Após tomar uma série de medidas contrarrevolucionárias, Dom Vital foi preso por ordem de Dom Pedro II, censurado pelo próprio Pio IX e anistiado pela Princesa Isabel. Tendo viajado a Roma para se defender num processo contra ele instaurado, foi considerado inocente pela Santa Sé, de um modo inteiramente providencial, mas acabou sendo morto pelos inimigos da Igreja.
Naquele tempo, as confrarias religiosas eram muito ricas, porque vinham da época do Brasil Colônia, com muitas propriedades. Havia pouco fervor religioso, pela simples razão de que o clero passava por uma grande decadência. Por exemplo, um dos regentes do Império era o Padre Diogo Antônio Feijó, um jansenista que andou com os estudos adiantados para uma quase separação do Brasil com Roma. Era sabidamente um mau padre.
Sagrado bispo na velha Catedral de São Paulo
Por outro lado, os inimigos da Igreja tinham proibido o noviciado nas Ordens religiosas no Brasil, de maneira que nenhum brasileiro podia entrar em nenhuma delas. Então, as Ordens muito ricas começaram a mandar seus jovens candidatos, em quantidade, fazer os estudos na Europa, de onde voltavam já ordenados padres. Isso as leis não podiam proibir. Eram os felizes dias do pontificado de Pio IX, e os seminários davam a melhor formação possível.
Um desses seminários era o dos capuchinhos na França, onde foi estudar um jovem pernambucano muito inteligente, alto, bem constituído, forte, com uns olhos oblongos, pretos, tão penetrantes que ele disse nunca ter olhado para uma fisionomia sem que num primeiro olhar compreendesse completamente a psicologia, as intenções da pessoa. Seu nome era Vital Maria Gonçalves de Oliveira, natural da cidade de Goiana, em Pernambuco. Ordenou-se, veio para o Brasil como capuchinho e começou a exercer o ministério em São Paulo.
Ele não era meu parente, mas amigo de parentes meus originais de Goiana como ele. Ocupava, então, o cargo de Ministro do Interior do Império o meu tio-avô, Conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira.
Naquele tempo, quem indicava os bispos a serem nomeados pelo Papa era o Imperador. O Papa podia recusar, mas não lhe era permitido nomear um bispo sem ouvir o Imperador. O João Alfredo julgou que daria uma bela tacada nomeando essa pessoa muito chegada a ele para bispo, e propôs o Padre Vital ao Primeiro-Ministro, Visconde do Rio Branco. Este, para comprazer ao João Alfredo, concordou e apresentou o nome ao Imperador, o qual aceitou e ele foi sagrado bispo na velha Catedral de São Paulo.
Minha avó materna assistiu a essa ordenação e comentava que se lembrava dele, ainda em pé, na porta da catedral, dando a bênção ao povo, com as mãos de uma alvura e de uma beleza que chamara a atenção dela.
Dom Pedro II decreta a prisão de D. Vital
Ele foi para Pernambuco resolvido a tomar uma série de medidas contrarrevolucionárias. Ficou um ano ou dois em Olinda e Recife, tomando a temperatura, o pulso das coisas, orando e gemendo junto ao Santíssimo Sacramento, e pedindo que desse um jeito de vibrar um golpe nos inimigos da Santa Igreja.
Em certo momento, julgou já estar em condições de desferir o golpe e o fez por meio de cartas pastorais, destituições de maus priores de confrarias e até suspendendo de ordens os maus padres. Isso produziu uma polvorosa.
Ora, tudo isso Dom Vital fez baseando-se em um breve de Pio IX, e havia um velho tratado entre a Casa Real de Portugal e o Vaticano pelo qual, segundo a interpretação do Governo, os decretos papais não podiam ser aplicados sem a autorização do Imperador. O Vaticano negava isso.
Os opositores de Dom Vital recorreram ao Imperador alegando esse tratado. Dom Pedro II enviou, então, o seguinte recado a Dom Vital: “Eu mando prendê-lo e trazê-lo para o Rio de Janeiro para ser julgado, se Vossa Excelência não revogar as medidas tomadas. Ao que ele respondeu: “Então venham me prender, porque é inútil, eu não mudo”.
E o Imperador decretou a prisão. No dia estipulado para a execução do mandato, o chefe da Polícia de Recife foi ao Palácio da Soledade onde, na hora marcada, estava Dom Vital com mitra, báculo, vestido de grande cerimônia e cercado com as principais figuras de seu clero. Dirigindo-se ao chefe da Polícia, disse:
— O senhor veio me prender? Prenda-me!
O chefe da Polícia não esperava aquela cena… Ficou sem jeito e declarou:
— Vossa Excelência está preso.
— Assim não – retrucou Dom Vital –, é preciso que o senhor faça violência sobre mim.
— Eu não farei violência sobre o senhor.
— Se o senhor não fizer, não me entrego à prisão, porque quero que conste ter o Governo imperial exercido violência sobre mim.
— Mas que violência?
— Ponha a mão sobre o meu ombro e diga que eu estou preso. Assim entenderei que o senhor me ameaçou de força física e me entregarei.
Ele pôs a mão sobre o ombro do bispo e disse:
— Vossa Excelência está preso.
— Está bem, vou a pé até o cárcere.
Ora, isso era impossível. Levar como prisioneiro um bispo com mitra, báculo e todo paramentado, a pé para a cadeia, sairia uma arrelia popular que iria longe…
Diz-lhe o chefe da Polícia:
— Vossa Excelência é prisioneiro, quem manda sou eu! Está preparado um carro para levá-lo à prisão, onde deverá esperar o próximo navio que venha da Europa para levar Vossa Excelência para o Rio.
— Está bem. Agora entro no carro como prisioneiro.
Entrou e foi conduzido à prisão. Depois de dois ou três dias, passou um navio por Recife que o levou para o Rio de Janeiro.
Chegada ao Rio de Janeiro
Por uma tradição pitoresca e uma contradição cruel, Dom Vital viajou em um navio no qual tremulava no alto do mastro a bandeira do Império brasileiro, porque a Igreja estava unida ao Estado e o bispo era não só um alto dignatário eclesiástico, mas também do Estado. Entretanto, o dignatário que lá viajava estava preso. De maneira que nos vários portos onde o navio parava ao longo do extenso percurso, o ilustre viajante permanecia a bordo, sob vigilância, impedido de desembarcar.
Assim chegou Dom Vital ao Rio de Janeiro, onde uma prova particularmente cruel o aguardava. O Bispo do Rio de Janeiro naquele tempo era Dom Pedro Maria de Lacerda, homem mole, amigo de todas as composições e de todos os arranjos, única pessoa no Império que conseguia ter medo de Dom Pedro II, o mais patriarcal e bonachão dos imperadores. Dom Lacerda não se aguentava de medo ao ver seu colega, Dom Vital, expor a Igreja Católica aos riscos os quais ele imaginava que corria.
O Visconde do Rio Branco, pai do famoso Barão do Rio Branco, era o Presidente do Conselho dos Ministros. A ele cabia, juntamente com o Conselheiro João Alfredo, Ministro do Interior, tornar efetivo o mandato imperial de prisão de Dom Vital.
O Barão do Rio Branco, conhecedor exímio das fronteiras do Brasil…
Uma vez mencionado o Barão do Rio Branco, abro um parêntesis na história de Dom Vital, adianto-me no tempo e entro na época da República Velha para narrar um episódio pitoresco.
O Brasil, país de uma extensão enorme, estava com quase todas suas fronteiras indefinidas, porque não interessava à antiga colônia portuguesa fazer brigas por causa de limites de terras onde não se poderia chegar. A linha fronteiriça passava quase toda ela por terras incultas e inabitadas. Então, que interesse havia em discutir limites? Porém, já no tempo da República era de se prever o momento em que essas terras interessariam. Então, tornava-se necessário um homem que conhecesse, palmo a palmo, todo o traçado da linha do Tratado de Tordesilhas.
Espanha e Portugal tinham uma dúvida a respeito do interior do continente, e para evitar uma guerra entre ambos os países, recorreram à arbitragem do Papa Alexandre VI. Ele traçou uma linha perpendicular a partir de determinados pontos, e essa divisão foi aceita pelos dois países ibéricos no famoso Tratado das Tordesilhas. Naturalmente, foi um dos elementos para determinar, mais tarde, os limites entre as antigas colônias tornadas nações independentes.
O Barão do Rio Branco era cônsul, o que, naquele tempo, correspondia a um corte na carreira diplomática, pois o cônsul só tratava de questões comerciais e os diplomatas dos assuntos políticos. O diplomata era embaixador, usava um uniforme brilhante, com alamares de ouro, chapéu de dois bicos com pluma, espada, morava num palácio, era cercado de pompa. O mesmo não se dava com um cônsul.
Ora, o Barão do Rio Branco tinha se embarafustado por essas questões de limites completamente, numa época em que ninguém se interessava por isso. Ele era um leão na matéria, possuía cópias dos tratados e toda a documentação.
…é nomeado Ministro do Exterior
Quando se apresentou a necessidade de fazer a delimitação do nosso território, apelou-se para ele que foi nomeado, logo de uma vez, Ministro do Exterior, por cima de todos os diplomatas.
Entretanto, na hora de ser nomeado Ministro do Exterior, apareceu uma dificuldade: ele usava o título de barão, e a República não reconhecia títulos de nobreza. Portanto, nos decretos por ele outorgados seria obrigado a assinar José Maria da Silva Paranhos Júnior. Não podia utilizar o título de Barão do Rio Branco.
Vejam como os tempos eram outros… O Presidente da República ia elevar esse homem da condição de cônsul para a de ministro, e uma brilhantíssima carreira se abria para ele. Só faltava tomar posse. Então lhe avisaram:
— Vossa Excelência não pode usar o título de Barão do Rio Branco para ser ministro de uma república. A nobreza foi extinta e a República não reconhece barões.
Ele disse:
— Está bem, então desisto do meu título de ministro. Arranjem essas fronteiras como entenderem. Eu não aceito.
Estava posta uma incompatibilidade. Mas na terra do “jeitinho” haveria de aparecer um meio de resolver esse impasse. E o “jeitinho” foi este: ele assinava “Rio Branco”, mas não “Barão”.
Assim, todos os decretos promulgados por ele vinham assinados: “Rio Branco”. Ora, logicamente ele não tinha o direito de chamar-se “Rio Branco”, pois seu nome era José Maria da Silva Paranhos Júnior. “Rio Branco” correspondia ao extinto título de nobreza. Pois bem, todo mundo fingiu que estava muito bem e tocou-se a vida para a frente.
Ele era um técnico exímio em matéria de Geografia, conhecia os limites do Brasil perfeitamente. Neste ponto era um gênio. Para traçar uma fronteira é preciso conhecer os mínimos acidentes geográficos: uma montanhazinha, um regatinho, um lago, um pântano, nem sei o quê… Ele não só conhecia isso, mas negociava muito bem. Resultado: ele obteve para nós os imensos limites de nossas fronteiras.
O Bispo de Olinda e Recife é encarcerado na Ilha das Cobras
Voltando ao Brasil Império: Dom Vital desembarcou no Rio de Janeiro, onde, por ordem do Visconde do Rio Branco e do Conselheiro João Alfredo, em cumprimento do mandato do Imperador, foi enviado para a cadeia.
Com Dom Pedro Maria de Lacerda apavorado, uma parte do clero brasileiro contrário a Dom Vital e a opinião pública brasileira mais ou menos sem entender o que estava se passando, pasma de ver um bispo preso, o Rio de Janeiro inteiro assistiu, apaixonado, os debates, que tiveram lugar no Supremo Tribunal e foram muito teatrais, à maneira do século XIX.
Assim como o século XX, na sua primeira metade, foi o século do cinema, e na segunda metade o da televisão, o século XIX foi o do teatro. A Europa e o mundo se encheram de teatros, de companhias ambulantes de atores que visitavam todos os países.
Dom Vital era bem moço naquele tempo, creio que ainda não tinha 30 anos, alto, tez muito alva, barba longa, sobrancelhas espessas, trajando o burel franciscano. Ele entrou na sala escoltado pela polícia e dirigiu-se para o banco dos réus. Um ministro do Supremo Tribunal se levantou, pegou sua própria poltrona, foi até o banco dos réus e disse: “Senhor Bispo, vossa Excelência merece o lugar de um ministro. Tenha a bondade!”
Naturalmente, aplausos delirantes dos partidários de Dom Vital e vaia dos seus adversários. O ministro pouco ligou, voltou ao seu lugar. Pouco depois veio um funcionário do Tribunal trazendo outra poltrona para o ministro se sentar, e o julgamento começou. Este durou várias sessões nas quais Dom Vital fez uso da palavra para se defender. Quiseram que ele constituísse um advogado, mas ele disse: “Eu não constituo advogado porque não reconheço a este Tribunal o direito de me julgar. Sou Bispo da Igreja Católica e a mim só há um poder que julga na Terra: é o Papa, em Roma. Mais ninguém!”
Afinal o Tribunal condenou Dom Vital a quatro anos de prisão com trabalhos forçados. Contudo, o Imperador sentiu que era demais mantê-lo sob trabalhos forçados, porque se espalhariam por todo o Brasil uma série de gravuras representando o bispo com ferros e enxada nas mãos, vestindo trajes de sentenciado, o que daria a Dom Vital um redobrado prestígio de mártir. Então o monarca fez um decreto dando-lhe indulto quanto aos trabalhos forçados, mas obrigando-o à pena de prisão.
Uma carta de Pio IX
A partir daquele momento começou a vir gente do Brasil inteiro para visitar e venerar Dom Vital na prisão. Vinham pessoas de categoria do interior do Estado do Rio de Janeiro – fazendeiros, políticos –, mas também pessoas simples de todo o País, que viajavam a cavalo, em liteira ou banguê.
A liteira era um meio de transporte onde a pessoa viajava sentada numa cadeira colocada dentro de uma cabinezinha carregada por escravos. O banguê era mais cômodo: uma rede presa a dois paus com dois escravos levando aos ombros e o dono deitado nela.
Uma viagem dessas demorava vários dias e, por vezes, representava risco de morte. Tive ocasião de ver o testamento da famosa Marquesa de Santos, dispondo de todos os bens e pedindo Missas por sua alma, no qual ela declarava que viajaria para o Rio de Janeiro por mar e que, à vista do perigo considerável dessa viagem, precisava fazer o seu testamento.
Apesar disso, foi gente em quantidade de São Paulo e dos mais longínquos confins do Brasil, chegava ao ancoradouro do Rio de Janeiro, tomava barquinhos fretados para levar os peregrinos até a Ilha das Cobras, só para ver Dom Vital, receber dele uma bênção e depois voltar.
Até então, para o bispo prisioneiro era apenas um crescimento de prestígio. Entretanto, certo dia aparece Dom Pedro Maria de Lacerda acompanhado do Internúncio, aporta o barquinho, descem e pedem para falar com Dom Vital. Naturalmente, são recebidos, sentam-se e aí começa o martírio de Dom Vital.
— Tenho uma carta do Santo Padre Pio IX para Vossa Excelência – diz o Internúncio.
Dom Vital sentiu que vinha um golpe. Ele, que lutara pelo Papado até o último ponto, levava um golpe do próprio Papa. Não podia ser mais cruel. Era um verdadeiro martírio de alma. Ele respondeu:
— Pois não, desejo ver.
Um dos dois puxou a carta e lhe entregou. Ele abriu, leu, e viu tratar-se de uma carta de Pio IX mandada por meio do Secretário de Estado, Cardeal Antonelli, censurando a atitude dele.
Terminada a leitura, Dom Vital dobrou a carta, colocou-a no bolso e ficou quieto. Um dos dois, que conhecia o conteúdo da carta, disse:
— Mas, como? Vossa Excelência não nos comenta nada sobre a carta?
— Comento que a recebi.
— Bom, mas Vossa Excelência não nos dá a carta?
— Não, o destinatário sou eu. Portanto, sou o dono dela. Ela está no meu bolso.
— Mas então, não há comentário a fazer?
— Não. A carta é para mim, não é para Vossa Excelência.
Ao que parece, ele não respondeu a Pio IX. Quando saísse da cadeia, ele iria a Roma se entender com o Papa.
Anistia concedida pela Princesa Isabel
Nesse ínterim o Imperador viaja para a Europa e deixa a Princesa Isabel como Regente do Império. Ela era a primogênita, e o Imperador não teve filhos homens. Logo, se ele morresse, a Imperatriz seria a Princesa Isabel. Naturalmente, ela ficava na regência do Império, como herdeira do trono. Sendo muitíssimo católica, uma das providências que ela teve mais empenho em tomar, na ausência do pai, foi anistiar Dom Vital.
Uma vez libertado, Dom Vital voltou para Recife onde sua absolvição causou uma festa geral, sendo ele recebido apoteoticamente pelo povo. E foi para o Palácio da Soledade. Lindo título para um palácio de bispo; lembra a soledade de Nossa Senhora, ou seja, o estado em que Ela ficou só, no período entre a Morte e a Ressurreição de Nosso Senhor. Então, Palácio da Soledade eu acho um nome imponente, lindíssimo.
O Vigário Geral da Diocese tinha mandado pintar todo o palácio por fora e por dentro, e Dom Vital foi recebido com festas e permaneceu lá. Mas depois de ter passado algum tempo, ele declarou que ia a Roma para dar satisfações a Pio IX. Ele queria conversar sobre a carta, levava a missiva consigo.
Em Lourdes, uma misteriosa voz infantil anuncia a vitória
Ele partiu para Roma e foi recebido por Pio IX com frieza. O Papa comunicou-lhe que seria processado canonicamente e estudariam se ele estava ou não com a razão.
De fato, o processo começou e ele compareceu às Congregações romanas competentes para prestar depoimento e depois viajou para Lourdes, onde estava começando o auge das curas milagrosas. Ali ele almoçou e foi fazer uma sesta, tendo um desses sonos em que as preocupações esvoaçam em torno da pessoa como morcegos. De repente, Dom Vital ouve uma voz de criança, que parecia vir do lado de fora do hotel, dizer: “Dom Vital, o processo está julgado, Vossa Excelência ganhou”.
Ele se impressionou com aquilo, julgando que talvez fosse uma graça de Nossa Senhora, porque uma voz vinda da rua dizer-lhe isso em português, naquele tempo em que os turistas eram muito mais raros do que hoje, as viagens caras, difíceis, era uma coisa muito singular. Ele ficou impressionado e, algum tempo depois, recebeu um telegrama do representante dos capuchinhos em Roma, confirmando: “Seu processo está ganho.”
Esse capuchinho escreveu a Dom Vital contando que a comissão de cardeais que devia julgar o caso dele permaneceu numa sala, à espera da hora marcada para o início do julgamento. Ali ele esteve com todos os cardeais antes de começar a reunião e, como representante da Ordem dos Capuchinhos, falava a favor de Dom Vital. Mas notou que todos os cardeais estavam contra.
Quando eles se trancaram no recinto onde deveriam deliberar sobre o assunto, o capuchinho ficou do lado de fora e já considerava o caso perdido. Não se sabe o que aconteceu, mas quando eles abriram a sala, estava pronto o decreto considerando Dom Vital inocente. Foi para ele uma vitória brilhantíssima!
Pintam com tinta tóxica o quarto em que Dom Vital dormia
Entretanto, outra provação se delineava no horizonte. Um padre, parente meu muito chegado, pernambucano de Goiana, e que era cônego, conhecido como Cônego Luís Cavalcanti, contou-me que ouviu isso do próprio secretário de Dom Vital, que viajava sempre com o Bispo de Olinda. Dizia este sacerdote brasileiro que Dom Vital era um fisionomista extraordinário e, tendo visto uma fisionomia, não esquecia mais. Em certo momento, ele disse para o secretário:
— O senhor preste atenção: em todos os lugares aonde eu vou aparece sempre o mesmo homem, cuidadosamente disfarçado, me acompanhando, e sempre arranja um jeito de me saudar, fazendo-se de muito católico, querendo sempre saber para onde vou.
Quando o fato se dava, depois de o homem ir embora, Dom Vital dizia para o secretário:
— O senhor reconhece?
O secretário afirmava que algumas vezes o homem estava tão bem disfarçado que ele por si não reconheceria, mas Dom Vital dizendo quem era, ele percebia. Outras vezes o secretário o reconhecia também. Dom Vital tratava o tal homem sempre com muita polidez.
Dom Vital adoece de repente e começa a cuspir sangue junto com matéria orgânica preta, que parecia pedaços do pulmão. Chamaram os melhores médicos da França e todos diziam não ser tuberculose, mas não sabiam qual era a doença. Como não existia ainda a radiografia, eles só podiam diagnosticar por auscultação, e esta não indicava nada que ajudasse no diagnóstico. Para resumir, Dom Vital morreu.
Houve naquela época, em Portugal, a morte de vários membros da Família Real portuguesa que atrapalhavam uma certa sucessão ao trono, e ninguém sabia do que morriam. Investigações feitas neste século provaram que na tinta utilizada para pintar as paredes dos quartos onde eles moravam era introduzida uma substância tóxica, que criava nos pulmões um processo de desagregação o qual levava à morte. Ao ser examinada a tinta do quarto de dormir de Dom Vital, foi detectada a mesma substância tóxica. Compreende-se, então, por que Dom Vital morreu. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 30/11/1985 e 7/12/1985)
Revista Dr Plinio 255 (Junho de 2019)