A eternidade numa mudança de ano…

Ao transpor os portais de um novo ano, sente-se, como que, o roçar da eternidade. De fato, é mais um período de nossas vidas que fica para trás, a respeito do qual devemos fazer um exame de consciência, pedindo a Nossa Senhora que cubra com seu manto o que nele não foi belo.

Esta é a última reunião de sábado à noite de 1988, pois no próximo sábado teremos o Santo Natal. Os portais de um ano, trezentos e sessenta e cinco dias, se escoam e os portais de outro ano se abrem. O passado se encerra e fica um ano para trás; o futuro se abre e temos um ano pela frente.

A eternidade é bela, mas só podemos calcular sua pulcritude por meio de algumas comparações. Fomos criados dentro do tempo e, por causa disso, só compreendemos as coisas em função do tempo.

Fomos criados na matéria, temos um corpo material. Vivemos dentro deste globo. Como nós, que estamos imersos no tempo, podemos calcular o esplendor da eternidade? Os homens não se sentem tão atraídos pelo Céu quanto deveriam, porque têm dificuldade em imaginar como será a eternidade.

Sentir o roçar da eternidade

Se dissermos para uma pessoa: “Você vai para a eternidade, deixará as aflições do tempo e gozará as glórias da eternidade” — há o Purgatório; quem sabe o que lá sucederá, e por quanto tempo? —, ela poderá se perguntar: “Mas como é essa eternidade? Fica tudo parado? O que lá acontece?”

Para se ter ideia do que é a eternidade e da sua beleza, deve-se considerar o seguinte: o tempo vale muito menos do que a eternidade, porque aquele é próprio para nós mortais e a eternidade é própria para os imortais, que nunca perecerão. Então, basta estarmos ligados à morte para entendermos que o tempo seja muito menos belo do que a eternidade. Porque a morte, a qual não deixa de ter sua beleza, é muito menos bela do que a vida. Então, para compreendermos a eternidade, temos que entender a beleza do tempo.

Esta mudança de ano, na qual estamos, é uma dessas situações em que se sente o roçar da eternidade, pois um ano de nossas vidas se encerra.

Se um homem, por exemplo, que viveu muito tempo numa cidade, muda-se para uma localidade noutro extremo do país, adota outra profissão, tem outras relações, ele passa para um mundo diferente; uma etapa de sua existência se encerra e outra se abre. Para esse homem isto tem muita significação, porque tudo o que se passou fica como um bloco na vida dele, o qual, no interior de sua alma, só ele mesmo conhece. Os fatos externos de sua existência os outros poderão conhecer. Se for um personagem célebre, os historiadores escreverão sobre o que ele disse ou fez, o que fizeram contra e a favor dele. Quem poderá escrever o que se passou em sua mente? Ora, a essência da vida de um homem é o que se passa em sua alma, a qual é fechada para todo mundo. E ninguém conhece essas coisas, a não ser Deus e aqueles a quem Ele resolver revelar.

No dia do Juízo Final tudo será revelado de forma estupenda

Isto será revelado aos olhos de todos os homens, no dia do Juízo Final, quando tudo o que se passou em nós de interno e externo, referente à nossa santificação, aos nossos pecados, Deus vai revelar e julgar. Todos os homens que houve, há e haverá até o fim do mundo, salvos ou precitos, assistirão a isso. Uns já garantiram o Céu e terão ressuscitado pouco antes de o Filho de Deus vir para julgar os vivos e os mortos. Outros foram condenados ao Inferno. O Purgatório estará vazio, porque todos que nele estiverem irão para o Céu e não para o Inferno. Os que já estão no Inferno ressuscitaram num corpo que vai aumentar o tormento deles. E não só a História dos homens, mas das nações, das civilizações, das culturas, das instituições, tudo vai ser revelado de forma estupenda.

E o Juízo não será demorado, como se poderia pensar, porque para as pessoas que estão nesse estado o tempo não conta. Podemos ter ideia do que será sua rapidez pelo seguinte: há vários depoimentos de pessoas que passaram por risco de morte e contam que, em determinado momento, toda a sua vida lhes passou diante do espírito. Ora, se toda a existência se mostra em minutos, compreendemos como as coisas podem ser comprimidas sem tirar nada. Nesse lance estupendo, sem sentirmos cansaço — nem sei se se pode falar de tempo, nesse momento em que todos estão entrando para a eternidade —, veremos tudo e cada um será mandado para o seu lugar, para onde a justiça divina o encaminhou.

Nas épocas e nas situações em que vemos o tempo passar, percebemos também a beleza do tempo. Quer dizer, quando uma coisa existe, está funcionando, nota-se sua beleza ou feiura. E quando, por exemplo, uma instituição deixa de funcionar e cai no passado, a partir deste ela é vista numa perspectiva especial, e podem-se notar belezas e aspectos que quando ela estava viva não se percebiam.

Uma almofadazinha para prender alfinetes

Estou me lembrando de um caso que minha mãe me contou uns vinte anos antes de morrer. Ela já estava idosa, e, certa vez, foi sozinha visitar uma amiga que se tinha mudado havia pouco para perto de sua casa. A amiga, que a recebeu muito bem, tinha móveis bastante bons e na sala de visita de sua residência havia uma vitrine com objetos curiosos, antigos. Ela disse a minha mãe:
— Lucilia, você quer ver uns objetos interessantes que eu tenho na vitrine?

Minha mãe olhou os objetos, achou tudo muito interessante. Havia grande liberdade entre ambas e mamãe perguntou-lhe:
— Tudo que está na sua vitrine é tão fino, tão bonito, mas eu não compreendo por que você guarda entre esses objetos uma almofadazinha. No fim do Império e no começo da República, as senhoras, além de outros trabalhos domésticos, costuravam e usavam uma almofadazinha para prender alfinetes.

A amiga respondeu:
— Isso é uma verdadeira raridade histórica, e eu vou lhe contar.

Então, ela narrou o seguinte fato:

Um passado que aparece com toda a sua beleza

Essa senhora era muito monarquista e tinha uma amiga que era esposa de Campos Sales, ex-presidente da República do Brasil, a qual lhe contou que, devido à proclamação da República, a família do Imperador foi exilada, tendo levado consigo os objetos que puderam, mas deixando muita coisa no palácio imperial. Logo depois, algumas senhoras tiveram curiosidade em visitar tal palácio, que estava sendo dirigido por autoridades da República. Obtiveram licença facilmente, porque eram casadas com líderes republicanos que exerciam o poder.

O palácio estava fechado, silencioso, ainda ornado com flores já murchas. Ninguém tinha lá entrado, ninguém havia movido nada. Sobre uma mesa, um chapéu atirado por alguém que entrara no palácio pouco antes da proclamação da República e ali o deixara… Era um sinal de coisa ainda viva.

Elas foram olhando tudo aquilo, e a esposa de Campos Sales, bem como as outras que lá estavam, começaram a ter uma espécie de sentimento de tristeza, que provocava um aperto na garganta. E, quando chegaram ao quarto de dormir da Imperatriz, viram objetos de uma mãe de família que não pudera mexer em nada, por ter saído correndo. Foi uma tristeza tão pungente que não conversavam mais entre elas; apenas olhavam…

Esta senhora viu aquele passado num todo, cujas portas eram fechadas pelo presente. Tudo aquilo estava afundado no passado, deixou de ser, como que empurrado para o não ser. Ela observou tudo o que se perdia, se desfazia. E, considerando o desastre daquela família, mandada embora depois de governar durante tanto tempo o Brasil, ficou com tanta tristeza e pena que quis guardar uma recordação daquilo.

Mas todos os objetos eram de valor, e ela não poderia levar nenhum deles. Como havia sido encontrado aquele travesseirinho que a Imperatriz usava, e era uma coisa sem nenhum valor monetário, a esposa de Campos Sales jeitosamente o apanhou e o levou para sua casa, para nunca mais se esquecer da Imperatriz.

O curioso foi que essa senhora continuou republicana, porém via agora o Império perdido nas brumas e na grandeza de todo um passado que formava um bloco, saído de dentro das escórias do presente e aparecia com toda a sua beleza. Assim, o passado surgia iluminado por uma luz nova e, por causa disso, ela tomava aquele objetozinho e o levava como uma espécie de relíquia. Quando estava para morrer, ela chamou essa amiga monarquista, contou-lhe o fato e disse-lhe:

— Vou dar-lhe este objeto de presente, porque das minhas amigas você é a única capaz de compreender o que isto significa. Guarde consigo, porque é uma grande recordação. Pelo eco, vejo que todos os que se encontram neste auditório entendem perfeitamente o que isto quer dizer.

No Museu Histórico do Rio de Janeiro eu vi um quadro que simbolizava bem isso.

O baile da Ilha Fiscal

Alguns dias antes da proclamação da República no Brasil, uma esquadra de guerra chilena, que estava fazendo um percurso mundial, ancorou no Rio de Janeiro, e a Marinha brasileira lhe ofereceu um baile. Estava sendo inaugurado nessa ocasião, numa ilha junto à cidade do Rio, chamada Ilha Fiscal, um prediozinho neogótico, e nesse local o baile seria realizado.

Mas para se chegar até lá era preciso tomar um barco. O Imperador, já velho, foi de barco até a ilha, e no momento de passar para a terra firme, devido à flutuação do mar, perdeu um pouco o equilíbrio e quase caiu. Seguraram-no, e ele então disse:

— A Monarquia escorrega, mas não cai.

Falou como gracejo, e entrou para o baile. Durante este, começaram a chegar denúncias de que estava sendo tramada uma rebelião republicana. Contaram-me — não li isso em nenhum livro — que o comandante da esquadra chilena mandou oferecer suas forças ao Imperador a fim de mantê-lo no trono; se este quisesse, a esquadra bombardearia o Rio de Janeiro. Mas o Imperador declarou que não queria que a capital dele fosse bombardeada por estrangeiros, para ele permanecer no trono. E foi proclamada a República.

O quadro existente no Museu Histórico do Rio de Janeiro, de um bom pintor nacional — se não me engano, Benedito Calixto —, apresenta o baile da Ilha Fiscal, com o prédio reluzente, cheio de pessoas. No céu, um duplo movimento. Numas nuvens brancas vem, representando a República que entra, uma mulher com uma túnica, barrete vermelho na cabeça, acompanhada de umas figuras mitológicas. De outro lado – é para isso que eu queria chamar a atenção dos presentes – o céu se abre e, se não me equivoco, anjos vão levando a coroa, o cetro e outras insígnias: é a Monarquia que se vai embora… Então, a República baixa para a terra, e a Monarquia é um passado que se encerra como um bloco e vai sendo conduzido para o céu. Quer dizer, o passado aparece embelezado, visto no seu conjunto como uma coisa digna de penetrar na eternidade.

É bonito o movimento pelo qual uma coisa se encerra, forma um bloco e sobe para o julgamento de Deus. Também é bonito o movimento de algo novo que entra e inicia na História outra caminhada. Como se deve saborear a vida, o tempo, conhecendo nas etapas da vida de cada um aquilo que acabou, subiu para um julgamento, e o que vai começar! Fazer uma ideia de conjunto desse tempo que foi e deitar um olhar para o tempo que vem.

Então, se é bonito o tempo, como será bonita a eternidade!

O rochedo que divide as águas

Fecha-se um ano para a nossa vida. Todo ano é uma etapa. Pergunta-se: que ideia de conjunto fazer dessa etapa?

As reuniões de sábado à noite constituem uma parte dentro dessa etapa; com exceção do período em que eu estive na Europa, tive a alegria de encontrá-los aqui todos os sábados. Farei uma reflexão rápida a respeito disso.

Todos nós tivemos luta. E a luta foi a nossa grande característica. Por quê?

Imaginemos um rochedo num curso de água; ele recebe a investida contínua das águas e permanece de pé. O que foi esse ano para o rochedo? Foi luta! O curso das águas sempre lhe foi contrário, mas o rochedo continuamente as dividiu e meteu em reboliço a camada de água que passava perto dele. Assustou os peixes que passavam; algum peixe esmagou-se contra a mole insensível e fria dele, e foi depois seguindo morto, água abaixo.

O que se passa na massa líquida de um rio ninguém sabe. Mas uma coisa é certa: a água que bateu no rochedo não fica como era antes.

A existência do rochedo foi luta. Assim fomos nós, graças a Deus, em 1988. E foram, portanto, os que estão neste auditório, que formam comigo um só todo; foram na jovem e na juveníssima idade de alguns dos presentes.

Ter-se-ia a ilusão: “Não! Na juventude só há saúde e não há luta!”

Abrir o caminho nas águas revoltas da Revolução

Que bobagem! Já fui jovem e cheguei a ter lutas tão árduas, que eu tinha inveja dos velhos. Eu pensava: “Estou vendo diante de mim um velho que não faz nada, oscilando na sua cadeira de balanço. Como eu daria de presente a minha juventude para acabar com a minha luta, poder refestelar-me e balançar! Mas abrir o meu caminho nas águas revoltas da Revolução que vêm em sentido oposto; deitar o meu peso num ponto, ficar nele, criar condições para que outros se agarrem a mim e não se deixem levar pelas águas, que luta, que batalha!”

Porque todo homem tem, entre outros, um instinto chamado de sociabilidade, que nos leva a querer conviver com os outros. Deus disse no Paraíso Terrestre que não era bom para o homem que este ficasse só; por isso Ele criou Eva. Devido ao instinto de sociabilidade, o homem tem necessidade de estar com outros. E quanto mais amplo o convívio, maior o bem-estar, a satisfação que tem o homem.

Esse convívio, para corresponder ao instinto de sociabilidade, não se satisfaz só porque é um convívio, mas porque nele se encontra uma harmonia de alma. Se há desarmonia, antes só que mal-acompanhado — diz um provérbio.

Suponhamos que um homem esteja navegando sozinho num barco e pense várias vezes: “Como seria bom que eu tivesse um companheiro.” Aproxima-se outro barco e lhe dizem:
— Você quer ter um companheiro muito cacete que só diz bobagens ou blasfêmias?

— Não! Fico sozinho! Por mais terrível que seja a solidão, antes só que mal- acompanhado.

Para quem tem a Fé católica, apostólica, romana, como nós temos, a vida é uma solidão em todos os ambientes em que encontramos a heterogeneidade, o desacordo, a incompreensão, a fricção, às vezes descortesias, esquivamentos e até agressões, não físicas, mas pelo menos agressões morais. E para a pessoa suportar isto, a vida é terrível.

Viver isolado é grande sofrimento

Lembro-me de que certa ocasião li o resumo de um romance, escrito por um francês que fazia previsão do fim da Igreja Católica. Então, descrevia o último católico da Terra. Era um homem que vivia num isolamento completo, porque ninguém o entendia, ninguém queria saber nada dele. Esse homem tinha os meios com que satisfazer materialmente as suas necessidades, vivia no meio dos outros, mas era um estranho para todo mundo. No momento em que exalou o último suspiro, morreu com ele o último membro da Igreja Católica.

A hipótese é uma blasfêmia, porque Nosso Senhor prometeu que as portas do inferno não prevaleceriam contra a Igreja. Mas, a história faz sentir bem o isolamento tremendo de um de nós, se vivesse sozinho, mantendo-se fiel.

Imaginemos que um de nós receba a ordem de ir morar na Birmânia para lá fundar uma sede de nosso Movimento. Vai para aquele país e trabalha para a fundação, dizendo às pessoas que se trata de uma enorme organização também existente noutros lugares.

De repente, ele recebe um telegrama afirmando que as sedes de nosso Movimento foram fechadas em todos os lugares do mundo. A pessoa não terá mais contato com ninguém de nossa Associação, mas apenas com birmaneses; não há dinheiro para voltar a seu país de origem. A Birmânia é pagã. Ele precisa morar sozinho e escolhe o único lugar onde se pode viver só: à beira-mar… Pelo menos, o mar conversa com ele.

De noite, após o jantar, as ocupações do dia terminaram, ele vai para o terraço da casa, que fica perto das ondas, e ouve o som do mar. As ondas vão e voltam. Tudo sempre diferente, porém, no fundo, tudo sempre repetido. Olha para aquilo e pensa: “Esse murmúrio perpétuo das ondas é o murmúrio da minha solidão; estou isolado, que coisa terrível!”

Os que estão neste auditório são salvos disso exatamente pelo nosso Movimento, porque ele constitui em torno de nós um ambiente onde encontramos concórdia, simpatia, consonância, a sociabilidade. Pondo o pé fora do portão desta sede, encontramos o contrário.

Mas daqui de dentro sentimos a nossa solidão coletiva. Nosso Movimento é como a pedra colocada dentro do rio: as águas passam e a pedra fica; e vai marcando a história das águas do rio.

O Sol sempre está iluminando alguma das sedes de nosso Movimento

Apesar da hostilidade dos ambientes de fora, nós lutamos de tal maneira que trazemos gente de dentro da multidão para vir participar do nosso isolamento.

E ingressam em nosso Movimento pessoas das mais diversas nações. A respeito de Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano Alemão e Rei da Espanha, foi dito: o Sol não se punha nos seus domínios. Ele era senhor de um império tão vasto que abrangia as nações de língua alemã, uma parte da Itália, Países Baixos, a Espanha, e depois todo o mundo ibero-americano. De maneira que quando numa parte do império dele o Sol estava se pondo, do outro lado do seu império o Sol começava a renascer.

Assim, também, com nosso Movimento.

Hoje há alguma coisa mudada na história do Sol: nunca deixa de iluminar uma sede nossa. Se se pudesse dizer, afirmar-se-ia que há algo novo na história do Céu: ele nunca mais deixará de contemplar — pelo menos enquanto nossa Associação existir — um filho dele que está lutando e rezando nesta Terra.

E um pensamento que os aqui presentes poderiam cultivar na hora de dormir seria este: na outra parte da Terra há um membro de nosso Movimento que está acordando. Como seria bonito se, antes de conciliar o sono, rezassem a Nossa Senhora uma rápida jaculatória por esse irmão distante e, às vezes, desconhecido!

A jaculatória poderia ser “Regina Apostolorum, ora pro nobis”. Somos apóstolos, vamos rezar por aquele que está acordando, para que seu despertar seja tonificante; por aquele que está dormindo, a fim de que seu sono seja bom; pelo que já está agindo, para que sua ação seja reta, trabalhando a fim de trazer gente para nosso Movimento.

Pedir a Nossa Senhora, antes de tudo, a perseverança

Durante este ano, os que estão aqui fizeram um esforço ativo e excelente de recrutamento, arrancaram muitos jovens ao mundo, introduzindo-os no jardim santo de nossa Associação. Mas o mundo continuou a bombardear esse jardim com suas seduções, atrações, mentiras, promessas. E não foram poucos os que passaram um tempo limitado nesse jardim, e depois saíram.

Há este fato preponderante na história individual de cada um dos presentes e na história do querido conjunto dos enjolras(1) de nosso Movimento: atraíram muitos, vários saíram, mas os que ficaram permaneceram porque trabalharam na fixação deles.

Mais ainda, os que estão aqui também foram bombardeados. Pela graça de Nossa Senhora, não saíram. Que coisa bonita! Os anos passam e estão no solo sagrado de nossa Associação.

Na minha velha idade, o que peço a Nossa Senhora? Antes de tudo, perseverança, perseverança, perseverança! Tudo quanto fiz de bom e merece continuar, que continue e se desenvolva.

Poder-se-ia fazer nessa ocasião uma prece muito bonita que está no “Te Deum”: “Dignare, Domine, die ­isto sine peccato nos custodire — Dignai-vos, Senhor, guardar-nos sem pecado neste dia”.

Nós poderíamos dizer: “Dignare, Domina, anno ­isto sine peccato nos custodire”. Nossa Senhora, Nossa Mãe, levai-nos até a outra ponta do ano sem a menor poeira de um pecado.

Exame de consciência compungido e alegre

Neste ano que se encerra, que tentações cada um dos aqui presentes enfrentou? Que provações internas teve? Quantas vezes venceu essas provações internas, ou não as venceu? O que foi a vida interior de cada um? A resposta cada um saberá dar.

Se Deus quiser, todos transporão este ano rezando, com as mãos postas. E o coração está posto tão alto quanto no ano passado? Ou menos alto? Não o sei… Cada um dos presentes o pode saber.

Que bela pergunta ao encerrar o ano: “Meu Deus, como estou?” Devemos fazer um exame de consciência ao mesmo tempo compungido e festivo. Porque quando um homem faz um exame de saúde e vê que está são, ele se alegra. Mas quando percebe que está doente, fica apreensivo; porém, se ao mesmo tempo lhe informam: “Fulano, aqui nesta cidade há um médico que cura essa doença, porque tem um remédio ótimo”, ele se alegra. Não é a alegria da saúde, mas a alegria da saúde que ele vai recuperar. E se lhe dizem: “Não é o médico que vai curá-lo, mas a melhor das mães, com o melhor dos remédios, e com o sorriso d’Ela”, ele quase dirá: “Valeu a pena ter estado doente”. Essa mãe é Nossa Senhora.

E se o balanço do ponto de vista interior não foi positivo para nós, tenhamos ânimo e ânimo redobrado, porque Maria Santíssima é Mãe de Misericórdia. Digamos a Nossa Senhora: “Minha Mãe, está passando o ano. Uma etapa se encerrou. Pousai vosso manto sobre aquilo que não é belo em minha alma. Olhai para o que é belo, olhai para o vosso Coração. E dai-me de vosso Coração novas belezas de alma para o ano que vem”. Assim, transporemos com ânimo este ano, e abriremos 1989 com a chave de ouro, chave com duas voltas, cujos nomes são: Confiança e Devoção a Maria. É o que de todo o coração lhes desejo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/12/1988)
Revista Dr Plinio 165 – Dezembro de 2011

1) Palavra afetuosa utilizada por Dr. Plinio para designar seus jovens discípulos, surgidos aproximadamente a partir de 1970. Havia neles acentuado grau de debilidade, se comparados com aqueles que os antecederam, os da “geração nova” (cf. “Dr. Plinio” número 81, p. 17).

Sentinela, mesmo após a morte

São Tomás Becket, assassinado por defender os direitos eclesiásticos contra os abusos do poder temporal na Idade Média, foi mártir da liberdade da Igreja.

Homenageado pelos ingleses durante quatro séculos, teve seus restos mortais profanados e destruídos por ordem do Rei Henrique VIII que, ao proclamar-se chefe da igreja anglicana, deliberou injuriar as relíquias daquele que morrera para que tal usurpação não se desse.

Nessa execução póstuma há uma verdadeira glória para São Tomás Becket: ser odiado pelos maus e sofrer perseguição por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Este Santo, até depois de morto, constituía uma barreira para os inimigos da Igreja. Foi preciso remover esse obstáculo para que a caudal da heresia pudesse continuar. Ora, um homem que, deitado inerte no seu jazigo, representa ainda uma sentinela pela qual só se passa eliminando-a, é uma verdadeira beleza!

Santa Teresinha do Menino Jesus dizia que ela passaria seu Céu fazendo bem sobre a Terra. São Tomás Becket, à maneira dele, fez isto: quatrocentos anos após seu martírio, seu corpo era uma trincheira e um pavor para os adversários.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/12/1968)

Reflexões para o final do ano

Recordando fatos que marcaram profundamente a História — como a queda de Constantinopla e a reconquista da Espanha, a partir de Covadonga —, Dr. Plinio nos ensina a ver a importância dos pequenos sintomas, quer relativos ao mal, quer referentes ao bem.

Chegamos a mais um fim de ano! Qual é a reflexão que me vem ao espírito a respeito disso?

A civilização medieval foi sendo corroída gradualmente

Quando examinamos a história da Revolução e depois a história da Contra-Revolução(1), notamos existir um princípio que é preciso ter muito em vista, ao se considerar a enorme rotação do auge do esplendor da civilização medieval até a paganização dos nossos dias. Aos poucos se foi manifestando um verme roedor, que corroía gradualmente aquela ordem de coisas magnífica, a qual prometia subir indefinidamente até altitudes inexcogitáveis pelo espírito humano; e, em determinado momento, ela caiu e chegou até os dias atuais, em que o processo baixou a profundidades inimagináveis.

Tão alto se elevou que não se podia imaginar antes que pudesse subir tanto; e foi apenas até a metade do caminho! Tão fundo caiu, tanto se degradou, tão completamente se conspurcou, que não se poderia imaginar também que caísse mais baixo e fosse pior do que está.

Por que razão essas coisas se deram?

Porque um determinado princípio de sabedoria comum — mas que é negligenciado por um grande número de pessoas de responsabilidade decisiva em acontecimentos históricos — não foi tomado em consideração, não foi aplicado nos momentos em que deveria ter sido. O resultado é que a História apresenta essas derrapagens tristes; e poderia manifestar, pelo contrário, ascensões magníficas se se tivesse levado em conta esse princípio.

Que princípio?

Com relação ao bem e ao mal nada é sem importância, por menor que seja

Devemos considerar que, com relação ao bem e ao mal, nada é sem importância, por pequeno que seja, nada é sem perigo, por insignificante que seja, nada é digno de ser passado por alto sem tomar uma providência, um remédio, por débil que seja. E assim que notamos em qualquer ponto da mentalidade de uma pessoa alguma concessão ao mal, devemos procurar remédio imediatamente; só não devemos combater energicamente quando essa pessoa já está entregue ao mal.

Felizes são aqueles com quem se pode ser enérgico! Por exemplo: notando numa pessoa um começo de mal, chamamo-la e dizemos: “Fulano, você tem ido bem, eu lhe quero, tem sido para mim fonte de muita satisfação, mas você me inquieta por tal sintoma”. E mencionamos uma coisa na aparência insignificante, porém é um sintoma que tem um significado profundo. Pode ser uma simples irritação no rosto que, entretanto, é um sintoma de uma grave doença. Então, chegamos junto dele e avisamos: “Isto é sintoma de um mal muito grave, e você precisa ser operado amanhã — feliz dele porque pelo menos suporta o trauma da advertência —, está sendo avisado hoje porque você tem força, coerência, amor de Deus e, advertido já, você está apto para resistir”.

Pelo contrário, infeliz é aquele em quem se nota um defeito e se percebe que não está preparado para receber a advertência. Então a primeira coisa que precisamos fazer é sorrir para ele e fazer de conta que não notamos nada. Deixamos passar o tempo até que apareça uma boa ocasião para falar, porque do contrário a psicologia dele reage em sentido oposto. Não quer dizer que ele se revolte — pode se revoltar conforme o caso —, mas recebe com modorra, com indiferença, com preguiça, essa advertência. Por isso, temos que retardar o momento de fazê-la e com isso ele vai se arriscando.

Então, aquele que diante dos menores fatos, que são sintomas de situações espirituais ou sociais, ou quaisquer outras, sabe discernir logo o mal e pula em cima dele e o apaga, pode ser um homem de Deus.

Mas não é homem de Deus aquele que tem um otimismo tranquilo diante dos pequenos sintomas de mal, pois isso é uma prova de que perdeu uma das condições mais preciosas da integridade da alma, da integridade da virtude, que é compreender a importância enorme dos pequenos sintomas para intervir logo, antes que eles se tornem monstros.

Vemos instituições ruírem, desaparecerem, civilizações caírem, acontecer tudo, diante destes olhos fechados para o mal que fazem com que a pessoa não compreenda o que querem dizer os sintomas, fecha os olhos por preguiça de combater, de ser solerte, enérgico, e por causa disso as coisas vão ruindo, vão se esboroando.

A queda de Constantinopla

Eu creio já ter tratado aqui da tomada de Constantinopla pelos turcos, no século XV.

Constantinopla era um dos portos mais famosos do Mediterrâneo naquele tempo; e até hoje é um porto importante. Uma cidade lindíssima que era a capital do Império Romano do Oriente. Era um império que fora muito poderoso. No tempo do General Belisário(2) tinha chegado quase até a orla do Atlântico; ocupou grande parte do Norte da África no Mediterrâneo, enquanto o Império Romano do Ocidente conquistou todo o litoral europeu. Assim, os romanos podiam dizer orgulhosamente que o Mediterrâneo era um lago romano, o “mare nostrum”, o “nosso mar”. A cidade de Bizâncio — Constantinopla —, era famosa pela sua grandeza, riqueza, etc., e a corte bizantina, famosa pelo seu luxo, esplendor, cerimonial complicado, etiqueta refinada. A cultura dos homens de letras de Bizâncio era extraordinária. Ela era uma das maiores metrópoles do mundo naquele tempo.

Aos poucos, os turcos foram corroendo os territórios bizantinos na Ásia. Depois caíram os territórios bizantinos na África, e Bizâncio ficou quase reduzida à capital, que vivia de umas terrinhas que havia em volta, mas que evidentemente não bastavam para entreter todo aquele luxo. Em vez de reagirem, se oporem e declararem a guerra, preverem que a ruína os estava ameaçando e, portanto, tomarem a situação a sério, pelo contrário, eles foram deixando se arrastar.

Afinal aconteceu que a esquadra turca se impostou diante de Bizâncio e começou o ataque, que foi terrível. O Imperador lutou energicamente contra os turcos e pereceu na batalha; os bizantinos foram quase todos exterminados, muitos fugiram pelos Balcãs e chegaram até a Itália onde os turcos não conseguiram chegar, de maneira que se salvaram levando até objetos de arte, tesouros, que eles vendiam para poder sobreviver. Mas o Imperador morreu em condições tão trágicas, que o corpo dele foi encontrado numa montanha de cadáveres, e só foi reconhecido porque os imperadores de Bizâncio usavam sapatos vermelhos.

Conta-se que um homem foi morto pelos turcos, enquanto tocava calmamente um instrumento musical. Os turcos mataram o homem e quebraram o instrumento. É claro! Não podia acontecer outra coisa, ele tinha preparado isso. A cidade inteira entregue ao drama, aquela Cristandade devastada, sujeita à pior miséria, e ele tocando seu instrumento, calmo, como se estivesse vivendo uma manhã normal. O fim dele foi o símbolo dessas pessoas que não observam esse princípio de obstar, desde logo e no começo, os primeiros sintomas verdadeiramente perigosos.

O bem é mais difícil de ser praticado

Em sentido oposto, muita coisa boa se tem deixado de fazer na História, porque muitos não percebem que, assim como uma coisa pequena e má pode desenvolver-se e transformar-se em um perigo, também uma coisa pequena e boa pode crescer e tornar-se uma salvação.

Portanto, não há princípio que mais favoreça o mal, de tal maneira que as batalhas sejam sempre ganhas por ele. E em virtude disso, o bem, mesmo quando é do tamanho de um grão de arroz, tem a possibilidade de a partir disso fazer algo colossal.

Sabe-se com que facilidade o milho se multiplica. Um indivíduo com um grão de milho pode ser que faça um milharal. Com um milharal é possível que obtenha uma fortuna, porque soube não desanimar quando tinha no bolso apenas um grão de milho.

É bem verdade que, se considerarmos apenas a ordem natural das coisas, veremos que nesta Terra, devido ao pecado original e ao demônio, é mais fácil ao mal vencer do que ao bem. Porque o mal oferece o atrativo de um gosto, de um deleite, de um prazer. E o homem muito facilmente atende o convite do prazer.

O bem, pelo contrário, oferece um ideal, uma grande perspectiva de ordem espiritual, mas pede o sacrifício do corpo e muitas vezes o sacrifício da alma. O bem é mais difícil de seguir, encontra mais resistências. Mas o bem tem de seu lado algo que o mal não possui: a graça de Deus, a ajuda de Nossa Senhora.

Covadonga: uma das vitória mais brilhantes da História

Um exemplo tão conhecido entre nós, mas tão magnífico que não pode deixar de ser mencionado nestas circunstâncias, é da resistência espanhola em Covadonga.

A Espanha foi rapidamente dominada pelos árabes, que a submeteram ao seu poder. No entanto, um grupo pequeno de pessoas, já próximas do mar no norte da Espanha, reunidas na gruta de Covadonga rezavam. E ali, no último momento, Nossa Senhora aparece, lhes promete que Ela dirigirá a reação e que a Espanha será reconquistada.

Qual foi o efeito dessa promessa? Esses últimos resistentes podiam muito pouco, eram em pequeno número e trânsfugas. Eles vinham fugindo, traziam dentro de si todos os defeitos da mentalidade do homem fujão, mas com a mão de Nossa Senhora, “ubi Sanctissima posuit manus”, onde a Santíssima Mãe de Deus pôs sua mão, tudo se resolve! Eles começam uma reconquista que terminou oitocentos anos depois! Por seu lado, os portugueses, em vitórias também gloriosas, expulsaram os árabes de Portugal e a Península Ibérica inteira passou a ser uma península cristã, católica.

Isto tudo quer dizer que um punhadinho de resistentes — que estavam fugindo, com mulheres, crianças etc. —, protegidos pela Providência, por Nossa Senhora, vão até a última vitória. Tiveram de manter viva a esperança durante oitocentos anos, mas a glória deles foi que, durante todo esse tempo, eles confiaram e lutaram. Venceram, segundo a fórmula de Santo Antônio Maria Claret, espanhol catalão: “A Dios orando y con el mazo dando.” Foi uma vitória das mais brilhantes da História. Por quê? Eles compreenderam que um pequeno elemento de resistência poderia vencer todos os obstáculos.

A luta é o sentido da vida

Deus tudo faz segundo sua Providência e, mesmo os acontecimentos que parecem mais absurdos e mais contraditórios, num plano geral se encaixam. Deus quer que haja sol e também trevas, e que as trevas e o sol se sucedam para o bem do homem e não para tensioná-lo, a fim de criar um ambiente em que o homem descanse, e outro em que ele acorde alegre e se sinta em condições para trabalhar. À noite, um ambiente em que o homem se lembra da morte, de sua própria ruína, compreende o efêmero dos dias de sol, e que só uma coisa tem valor absoluto, que paira acima do sol e da noite: é Deus em sua eternidade. Só para Ele devemos olhar, só n’Ele precisamos confiar.

Deus cria com isso as condições para o homem viver na Terra. Uma Terra perpetuamente escura, ou perpetuamente de sol, não é viável; como uma vida de perpétua alegria — quantos homens querem ter essa vida! —, ou uma vida de perpétua desgraça — tantos homens acham mais cômodo se habituar a essa ideia do que esperar, rezar e lutar —, essas vidas são opostas à natureza do homem.

Com essa rotação, Deus nos dá o sinal do seguinte: tudo é efêmero, tudo pode passar, tudo pode levar a resultados inesperados; o homem deve lutar e a luta é o sentido da vida. Luta contra si mesmo, contra seus defeitos que a todo o momento estão procurando renascer e arrastá-lo para o mal. Luta, por outro lado, contra o adversário externo, extrínseco a si: o demônio, o mundo e a carne, que querem arrastá-lo para o pecado. Luta em todos os sentidos da palavra, luta contra a doença, contra as carências, contra a indigência; esta luta se chama o trabalho.

Esta luta é um elemento sem o qual a vida não seria vivível, ela se tornaria mais insuportável do que a vida de um mendigo, de um miserável; ela é o normal da vida. Nesse normal da vida devemos procurar guiar os acontecimentos, conforme a quota de direção que Deus nos entregou a respeito deles. Deus nos deu meios para que, nesta invariabilidade de muitos fenômenos, podermos variar muita coisa. Mas desde que reconheçamos que é preciso lutar e que sem luta não há vida; e, em segundo lugar, com a graça d’Ele, nós temos — é uma palavra que saiu do vocabulário usual — a solércia, quer dizer, a agilidade, a prontidão no julgar, no perceber, no discernir, para agir logo no começo e obter “in ovo” vitórias brilhantíssimas e prolongar assim o glorioso reinado do bem.

Mas de outro lado, devemos também compreender que o mesmo se dá com o mal. Até quando o mal parece mais poderoso, mais possante, sua vitória mais inabalável, quem confia e reza a Nossa Senhora, assistirá ainda a aurora do bem e da vitória d’Ela.

Na passagem de ano, quando estivermos nos esplendores das belas cerimônias que se realizarão, sobretudo quando o Santo Sacrifício da Missa chegar ao seu ápice, quer dizer, a Consagração, em que Nosso Senhor Jesus Cristo renovará de maneira incruenta o Santo Sacrifício do Calvário, lembremo-nos destas considerações. No momento em que o sacerdote pronunciar as palavras da Transubstanciação, peçamos a Nossa Senhora, e por meio d’Ela a Nosso Senhor Jesus Cristo: “Adveniat Regnum tuum”, para que venha logo o vosso Reino! E teremos passado um ano-bom bem-aventurado!

(Extraído de conferência de 30/12/88)

1) O termo “Revolução e Contra-Revolução” é aqui empregado no sentido que lhe dá Dr. Plinio em sua obra de mesmo nome, escrita em abril de 1959.
2) General Belisário (c. 495-565): Primeiro general do Império sob Justiniano, vencedor dos persas (530), salvou a monarquia de uma sedição (532) e foi instrumento da reconquista bizantina na África (533), na Sicília (535) e na Itália (Nápoles, Roma, Ravena).

Precursor na luta contra a heresia

São João Evangelista foi um dos primeiros lutadores contra a heresia, que nascia em seu tempo, a respeito das relações entre as naturezas humana e divina de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Então, o Apóstolo virgem, o Apóstolo do Coração de Jesus, o Apóstolo que recebeu Nossa Senhora como Mãe, foi também o precursor de todos os lutadores da Fé até o fim do mundo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/12/1964)

São João Evangelista

Era uma alma eminentemente virgem, chegada de modo extremo a Nosso Senhor, devotíssima do seu Coração Sagrado.

São João Evangelista, mais que Apóstolo, foi verdadeiro amigo do HomemDeus. Por isso, Nosso Senhor, antes de expirar no madeiro, deixou ao seu discípulo predileto um tesouro inapreciável: Maria Santíssima.

Receber Nossa Senhora, é receber  tudo o que Deus depois de dar-se a Si mesmo pode conceder ao homem. Maria, Virgem, foi dada pelo virginal Filho ao virginal amigo que era São João. Nessa  entrega vemos uma manifestação extraordinária do amor de Deus às almas virgens. E vemos, também, um dos rutilantes traços da grandeza do Apóstolo Evangelista.

Plinio Corrêa de Oliveira

São João Evangelista

Como diz muito bem o Abade Dom Guéranger, “São João Evangelista era parente de Nosso Senhor segundo a carne, e enquanto outros foram Apóstolos e discípulos, ele foi amigo do Filho de Deus”, a quem Jesus tributava um sentimento mais próximo e íntimo que aos demais.

Na última Ceia, São João reclinou-se sobre o peito do Mestre e ouviu as pulsações do Sagrado Coração: naquele instante, pulsações de amor, mas também de dor e angústia, diante dos abismos de sofrimentos que d’Ele se acercavam.

Alma eminentemente virgem e unida a Nosso Senhor, predileta e devota do Sagrado Coração de Jesus, São João mereceu como recompensa um tesouro sem preço: aos pés da Cruz, recebeu por Mãe a própria Mãe do Redentor, Maria Santíssima. Mais do que isto, abaixo d’Ele, Deus não lhe poderia dar…

São João Evangelista

São João Evangelista, discípulo amado do Divino Mestre, devemos pedir que nos alcance uma piedade semelhante à dele, toda imbuída de confiança e de intimidade em relação a Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora; que nos obtenha, portanto, uma devoção à Santíssima Virgem e um amor a Deus como ele os manifestou, marcados ao mesmo tempo por suprema veneração e por filial ternura.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 27/12/1966)

O Sacerdote perfeito

Do amor indescritível pela Igreja Católica, derivava naturalmente, na alma de Dr. Plinio, um entusiasmo respeitoso e admirativo pela mais alta das missões que um homem possa ter neste mundo: ser ministro dessa Igreja, representante de Deus na terra. Numa conferência pronunciada em maio de 1973, ele analisa sob diversos prismas a excelsitude dessa vocação, para chegar ao arquétipo  do sacerdote: Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Após os cânticos de amor e de entusiasmo que acabo de ouvir nesta sessão jubilar, toca-me a mim fazer uma conferência, cabe-me apenas falar. Dura tarefa, malcompensada pelo que tem de realmente formoso o assunto, uma vez que devo entreter os vossos espíritos durante um tempo que terá o mérito de ser breve a respeito de um tema que, a ser bem analisado, contém em si todas as belezas da terra. Eu devo falar a respeito da plenitude do sacerdócio.

Adão no Paraíso, príncipe do mais belo dos reinos

E esta consideração me leva à noite dos tempos, a uma digressão histórica que pega o homem no período, talvez, mais crucial e mais duro de sua história. Nós imaginamos ho-

je que estamos aos bordos, talvez, de  uma  catástrofe sem precedente. Não nos lembramos de que uma catástrofe houve maior do que todas as catástrofes, uma catástrofe houve que marcou logo, desde o início, a história do gênero humano. Aquela catástrofe narrada pelo Gênesis, da desobediência do homem que, tentado pela mulher, tentada pela serpente, duvidou de Deus, revoltou-se contra Ele, não quis seguir os destinos que Deus lhe assinalara e por isso foi expulso do paraíso.

Príncipe do mais belo e mais encantador dos reinos, colocado como senhor de toda a natureza visível cujos segredos ele conhecia perfeitamente e sobre a qual exercia um misterioso império; confortado pelos dons preternaturais que lhe asseguravam, entre outros (benefícios), a imortalidade, Adão pecou, Eva pecou, saíram do paraíso, deixaram aquela terra de bênção e de eleição onde, segundo diz o Gênesis, Deus passeava com Adão, comentando todas as belezas que Ele havia criado.

Saíram daquela terra de eleição e entraram para a terra do exílio. Os dons preternaturais deles se retiraram. A natureza humana, desamparada diante de um ambiente sobre o qual não tinha mais governo, que não mais dominava, sentiu-se apoucada, diminuída, ameaçada pela justa cólera de um Deus que tinha sido ofendido. E com o homem, na terra do exílio penetraram a apreensão, a dor, o sofrimento, a incerteza, seguida, não tanto tempo depois, da imagem terrífica da morte.

O fratricídio de Caim

Adão e Eva que se sabiam, então, destinados à morte, antes de morrerem passaram por esta tragédia terrível de ver o filho da bênção, o filho da predileção, Abel, o doce Abel, o justo, o magnífico, prostrado no chão, morto! Eles nunca tinham visto um morto! Não tinham a idéia plena, talvez, do que fosse a morte, porque aquilo que não se vê, não se conhece inteiramente. E morto por quem? Morto por um outro filho. O fratricídio ignóbil derramando no solo o sangue do justo que, segundo diz a Bíblia, subia até o céu bradando a  Deus por vingança.

E nós podemos imaginar o trágico do primeiro funeral na terra: Eva soluçando, Adão batendo no peito, Caim desvairado sumindo ao longo dos caminhos, os outros filhos abrindo em qualquer lugar a esmo, na terra, uma cova. Fechase a sepultura, encerra-se a história de Abel…

Faz-se o vazio na terra imensa, e a humanidade começa a sua enorme peregrinação, com este sentimento duplo: de um lado, o da própria finitude, o homem vai morrer, morrerá como morreu Abel, será um cadáver como foi Abel, a terra o devorará como está sendo devorado o cadáver de Abel; de outro, o sentimento de precariedade, de incerteza, a natureza revoltada, os animais que agridem, as trovoadas que caem, o alimento difícil de extrair do chão. Tudo somado, dá ao homem uma dificuldade de se orientar na vida, que marca a fundo a existência da humanidade dos filhos de Adão ao longo dessa trajetória que nos conduziu de tragédia em esplendor, de esplendor em tragédia, de esperança em frustração, de frustração em vitória que se arrebenta em novas frustrações; conduziu-nos até este século XX, ápice, ele mesmo pelo menos a seu modo de esplendores, de frustrações e de tragédias.

Diante da infinitude e do mistério, a noção de sacerdócio

Essa posição de finitude e de incerteza do homem diante da sua vida terrena acendeu duas concepções distintas de sacerdócio. Concepções estas que nós encontramos em duas famílias diversas de religiões pagãs.

Em primeiro lugar, as religiões ditas religiões sem mistérios, que correspondem, quiçá, a uma família de almas do gênero humano: as almas mais voltadas para esta terra, que não negam diretamente a existência de uma outra vida, e nem dela se desinteressam, mas que de tal maneira se deixam impressionar pelo dia de amanhã, que o centro de suas preocupações se volta para os afazeres terrenos.

Então os senhores têm, talvez correspondendo a essa família de almas, o aparecimento das religiões ditas sem mistérios. Religiões em que o sacerdote aparece como um mediador entre os deuses e o homem é esta, sempre, a nota característica da noção de sacerdote: é um intermediário entre Deus e os homens -, mas de um mediador que, embora com os olhos voltados para o céu, tem missões caracteristicamente terrenas.

Quais são as missões do sacerdote nas religiões pagãs sem mistérios?

O sacerdote é revestido de poderes mágicos por onde faz crer que ele tem o poder de curar, de matar; tem o poder de, por meio de encantamentos e de sortilégios, governar os trovões, aplacar as feras, etc.

O sacerdote resolve, portanto, problemas humanos: ele executa curas, ele pratica mortes, sendo instrumento de vingança, ele governa os elementos.

Vemos aí uma vaga saudade que o gênero humano tem, nesta decadência, daquele domínio que ele exercia sobre a natureza, quando Adão ainda não havia caído. A nossa natureza pede esse domínio. E os sacerdotes do paganismo, da gentilidade, para satisfazer a esta necessidade de domínio, assim se apresentavam aos homens.

E daí o tipo de sacerdotes exorcistas que enxotam os espíritos malignos capazes de atrapalhar o homem na sua faina diária, de arruinar as colheitas, de espalhar doenças, de fazer fugir o gado, etc.

É também o sacerdote sacrificador, o sacerdote que imola, o sacerdote que diante da vista do homem pecador toma uma vítima um animal, uma fruta, que sei eu? infelizmente, muitas vezes uma vítima humana e a imola para assim aplacar a cólera de um deus que o homem sente irado, brigado com ele, do qual ele tem medo, e por isso deseja de algum modo tornar-lhe propício.

Aqui aparece, então, a figura do sacerdote antigo, segundo o tipo dessa mentalidade mais voltada para os bens terrenos.

O sacerdócio comunicador da vida divina

Mas há uma outra família de almas, talvez mais rara, certamente mais elevada. É a dos homens que vivem compreendendo que, por mais importantes que sejam os problemas terrenos, eles não passam de logística; por mais importantes que eles sejam, não é para resolvê-los que o homem está na terra. São os homens que compreendem não ser a fome o problema central da vida; são os homens que sabem pensar, que param para refletir, e que, abrindo um intervalo nas justas atividades da faina diária, de vez em quando se perguntam:

Que sentido tem isto? Que sentido tem esta vida? Por que nasci? Para onde vou? Depois que eu morrer, o que será feito de mim? Não sei! Preciso indagar.

Essas questões supereminentes dominam a vida humana a qual, sem elas, é inexpressiva.

Para atender às perguntas desse gênero de espírito, a própria gentilidade, embora nos seus desvarios e nos seus erros, levada por um misto de bom senso e de tradição que ela nunca chegou a perder completamente, elabora o tipo de sacerdote de religiões de mistérios. São religiões que praticam em geral às ocultas e em geral para um número relativamente pequeno de crentes ritos que devem operar este efeito extraordinário: algo da vida da divindade passa para o sacerdote, e algo do sacerdote deflui para o público, de maneira que uma certa vida divina circula entre os que praticam e os que presenciam o rito. Vida divina esta que lhes dá mais força nas agruras desta existência, lhes dá mais luz à mente, lhes dá mais energia à vontade. Vida divina esta que se manifesta também pela magnífica promessa de que ela não terá fim. Ela veio do além, ela se insere no homem, ela criam eles não cessa com a morte do homem.

A promessa de uma outra vida, existente de modo menos categórico também nas outras religiões, afirma-se mais definidamente nessas religiões de mistérios. E as almas sequiosas de uma natureza melhor que esta, sequiosas de uma explicação mais alta para seus problemas, de uma orientação para a vida mais profunda do que simplesmente a preocupação de obter o ganho necessário para não morrer de fome, ou para satisfazer ambições e vaidades, esse tipo de almas se encaixa nessa série de religiões.

E assim, vagamente, confusamente, no meio de ritos idolátricos, por vezes abomináveis, e até satânicos, podemos discernir o filão de uma tradição preciosa, o filão do bom senso humano, como também o filão de uma esperança.

Numa noite em Nazaré, fazse a paz entre o Céu e a terra

Com efeito, todas, ou pelo menos muitas dessas religiões, eram animadas pela esperança de que um dia a paz se faria entre o Céu e a terra, um momento chegaria em que os tempos teriam a sua plenitude, e um eleito de Deus, perfeito, amado, haveria de vir ao mundo para restaurar a ordem que o pecado de nossos primeiros pais -lembrado em tantas religiões antigas nos tinha tirado.

Em determinado momento, numa meia-noite, no silêncio absoluto de uma cidade hebraica, uma Virgem tênue, delicada, cândida, trazendo nos olhos uma infinitude (de reflexos celestiais), rezava. Os tempos tinham maturado, o grau de sofrimento e de degradação da humanidade tinha chegado a um ponto tal, que a misericórdia de Deus criara esta Virgem para que Ela, imaculada, conseguisse o que nenhum homem pecador conseguiria: pedir e alcançar a vinda do Messias. E Ela pedia precisamente que viesse o Salvador e que regenerasse todos os povos. O Messias previsto pela raça judaica, que deveria nascer de alguém da estirpe de David, da estirpe de que Ela mesmo nascera, e a que pertencia o seu casto esposo José. Ela rezava na calada da noite, pedindo que esse Messias viesse, e pedia segun-

do piedosas tradições que fosse Ela a escrava, a servidora da mulher bem-aventurada de que esse Messias haveria de nascer.

De súbito, se produz pelos ares um movimento misterioso; algo como um bater de asas, como uma movimentação, como uma vibração diáfana, como uma cintilação da lua marca o ambiente. Ela olha e ouve as palavras tão conhecidas: “Ave, cheia de graça”…

Nasce o Sacerdote perfeito: Nosso Senhor Jesus Cristo

Apenas nós sabemos que depois de Ela ter dito: “Faça-se em mim segundo a palavra do Senhor, sou a servidora d’Ele”, o Verbo se encarnou e habitou entre nós. E veio à terra Aquele que, por excelência, no sentido mais pleno da palavra, no sentido arquetípico da palavra, seria o sacerdote: Nosso Senhor Jesus Cristo.

Sacerdote no sentido pleno da palavra, porque se é verdade que é inerente ao sacerdócio ser um vínculo, ser uma ligação entre os homens e Deus, ninguém o poderia ser de modo mais perfeito, mais magnífico, do que Aquele que era ao mesmo tempo homem e Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada, que ligava a natureza humana à natureza divina. Nosso Senhor Jesus Cristo é sacerdotal por sua própria natureza, porque Ele é o elo, Ele é o vínculo, Ele fundou o sacerdócio verdadeiro, o sacerdócio pleno, o sacerdócio cristão, o sacerdócio católico!

A paz da noite de Natal

Após ter assistido a uma representação da história do menino do tambor, Dr. Plinio explica que, por ocasião do Natal, o Menino Jesus não só recebe aqueles que O visitam na manjedoura, mas vai à procura de todos os homens, de todas as idades, línguas, condições sociais, e lhes diz alguma coisa que de um modo especial lhes toca o coração.

A lindíssima apresentação que tivemos aqui, desses reis magos poéticos, com seus turbantes, desse menino tão mais poético do que os reis magos, com seu chapeuzinho de cone truncado, lembrando um pouco o chapéu de São Charbel Makhluf, daqueles arenais imensos e sem fim, daquelas montanhas que não têm nome, porque o vento as faz e as desfaz. Panorama mutável do deserto, no qual se passa a infância séria, equilibrada, um pouco triste, mas profunda e alegre, daquele menino que, conforme a narração, foi educado pelo seu velho e pobre pai, pois perdera a mãe; portanto na orfandade dos carinhos que não recebeu, e na solidão dos companheiros — muitas vezes, maus — que não teve.

A realidade histórica e a realidade sobrenatural

O menino só conhecia o seu velho pai e a grandeza dos arenais do deserto; retinha um só presente que recebera do progenitor, mas fora galardoado pelo seu pai por um presente muito maior do que todos que poderia ter: a capacidade de alma de se alegrar com um só presente; isso vale mais do que ter mil presentes! E dessa situação ele tirou para si a condição de compositor. Um menino que brinca em produzir ritmos e melodias, que maravilha!

Como é bonita a figura desse menino, bem como a solução dada para o seu caso! Ele, afinal de contas, sabe do Menino Jesus e vai tocar o seu tamborzinho para o Divino Infante. É tocante imaginar o Menino Jesus, para quem os anjos, no mais alto dos Céus, estão cantando sinfonias inapreciáveis, e diante do Qual chega um menino rufando um tamborzinho. O Divino Infante abre os olhos e, com misericórdia, ouve aquele toque, se agrada e atrai aquela alma. Seria, talvez, o primeiro amigo do Menino Jesus. Que vocação maravilhosa!

Tudo isso é muito emocionante, mas se considerarmos um outro aspecto do assunto, talvez nos comovamos ainda mais. Nós temos o hábito de pensar no Menino Jesus, que estava na manjedoura, e as pessoas iam até Ele para adorá-Lo: os Reis Magos, os pastores — bem entendido, Nossa Senhora e São José —, e outros que terão passado por lá. Essa é a realidade histórica.

Mas há uma realidade teológica, uma realidade sobrenatural, que não se dissocia dessa, e é tão mais comovedora e não menos real: o Menino Jesus que, de um modo invisível, na noite de Natal, sai, digamos assim, tocando o seu tamborzinho pelo mundo afora à procura de almas, pedindo a esta, àquela, àquela outra que venham a Ele, que O amem, O conheçam, sejam d’Ele. O Divino Infante tem muito mais do que um tamborzinho para atrair os homens e encantá-los: são as sagradas e inefáveis pulsações de seu Coração.

Ao que corresponde isso de real?

Nosso Senhor se manifesta particularmente para cada um

Se deixarmos a metáfora e formos diretamente ao fato, isso tem de real o seguinte: Considerem as diversas imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo; a que mais me toca — já entra nisso alguma coisa de subjetivo, de pessoal —, é o próprio Santo Sudário de Turim.

Não é Jesus Menino, mas Nosso Senhor morto. Não está nos braços de Nossa Senhora, amorosamente carregado, mas jacente no sepulcro. Todas as chagas da Paixão estão n’Ele representadas. Quando eu olho o Santo Sudário, a graça toca a minha alma — como a de todos os católicos. E, em função da minha mentalidade, da forma de virtude que nos planos da Providência devo ter, a graça me toca de um modo especial, de maneira a ver em Nosso Senhor, no seu Santo Sudário, este, ou aquele aspecto.

Então eu O aprecio, O analiso com a objetividade de uma mente, graças a Deus, sã e que vê a realidade como ela é. E aquilo tudo se ressalta de um certo modo, com certa fisionomia, certas características, que foram feitas para que eu as considerasse; de maneira que para mim, homem concebido no pecado original, o Santo Sudário apresenta uma certa forma de beleza, de atração que não mostrará para nenhuma outra alma do mundo, porque Nosso Senhor se manifesta sob um aspecto especial para cada alma.

Nenhuma alma é igual à outra, e cada uma delas, por mais humilde e modesta que seja, em um certo sentido é suprema e tem qualidades que Deus não deu a mais ninguém. Podem ser qualidades do tamanho de um centésimo da superfície de uma ponta de alfinete; mesmo assim o Criador deu somente a ela.

Assim também Nosso Senhor se manifesta a cada alma em consonância com aquilo que lhe deu, de maneira que ela ame a Deus daquele jeito. Portanto, cada homem que passe pela Terra tem a missão de adorar a Nosso Senhor Jesus Cristo, vendo um certo aspecto de sua Pessoa divina, sua santidade inefável, insondável e perfeita. Se tivéssemos aqui uma imagem d’Ele, todos estaríamos vendo a mesma imagem, mas focalizando alguma coisa, condicionada à santidade que Deus quer de cada um.

O Menino Jesus vai à procura de todos os homens

Ora, é noite de Natal. Nosso Senhor está numa manjedoura. E numa cidade católica se encontraria em todas as igrejas um presépio, e também em outros locais, em oratórios, em lugares públicos, numa vitrine de uma casa comercial especialmente adornada etc.

E um homem, que vai andando por meio de todas essas representações de Nosso Senhor Menino, é, de repente, tocado por uma delas mais especialmente destinada a ele, a qual se fixa em sua alma; ele para e diz: “Meu Senhor e meu Deus!”

Às vezes, entretanto, não é no momento. O homem para, olha e depois vai para casa. Em determinada hora, digamos, à noite, ao se preparar para dormir, lhe vem à memória aquela figura. Ele reza: “Meu Senhor e meu Deus!”

E isto mais ou menos se dá para cada homem. Numa noite de Natal aparece, de modo inteiramente definido, este aspecto de Nosso Senhor. Isto é mais subtil, mais complexo, é uma realidade de fundo. A realidade de superfície é menos marcada. A pessoa vê em quatro, cinco Natais, de quatro ou cinco anos consecutivos, uma mesma imagem, ou duas, três, ou cinco imagens diferentes. Em certo momento, na memória, essas imagens se sobrepõem e, de repente, a pessoa observa uma que tem tudo aquilo que ela sentiu nas outras; então, diz: “Ah! Meu Senhor e meu Deus! Aí está Jesus Cristo Nosso Senhor, como eu amo especialmente”.

Isto equivale a afirmar que o Menino Jesus, pela graça, visita todas as almas. E Ele faz o papel não mais daquele que recebe a visita, mas de quem vai atrás de todos os homens, de todas as idades, línguas, condições sociais, e os procura nessas noites. E lhes diz alguma coisa que lhes toca o coração de um modo especial.

Ao dar à luz, Nossa Senhora se encontrava num êxtase altíssimo

Há uma prova curiosa disso na canção “Stille Nacht, heilige Nacht”. Todos conhecem como esta melodia nasceu. O vigário da igreja de uma cidadezinha do interior da Alemanha e um professor compuseram a letra e a melodia dessa música, que exprimia a emoção deles diante da manjedoura. A Providência tinha preparado na alma deles uma emoção de Natal, que era para o mundo inteiro.

Stille Nacht! Heilige Nacht! Alles schläft, einsam wacht. Stille Nacht: Noite silenciosa. Heilige Nacht: Noite santa. Alles schläft: Tudo dorme. Einsam wacht: Fica sozinho acordado, isolado. Nur das traute hoch heilige Paar. O venerável e altamente santo casal.

Quem é o venerável e altamente santo casal? Quando se aproximou a meia-noite, Nossa Senhora e São José estavam em oração. Uma coisa admirável!

A Santíssima Virgem devia estar num êxtase altíssimo, como talvez místico nenhum na Igreja jamais tenha tido, quando bate nos relógios dos anjos a meia-noite. E, de um modo virginal, sem dor nem sofrimento para Ela, o Menino Jesus vem ao mundo: “Stille Nacht! Heilige Nacht”! De Nossa Senhora, virgem antes, durante e depois do parto, nasce o Menino Jesus!

Como a Santíssima Virgem e São José viram o Divino Infante

Como Ele se apresentou para Maria Santíssima? Se para cada homem Jesus tem um aspecto, como era o aspecto d’Ele para sua Santa Mãe? E para São José? São perguntas que se podem pôr. Evidentemente, eu creio não ser temerário afirmar que para Nossa Senhora, à Qual nenhuma outra criatura pode ser comparada, Ele deve ter aparecido, ao mesmo tempo, com todas as majestades, venerabilidades, todos os encantos, doçuras e afabilidades que teve para todos os homens, desde aquele momento até o fim dos tempos. Era a Mãe d’Ele, concebida sem pecado original e que nunca deixara de dar uma correspondência perfeita a cada uma das graças que havia recebido.

É claro que a Santíssima Virgem O viu e O entendeu completamente, como ninguém antes, nem depois; e que Ela O adorou totalmente. A adoração somada de todos os homens até o fim do mundo, a de todos os anjos, não dava a adoração de Nossa Senhora.

Se pudéssemos ver a São José adorando o Menino Jesus naquela noite, talvez ficássemos instantaneamente santos. Ele era o esposo de Nossa Senhora, o que mais se pode dizer? É possível haver honra maior do que ser o esposo, o alter ego, o outro eu mesmo de Nossa Senhora, o pai adotivo do Filho de Deus?

Pode-se imaginar o que nos ocorreria na alma só de ver, por uma fresta das pedras da gruta, São José rezar? Acho que qualquer um de nós podia se converter e tornar-se um grande santo. Acho que só de ouvirmos o respirar de Nossa Senhora, e sentirmos que seu Coração Sapiencial e Imaculado pulsava mais forte porque ali estava o Menino Jesus, nós nos converteríamos. Cada pessoa é chamada a adorar o Menino Jesus de um modo especial

Pois bem, se foi assim para Nossa Senhora, para São José, em proporções menores é para todos os homens. E nos dias que precedem o Natal, que já vêm ungidos com uma alegria natalina, a graça começa a nos trabalhar.

Ouvindo o Stille Nacht, vendo tal ou qual imagem do Menino Jesus, sentimos de um modo um pouco diferente. É Ele que vai atrás do coração de cada um de nós. E, sem percebermos, diz pela voz da graça no fundo de nossa alma: “Meu filho, assim sou Eu para você. Adore-Me, porque desse modo nenhum outro homem Me adorará.”

Percebe-se a beleza que há nisso, e como Nosso Senhor pode ser comparado àquele menino do tambor, neste sentido: o menino foi atrás d’Ele; Jesus vai procurar todos os homens, meninos ou velhos, grandes ou pequenos, sábios ou ignorantes, pecadores — e às vezes pecadores imundos —, e toca seus corações dizendo a cada um: “Meu filho, não queres vir a Mim? Pelo menos desta vez, neste instante, deixe-Me te comover um pouco! Aqui estou Eu à tua procura, no interior de tua alma.”

Esse é o sentido profundo da noite de Natal. Aquele palpitar das almas nessa solenidade é uma manifestação da graça obtida por Ele. E é por essa graça, a qual devemos pedir por intermédio da Virgem Maria, que nossas almas pulsam de um modo especial na noite de Natal.

Eu imagino o Menino Jesus apresentando-Se ao olhar de Nossa Senhora e de São José já com os braços abertos em forma de cruz. Podemos ver nisso o prenúncio não só do santo sacrifício do Calvário, mas das Missas incontáveis que, na noite de Natal, pela Cristandade inteira, e por toda a Terra, se celebra e as pessoas que vêm porque Nosso Senhor as atraiu, falando-lhes na alma de modo especial e que depois voltam para casa com algo que não percebem claramente, mas que é uma especial mensagem do Menino Jesus para elas.

Reúnem-se em torno de uma mesa, e todos estão de acordo, em harmonia entre os vários aspectos do Menino Jesus, que estão presentes na alma de cada um. Forma uma espécie de sinfonia, e esta é a paz da noite de Natal.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/12/1984)
Revista Dr. Plinio 177 – Dezembro de 2012

Meditação sobre o Natal – I

Em épocas de decadência, a ânsia pelos prazeres lança no desvario as pessoas que buscam neles a finalidade de suas vidas. No Presépio de Belém, o Menino-Deus nos dá três lições fundamentais para alcançarmos a santidade. Dr. Plinio as medita, na primeira parte desta sua conferência, seguindo a escola de Santo Inácio de Loyola.

Estamos nas festividades que lembram a infância de Nosso Senhor Jesus Cristo, das quais a principal é o Natal, e dentro de cuja atmosfera se passam todas as outras. Assim, parece-me muito apropriado meditarmos hoje sobre o Natal.

Vou apresentar duas meditações distintas para depois perguntar que modo de considerar o Santo Natal lhes fala mais, porque eu gostaria de analisar como se comportam os espíritos nas gerações que sucederam a minha.

A primeira meditação tem uma altíssima autoridade, pois é tirada de Santo Inácio de Loyola.

A sede de delícias, riquezas e honras

Nos períodos de decadência, como era a época em que Nosso Senhor nasceu, os homens, em sua grande maioria, vivem para si e não para Deus, e o egoísmo deles propende para um destes três objetivos: delícias, riquezas e honras.

Como delícias, Santo Inácio entende todos os prazeres que os sentidos podem dar. Primeiramente, os prazeres sensuais, mas também os da degustação, da vista, do olfato, do ouvido, enfim, tudo quanto a vida de luxo possa proporcionar de agradável, de gostoso.

Por riquezas ele entende a simples posse do dinheiro. É a avareza daqueles que procuram o dinheiro, não por causa dos prazeres que este pode trazer, pois neste caso o que os move é a sede dos prazeres para cuja obtenção o dinheiro é apenas um meio. Mas são aqueles que têm a mania do dinheiro, querem ser ricos por serem ricos, mesmo sem tirar muito proveito de suas fortunas, e vivem, às vezes, de um modo muito obscuro, apagado, banal, e até miserável, para terem a alegria de se sentirem continuamente de posse de uma grande quantia.

Depois há os prazeres da honra: pessoas que não procuram tanto o dinheiro nem a vida agradável quanto a consideração dos outros. Querem ser objeto de grandes homenagens, de grandes atenções, de grandes reverências, procuram o prestígio.

Esta classificação é perfeitamente bem feita. Em última análise, o egoísmo dos homens tem um desses três objetos, e todos poderão notar em torno de si — e talvez em si mesmos, fazendo um exame da consciência — que se cada um se deixasse levar pelas próprias inclinações, correria atrás de uma dessas três coisas.

Alguém me dirá: “Mas Dr. Plinio, esta classificação está muito esquemática, porque uma pessoa pode ir atrás das três coisas ao mesmo tempo: gostar muito do dinheiro, das delícias e do prestígio”. É verdade, mas é próprio ao espírito humano, necessariamente, que a pessoa goste de uma dessas coisas muito mais do que das outras, a ponto de, tendo experimentado todas, acabar se fixando numa delas e fazendo desta a finalidade de sua vida. Como ensina São Tomás de Aquino, há uma coesão no ser humano pela qual este é levado também a possuir uma unidade de objetivo; e quando um homem não procura a Deus como seu fim último, acaba buscando sua finalidade em um desses três prazeres.

Uma meditação para um católico coerente

Santo Inácio considera como Nosso Senhor Jesus Cristo veio ao mundo para provar aos homens que esses prazeres não valem nada. Evidentemente, esta prova só vale para os católicos, pois tem como ponto de partida a convicção de que Nosso Senhor Jesus Cristo é Homem-Deus e que, portanto, toda lição dada por Ele é infinitamente sábia e verdadeira. Um ateu não aceitaria essa prova. Mas como fazer uma meditação de Natal para um ateu, uma vez que ele nega os pressupostos do Natal?

Esta é, portanto, uma meditação para um católico. Não para um católico qualquer, mas para um católico com algum fervor, capaz de se impressionar, pelo menos em alguma medida, com as coisas da Religião. Os exercícios espirituais inacianos supõem um católico que tenha a possibilidade de se sensibilizar pelos temas da Religião, algum desejo de ser coerente com sua Fé, de maneira a tirar dos princípios religiosos consequências para seu procedimento, e que considera insuportável haver incoerência entre sua própria conduta e sua Fé.

O Criador de todas as riquezas quis nascer pobre

Santo Inácio começa por perguntar de que valem as riquezas deste mundo. Afinal de contas, Nosso Senhor Jesus Cristo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, sendo Deus, criou o Céu e a Terra, porque as operações divinas são conjuntas da Santíssima Trindade, e por isso foram as três Pessoas da Santíssima Trindade conjuntamente que criaram o universo com todas as riquezas que ele contém.

Portanto, tudo quanto há na Terra de maravilhoso e capaz de fundamentar a prosperidade de um homem, foi Deus que criou. Ninguém pode ter uma riqueza comparável à d’Ele que, além de ter criado todas as riquezas existentes, possui o poder inesgotável de criar quantas queira, e sem o menor esforço, porque é onipotente e exerce sua onipotência com uma perfeitíssima facilidade. Basta olharmos as estrelas do céu para compreendermos que riqueza representa cada uma delas, e entendermos com que facilidade Deus cria tudo. Ademais, Ele é rico na sua essência, muito mais do que simplesmente por aquilo que criou.

Ora, esse Deus infinitamente rico quis vir à Terra como pobre. Ele quis ter como pai jurídico um carpinteiro; quis nascer de uma mãe que, como qualquer outra, executava serviços domésticos; quis ser deitado numa manjedoura, ou seja, no lugar mais pobre que se possa imaginar, tendo como aquecimento apenas o bafo de alguns animais e as roupinhas feitas por Nossa Senhora para Ele; e por asilo, não uma residência de homens, mas de bichos, porque a gruta onde Ele nasceu era o lugar aonde os animais iam para comer. Aí que nasceu o Verbo de Deus! Ele quis mostrar, desse modo, o quanto o homem deve ser indiferente às riquezas quando se trata de compará-las com o serviço de Deus, e, portanto, deve viver antes de tudo não para ser rico ou ter grandes cabedais, mas para servir, amar e louvar a Deus nesta Terra, para depois adorá-lo no Céu por toda a eternidade.

Suponhamos o homem mais rico do mundo cuja relação dos bens ocupasse um catálogo do tamanho de uma lista telefônica. O que seria isso em comparação com Deus Nosso Senhor? Absolutamente nada!

Então, todos esses homens que correm desenfreadamente atrás do dinheiro, fazendo da obtenção da fortuna a única preocupação de suas vidas, e das conversas sobre finanças seu tema predileto; que colocam toda a felicidade na ideia de possuírem dinheiro e nunca ficarem pobres; esses homens procedem como verdadeiros insensatos, pois calcam aos pés e não compreendem a lição que Nosso Senhor Jesus Cristo nos deu no presépio: que o homem pode desejar adquirir e conservar as riquezas, desde que não faça disso o objetivo supremo de sua vida, mas sim a glória de Deus e, portanto, a glória da Igreja Católica.

Renunciar às delícias pela glória de Deus e por amor às almas

Quanto às delícias, se Nosso Senhor Jesus Cristo quisesse, teria mandado reunir no Presépio as sedas mais deliciosas do universo, ordenado aos Anjos introduzirem no lugar onde Ele nasceu os perfumes mais agradáveis, poderia ter para ouvir uma música mais agradável do que todas as melodias existentes na Terra, porque se os Anjos cantaram para os pastores ouvirem, quanto mais cantariam para o Menino Jesus! E não há música terrena que, de longe, se possa comparar à música angélica. O Menino Jesus poderia ter tido agasalhos supereficazes, ter sido nutrido desde o começo pelas melhores comidas que há no mundo, em uma palavra, Ele poderia ter-Se enchido de delícias logo no primeiro momento de sua vida terrena.

O que Ele fez foi o contrário: quis nascer deitado sobre palha, material cujo contato não dá nenhum regalo para o corpo. Ele quis estar num estábulo, onde o cheiro normalmente não é bom, por mais que Nossa Senhora e São José tenham limpado o local antes. Ele quis estar tiritando de frio, nascendo à meia-noite de um mês em que, na região onde Ele nasceu, é inverno. E quis ter como música apenas o mugido dos animais que estavam junto a Ele.

Portanto, o oposto de todas as delícias que se possam imaginar. Ele quis assim para mostrar aos homens o quanto é uma loucura fazer das delícias a principal finalidade da vida. Desde que seja para o bem das almas e para a glória de Deus, devemos nos desfazer de todas as delícias, procurando apenas aquilo que possa favorecer a causa católica, embora com muito sacrifício e com muita renúncia.

A loucura da vaidade

O que vem a ser o desejo de honras? Segundo esta concepção de Santo Inácio, é o fato de alguém procurar ser objeto de reverências por possuir qualidades superiores aos outros, como por exemplo, ser mais inteligente, mais jeitoso, mais engraçado, mais diplomático, mais interessante, mais simpático, ou por qualquer outro predicado que a pessoa tenha ou imagina ter. Por causa disso julga-se no direito de receber dos demais uma atenção especial.

Por vezes, tal é a miséria humana que o homem se envaidece até das coisas próprias a não causar vaidade. Conta-se que o famoso São Paulo Eremita, tendo ficado muito velho e vivendo sozinho no deserto, em certo momento considerou que ele seria, provavelmente, o homem mais velho da Terra. Ora, o homem mais velho da Terra é o que está mais perto da sepultura, num estado físico — e às vezes mental, também — em maior desagregação. Realmente, não dava para ficar vaidoso!

Entretanto, ele teve que lutar contra a tentação de pensar: “Ah, eu sou hoje o homem mais velho, o maior anião de toda a Terra!” Se ao menos se julgasse a pessoa mais madura, que atingiu, embora efemeramente, o ponto de maior conciliação entre o que a idade pode dar e a juventude conservar, já seria errado, mas haveria um fragmento de lógica dentro disso. Mas envaidecer-se por ser o mais velho da Terra, é simplesmente um disparate! Mas até com isso um homem pode ser tentado a ter vaidade.

Nosso Senhor Jesus Cristo quis nascer despido de tudo o que pode envaidecer. É fato que Ele era príncipe da Casa de Davi, mas é fato também que veio ao mundo tendo por Pai jurídico um carpinteiro; nasceu, como eu dizia, de uma Mãe que fazia serviços domésticos, numa época em que a Casa de Davi tinha perdido seu poder político, seu prestígio social, seu dinheiro, e em que Ele não era absolutamente nada na ordem terrena das coisas. E nasceu como um pária, fora da cidade, porque nesta ninguém quis dar abrigo a seus pais. Eles iam de casa em casa pedindo lugar, mas não havia hotéis, hospedarias, e não os acolheram. Ele quis nascer numa manjedoura para provar até que ponto são loucos aqueles que conservam uma ideia fixa de parecer mais do que os outros; e que ao invés de procurarem servir a causa católica, fazem dessa vaidade o fim de suas vidas.

Aplicações à vida espiritual

O modo pelo qual um católico deve aproveitar esses raciocínios é fazer uma aplicação aos outros. Quando ele vê que alguém, que não vive segundo a Lei e para a glória de Deus, mas exclusivamente para sua própria vantagem — tal amigo da família, tal vizinho, tal colega de profissão —, que tem prestígio ou que leva uma vida deliciosa, ou que possui muito dinheiro, se ele tiver a tendência de admirar aquele homem só por isso, ele deve dizer:

“Não, este procedimento é censurado por Nosso Senhor no Evangelho. Nosso Senhor, que é Rei e a Sabedoria eterna, ensinou o contrário. Essas coisas são secundárias e esses indivíduos, pondo nelas todo o empenho de suas vidas, agem de um modo irracional e serão condenados por causa disto no último dia. Pelo contrário, bem-aventurados serão aqueles que renunciarem à riqueza, aos prazeres, às honras; ou tiverem riquezas, prazeres e honras, mas sempre na disposição de renunciar a qualquer minuto se a causa católica assim o pedisse. A esses, do partido da renúncia, eu vou admirar; aos outros vou desprezar, não vou me permitir ter admiração por uma pessoa que não vive como deveria viver.”

Depois aplicar a si mesmo também. Nas relações com os outros, o que eu procuro? Ser considerado pela minha riqueza, pela vida regalada que levo, por algum título de superioridade que eu tenha? Então, não valho nada, porque eu devo almejar não que os outros me considerem, mas que amem a Deus; encaminhá-los para o amor de Deus, e não fixar a atenção sobre mim, pois senão estarei roubando aquilo que é devido a Deus. Devo apenas me preocupar com a dedicação inteira de minha alma a Nosso Senhor, a Nossa Senhora e à Santa Igreja Católica.

Necessidade da oração

Então, segundo a escola de Santo Inácio, que é uma escola verdadeira, nós devemos ter, dia e noite, essas considerações diante dos olhos, e eliminar de nossas almas, com energia como quem arranca a erva daninha, as considerações mundanas que levam a adorar o dinheiro, os prazeres e as honras.

Isto supõe, naturalmente, muita oração, porque o homem não cumpre este propósito de pensar sempre nisso apenas com um ato de força de vontade. Este é um pensamento tantas vezes penoso para o homem, que ele tem dificuldade de tê-lo sempre em vista. E mesmo que o tenha, sentirá muita dificuldade de renunciar a esses prazeres. Ele necessita de oração, da graça, ele precisa mortificar-se para conseguir fazer isto. Mas se agir por esta forma, ele conseguirá e assim poderá agradar a Deus.

Então, o programa é ter esta meditação diante dos olhos e orientar as suas orações, o seu Rosário, a sua Comunhão, sobretudo as Missas a que assista, os atos de piedade ou de apostolado que faça; deve orientar tudo segundo esta ideia: desapegado do dinheiro, dos prazeres e das honras.

Aqui está uma meditação feita segundo a escola de Santo Inácio de Loyola.

(Continua)

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/12/1973)

Revista Dr Plinio 189 – Dezembro de 2013