prédios e casas maravilhosas.

E há no Brasil lugares junto ao mar ou a certos rios — como o Tocantins, o Araguaia, etc. — que podem se prestar a coisas muito bonitas, ao contrário de outros locais em que algum palácio desses ficaria completamente ridículo.

No meu entender, o continente onde essas realizações se encontrariam à vontade é a Ásia. O que imagino dos sóis, das solidões, das matas, dos desertos asiáticos, serve de modo magnífico para esses palácios e construções. E a África? Sim e não, de maneira análoga ao Brasil. Algumas regiões se prestam soberbamente, e outras são espantalho para coisas assim.

Esse tema é vasto, supõe ziguezagues, mas deve ser visto de frente: esses castelos, essas edificações imaginárias não servem para o ambiente europeu. A Providência concedeu à Europa a possibilidade de obter, com materiais sóbrios — o granito, por exemplo — belezas tão superiores que quando se vê alguma catedral, algum castelo gótico feito com essa pedra, aliás de boa qualidade, é-se levado a perguntar se esses materiais por mim imaginados têm algum valor diante daquele criado por Deus.

Questões como essas precisam ser postas, de modo inexorável, para apreender uma verdade sólida e saber que não se está delirando.

Diferentes formas de “sonhar”: do oriental, do europeu

Tome-se, por exemplo, a arte dos lambris que utiliza madeiras de qualidade para revestir paredes interiores. Às vezes, em simples casas campestres, a Europa atingiu um requinte de bom gosto nessa arte, demonstrando toda a capacidade que recebeu do Criador para produzir o maravilhoso, empregando materiais não diretamente maravilhosos. Ela soube engendrar possibilidades de fausto em coisas que a fineza e o talento humanos deveriam nobilitar, mas que, de si, não revelavam uma beleza estuante, brotando do seu íntimo, como em certos materiais da Ásia.

Resultado, temos um tipo de arte na Europa que valoriza o intelecto, o bom gosto, a formosura da alma do homem, não só enquanto voa para o que há de mais esplendoroso, como também enquanto reprime e freia o seu voo, dando a conta, o peso e a medida de si mesma. É a beleza da austeridade, da simplicidade.

É fácil falar das avenidas constituídas de porcelana, mas importa ter em vista o outro lado dessas concepções. Certas brumas, como as de algumas cidades poluídas, são feias. Porém, como é bonito imaginar o “Big Ben” emergindo em toda a sua elegância de dentro das névoas londrinas! E assim, vários contrastes nos fazem ver a necessidade de um extraordinário senso das coisas, para se captar tudo isso sem correr o risco de errarmos em nossa avaliação.

Nessa linha de considerações, vale dizer que é próprio do oriental, quando ergue um lindo palácio, pensar o seguinte: “Isso eu fiz, mas poderia construir outra coisa mais bela…”. E seu charme está em que ele sempre imagina algo de maravilhoso, superior, a ser realizado.

Já quando se analisa o ocidental, e mais especialmente o europeu, no interior de um palácio que construiu, ele ali é a obra-prima. Não podemos imaginar uma Maria Antonieta sonhando com um Versailles mais bonito. Ela sonhava em ser mais ela mesma ali dentro. É outra escola, outro rumo, outra avenida para  espelhar as magnificências de Deus.

Grandeza dos povos no Reino de Maria

E devemos muito tomar essas verdades em consideração, para sabermos qual a maravilha das maravilhas convirá melhor para o Reino de Maria. Será uma asiatização, isto é, uma nota asiática a vibrar sobre o mundo inteiro? Ou haverá outras características possíveis? Quais e como serão? Até que ponto elas se inspirarão nas notas que povos diversos deixaram?

Tais perguntas precisam ser ventiladas, para se entender a vastidão do tema em que nos movemos, e para raciocinarmos, em vez de sonhar. Porque não estou sonhando, mas pensando.

Então, para cogitarmos sobre essa futura era marial, não sabemos em que nações a Santíssima Virgem recolherá materiais para o reino d’Ela. Certa vez me caiu nas mãos um álbum cuja capa trazia a fotografia de um afegão. Era uma plenitude terrena de homem, extraordinária! Logo me veio o intenso desejo de converter aquele povo, como quem toma um objeto precioso e diz: “Esse vai para o altar de Nossa Senhora!”. De fato, é maravilhoso imaginar uma ordem religiosa ou um movimento de leigos católicos, constituídos nesse povo com tal plenitude humana de força, de equilíbrio, de bom senso.

Uma coisa será esse Reino de Maria se realizando inteiramente no Brasil, outra nas nações irmãs da América espanhola, outra nos Estados Unidos, outra no Canadá, etc. Quais serão os elementos humanos com que esse Reino será edificado?

Tudo isso entra em junção para se compreender como será essa época áurea da Cristandade, existindo sob a maternal benevolência de Maria e sob uma particular ação do Espírito Santo nas almas, porque será o Reino de uma plenitude de graça, de senso católico, de amor à Igreja e a Nosso Senhor Jesus Cristo, como não podemos fazer ideia…

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 73 (Abril de 2004)

A perfeição — no homem, nas nações

De uma canção de gesta medieval — “La Chanson de Roland” — Dr. Plinio colhe vívidos exemplos para nos mostrar como devemos amar as virtudes teologais e cardeais, admirando-as tal como existiram e existem nos indivíduos e nos povos.

 

Em nossa trajetória na vida espiritual, amaríamos mais a perfeição e para ela tenderíamos, se não tivéssemos uma ideia incompleta a seu respeito.

Excelências de alma, refletindo-se no corpo

A perfeição é uma ordem de coisas íntegra. Não podemos dizer que algo imperfeito seja íntegro. Perfeição e integridade são termos correlatos. Entretanto, a palavra “perfeição” torna-se vazia — diz-se em latim um “flatus vocis”, um som da voz — e não desperta nossa vontade de atingi-la, se não soubermos, antes de tudo, responder à pergunta: perfeição do quê?

Da alma humana, bem entendido. E, portanto, da perfeição do homem.

Trata-se da excelência do espírito, que estende sua in- fluência também ao corpo. Embora não o leve à mesma perfeição, posto estar ele sujeito a mil misérias, marca-o com uma nota especial, inconfundível, de maneira que, quando o físico é belo, a riqueza moral transparece nele de um modo magnífico, fazendo-nos exclamar: “Que ser estupendo!”

Já quando o corpo é menos favorecido, apresentando lacunas e defeitos, ainda assim a perfeição moral o assina- la tão excelentemente, que somos levados a comentar: “Oh alma!”

Análise teórica

Para melhor compreendermos como devemos amar a perfeição, apresentarei primeiro a formulação teórica, seguida de alguns exemplos concretos.

A perfeição moral é a santidade. E santidade é a prática em grau heroico das três virtudes teologais — Fé, Esperança e Caridade —, das quatro cardeais e das que delas decorrem. As virtudes teologais nos orientam para o Céu; as cardeais nos indicam, tendo em vista a bem-aventurança eterna, como deve ser nossa atitude face às coisas da Terra.

Os dez Mandamentos são as virtudes teologais e cardeais aplicadas a cada ramo concreto da ação humana, que constituem o nosso edifício moral e espiritual.

Tanto me compraz conceber e admirar no plano teórico essas verdades de ordem moral, que eu gostaria, se fosse desígnio da Providência, de dar minha vida por tais princípios.

Mas, se não houvesse outro meio de perceber a excelência dessas virtudes a não ser no plano da teoria, eu fi- caria entristecido. Não objetante, mas contristado. Porque minha alma quereria considerar essas virtudes também

de outra maneira. Seria mais ou menos como se, por um binóculo de longo alcance, capaz de transpor as eras históricas passadas, eu visse Roland tocando olifante em Roncesvalles. Sem dúvida, desejaria contemplá-lo nessa atitude. Porém, possuindo eu uma faculdade cognoscitiva que não é apenas visual, mas também auditiva, quereria outros- sim ouvir a música que ele tira do instrumento. Por quê? Porque o binóculo teria posto ao alcance dos meus olhos um homem usando seu olifante, dando-me a conhecer alguns aspectos da sua alma, pelo modo como ele toca. Ora, a música executada reflete outros lados dessa alma, e não a ouvindo, fico privado de melhor apreciar o espírito de Roland.

Analogamente, minha alma é capaz de perceber a virtude de várias maneiras, pelo que, após ter discernido esta pelo binóculo inconfundível da doutrina, ela também quereria contemplá-la por outros lados. Do contrário, alcançaria o conceito de perfeição, mas sem compreendê- lo inteiramente. E diria: “Não vi de modo cabal. Faltou algo a meu amor”.

Carlos Magno: exemplo de busca da perfeição

Para ilustrar essa doutrina, e mostrar como se pode discernir a Fé, a Esperança e a Caridade, bem como as demais virtudes em determinada alma, tomemos um exemplo da época medieval.

Acima evocamos a figura do valoroso Roland. Tão superior a este foi o seu Imperador, o homem colocado no píncaro onde sopram todos os ventos da História e todas as grandezas se reúnem: Carlos Magno. Herói, lançado na vida pública desde a juventude, ainda hoje exerce uma ação diretiva profunda nos acontecimentos históricos.

Na gloriosa existência do grande Carlos houve um episódio que a marcaria de modo doloroso e indelével. Tal fato inspirou a célebre Chanson de Roland, talvez a mais bonita canção de gesta francesa.

Após sagrar-se vitorioso em duros confrontos na Espanha, o Imperador comandava a retirada de seu exército, tendo confiado a retaguarda aos cuidados de seus Pares, capitaneados por Roland e Olivier. Ora, os inimigos, conluiados com o traidor Ganelon, vieram ao encalço dos franceses, armando-lhes uma emboscada no desfiladeiro de Roncesvalles.

Olivier era considerado o homem sage (sábio), e Roland, o herói, o “preux” (capaz de fazer proezas), embora houvesse um entrelaçar dessas virtudes em ambos. Quando os dois perceberam a superioridade numérica do adversário que os atacava, Olivier pergunta a Roland:

“Sire, mon frère” (eles se tratavam de “senhor” e também de “irmão”), não seria o caso de soar o olifante para chamar Carlos?

O sentido da questão posta por Olivier era: “Afinal de contas, devemos pedir ajuda ao Imperador”.

O “preux” Roland respondeu:

Não. Todos os barões da doce França se ririam de nós, se mandássemos vir Carlos.

Diz o sage:

Mas o risco que enfrentamos é grande!

Sim, mas podemos desdourar o nome da cavalaria francesa, e por causa disso não o chamo.

Como Roland era o chefe, assim ficou decidido. Quando as tropas inimigas aparecem, eram elas tão numerosos que não havia mais saída. Então, Olivier, sem nenhuma palavra de recriminação ao companheiro de armas, com muito afeto lhe diz:

“Mon doux frère” (meu caro irmão), lembre-se que foi porquê…

Queria com isso significar que o resultado desastroso do combate se devia a não terem contado com o socorro do Imperador.

De fato, os franceses foram exterminados. A flor do exército de Carlos Magno ali pereceu, inclusive o Arcebispo Turpin, batalhador dotado de uma “force de frappe” (força de ataque) tão extraordinária que deixava Roland e Olivier pasmos.

Carlos e o restante dos seus cavaleiros regressam a Roncesvalles e chegam, não propriamente ao campo de batalha, mas a uma campina próxima. Diz a Chanson que o Imperador estava “retorcendo a barba de rancor e de tristeza, porque Roland e toda a retaguarda haviam morrido”. Ou seja, apesar de o grande monarca querer com entranhado amor a todos os seus guerreiros, para ele era como se apenas Roland tivesse perecido, porque este resumia toda a retaguarda.

Eles apeiam dos cavalos, tiram as armaduras e deixam tudo espalhado pelo chão. Carlos, porém, monta nova- mente e se distancia, sem dizer palavra. Percebendo para onde ele se dirige, todos o seguem. O Imperador vai ao campo de batalha a fim de reconhecer os restos de Roland, de Olivier e dos outros dez Pares. Vai chorar sobre eles e a grande parte do exército da França que ali perderam a vida em renhido confronto.

A Chanson de Roland é muito discreta, e não entra em detalhes sobre o estado psicológico de Carlos, após esse duro revés. Mas, podemos percebê-lo sem maior dificuldade. Até então, os Pares prestavam reverente e solícito serviço ao seu Imperador, ajudando-o em tudo no mister das armas. Agora, para lhe aprestar o cavalo, segurar-lhe o estribo, apresentar-lhe as luvas e o ajudar a montar, havia guerreiros de segunda ordem, soldados de pequena nobreza, ou mesmo um duque ou outro súdito de título importante, que não tinham dado provas de valor como o fizeram aqueles grandes Pares.

O Imperador recebe esses serviços e, à frente de uma tropa de menor categoria, retoma sua vida de batalhas, como se os doze Pares ainda estivessem com ele…

Homem maduro, não conquistara todavia tudo o que tinha a dominar. A flor do seu exército, o melhor instrumento de sua vitória morreu sem ele ter terminado a sua obra. Oh! tragédia!

Fé, Esperança e Caridade num Carlos que não desanima

A Chanson insinua o problema. Quando combatiam os Pares, ela narra suas proezas. Depois que estes desa- pareceram, ela canta o que Carlos faz diretamente. Ele substituiu seus valorosos guerreiros e escreveu todo o futuro da França, mesmo abalado pelo golpe terrível de Roncesvalles.

Pela coragem um pouco imprudente de Roland — este deveria ter ouvido Olivier — e por todas as outras circunstâncias, a obra de Carlos na Espanha estava arrasada. Coisa amarga: o par mais fiel e amigo, sobrinho dele, cometeu a imprudência que causou a derrota de seu exér

ele, suscitando uma outra França atrás de si, que prosseguiu a luta.

Durante o auge da sua epopeia, nalgum momento em que ele estivesse sentindo uma falta como que irreparável dos seus valentes, Carlos teria se perguntado: “Essa gente que me segue, dará origem a novos Pares? Há uma nova França nesses soldados que agora me obedecem, ou são apenas um resto que me acompanha? Estarei combatendo à toa?”

É uma questão que não pode ter deixado de saltar ao espírito dele — e quantas vezes! — durante a batalha.

Nisso tudo há um Carlos que não desanima, imbuído de Fé, Esperança, Caridade, e que sabe serem necessários

tos de abnegação como esses. Não há glória no mundo que os pague. Pois, considerando apenas o aspecto natural, ele teria vontade de dizer: “Não quero saber de mais nada, está tudo liquidado, eu vou para uma ilha no Mediterrâneo!”

Mas, há algo que pague: a Fé. Porque se Deus me criou, Jesus Cristo me remiu e Nossa Senhora chorou por mim ao pé da Cruz, minha dedicação deve ir até o fim. Pela Igreja Católica farei qualquer coisa.

Temos, então, alguns aspectos da vida de Carlos, o grandioso. E assim, com exemplos concretos, podemos melhor compreender a Fé, a Esperança e a Caridade, que modelam as quatro virtudes cardeais e todas as outras.

O Reino de Maria

Em cada época da História, o Espírito Santo, atendendo pedido da Santíssima Virgem, concede aos homens a graça de um equilíbrio de virtudes com determinada nota, correspondendo, suponho eu, a algo que brilha especialmente no Sapiencial e Imaculado Coração de Maria. Isto constitui uma espécie de beleza própria que marca as formas de arte, de beleza, de civilização, de gosto, de força, de sabedoria, de êxito, de cada era histórica.

Analogicamente, como as pessoas, as nações têm virtudes, mentalidades, etc., e podem se tornar santas durante cem, duzentos anos ou mais, e engendrar uma bio- grafia venerável que se chama História. É em torno do ponto ápice da alma de cada nação, de sua luz primordial(1) brilhando até onde deve, que todas as ordenações e pulcritudes dela têm seu desdobramento completo.

Daí nasce a pergunta: para se prever como será aquela civilização arquetípica prenunciada por São Luís Grignion — o Reino de Maria —, tem-se que indagar como, em réplica da Revolução, virá a afirmação da Contra-Revolução que deixará pasmos a muitos.

O que Nossa Senhora excogitará e o Divino Espírito Santo concederá para acontecer isso? Como será esse “pulchrum” central, o “lumen Mariae”, o mais belo do “lumen Christi” que iluminará aquele Reino? Deverá ser algo em torno dessa verdade: a formosura de alma é o fundamento da beleza de toda era histórica.

Concluo, fazendo notar como essas considerações tornam a virtude muito bonita, deleitável, e desperta em nós a vontade de conviver com ela, de possuí-la. Dessa vontade vem o desejo da perfeição. E quem para esta tende seriamente, procura estar junto aos que a cultivam. Aquele que procura a companhia dos imperfeitos, porque é divertido, etc., está errado e deve retificar o caminho dos seus passos.

 

Escrita no século XI, enaltece o heroísmo e a honra dos doze Pares do Imperador Carlos — entre os quais se desta- cava Roland —, mortos na batalha de Roncesvalles, em 15 de agosto de 778.

Revista Dr Plinio 74 (Abril de 2004)

1) Sobre o conceito pliniano de luz primordial, ver “Dr. Plinio” nº 54, p. 4.