Mãe da Igreja e Rainha do mundo

São Luís Maria Grignion de Montfort diz que os Santos dos últimos tempos estarão para os das eras anteriores como carvalhos em comparação com graminhas. Isso por causa das orações extraordinárias que Nossa Senhora fará nessa ocasião.

Ela, como Mãe da Igreja, Rainha dos homens, Rainha do mundo, estará ainda mais associada ao curso dos acontecimentos. Suas orações também penetrarão como nunca até então, no âmago da História.

E enquanto o Inferno vomitar os mais horrendos monstros, Maria Santíssima suscitará, pelos desígnios da Providência sobre a História e a humanidade, esses homens extraordinários diante dos quais Moisés, Elias e outros Santos ficariam deslumbrados.

Esplendor do irreal

Dr. Plinio possuía, entre outros, o dom de discernir a alma dos povos. Fazendo considerações a respeito do japonês, dizia que, por detrás de sua fisionomia impassível, há — além de grande combatividade e capacidade de organização — uma delicadeza quase lírica e um espírito contemplativo enorme. Seus comentários sobre paisagens do Japão nos ajudam a compreender e admirar as qualidades nipônicas.

 

Resolvi que fossem projetadas algumas fotografias do Japão(1), para indicar certos panoramas profundamente diferentes daqueles com os quais estamos acostumados no Ocidente e, neste sentido, dignos de uma análise especial, com vistas a uma pergunta: como seria uma civilização católica japonesa?

Monte Fujiyama

Considerem o famoso Monte Fujiyama, cuja beleza está na doçura das formas com que ele se espraia. É um quê indefinido, orientalíssimo, lindíssimo, com uma natureza vegetal de um estilo completamente diferente do nosso. Essas cerejeiras nos dão a impressão de uma arborização feita de cristal; a cor um tanto avermelhada e a galharia um pouco cruzada são uma verdadeira maravilha, como delicadeza!

Observem como o Fujiyama desce numa linda suavidade sobre as encostas! Poderíamos imaginar onde pôr uma imagem, um mosteiro ou uma abadia. Mas seria necessário aparecer um engenheiro, um arquiteto que tivesse a inspiração de quem construiu a abadia do Mont-Saint-Michel. Porque, ou se põe sobre o Fujiyama uma obra de arte fenomenal, que o complemente, ou não se coloca nada. O céu é de um azul muito delicado, muito discreto.

Local ideal para uma capela ou um êremo

Vemos aqui uma construção num autêntico estilo antigo. Notem as formas suaves com que as pontas desse teto se levantam, constituindo ângulos.

Tudo isso é recolhidíssimo. Como faria bem para uma pessoa, por exemplo, passar uma manhã passeando por aqui, caminhando de um lado para outro por esses matos, tomando um barquinho e navegando nesse lago e, depois, chegando a esse pagode, aconchegar-se. Quanto recolhimento uma coisa dessa não daria!

Os povos do Oriente têm um chamado especial para a vida recolhida, e o número de vocações para as ordens contemplativas é muito maior do que no Ocidente. O cenário convida à contemplação. É uma dessas paisagens que possuem, a meu ver, o mais alto predicado que um panorama possa ter na Terra: a qualidade de reter. As coisas que vemos e que nos dão vontade de permanecer junto a elas, são de primeira classe. Aquilo que nos tira a distância psíquica(2) e nos dá vontade de sair, é de quinta classe.

Esse panorama que estou analisando nos convida a ficar. O telhado forma uma espécie de concha, tranquilizando o indivíduo que o contempla. Sente-se um certo ar de mistério pairando sobre esse edifício e essa paisagem. É um silêncio de todas as coisas o qual diz algo que não sabemos bem o que é.

É ou não é verdade que seria um local ideal para uma capela, ereta em louvor de Nossa Senhora, ou para um êremo(3)?

Castelo da época feudal

Outro lindo edifício: um castelo do tempo do feudalismo japonês. Considerem a delicadeza, o esplendor e a solidez da construção e, novamente, a delicadeza da vegetação.

Para saberem qual o valor e a utilidade de algo, eu aconselho imaginarem como seriam as coisas se aquilo não existisse. Suponham, por exemplo, que esse castelo não tivesse essas pontas, mas, pelo contrário, tudo terminasse em ângulo reto. Não seria uma coisa sem graça? Como foi tudo bem pensado! Quanto charme e quanta poesia tem isso!

Se não houvesse essas figuras e essas pontas, não ficaria monótona essa série de andares, um em cima do outro, parecendo um brinquedo de criança que faz uma torre com cubos cada vez menores?

O charme vem, precisamente, dessas pontas. Imaginem que alguém derrubasse essas duas figuras. O castelo não perderia algo de insubstituível? Esse teto, todo ele assim franzido, como nos proporciona um ponto de vista diverso! Por outro lado, acompanha o castelo preparando uma transição entre essa massa de edifícios e o rés do chão. Como tudo é bem calculado, nobre e distinto!

Reino do maravilhoso

Outro tipo de panorama tipicamente japonês, todo feito de beleza dos pormenores, é o das cascatas. Cada lance é uma espécie de reservatório. Às vezes, tem-se a impressão de que, ao correr, a água não faz um barulho estridente, mas um som à maneira de certas músicas japonesas.

Vejam a beleza dessa árvore vermelha. O vermelho da vegetação causa-nos a sensação de que a árvore se estende, cobrindo de um toldo essas quedas de água poéticas. Qual será a verdadeira altura disso? Não sabemos. Sem dúvida, é um lindo panorama!

Ao considerar a impassibilidade do japonês, não se sabe tão facilmente o que está se passando em sua cabeça, por detrás daquela fisionomia impassível. E quando nos perguntamos o que existe ali, notamos que, ao lado de uma grande combatividade, há uma delicadeza quase lírica, uma grande capacidade de organização e um espírito contemplativo enorme. Entretanto, nós entendemos essas palavras à ocidental. Seria preciso compreendê-las à japonesa, que é uma coisa diferente. E isso não sou capaz de exprimir, porque me faltam as palavras no vocabulário.

O que eu chamo de “oriental” é o seguinte: tomemos uma coisa gótica, por exemplo, a abadia do Mont-Saint-Michel; é bonita tanto quanto uma coisa o possa ser, mas não dá aquela impressão de feérico de uma coisa oriental, do conto de fadas do Oriente. E vale para o Oriente inteiro, porque algumas dessas paisagens são feéricas. Quando contemplamos a Baía de Guanabara, vemos que possui aspectos lindíssimos, de “toute beauté”(4); mas feéricos, nesse sentido da palavra, dando-nos a impressão de ter entrado no irreal, não. A natureza oriental é de uma elevação tal que não é o esplendor da realidade, mas do irreal. Isso é o dom da Ásia. É o reino do maravilhoso. Esse perfume do irreal é um dos modos de se chegar ao Céu.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/2/1972)

Revista Dr Plinio 188 (Novembro de 2013)

 

1) As fotografias que ilustram esta seção não são as mesmas comentadas por Dr. Plinio.

2) Expressão utilizada por Dr. Plinio para significar uma calma fundamental, temperante, que confere ao homem a capacidade de tomar distância dos acontecimentos que o cercam.

3) Casas onde se vivia em regime de recolhimento, dividindo o tempo entre o estudo, a oração e as atividades de apostolado. Ver Revista “Dr. Plinio”, n. 174, p. 13, nota n. 4.

4) Do francês: de toda beleza.

Maria fons, Maria mons, Maria pons

Por estar no píncaro da Criação, a Santíssima Virgem é a intercessora necessária para os pedidos que sobem e para os favores que descem.

Há uma cançãozinha muito bonita que diz: “Maria fons, Maria mons, Maria pons”… Parece um jogo de palavras, mas de fato Nossa Senhora é a fonte, a montanha e a ponte.

Se analisarmos, encontraremos uma insinuação de píncaro até nisso, porque Ela é a montanha, a qual, por sua natureza, é um píncaro em relação a outras coisas. Também se diz d’Ela que é “mons super montes positum” – a montanha posta sobre todas as outras montanhas.

“Maria fons” é outro título à maneira de píncaro, ou seja, em relação a toda a natureza seca, a fonte de onde jorra a água tem uma espécie de culminância, de importância, pois a terra não subsiste sem a água.

“Maria pons”. Sem a ponte que une os bordos de um precipício o viandante não tem solução para seu caminho. A ponte garante sua travessia. É mais uma vez a noção de píncaro, em outro sentido.

A nota de píncaro está presente em tudo quanto é d’Ela, especialmente na virginalidade e na humildade levadas ao inimaginável, em contraposição à Revolução que visa levar ao extremo o orgulho e a sensualidade.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/7/1991)

 

Revista Dr Plinio 236 (Novembro de 2017)

O verdadeiro heroísmo

A maceração da uva no lagar e o envelhecimento do mosto nos barris de carvalho são fatores imprescindíveis para a produção de um bom vinho. Além disso, a videira deve ser plantada em solo seco e pedregoso. Em suma, a videira só dá bom vinho em condições aparentemente adversas, ou seja, se “sofre”. Mas, é somente o fruto da videira que necessita de obstáculos para fazer desabrochar o melhor de si?

O vinho bem pode ser comparado ao ser humano. Cícero, grande orador latino, dizia que “os vinhos são como os homens: com o tempo, os maus azedam e os bons apuram”(1). E, de fato, tal como o fruto da videira necessita “sofrer” e “esperar” para alcançar o requinte de seu próprio sabor, assim é o ser humano: para adquirir a plenitude de sua personalidade, não requer comodidades nem prazeres, mas padecimentos e docilidade à vontade divina.

O sofrimento é, pois, um valioso bem para o homem.

Possui a natureza humana uma capacidade de sofrer que necessita ser atendida. O pior sofrimento do homem seria jamais sofrer, o que, aliás, é utópico neste vale de lágrimas. Com a dor, o ser humano sai de seu egoísmo, compreende a sua contingência e se abre para o sobrenatural. E para muitos, como ocorreu com o Apóstolo, é a dor o marco inicial do caminho da conversão para Deus.

Pois “não há coisa mais adequada para conferir nobreza à alma do que o sofrimento; e não pode haver nobreza para a alma sem sofrimento.” (Conferência de 23/4/1964)

Por isso, pode-se dizer que quem não sofreu, não viveu. Uma biografia só tem valor quando seu protagonista passou pelo crisol da dor. Diz São Luís Grignion de Montfort que “sem a cruz a alma se torna vagarosa, mole, covarde e sem coração. A cruz a torna fervorosa e cheia de vigor. Quando nada sofremos, na ignorância permanecemos. Temos inteligência quando bem sofremos”(2). Mas não precisamos ir à procura do sofrimento, uma vez que ele está a todo o momento batendo à nossa porta. Justamente na plena e conformada aceitação dele se encontra o verdadeiro heroísmo, igual ou maior até do que o das armas. Pois bem podem as dores morais ser mais penosas do que as físicas. E é a dor, somente ela, que nos faz verdadeiros heróis diante do Senhor: o sofrimento bem aceito produz o precioso vinho espiritual da santidade.

A dor moral de Nosso Senhor Jesus Cristo no Horto das Oliveiras, ao aceitar antecipadamente os indizíveis padecimentos da Paixão, foi autêntico, sublime e insuperável heroísmo. Assim, a Mãe das Dores, apesar de não ter sido tocada fisicamente, sofreu com seu Divino Filho mais do que qualquer ser humano foi capaz de fazê-lo na História, a ponto de ser chamada a Rainha dos Mártires, e ser para todos os homens modelo perfeito e autêntico de prática heroica das virtudes, ou seja, de santidade.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plino 164 (Novembro de 2011)

1) http://www.academiadovinho.com.br
2) São Luís Grignion de Montfort. Cântico XIX, O triunfo da Cruz – 18.

A conversa e o apostolado de afinidades

Consonância e desacordo, duas condições inerentes ao convívio humano a serem levadas em conta pelos que desejam praticar a arte de bem conversar. Evocando exemplos cogentes, e até pitorescos, Dr. Plinio nos ensinará quão importante é o saber lidar com tais disposições de espírito para alcançarmos êxito em nosso apostolado.

 

Como vimos em anterior ocasião, a conversa deve ser considerada como uma verdadeira arte, e sobre ela se levantam algumas questões que merecem aprofundamento.

Acordo e desacordo numa conversa

Por exemplo, qual a atitude mais apropriada a se tomar em face de um interlocutor que não concorda conosco e está disposto a discutir?

A importância de coincidirem as opiniões depende do tema contemplado. Certos assuntos são banais, inócuos, não estabelecem vínculo algum de alma, nem qualquer ligação pessoal. Digamos, a escolha do trajeto mais curto para se ir a determinado local. Trata-se de uma trivialidade.

Há temas que podem conduzir a ponderações mais elevadas. Imaginemos dois colegas, alunos de um mesmo professor de Química. Esta matéria, de si, não implica em nenhum laço particular entre os rapazes. Ambos estão concordes quando o mestre ensina que a água é composta de hidrogênio e oxigênio, expressa pela fórmula H2O. Um conceito elementar.

Porém, quanto ao modo de lecionar e de tratar os estudantes, a apreciação a respeito da pessoa do professor toma outro vulto, pois o assunto é mais profundo. Com efeito, a maneira de ensinar indica maior ou menor clareza de inteligência. Se o instrutor é sábio, e os dois colegas o prezam por isso, estabelece-se uma ponta de vínculo entre estes. Mas, se um deles afirmar: “Prefiro tal outro professor que conta anedotas; esse de Química é muito sério”, pode haver uma divergência nesse relacionamento, porque surgiu o desacordo acerca da maneira ideal de ser do professor.

Todo aluno — pelo menos no Brasil — procura discernir o tipo humano do seu mestre. Seja qual for a matéria,  na primeira aula o rapaz não presta muita atenção no que ouve, pois a sua capacidade de análise está voltada para apreender a personalidade daquela figura junto ao quadro negro. Ele fica observando atentamente os mínimos detalhes que deixem entrever a psicologia, a mentalidade, o caráter do novo professor.  Assim sendo, as considerações sobre este envolvem algo mais complexo, às vezes uma verdadeira concepção da vida.

Ora, quando os colegas concordam no tocante à concepção da vida — como deve ser ela, o homem, a autoridade, o ensino, etc. — surge uma maior afinidade de alma, pois o tema é mais profundo. E quanto mais significativo é o tema, maiores afinidades se vão estabelecendo entre ambos.

Religião, o ponto máximo de consonância

Ampliando os horizontes dessas reflexões, é preciso ressaltar que as consonâncias se verificam, sobretudo, a propósito da religião. Esta constitui o assunto mais importante e mais próprio a atingir o íntimo da alma humana. Quando um indivíduo é seriamente católico, ele possui maneiras de pensar, sentir e agir decorrentes de sua posição religiosa, e se torna verdadeiro irmão do próximo, se percebe nele as mesmas disposições. Forma-se, então, a plena e real amizade entre os dois.

Nesse sentido, evoco meu exemplo pessoal. Não tive irmão de sangue, mas muitos primos com os quais mantinha assíduo relacionamento.  Porém, como não praticavam a religião, achava-me isolado no meio deles, pois não havia essa união de almas característica do convívio entre católicos. Diferente de quando ingressei na Congregação Mariana de Santa Cecília e passei a conhecer rapazes deveras piedosos, em cujo relacionamento encontrei os irmãos que procurava.

Essa situação, aliás, verifica-se na vida de qualquer jovem. Nas ocasiões em que conversa com outro e percebe a sintonia de pensamentos e de Fé católica, abrem-se as vias de uma grande amizade, pois a mesma crença é o que realmente os une.

“Teu coração é igual ao nosso!”

Um fato histórico ilustra, de modo muito bonito, essa ponderação.

No século XVI os católicos chegaram ao Japão, com alguns padres da companhia de Jesus e uns tantos leigos.  Durante anos evangelizaram aquele país asiático, convertendo bom número de pessoas. Erigiram uma igreja católica, a qual funcionou até o momento em que houve intrigas fomentadas por protestantes holandeses. Estes eram comerciantes, frequentadores das costas nipônicas e concorrentes dos espanhóis, conterrâneos daqueles jesuítas. Os batavos urdiram desavenças entre os padres católicos e o imperador, que, convencido pelas insídias, determinou a proibição e abolição do culto católico, além de condenar à morte todos os seus súditos que não abjurassem a Fé cristã.

Travou-se uma guerra na qual os católicos se defenderam heroicamente, tendo toda a razão de seu lado. Mas, por fim, sucumbiram ao poderio numérico e militar das tropas imperiais.  Na fortaleza de Shimabara, último reduto deles, a resistência encarniçada terminou com um massacre de católicos, martirizados por sua fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Tudo indicava a extinção do catolicismo naquelas paragens. Passaram-se duzentos anos sem que ele despontasse novamente. Até que outro imperador, liberando os portos japoneses para navios estrangeiros, permitiu também o proselitismo das religiões, entre elas a Católica. Em vista disso, missionários para lá se dirigiram e reencetaram o trabalho com o povo. De início, a pequena igreja que abriram era visitada apenas por europeus negociantes ou turistas. Católicos japoneses quase não os havia, e poucas eram as conversões.

Tempos depois, deu-se este lindo fato, consignado por um padre em carta escrita a um amigo. Na igreja vazia entram alguns nipônicos cautelosos, observando tudo no interior do templo. Após a detida análise, procuraram o único sacerdote ali presente e lhe fizeram uma série de perguntas sobre a Sagrada Eucaristia, Nossa Senhora e o Papa. Como as respostas conferiam com o que haviam aprendido sobre a doutrina católica, suas faces se iluminaram, e disseram essa frase de extrema beleza: “Então teu coração é igual ao nosso!”

Diante da surpresa do sacerdote, eles explicaram: “Somos descendentes de católicos japoneses que se esconderam das autoridades e praticavam a religião na surdina. Do último padre que aqui esteve esses nossos antecessores receberam a promessa da vinda de novos ministros da Igreja. Porém, advertiu-os quanto aos protestantes.  Para distinguir uns dos outros, deveriam perguntar sobre esses três pontos. Se respondessem como ele havia ensinado, seriam católicos”.

Como se pode imaginar, foram recebidos  com imenso agrado, e dali a pouco os familiares de todos ingressavam no grêmio da Santa Igreja, sendo batizados, crismados, etc. Recomeçou assim a comunidade católica no Japão.

Atrair as almas pelas afinidades

Esse tocante episódio nos mostra quão vigoroso é o liame determinado pelas consonâncias de Fé. Leva-nos, igualmente, a compreender o aspecto mais alto envolvendo a arte da conversa. Pois para um apóstolo que dela se serve como instrumento de sua ação junto às almas, constitui motivo de alegria notar as afinidades e as sintonias que vão se firmando entre ele e seus interlocutores. Mesmo que estes não pratiquem ainda a religião católica como era de se desejar.

Por exemplo, tal jovem cuja vida de piedade não é um modelo de perfeição, mas demonstra um raro pudor nas suas atitudes. É exigente e idealista no que diz respeito à pureza, e se agrada no contato com pessoas castas. O apóstolo pensa: “Embora este apresente tantas lacunas, nesse ponto vejo brotar nele o elemento fundamental de um bom católico”. Se é assim, cumpre dedicar-se no trato com ele, para que aquela semente se dilate, germine e dê todo o fruto esperado por Deus e Maria Santíssima.

Como já vimos, daí nasce um traço de ligação entre essas almas, o qual deve ser cultivado da seguinte maneira: conversar amiúde sobre o que as une, exaltar e elogiar a virtude da pureza nas suas diversas manifestações, criticar imoralidades, etc.  Aos poucos, estender essas conversas a outros gêneros de assuntos, relacionando a pureza com as demais virtudes e qualidades que lhes são conexas. Digamos, explicar ao jovem a relação entre castidade e ordem, impureza e desordem, e procurar desenvolver no espírito dele o senso da ordenação, do bom gosto, das maneiras gentis, amáveis, do heroísmo, da coragem. Ao incrementar tudo isso, faremos com que desse tronco inicial — o amor à pureza — brotem galhos frondosos, isto é, as muitas virtudes ligadas à castidade.

Para o apóstolo, essa situação se assemelha à visão de um nascer do sol. É o espírito católico que, como o astro-rei, levanta-se num determinado ponto do horizonte espiritual da pessoa evangelizada, vai se alargando, alargando, alargando, até tomar a sua mentalidade inteira. Com um encanto especial: ele, apóstolo, é quem contribui para o nascimento desse sol naquela alma.

Imaginemos quanto júbilo teria um homem que, por qualquer artifício, pudesse apressar o erguer do sol nas regiões ásperas e difíceis da Antártica!  Que alegria o tomaria ao ver brilharem sobre ele os fulgores da grande estrela, acalentando-o e o animando para o novo dia!

Ora, podemos nós levantar sóis naqueles em que percebemos algo de bom, colaborando para ampliar e desenvolver nele essa bondade, até que ela o tome por inteiro. E uma das maiores felicidades reservadas para nós nessa vida é vermos esse sol resplandecendo no coração do próximo. Então nos lembramos daquelas arrebatadoras palavras: “O irmão que salva seu irmão, salva sua própria alma e brilhará no Céu, como um sol, por toda a eternidade…”

Devemos, pois, analisar naquele com quem conversamos, o que lhe agrada ou não, os acordos e desacordos, as consonâncias de assuntos, etc., para, nos encontros subsequentes, abordar os temas de interesse mútuo.  E agir assim de modo progressivo, permitindo aos fios que ligam a alma dele à nossa se tornarem mais fortes e consistentes.

Dessa forma, o apostolando sentirá desejo de se encontrar conosco, porque nota a afinidade estabelecida entre nós. Ele, provavelmente incompreendido e isolado no seu meio,  passa a se ver benquisto, apoiado e revigorado. Donde a sua presença em nosso ambiente adquirir para ele imenso significado. Mais uma alma terá sido atraída para se afervorar na devoção ao Sagrado Coração de Jesus e a Nossa Senhora.

E tudo começa pela boa consonância, o bom acordo estabelecido na conversa conduzida com tato e discernimento pelo apóstolo.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 80 (Novembro de 2004)

 

Flashes com a santidade da Igreja

As graças atuais, dons divinos que iluminam nossa inteligência e auxiliam nossa vontade para realizar o bem e nele perseverar, constituem fator inestimável para a nossa santificação. Dr. Plinio nos contará a seguir circunstâncias de sua vida nas quais, à maneira de “flashes”, essas graças lhe foram concedidas a fim de compreender e contemplar verdades eternas, como a divindade da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

 

Ao dissertar a respeito dos flashes(1), procuro descrever antes o que se passa na alma dos outros, em vez de analisar os meus próprios movimentos interiores. Instado, porém, a dar um testemunho pessoal, volto-me para minhas lembranças dos vários fla­shes que tive desde menino, enriquecidos, avolumados com o passar dos anos, e conservados por mim numa espécie de síntese de todos eles.

Os meus flashes de infância são tão remotos e, naturalmente, marcados por algo de tão incipiente e pueril, que evocarei apenas dois exemplos, esperando satisfazer assim a filial curiosidade dos meus ouvintes.

O órgão, um universo de sons

Recordo-me da primeira vez que prestei atenção no timbre do órgão. Encontrava-me na Igreja do Coração de Jesus para assistir Missa e, de súbito, começaram a tocá-lo. Certamente já o tinha ouvido em outras ocasiões, mas nunca lhe dera importância. Entretanto, naquele momento recebi um verdadeiro flash, pois tive a impressão de uma plenitude de sons capaz de ser expressa pelo instrumento, de modo muito adequado, embora sintético. Não como o universo de acordes ao alcance de qualquer piano de bairro, mas cada som trazendo consigo a conotação de uma miríade de outros acentos, de maneira que um dó varia num mundo de dós, o mesmo sucedendo com o ré, o mi, etc.

Mais ainda. Com a profusão de registros, o universo sonoro do órgão é desencadeado, manipulado e posto em movimento pela pessoa que o dedilha, acompanhado da ideia de haver nele ressonâncias prodigiosamente harmônicas, pois cada som é um protótipo que se multiplica, desdobra-se, fomenta-se pelas diferentes vibrações. Esta harmonia interna em cada nota se reproduz, por sua vez, na relação de umas com as outras, e o teor desse comércio no mundo dos sons é um lindo símbolo de todos os estados de espírito, normais, dignos e bons, no convívio humano.

Logo, há uma reversibilidade entre o universo moral do homem e o dos sons. Acima de tudo, paira a ideia de que só a Igreja Católica pode ter inspirado, presidido e levado a cabo essa visão de conjunto. Daí a conclusão: a Igreja Católica é santa; portanto, divina.

Naturalmente, essa concepção não vinha ao meu espírito com essa clareza. Era um flash, como qualquer pessoa pode ter, pois é conforme à nossa natureza, quando meninos, termos essas impressões instantâneas, riquíssimas, análogas a um inopinado nascer de sol, sem aurora, surgindo direto na plenitude do meio-dia.

Não me foi difícil perceber que no flash haveria uma verdade — “il y a de vrai là dedans”, dizem os franceses — a ser escavada de modo indefinido. E no decorrer dos anos consegui explicitá-la, como acabei de fazê-lo. Não se imagine, pois, ter sido eu um menino genial, uma espécie de “Mozartzinho” da Filosofia… Minha capacidade intelectual não chegava a tanto.

Compreendendo a divindade da Igreja

Certo tempo depois, tive essa mesma sensação na Igreja de Santa Cecília, onde, pela ação do Divino Espírito Santo, discerni a santidade e a divindade da Igreja Católica, em oposição à Revolução. E compreendi como me seria concedida a graça de pertencer inteiramente à Esposa Mística de Cristo, no momento em que todas as potências de minha alma vibrassem em uníssono com aquele órgão. Então meu espírito teria alcançado sua plena realização.

Foi um flash deveras intenso, corroborado pelas vívidas impressões determinadas por alguns aspectos do edifício sagrado.  Por exemplo, os vitrais dessa igreja são autênticos, com belas policromias, e mais atraentes que os comuns dos templos da cidade de São Paulo (em geral, apenas janelas com vidros coloridos, sem maiores labores artísticos).

Na mencionada ocasião, levado por minha família para alguma cerimônia litúrgica, entrei na Igreja de Santa Cecília numa hora em que os raios do sol atravessavam os vitrais da capela-mor e também os situados ao longo da nave central, do lado esquerdo de quem olha para o altar principal. Estavam iluminados, com as suas tonalidades imersas em maravilhosa harmonia, tomando rutilância e brilho extraordinários.

Admirei aquele esplendor e pensei: “Que cores! Como seria agradável morar dentro de um desses vitrais! Se houvesse um espaço habitável, onde tudo fosse como essa apoteose de colorido, e eu pudesse passear de vitral em vitral por vários ambientes, sem qualquer empecilho, apenas me alimentando dessas cores, do ar e do perfume condizentes com elas, eu seria capaz de perceber harmonias e belezas de uma ordem do ser maravilhosa, que não pertence a esta Terra.

“Se eu pudesse morar nesse espaço, perceberia também que minha alma se sentiria completamente realizada ao fazer tal excursão através do mundo dessas cores banhadas pelo sol. Então, penetrar num verde ou azul absolutos, observar todo o percurso da luz — desde a aurora até o crepúsculo — através dessas cores que iriam mudando de tonalidades, sem ninguém me interromper nem perturbar! O tempo todo estaria ali, tecendo reflexões e contemplações baseadas nesses coloridos…”

Não é difícil entender que essas meditações seriam de caráter religioso, e que se fosse materialmente possível semelhante situação, eu me sentiria feliz ao extremo, por me ter sido franqueado o conhecimento de umas tantas coisas muito mais valiosas que aquelas pelas quais os homens têm apreço.

Compreendi, pois, o que era a santidade, a perfeição e a divindade da Igreja Católica, aplicando aos vitrais o mesmo raciocínio feito a propósito do órgão.

“Nunca me separarei da Igreja Católica!”

Num passo seguinte, corri os olhos sobre uma galeria existente na nave central, com pinturas em estilo mosaico, retratando bispos antigos do Brasil, revestidos de seus paramentos, cada um deles no seu pequeno pedestal, em atitudes convencionais, provavelmente bem diferentes da realidade histórica, mas exprimindo algo do bispo ideal.

Eu os observava e pensava: “Meu Deus, que coisa fantástica! Na ordem espiritual, esses bispos são o que as cores daqueles vitrais significam na ordem natural. Cada uma dessas almas é como um vitral da Igreja Católica. Isso é maravilhoso!”

Em seguida, vi os quadros do martírio de Santa Cecília e outros objetos de arte. Aquilo tudo encheu minha alma, tocada com um verdadeiro flash.

Ao sair de lá, concluí: “Da Igreja Católica não me separo nunca! Fui feito para ela e sem Ela a vida não tem sentido. É mesmo divina, e n’Ela creio. A apologética será útil para outros. Para mim, a prova dessa divindade está dada”.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 80 (Novembro de 2004)

 

1) Sobre a doutrina dos “flashes”, ver “Dr. Plinio” nº 55, págs. 16-20.

Movimentos do mar… …e da alma humana

O movimento das águas do mar, ora tempestuoso, ora calmo, deixa transparecer uma série de gamas de beleza, todas elas extasiantes. Do mesmo modo, a arquitetura religiosa parece simbolizar os diversos aspectos da alma humana ao louvar seu Criador.

 

Vendo o mar — objeto perpétuo de meu enlevo, de meu encanto, de meu entusiasmo! — eu seria capaz de passar uma tarde inteira sozinho olhando-o, quieto, inteiramente entretido, contemplando-o…

Beleza do mar e o “pulchrum” de sua movimentação

No mar me chamava muito a atenção o seguinte: ele — na minha ótica; compreendo que outro sinta de um modo diferente, depende de cada um — apresentava para mim dois pontos extremos, com todas as gamas intermediárias. Ao contemplá-lo era-me agradável ver tantas formas de beleza que Deus tirava fazendo o mar passar de um extremo a outro através das gamas intermediárias. Ou, de repente, interromper a sequência em qualquer gama intermediária, dar um giro e passar para o outro lado.

Quer dizer, o ordenado, bonito, quando avançam aquelas grandes ondas, em ofensiva para a terra, mas são ondas que não são descabeladas fazendo tumulto — o descabelado não me agrada —, mas são grandes ondas em ordem, um ataque em regra de uma cavalaria nobre. É a maré montante de certos dias, que vai cobrindo a praia. É uma coisa bonita. É a “bataille rangée”, em fileiras. É até bonita a variedade, porque às vezes as ondas não chegam a arrebentar, quase arrebentam, formam assim aquelas eminências e vão adiante.

Outras não, pelo contrário: arrebentam e há um gáudio de gotas pelo ar que depois caem e seguem na sua ofensiva, parando um pouco antes de chegar à terra para saltitar pelo ar, antes de se entranhar nas profundidades das areias; e até aquilo virar água de novo é um processo enorme. Elas então bailam um pouco pelo ar, jubilosamente; são guerreiros que antes de dar o ataque definitivo dançam a dança da vitória. Uma coisa bonita, que me agrada ver.

Mas também agrada ver quando o mar está inteiramente calmo, quase imóvel. Diríamos que está de tal maneira absorto na contemplação do céu, que nem pensa em si mesmo. Eu falo o céu, não o Céu celeste, mas a abóboda celeste, que se vê com os olhos.

De repente, de um lugar qualquer, notamos que a surpresa vem, algo começa a se mover. É um vagalhão, é uma bagunça aquática, é um assalto contra a terra, porém os vários elementos do mar não vêm em “bataille rangée”, mas parecem se empurrar uns aos outros para tomar a dianteira e conquistar a terra mais depressa. É a beleza da variedade, do inesperado, do quase susto, do imprevisto, que tem, a meu ver, seu encanto próprio. E a sucessão das coisas torna o mar muitíssimo entretenido.

Esses vários modos de ser do “pulchrum”… Esse é mais um “pulchrum” do movimento do que do mar. Quer dizer, se o mar fosse feio, o movimento dele não seria bonito. A dança é bela quando o que dança é belo. Um exército que avança é muito bonito quando é composto de homens fortes, robustos; pelo contrário, um exército de capengas que se arrasta em certa ordem não vale dois caracóis. Do mesmo modo, o mar é belo, mas a movimentação está à altura dele.

Depois, os mistérios que ele contém; é outro mundo que se move nas entranhas dele, que ele oculta, não se vê um polvo, é raro um peixe, é raro ver qualquer coisa, há um mundo que vive aí dentro, um mistério. Não sei se sentem como eu. Eu tenho, assim, entusiasmo pelo mar!

Élans da alma expressos na arquitetura

Agora, a arquitetura, e a arquitetura religiosa, diante dos movimentos da alma humana, tão parecidos com os do mar, parecem se assemelhar. Há homens cujo pensamento avança em “bataille rangée”, cuja oratória, cuja argumentação, cuja dialética aperta, estala. Mas há homens que não são do gênero do famoso general de Luís XIV, Turenne, mas são “condeanos”(1): pulos de vitória em meio de raios de luz, aventura! Captam uma coisa e liquidam uma situação. Há feitios de inteligência assim, espíritos assim, há formas de beleza assim.

Por exemplo, Notre-Dame. Ela é irrepreensível, ordenada, perfeita, lindíssima! Tudo lógico, mas de um lógico com poesia; são as lógicas não do filosofastro, mas as lógicas da mãe de família, do pai, da vida, é essa lógica verdadeira. É isso que às vezes a arquitetura apresenta.

Às vezes a arquitetura borbulha e apresenta coisas meio inesperadas. E é o próprio movimento da alma religiosa, nos seus entusiasmos, nos seus êxtases, nos seus impulsos, na sua generosidade, nos lances à la Santa Teresa de Jesus, por exemplo, enormes, que deixam a alma desconcertada diante da grandeza daquilo.

E isso se exprime mais na arquitetura religiosa da Igreja grega, do tempo que estava unida à Igreja Católica. Daí vem o jogo das várias cúpulas que borbulham, como o mar se move, e que se notam na Basílica de Santo Antônio na cidade de Pádua.

Eu queria, então, mostrar um pouco a descrição daquilo que em Pádua me agradou…

Continua no próximo número.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/11/1988)

Revista Dr Plinio 224 (Novembro de 2016)

 

1) Luís II de Bourbon, 4º Príncipe de Condé (*1621 – †1686). Sobre o estilo “condeano”, ver Revista Dr. Plinio n. 213, p. 30.

Símbolo da Jerusalém Celeste

A catedral é figura da Cidade de Deus, da Jerusalém Celeste, imagem do Paraíso, como afirma a liturgia da sagração das igrejas.

As paredes laterais são símbolos do antigo e do novo testamento. Os pilares e as colunas são os Profetas e os Apóstolos que sustentam a abóbada, representação de Cristo, a sua chave.  As janelas translúcidas que nos separam da tempestade e derramam sobre nós a claridade, são os Doutores da Igreja. O portal é a entrada do Paraíso embelezada pelas imagens em pedra, pelos baixos relevos pintados e dourados e pelos suntuosos batentes de bronze.

A casa de Deus deve ser iluminada pelos raios do sol resplandecente da caridade como o próprio Paraíso, porque Deus é a luz, e a luz dá beleza às coisas. Assim também se deve aumentar a iluminação interior da catedral, abrindo janelas tão amplas quanto o permitam os vértices das grandes arcadas e as próprias abóbadas.

Belo, semeado de poesia, esse texto de um ótimo medievalista francês nos faz degustar, de modo intenso, a noção de símbolo.

Trata-se de considerar as magníficas catedrais góticas, não apenas como um recinto fechado onde se presta culto a Deus sem riscos de se expor às intempéries, mas, muito além desta finalidade prática e indispensável, como uma grandiosa imagem do Paraíso celestial. Algo que nos lembra a bem-aventurança eterna e dela nos oferece consoladora prelibação.  Desse modo, as catedrais são verdadeiras obras-primas de simbolismo, cada um de seus ricos aspectos encerrando significados e conceitos que nos remetem para as realidades do Céu.

Então, o templo majestoso e imenso é a figura do lugar onde Deus vive, cercado das almas dos justos. É a cidade do Altíssimo, a Jerusalém Celeste, como no Antigo Testamento a Jerusalém terrena foi a urbe santa, ela mesma representação da futura Igreja Católica, da Civilização Cristã, da sociedade temporal organizada de acordo com os princípios do Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo.  De tudo isto a catedral é um extraordinário símbolo.

E os detalhes de sua construção acrescentam belezas e expressões diversas nessa simbologia. Por exemplo, a linda ideia de se ver as paredes laterais como evocações do Velho e do Novo Testamento, ou de admirar aquelas esguias e sólidas colunas como se fossem os severos Profetas da Antiga Lei e os compassivos Apóstolos da era cristã. Mais ainda. Contemplar a vastidão da elevada abóbada e pensar que lá está a chave da Igreja, Nosso Senhor Jesus Cristo, sobre o qual tudo repousa e em honra de quem tudo foi edificado!

O pórtico imponente recorda a entrada do Céu. São portas de bronze, de carvalho, entalhadas e lavradas com requintes de perfeição e candura, emolduradas por centenas de imagens de santos e figuras históricas dispostas em esplendorosa ordenação. Ao transpô-las, devemos nos lembrar de que um dia — pela infalível intercessão de Nossa Senhora — as portas da catedral celeste se abrirão para nós e penetraremos na glória de Deus, unindo-nos aos Anjos e aos bem-aventurados que ali nos precederam.

A nota de poesia é dada pela claridade que inunda o interior do templo através das amplas janelas translúcidas, pelas refulgências policromadas dos vitrais tocados de sol. São os Doutores da Igreja esplendendo sua sabedoria, são os raios da caridade com os quais se ilumina o próprio Paraíso.

Como Deus é a luz, convém que a catedral tenha luz, e a tenha no pleno jorro da fulguração do sol, e na aconchegante, espetacular matização dos vidros coloridos.

Toda a arquitetura do gótico se desenrolou à procura das janelas cada vez maiores, sem prejuízo da estabilidade do edifício, até chegar a uma Sainte-Chapelle de Paris, verdadeiro escrínio cujas paredes são vitrais… É uma caixa de cristal onde todas as cores de luz brincam e folgam, constituindo desenhos maravilhosos que nos lembram a luz eterna do Paraíso.

Assim, ao entrarmos numa catedral, levemos conosco esse pensamento: “Graças à misericórdia infinita de Deus e à insondável bondade de Maria, passarei um dia pelas portas do Céu; verei os Profetas, os Apóstolos e os Doutores, como vejo aqui estas colunas. Sobretudo, serei inundado pela luz divina, como agora me envolve essa luminosidade que, de todas as partes, invade o recinto sagrado”. E então a nossa presença na igreja aumentará em nós a alegria e a esperança dos grandes triunfos do Céu.

Quanto mais nos sentirmos opressos, perseguidos nesta Terra, tanto mais devemos nutrir essa nossa apetência pelo Paraíso, onde as misérias presentes se extinguem por completo, dando lugar apenas à perfeita e eterna felicidade, sem que nada a possa perturbar. Pois ali não teremos somente todas as alegrias possíveis, mas o fundamento de todos os gáudios — Deus Nosso Senhor e o olhar indizivelmente afável de sua Mãe Santíssima.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 80 (Novembro de 2004)

Luzes e ecos…

Certas palavras, por vezes insuficientes, adquirem superior significado quando lhes acrescentamos alguns prefixos, quando as transformamos em neologismos. É o caso, por exemplo, do que poderíamos chamar de “trans-esfera”. Ou seja, algo que vai além da esfera comum, terrena, palpável, voltada para o inefável, indizível, intraduzível pelos vocábulos conhecidos.

Vem-me ao espírito esse recurso linguístico, quando admiro alguns interiores de grandiosas igrejas, de algum imponente edifício, e procuro “ouvir” os ecos dos sons que ali um dia reboaram. Pois, no meu modesto entender, determinados ecos são as “trans-esferas” de qualquer som. Nos recintos sagrados, o prolongamento das sonoridades do órgão, do cântico litúrgico, são esse cântico e esse órgão multiplicados por eles mesmos.

Lugares há nos quais o homem pisa e o ressoar dos seus passos é a glória do que ele realizou; nos quais sua voz se desdobra, esvoaça, se distancia, assumindo ares de fantasia… Na verdade, toda voz foi feita para ­ecoar: sem o eco, dir-se-ia não ter vivido inteiramente.

Nos majestosos conjuntos de altas abóbadas e colunatas góticas, imagino ecos augustos de liturgias estupendas. Imagino luzes magníficas, cujo genuíno valor se prende ao fato de virem acompanhadas de alguma penumbra. A sombra sugestiva é o eco adequado da luz.

Pensando nesses lugares onde se nos apresentam esses ecos, essas luzes, essas penumbras, penso em algo ideal que é a síntese de todas as catedrais e de todos os castelos que me foi dado considerar. Portanto, permanece no fundo do espírito, uma imagem ideal — talvez não realizável neste mundo — a qual excede as maiores produções artísticas ou intelectuais do homem.

Tenho para mim, então, não ser necessário grande inteligência nem eminentes qualidades naturais para nos distinguirmos no concerto da humanidade. Basta conservarmos em nosso espírito um recanto culminante qualquer, onde essa imagem ideal esteja presente, produza sentimentos e disposições que não sabemos sequer exprimir, e que são o segredo de nossa alma, o que ela possui de tão alto, de tão magnífico.

Isso se aplica a todos, ao menor dos homens, se corresponder aos toques da graça no seu coração. Eleva-se até o mais alto, e essa elevação, por sua vez, produz em sua alma reflexos que o tornam a multiplicação e o eco terreno dessas maravilhas inefáveis. Este é o tesouro de cada um de nós, encerrado em nossos imponderáveis, em nosso “trans-pensamento”. Não encontraremos palavras para revelá-lo a ninguém. É o nosso eco, nossa própria luz no seu maior fulgor, que apenas contaremos a Deus, a Nossa Senhora e aos santos, quando os encontrarmos na eternidade…

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 92 (Novembro de 2005)

 

“Celestialização” da vida temporal

A verdadeira arte deve buscar o maravilhoso de modo crescente. Sua missão consiste em retraçar, tanto quanto possível, um ambiente em torno do homem de maneira a ele ter o caminho indicado e ser levado para o Céu. A Revolução faz exatamente o contrário.

 

Uma nova perspectiva sob a qual se poderia considerar o tema “graça” seria a seguinte:

Métodos para representar o maravilhoso

Imaginemos que houvesse um lugar onde os Anjos baixassem visivelmente e estivessem algum tempo ali louvando a Deus, e depois fossem embora. Por exemplo, o lugar onde apareceu o Anjo na Cova da Iria. Ali tem bênção, é indiscutível. Ora, a alma humana foi feita para sentir coisas desse tipo por toda a eternidade; e o nosso estado normal de batizados é nos encontrarmos em presença de realidades que tenham esse quilate. É o nosso ponto de repouso final.

Isso significa que, tanto quanto possível, a missão da arte consiste em retraçar esse ambiente em torno do homem, de maneira a ele ter o caminho indicado e ser levado para o Céu. Enquanto o papel da Revolução consiste, evidentemente, no contrário.

Assim, não há maravilhoso que baste para uma arte verdadeira. Entretanto, é preciso fazer distinção de duas coisas. Uma é o maravilhoso enquanto representado através de coisas materiais, por exemplo um quadro qualquer de uma cena medieval de cruzados partindo para guerra. E outra seria uma pintura de Anjos, feita por Fra Angelico, que se serve das coisas materiais para representar o puro espírito em estado de graça. E onde o tema quase direto não é a matéria, mas a graça. Aqueles quadros de Fra Angelico representam indiscutivelmente uma tentativa de servir-se da tinta para representar o maravilhoso. E representam mesmo. É diferente de representá-lo através de uma catedral. Porém, ambos os métodos devem ser utilizados.

A dimensão celeste da Cristandade

Como seria o homem formado completamente num ambiente assim? Como seriam as relações dele? O conhecimento disso nos daria ideia da sociedade constituída por ele.

Isso nenhum tratado de Direito Natural diz, porque de fato escapa a essa matéria. Entretanto, deveria haver obras que abordassem este assunto às quais um tratado de Direito Natural fizesse referência. Porque a mera ordem natural, no que diz respeito ao homem, não existe. Portanto, ou a Cristandade tem uma dimensão celeste, e consequentemente muito superior ao que se imagina, ou ela não atingiu seu fim. Então, a meta é a “celestialização” da vida temporal, sem deixar de ser temporal.

Pode-se dizer que, até certo ponto, monarquias antigas realizaram coisas desse gênero de algum modo, muito palidamente, mas não ousavam quase chegar até lá. Digamos, por exemplo, o quarto de dormir de Maria Antonieta. Aqueles tecidos maravilhosos eram feitos para dar à sociedade terrena o aspecto mais bonito possível, mas não tinham a intenção de “celestializá-la”. Se houvesse esta intenção, não sei até onde iria!

A meu ver, ao espetáculo do horror do demônio que se prepara para vir e se mostrar, nós teríamos que saber opor o espetáculo admirável de Nossa Senhora que prepara o seu Reino!

Uma maravilha que ofuscaria Veneza

É indiscutível que Deus fez certas obras, a rogos de Maria Santíssima, que “celestializam” um tanto mais do que os homens imaginaram. Veneza é uma delas.

Poderia ter havido ali um Fra Angelico que jogasse com os reflexos de água sobre um monumento, uma escultura, pintura ou um mosaico colocados diretamente à beira d’água. Vê-se que a ideia não passou pela cabeça dos artistas. Também os que construíram aqueles palácios estavam pensando em tudo, menos nisso.

Por exemplo, um edifício que poderia ter ficado à beira d’água é a Catedral de Orvieto. Aquilo imaginado em Veneza, e colocado numa ilha, ficaria maravilhoso! Sobretudo se houvesse em alguns pontos uns braços de ferro bonitos, trabalhados, para pôr archotes durante a noite. Podia ficar muito bonito. Vou dizer mais: tornar-se-ia tão bonito que quase ofuscaria Veneza! O resto ficaria pouca coisa em função disso.

Há certos gêneros de maravilhas que estão para além da Terra. São paradisíacos.

A arquitetura francesa, por mais bonita que seja, não fica bem no meio das águas como em Veneza. Lembro-me da lamentação da Condessa Anna de Noailles(1): “C’est trop de beauté! – É beleza demais.”

Está na missão da ordem material criada ser um espelho da ordem espiritual. Entende-se por aí aquela expressão de São Paulo, que afirma: “De fato, as perfeições invisíveis de Deus são percebidas pelo intelecto através de suas obras, desde a criação do mundo” (cf. Rm 1, 20). Portanto, de tudo o que nossa alma tem desejo de ver, enquanto espiritual, se souber ler as coisas da Terra, ela tira as devidas conclusões. Eis a razão pela qual estou analisando continuamente todas as coisas.  v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/7/1990)

 

1) Poetisa e romancista francesa (*1876 – †1933).