O Menino-Deus e sua Mãe

Quais seriam os pensamentos do Menino Jesus recém-nascido, reclinado no presépio?

Evidentemente, Ele pensava nos esplendores da Santíssima Trindade, dos quais a Segunda Pessoa participa em estado de união hipostática com a sua Humanidade. E deveria cogitar também em Nossa Senhora, a obra-prima de toda a criação, sua Mãe, a qual Ele tanto amava e se extasiava em considerar e acariciar.

Naturalmente, o Divino Infante se deleitava em ver a Santíssima Virgem conhecendo-O sensivelmente e adorando-O. Ela guardava em seu Coração todas essas coisas e as meditava, procurando pelos traços fisionômicos d’Ele fazer a ligação de tudo quanto sabia por sabedoria, interpretação da Escritura e revelação a respeito do Redentor.

E o Menino Jesus recebia essa adoração com verdadeiro encanto e prazer, ao mesmo tempo em que amava intensamente Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/12/1974)

Alegria e dor junto ao Presépio

O cântico de Natal por excelência, o Stille Nacht, expressa em si o equilíbrio das almas santas na junção entre a alegria e a dor. Não seria esta a própria canção de Maria Santíssima a seu Divino Filho?

 

Nas vésperas da noite de Natal, da “Stille Nacht, heilige Nacht” – a noite de graça por excelência –, que meditação me vem ao espírito?

Os acontecimentos que nos circundam são tão tumultuosos, tudo quanto nos cerca é tão premente, meditamos de dentro de uma luta tão forte, que não é possível que as marcas de tormento, de sangue e de lágrimas não repercutam em nossa meditação. É desta maneira que apresento o que está em meu espírito.

Plano metafísico de Deus a respeito da Encarnação

Segundo uma corrente de teólogos, Nosso Senhor Jesus Cristo ter-Se-ia encarnado e vindo ao mundo ainda que não tivesse havido o pecado original e, com este, a necessidade da Redenção.

Por que teria Ele vindo ao mundo se o gênero humano não precisasse ser redimido? Por causa de um plano metafísico de Deus, de uma beleza incomparável, sem o qual creio que as festas do Santo Natal não podem ser adequadamente compreendidas e aquilatadas.

A ideia de que o Verbo de Deus Se faria carne e habitaria entre nós e que haveria de ser um Homem com plena natureza humana, unido por união hipostática à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, este plano divino existia em virtude do princípio metafísico da “reductio ad unum”.

Tendo Deus criado os homens, não era necessária a Encarnação, mas convinha, era excelente que o Filho de Deus se fizesse Homem. Por quê? Por causa de uma excelência que aos Anjos não foi dada, e sim aos homens, inferiores aos espíritos angélicos.

Explico-me. Quando existe uma pluralidade de seres congêneres, há a conveniência de que haja um ser mais excelente do que todos, o qual reúna em si em alto grau todas as qualidades que nenhum daqueles seres plurais possui individualmente.

Exemplificando o princípio da “reductio ad unum”

Imaginem uma praia de onde alguém tomasse um punhado de areia com grãos prateados e brilhantes como se fossem pequenas estrelas, e utilizando um microscópio potentíssimo fosse contemplando grão por grão. Essa pessoa veria que cada grão é diverso dos outros e tem, por algum lado, uma excelência própria.

Qual seria a operação do espírito humano analítico, inteligente, capaz de se encantar com a beleza própria de cada grão, como quem vê um só? Ele tenderia a formar uma imagem una e se perguntaria como seria um grão ideal, que tivesse uma beleza plena. Este é o princípio da “reductio ad unum”.

Os grãos de areia são de um mesmo gênero, mas plurais. São milhões numa praia. Como seres plurais que são, cada um deles tem um dos aspectos de beleza de que o gênero “grão de areia” é capaz. Assim, depois de percorrer todos esses aspectos como quem lê as letras que formam palavras das quais nasce um livro, a alma humana, por ser una, pede uma figura também una e se pergunta, necessariamente, como seria o super-grão, o arqui-grão, o grão perfeito que contivesse magnificamente todos os outros.

Poderíamos supor a existência de um homem que quando menino tivesse começado a analisar grãos de areia e ao chegar à senectude, quando a sua vista cansada já não pudesse mais ver novos grãos, começaria a excogitar, com o poder de sua inteligência alcandorada pela vida, como seria o arqui-grão. Então realizaria a obra de arte de sua vida, deixando o grão arquetípico desenhado ou pintado num papel, evidentemente em dimensões maiores que a original, mas tão reduzidas quanto ele pudesse representá-lo, porque o homem não é capaz de acumular tantas perfeições em tão pequena superfície. Pode-se compreender que, no momento em que ele tivesse acabado de pintar o arqui-grão, de sua mão envelhecida caísse o pincel e ele morresse cantando o “Gloria in excelsis Deo” – Glória no mais alto dos Céus a Deus, e paz na Terra aos homens de boa vontade. “O arqui-grão eu concebi, a minha mente o desenhou!” Compreende-se que essa seria uma linda vida.

Alguém diria: “Vida de poeta!” Outros pensariam: “Vida de artista!” Nós afirmaríamos: “Vida de teólogo!” Mais ainda, diríamos: “Vida de um homem cheio do espírito do Reino de Maria!” Porque aqui está o espírito do Reino de Maria: assomar a pluralidade das belezas de um mesmo gênero e procurar reduzi-las a um só arqui-modelo que supere em qualidade tudo aquilo que ele sintetiza, e que ao mesmo tempo se veja representado e multiplicado ao infinito por aquilo tudo em que ele se reflete.

Isso nós vemos também no céu. Quando contemplamos todas as estrelas do firmamento, pensamos numa arqui-estrela. E tão misericordioso foi Deus, que não tendo querido criar a arqui-estrela, por desígnio de sua infinita Sabedoria, deu-nos uma ilusão de que essa arqui-estrela existe: o Sol e a Lua. Mas, ao mesmo tempo, Ele nos deu a ciência de que essa arqui-estrela não existe, porque com o telescópio vemos o Sol e sabemos que, embora ele nos pareça tão grande, é uma bolinha perdida nessa quantidade infinita de sóis existente no Universo.

Então, ao mesmo tempo em que Deus nos mostrou uma grandeza que, à primeira vista, não tem “unum” no céu, implantou ali, entretanto, a ilusão desse “unum” na Lua. Ao vê-la, nós sossegamos dizendo: “Ó Lua, tu és verdadeiramente rainha!” Contudo, enquanto a nossa sensibilidade aclama a Lua como rainha, a inteligência glorifica a Deus dizendo: “Não! Há algo de muito maior, de muito mais belo. Como a Lua é pequena! Ela não é senão uma insignificante representação da Mãe do Criador. E se esta é a Lua, como é Aquele que Se faz simbolizar no Sol?”

Tendo, pois, considerado a operação da “reductio ad unum”, pela qual o meu espírito caminhou, desde a minha juventude, com passo fiel, mas incerto durante tantos anos até conseguir encontrar a pista que nesse momento estou apontando, passarei a apresentar algumas aplicações correntes dessa ideia.

Reversibilidade própria ao Reino de Maria

Há poesias que declamam a beleza da flor. O que é essa flor em abstrato que tantos poetas cantam? Eles não percebem, porque os poetas muitas vezes não sabem Filosofia…

Aliás – abro aqui um parêntese –, o mal dos poetas é que não sabem Filosofia; e o mal dos filósofos é não saberem poesia. Eles mesmos não têm espírito voltado para a “reductio ad unum”. Se os filósofos fossem poetas de grande alma, não parariam sem ter sondado pelo sentimento a beleza do pensamento que tiveram. E se fossem filósofos de corpo inteiro, não descansariam sem ter expressado a beleza que seu pensamento concebeu, mas não sentiu. É nessa reversibilidade que a alma, sobretudo no Reino de Maria, se encontrará plena; assim as nossas almas devem ser.

Pois bem, o poeta canta, sem perceber, uma flor metafísica, ideal, que teria as qualidades de todas as flores: “flos florum” – a flor das flores, perfeita –, que encontra no miosótis, na rosa, em quantas outras flores a expressão suprema de sua beleza. Esta também não existe no reino das flores, mas é a poesia que a cria, é o homem que a imagina.

Encontramo-nos, portanto, nesta situação: para determinados seres Deus cria um padrão perfeito, onde se vê o arquétipo. Para outros Ele cria um imenso e esplendoroso farelo de maravilhas, mas não cria o padrão perfeito.

Deus quis que houvesse uma “Arqui-alma” entre os homens

Notamos isso em seres magníficos: os Anjos. Poder-se-ia argumentar: “Mas os Arcanjos não são o arquétipo dos Anjos?” Eu digo: São! Mas quem é o arquétipo dos Arcanjos? Há sete espíritos angélicos supremos que diante do trono de Deus O adoram eternamente. Serão sete, contados nos dedos das mãos, ou este deve ser um número simbólico? Quiçá seja simbólico, e ninguém sabe qual é o número desses Anjos mais magníficos do que todos, os quais, por sua natureza, são os mais altos dos seres criados, e que rutilam diante de Deus por toda a eternidade, arrancando d’Ele, por assim dizer, esta exclamação comprazida e eterna: “Como são perfeitos!” Entretanto são sete… E o “unum” desses Anjos não existe.

Deus, entretanto, ao criar o gênero humano tão inferior aos Anjos, ao conceber esta multidão incalculável de almas, desde Adão até o último que viverá sobre a face da Terra, fez cada uma à maneira de uma coleção tal, que cada alma é inteiramente única, e se ela se entregar a Deus será uma maravilha inteiramente singular como nenhuma outra. Umas poderão ser maiores, outras menores, mas como aquela só ela. Se Deus criasse duas almas iguais, Ele faria um absurdo, seria como se Ele gaguejasse repetindo errada e inutilmente duas sílabas na “palavra” perfeita que é a Criação. Isso Ele não pode fazer. O seu Verbo tem todos os poderes, menos o de tartamudear, pois isso seria imperfeito.

Deus teve a intenção de criar essa variedade prodigiosa de almas, todas destinadas a um ideal de santidade.

Consideremos não só os inúmeros povos dos quais a História nos dá uma ideia, ainda que vaga e pálida, cujos restos existem mais ou menos espalhados pela Terra, mas quantos povos houve que a História tragou. Há, por exemplo, pela Indonésia, cidades enormes em ruínas, com inscrições que ninguém entende, de povos com civilizações que nasceram e morreram não se sabe como, duraram não se sabe quanto. Ali estão na solidão, metidos nas selvas, em ilhas no meio dos mares, monumentos esplêndidos representando os anseios dos homens, de povos, de raças a respeito dos quais nada há no registro da História. Assim podemos fazer ideia da insondável quantidade de homens que nasceram, de almas surgidas do poder criador de Deus, desde o momento em que Ele criou Adão.

Mas para nós, homens, tão menores do que os Anjos, Deus deliberou criar uma Arqui-alma, e essa variedade Ele quis que tivesse um “unum”. Assim como o arqui-grão de areia, deveria haver um Homem tão prodigiosamente grande, que tivesse na sua inteligência mais do que as inteligências de todos os homens, em quem houvesse as peculiaridades de todos os homens em tão alto grau, e que seria enormemente mais perfeito do que todos eles.

O Unum de todos os homens

Suponhamos que conhecêssemos um homem dotado de tal poder que, quando ele se movesse, os astros parariam de pasmo; quando passasse, as flores se voltariam para ele, os animais viriam prestar-lhe homenagem, as plantas e as ervas se estenderiam à procura dos pés dele para, pelo menos, serem calcadas por ele; as brisas iriam a seu encontro; as águas que o refletissem estremeceriam de alegria. Pois bem, imaginemos esse varão, o Arqui-Homem, deitado numa manjedoura e teremos uma ideia irremediavelmente pálida e imperfeita do Menino-Deus nascido da Virgem Maria, que chorou e sorriu em Belém.

Com efeito, os clamores dos cruzados, a misericórdia de todos os Santos que se entregaram às obras espirituais ou temporais de caridade ao longo da História, tudo isso nasceu d’Ele, esteve na alma d’Ele de um modo inimaginável. Antes de encontrar algum reflexo na alma dos Bem-aventurados, cujos nomes, ao declinarmos, nos sentimos cheios de respeito e veneração, essa coorte incalculável ao longo dos séculos estava n’Ele, mas de um modo tal, que se nós temos vontade de fletir os joelhos pensando em Santa Teresa, em São Francisco de Assis, na majestade pensativa, meditativa, solene de São Bento, não podemos ter nem sequer uma pálida ideia de como tudo isso foi em Nosso Senhor. Eles todos foram fagulhas d’Ele. Fagulhas tão bonitas que não chegamos a poder representá-las; contudo, em face d’Ele tão pequenas que passam a ser insignificantes. Entretanto, por elas compreendemos o que foram essas perfeições em Nosso Senhor Jesus Cristo.

A essas perfeições estava associado um dom que se Jesus Cristo fosse apenas um arqui-homem não teria: a união hipostática fazendo de duas naturezas inteiramente distintas uma só Pessoa Divina. Ele é a própria imagem do Padre Eterno com todos os seus resplendores, contendo a expressão desses resplendores eternos de tal maneira que Ele, voltando-se para o Padre Eterno, como que se adora a Si próprio vendo-O. Dessa adoração entre essas duas perfeitas identidades procede a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade que é o Divino Espírito Santo.

A união deste Arqui-Homem com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade Lhe confere algo em comparação do qual nada é nada! De tal maneira isso é possante, reluzente, eterno, divino, que vai acima de tudo quanto possamos pensar.

Vê-se como Deus quis fazer a nós, homens, tão inferiores aos Anjos, esta honra. Não houve um Anjo que fosse a “reductio ad unum” de todos os Anjos. Não houve um Anjo ligado por união hipostática a alguma das Pessoas da Santíssima Trindade. Mas houve um Arqui-Homem ligado por união hipostática ao Verbo Divino. “Hic taceat omnis lingua”! – aqui toda língua se cale!

Beleza da grandeza que se faz pequena

Quis a Providência – e aqui está o encanto do Natal – fazer-nos ver até que ponto esse Homem-Deus continha todas as belezas possíveis do homem, mas que toda meditação sobre o Santo Natal começasse por contemplar esse Homem divinamente grande como pequeno.

Aquele do qual nós cantamos a grandeza dizendo ser o firmamento pequeno para contê-Lo, começamos por analisá-Lo numa manjedoura; frágil, entregue ao zelo de Maria e José, objeto da adoração dos pastores e dos magos, ao bafo dos animais que O foram aquecer na noite fria daquele inverno.

Deus quis que Aquele que criou o Sol fosse acalentado pelo bafo dos animais. Deu-nos com isso uma lição da dignidade da vida: um boi vale mais do que o Sol, porque é um ser vivo. E, ao mesmo tempo, há uma humildade enorme em Deus Nosso Senhor permitir que o bafo desse animal, desta Terra de exílio, pousasse sobre quem criou o Astro-Rei. Há, porém, uma glorificação do que é vivo nessa honra primeira: enquanto o Sol “dormia”, o boi estava acordado e os Anjos chamavam os pastores. Percebem-se facilmente os contrastes magníficos contidos nisso.

Deus faz entender que o menor dos homens, mais torto, mais burro, mais “capenga”, mais doente, seja o que for, comparado com o Sol é muito mais, desde que não seja pecador, mas fiel à graça de Deus. Pois se o menor dos homens dista mais do boi do que este dista do Sol, quanto mais o menor dos homens vale mais do que o Astro-Rei!

Então, Nosso Senhor Jesus Cristo entra na Terra dando-nos esta magnífica e inesquecível lição: tão pequeno para mostrar a grandeza de tudo quanto é pequeno, de tudo quanto nasce e se desenvolve a partir de um determinado ponto, a grandeza das eras históricas no momento em que nascem de dentro da luta, das cóleras sagradas, das oposições irredutíveis de um pequeno grupo de perseguidos. Aí está a beleza e a grandeza de tudo quanto germina.

Ternura e compaixão no cântico natalino por excelência

Vemos, portanto, quanta meditação filosófica cabe dentro da consideração do Menino na manjedoura. Isso está bem expresso nos acentos da “Stille Nacht! Heilige Nacht! Alles schläft. Einsam wacht. Nur das traute heilige Paar”. A alma de um professorzinho da Baviera, no século XIX, cantou; houve um compositor e um poeta que, para tirar um vigário do apuro numa noite de Natal, exalaram uma canção que se poderia dizer que a humanidade tinha pressa de cantar.

Passaram-se mil e oitocentos anos da era cristã e o cântico de Natal popular e perfeito não tinha ainda aparecido, mas dir-se-ia que nas sombras todos o tateavam. Quando afinal esse anseio foi se acumulando nessas duas almas, que não tinham nenhuma noção disso, na hora certa desejada pela Providência eles compuseram a canção certa que em determinado momento o mundo ouviu maravilhado; ela se espalhou pelo mundo como o cântico natalino por excelência.

Ouçamos os acentos dessa música. Está o Menino Jesus, tão grande e tão pequeno, na manjedoura. Ele poderia ser tão terrível se nos manifestasse sua força. Mas está tão desarmado, e quis de tal maneira colocar-Se ao nosso alcance que para nos convencer bem de que Ele quer ter essa familiaridade, esse contato absolutamente desembaraçado conosco, fez-Se menor do que nós, embora seja infinitamente maior. Quis que o alfa da meditação a respeito d’Ele fosse considerá-Lo tão pequenino, e que nos extasiássemos não por vê-Lo criar os sóis, reerguer a Terra, presidir a História, criando as almas e modelando os corpos, inspirando as ações dos bons e punindo os maus; nada disso. Mas contemplá-Lo tão pequeno que exclamemos: “Mas como Ele, tão grande, veio a ser tão pequenino! Ele é tão imenso! Infinito! Entretanto, tem tanta ternura que chegou a esse extremo inimaginável de querer inspirar pena como proêmio de provocar admiração!”

Toda meditação da vida d’Ele é uma sequência de admirações. Ele quis que o primeiro movimento de admiração fosse misturado com compaixão. Como Ele quereria depois, que o último movimento de admiração fosse misturado com pena também. E quando chegasse o último episódio da vida terrena d’Ele, na última agonia, disséssemos: “Meu Deus! Que pena de Vós!” Quer dizer, Ele é tão maior do que nós, que não conseguiríamos amá-Lo caso Ele não Se nos apresentasse menor. Em sua bondade, para ter proporção conosco, tão pequenos, só Ele fazendo-Se criança é que a relação conosco podia começar. Só fazendo-Se verme e não homem, opróbrio dos homens e gargalhada do povo – como d’Ele diz o Profeta Isaías –, fazendo-Se assim no alto do Calvário é que poderíamos nos comover. Nós somos tão pequenos que não leríamos o livro inteiro se a primeira e a última letra não tivesse uma estatura menor até do que nossos olhos.

Ajoelhados diante do Presépio, contemplando o Menino Jesus, sentimos um respeito sacral acompanhado de ternura e compaixão. O amálgama entre o respeito e a compaixão – sentimentos aparentemente incompatíveis, à primeira vista – inspira, do princípio ao fim, a “Stille Nacht”.

Ogiva de incomparável esplendor

As palavras falam da noite silenciosa, santa; enquanto tudo dorme, vela isolado o respeitabilíssimo e altamente santo casal. Mas enquanto essas lindas palavras são proferidas, a melodia diz mais do que os vocábulos. A música exprime não tanto o que se sente a respeito da noite silenciosa durante a qual todos os filhos das trevas dormem e só o casal justo por excelência está acordado, mas o sentimento desse casal vendo o Menino Jesus.

Quando ouvimos cantar “Stille ­Nacht”, temos a impressão de entrar no Sapiencial e Imaculado Coração de Maria e de ouvir ali a própria canção d’Ela dizendo: “Meu Filho! Meu Deus e tão menino, tão pequenino, tão grande e tão adorável! Como Te adoro! Como tenho pena de Ti! Como Te respeito! Protege-Me! Como Te amo! Eu Te protegerei!”

Nessa música está a ogiva incomparável que para mim é o símbolo perfeito do sentimento que a noite de Natal deve despertar. Há qualquer coisa de muito alto! Ele está lá! Perto d’Ele está Ela, e perto d’Ela está São José! Mas, sobretudo, está Ele, tão infinito e tão pequeno, e ao mesmo tempo tão adorável!

Do começo ao fim no “Stille Nacht”, o sentimento que se desenvolve é esse. Se entoarmos este cântico debaixo dessa interpretação, notaremos ora o grave do pensamento adulto, ora qualquer coisa que fala do sentimento do menino; e é quase um diálogo entre o adulto e a criança. Por outro lado, há momentos em que se tem impressão de se ouvir o Menino chorar, e outros nos quais o Ele sorri.

Tristeza augusta, admiração jubilosa

Há mais algo no “Stille Nacht” que participa da atmosfera natalina à maneira de como Cristo Nosso Senhor, presente e vivo na Igreja Católica, faz parte da atmosfera interna de toda catedral gótica. Há, ao longo de toda a música, um certo amálgama harmonioso de alegria e de tristeza, independente dos momentos em que a nota de alegria ou de tristeza é maior. Desde o começo, no “Stille Nacht” há uma certa tristeza augusta, ao lado de uma admiração jubilosa. Mesmo quando fala de pranto, há uma certa alegria subjacente.

Quando entramos numa catedral e vemos uma rosácea na qual bate o Sol – a penumbra da catedral e aqueles dardos de luz multicolor que espalham safiras, esmeraldas e outras “pedras” pelo chão –, por todos os lados encontramos o esplendor cercado pela penumbra, percebemos uma composição de alegria e dor que forma um dos mais altos aspectos do equilíbrio da alma humana. Creio que esse aspecto se exprime muito na Liturgia católica, que muitos consideram enfadonha por só saberem viver de gargalhadas. Mesmo nos dias das comemorações de Páscoa, há qualquer coisa de tristonho; assim como na Semana Santa há um fundo de esperança que nada consegue apagar.

Se analisarmos bem o que fez a Revolução dessa ogiva composta de alegria e de dor, veremos como ela tentou destruí-la. Essa ogiva que se vê tão bem nas boas imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora, no Santo Sudário, por exemplo, a dor tremenda, mas aquela decisão, o olhar daqueles olhos fechados, a proclamação daquela boca muda, o teso daquele corpo flácido; é uma coisa admirável! Eu não digo que não haja artista capaz de representar, não há artista capaz de conceber!

Dor no fundo da qual habita a alegria inefável

Pois bem, esse equilíbrio de alegria e de dor, se prestarmos atenção, a Revolução rachou. E as pessoas imaginam a dor como um estado de alma sem alegria, e definem alegria como um estado de alma sem dor. Olhando ao nosso redor vemos isso com uma frequência impressionante, para não dizer que só encontramos essa concepção, mesmo entre almas muito piedosas. Por exemplo, considerar a Semana Santa como a semana de dor, na qual só se chora; enquanto o Natal, a semana da alegria, onde só se fica contente.

Ora, quando uma cinde a alegria da dor, só concebe dores sem alegria e alegria sem dores, ela se racha ao meio. A Revolução, por não considerar a não ser desse modo, é maldita, porque rachou, liquidou e tirou de dentro das almas a paz da “Stille ­Nacht! Heilige Nacht”!, a paz do Natal e ao mesmo tempo da Sexta-Feira Santa.

Todos hoje fogem da dor. Há pregadores que querem convencer os homens a se resignar com a dor. Eles têm razão, mas quão raros são eles… Foram mais numerosos outrora. Será que eles sabiam pintar aos homens essa verdadeira dor no fundo da qual habita a alegria inefável de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, Ele crucificado, e Ela aos pés da Cruz? Será que na hora de júbilo eles sabiam comunicar as alegrias que não eram contrárias à dor, mas preparavam para ela? Quem não vê na alegria do “Stille Nacht” uma preparação para a Paixão? E quem não percebe que no meio daquelas alegrias arrebenta um pouco do soluço da Santíssima Virgem junto à Cruz?

Um dos meus primeiros encantos com a Igreja Católica foi quando eu era menino, tão pequeno que nem sabia bem o que era alegria nem dor, mas sentia essa penumbra na igreja e ouvia o órgão, o qual sempre tem algo de Sexta-Feira Santa e de Natal em tudo quanto toca, e dizia de mim para comigo: “Há aqui um equilíbrio ao qual dou um nome: santidade! Este é o estado temperamental, a fisionomia moral dos Santos. Encontro isso no interior de tantas igrejas, refletido em tantas imagens…” De onde vem o equilíbrio? Dessa junção do qual a “Stille ­Nacht” nos dá um exemplo, mas da qual a Igreja Católica nos dá mil outros.

Peçamos à Mãe de Deus, presente aos pés do Menino Jesus, e cujo Sapiencial e Imaculado Coração é o reflexo indizivelmente perfeito de tudo quanto há n’Ele, que nos dê muitas graças à maneira de sorrisos cumulativos de alegria e dor; e nos conceda esse especial equilíbrio de alma, o qual fará de nós os heróis que queremos ser, ou seja, os santos, pois só eles são os verdadeiros heróis.

É nessa perspectiva que, diante do Presépio que começa a se engalanar, dobro os joelhos e peço o auxílio de Nossa Senhora.              v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/12/1978)

A maravilhosa fragrância do Natal

A partir das revelações de uma célebre mística alemã sobre a noite de Natal, Dr. Plinio se compraz em evocar as magnificências, as delicadezas e os perfumes com que Deus Pai, por meio de incomparáveis manifestações de toda a natureza, ornou o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, sob os olhares enlevados de Maria Santíssima e São José.

Nada mais oportuno, por ocasião do Natal, do que comentarmos algo a respeito do advento do Verbo Encarnado ao mundo, nascido da Imaculada Virgem Maria.

Vidente com grande lucidez

As considerações de hoje se baseiam nos escritos deixados pela vidente Ana Catarina Emmerich. Mística alemã do século XIX, ela foi favorecida por diversos êxtases e revelações, publicadas com o devido “imprimatur”.

Antes de analisarmos suas descrições, seria interessante salientar o aspecto profundamente racional que elas apresentam, e como Ana Catarina demonstra um tato extraordinário e um grande senso das coisas ao resolver problemas muito delicados que aparecem no curso de suas visões. Essa atitude fala em abono da lucidez da vidente e da veracidade de suas narrativas.

O Menino reclinado sobre flores e ervas finas

Descreve ela, então, o que se teria passado na noite de Natal. São José, tendo sido avisado por Nossa Senhora sobre o iminente nascimento do Menino, dedicou-se a preparar o presépio na gruta de Belém para receber o Filho de Deus. O modo como o fez é extremamente belo: estendeu uma camada de ervas finas e, acima destas, lindas flores que encontrou na pradaria próxima, cobrindo tudo com uma colcha modesta trazida pela Virgem Santíssima.

Parece-me de rara graciosidade essa ideia de que o Menino Jesus poderia dormir sua primeira noite sobre flores — quiçá alguns lírios do campo que Salomão, em toda a sua glória, não conseguiu imitar — e, coisa ainda mais esplêndida aos olhos de Deus, envolto numa colcha tecida por Nossa Senhora.

Segundo a vidente, mais ou menos uma hora antes do nascimento, após outro aviso de Maria Santíssima, São José acendeu várias lâmpadas que tinha levado para essa ocasião e as suspendeu em traves de madeira que haviam num e noutro lado da gruta. Eram os primeiros fogos que brilhavam em louvor do Menino Jesus.

Magnífica e intensíssima luz dourada

Chega então o momento ápice do nascimento do Homem-Deus. Nas visões de Ana Catarina Emmerich, como este se passou?

É dogma de fé que Nossa Senhora foi virgem antes, durante e depois do parto. Portanto, seria mister apresentar esse nascimento virginal cercado de imenso mistério. E ela narra o seguinte: São José, embora pai jurídico (e não natural) daquele menino, não devia presenciar aquele instante glorioso, pois era algo a ser visto apenas por Deus e Nossa Senhora. Então — delicadezas da Providência! — um carneirinho se aproximou da gruta e começou a balir, fazendo um barulho que poderia importunar Nossa Senhora naquele momento. Repassado de solicitude para com a divina Mãe, São José saiu e foi atrás do pequeno animal para sossegá-lo e afastá-lo dali.

Ora, ao retornar à gruta, a parte que ele havia acomodado para dormitório de Nossa Senhora, separada por paupérrimas esteiras, encontrava-se imersa em magnífica e intensíssima luz dourada. São José percebeu que Maria estava de joelhos, as mãos cruzadas sobre o peito, e voltada para o Oriente, em altíssima meditação. O patriarca entendeu que não devia avançar mais. A luz dourada o afastou desta cena, única, cujo real conteúdo só terá sido presenciado por Deus e os anjos.

Um Menino belo como o relâmpago

São José retirou-se para outro canto da gruta e ali se pôs em oração. Narra Ana Catarina Emmerich que uma luz muito brilhante começou a espargir de Nossa Senhora e a envolver todo o ambiente. À medida que esse fulgor ganhava intensidade, a Virgem Maria ia se elevando do solo, e já se achava a boa distância deste quando São José finalmente deixou seu lugar para ver o que se passava. Nossa Senhora, então num êxtase maravilhoso, comunicou-lhe: o Menino nasceu!

São José volta seus olhos para o chão e vê o Menino Jesus, uma criança — no dizer de Ana Catarina — bela como o relâmpago, isto é, mais luminosa e esplêndida que a própria luz que clareava a gruta naquele momento. Era o “lumen Christi”, perto do qual se eclipsam todas as outras luzes.

Em seguida, dá-se esta cena: Nossa Senhora sai do êxtase, desce de novo para o chão e permanece uma hora inteira contemplando o Menino que tinha nascido sobre um pano estendido por Ela. Portanto, o Homem-Deus havia nascido na maior penúria material possível. Passado esse período de adoração, Maria Santíssima se levanta, toma o Menino belo como o relâmpago e o coloca nos braços de São José. Imagine quem possa a felicidade do esposo virginal de Nossa Senhora ao sentir aquele frágil corpo do Deus humanado! Ele também adora o Filho do Altíssimo reclinado nesse primeiro presépio que foram seus próprios braços. Em seguida, O deposita na manjedoura, ao lado da qual se ajoelham a Virgem e ele, permanecendo os dois em oração, num silêncio angélico e celestial.

Primeira adoração noturna da História…

Entretanto, todo o ambiente, até as próprias pedras da gruta, fremia de esplendor e de alegria, notando-se um como que regozijo, inclusive nos seres inanimados, porque o Menino Jesus tinha nascido. Na verdade, esse gáudio da gruta era o de toda a natureza, transformada por aquele acontecimento indescritível. As flores desabrochavam e exalavam perfumes magníficos; os aromas das folhagens eram estupendos, e uma luz cada vez mais intensa começou a brilhar sobre a gruta, e foi este fulgor que chamou a atenção dos pastores acampados nas redondezas.

Vemos, por essas descrições, o tato com que Ana Catarina apresenta o nascimento do Menino Deus, com seus delicados aspectos, a conduta de São José, a atitude de Nossa Senhora, o parto misterioso, enfim, tudo perfeito, como poderia ter acontecido.

Narra ainda a vidente que, após algum tempo, estando o Menino na manjedoura, São José se preocupa com Nossa Senhora, e embora Esta não demonstrasse cansaço algum, ele leva para junto do presépio uma cadeira e o leito da Santíssima Virgem, caso Ela quisesse repousar. Os dois continuaram recolhidos em elevada prece, e assim começava a primeira adoração noturna da História. Se pensarmos no Menino belo como um relâmpago e na Mãe formosa como a lua, compreenderemos um pouco mais da maravilhosa fragrância do Natal.

Inusitada alegria sentida em toda a Terra

Como acima notamos, Ana Catarina diz que a luz brilhando sobre a gruta serviu de aviso aos pastores de Belém, os quais tomavam assim conhecimento do nascimento de Jesus. Ela descreve esse aspecto do Natal de um modo muito edificante, atraente e piedoso, próprio a incutir devoção e fervor às nossas almas. Ao lê-la, entendemos que seria lógico e razoável que as coisas tivessem se passado assim. Palavras dela:

Vi em muitos lugares, até nos mais distantes, uma inusitada alegria, um extraordinário movimento nessa noite. Vi o coração de muitos homens de boa vontade reanimados por uma ânsia repassada de felicidade; e em troca, os corações dos perversos, roídos de temores.

Essa descrição nos faz pensar nos dias melhores que a Providência reserva para a Cristandade, quando Nossa Senhora exercer de fato sua realeza sobre o mundo, e então tudo quanto é bom, nobre e belo florescerá na humanidade: os homens desejarão o bem com alegria, o sacrifício, a dedicação e a renúncia no entusiasmo de sua alma.

A natureza festeja o Nascimento do Salvador

Até nos animais eu vi manifestar-se a alegria nos seus movimentos, e como que brincarem.

Imaginemos uma magnífica noite do Oriente, a bela natureza banhada por um luar soberbo e envolta numa temperatura amena. Carneiros, cabritos e outros animais começam então a saltar e a brincar, pássaros esvoaçam e cantam, as flores deitam seu melhor perfume. É a festa da natureza pelo nascimento do Salvador.

Faço notar o quanto é razoável que isso se tenha dado. De fato, é de acordo com a ordem natural das coisas que, vindo ao mundo o Menino Jesus, ao qual está sujeita toda a natureza, esta se alegrasse com a presença de seu divino Benfeitor e externasse tal contentamento manifestando um colorido melhor, uma beleza maior, etc.

As flores levantavam suas corolas, as plantas e as árvores tomavam novo vigor e verdor, espargindo suas fragrâncias e perfumes. Eu vi brotar fontes de água da terra.

Esse brotar das fontes de água da terra parece-me altamente simbólico. O manancial que jorra, a vida que aflora no solo, representa as graças que se espalham sobre os homens. A água significa vida e vigor para a terra; a graça é fator vivificante para a alma humana.

O céu era de um vermelho escuro sobre Belém, enquanto se via um vapor tênue e brilhante sobre a gruta do presépio e no vale dos pastores.

Outra bela descrição. Já ouvimos falar de auroras róseas, conhecemos crepúsculos avermelhados, mas um céu noturno com esse tom de vermelho profundo deve ter tido um esplendor especial. E sobre a gruta, uma névoa iluminada, atraente, repleta de mistérios.

A torre dos pastores, símbolo da Igreja

A certa distância da gruta do presépio se encontrava o que chamavam a Torre dos Pastores: um grande conjunto de andaimes, feitos de madeira, tendo por base imensos blocos do próprio rochedo. Estava rodeada de árvores verdes e se alçava sobre uma colina isolada, no meio da planície. Cercada de escadas, tinha galerias e pequenas torres, todas cobertas de esteiras.

Ana Catarina explica que este era o ponto de observação para onde convergiam todos os pastores da região, e ali permaneciam durante a noite vigiando seus rebanhos.

Penso que essa torre dos pastores é um belo símbolo da Igreja Católica: os Bispos, com seus rebanhos, se achegando à única torre existente na Igreja, no sentido estrutural da palavra, que é a Cátedra de São Pedro. Do alto desta, o Pastor dos pastores deita seu olhar vigilante para defender o redil contra os lobos e ladrões.

Diz ainda a vidente que essa torre emergia do meio de árvores, no alto de uma colina inteiramente isolada. O resto era planície. Mais uma vez, algo que lembra o Papado, pois em confronto com este tudo é planície. Ele é a suprema autoridade, o mais augusto hierarca da Igreja e, como tal, o maior hierarca do universo, porque nenhum homem poderoso na ordem temporal pode se comparar com o Romano Pontífice.

Desde longe [a torre] produzia a impressão de um grande barco cheio de mastros e de velas. A partir dela desfrutava-se de esplêndida vista de toda a região, vendo-se até Jerusalém. As famílias dos pastores habitavam nesses lugares, num raio de duas léguas. Possuíam granjas isoladas, com jardins, e se reuniam junto da torre em cujos depósitos guardavam os utensílios de uso comum.

É interessante imaginarmos essas casas das famílias dos pastores esparramadas em volta da torre, com seus jardins e granjas. Sobre tudo isso cai a noite, tornando-se misteriosa, magnificamente purpúrea, e, ao longe, uma névoa branca, iluminada, que começa a nascer. Como terá sido o deslumbramento dos vigias diante desse espetáculo?

O anúncio dos anjos aos pastores

No nascimento de Jesus Cristo, vi três pastores muito impressionados com o aspecto daquela noite tão maravilhosa. Então, tomados de admiração, perceberam a luz extraordinária sobre a gruta do presépio. Subiram ao mirante, dirigindo sua vista até a gruta. E enquanto olhavam, desceu sobre eles uma nuvem luminosa, dentro da qual notei um movimento à medida que se acercava.

Entende-se que se trata do anúncio dos anjos, os quais não aparecem de repente, mas são precedidos de uma nuvem luminosa que prepara o coração dos pastores para a boa nova. Cada vez mais brilhante e bela à medida que se aproxima, essa nuvem eleva gradualmente o espírito daqueles homens simples, que vão se tomando de encanto e admiração com tudo o que viam.

Aos poucos, dentro da nuvem foram se delineando formas vagas, depois rostos e, finalmente, ouviram-se cânticos muito harmoniosos, alegres, cada vez mais claros. Apareceu um anjo que lhes disse: “Nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. Por sinal eu vos dou isso: encontrareis o Menino envolto em panos, deitado sobre um presépio”. Enquanto o anjo dizia essas palavras, o resplendor se fazia cada vez mais intenso ao redor dele. Vi cinco ou sete grandes figuras de anjos, muito belos e luminosos, que levavam nas mãos uma espécie de bandeirolas largas, onde se viam letras do tamanho de um palmo, e ouvi que louvavam a Deus cantando: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”.

A bonita frase do Evangelho se reveste de uma cadência única, e nos exprime essa maravilhosa verdade: a paz desce do Céu aos corações de boa vontade, como fruto da glória que eles tributam a Deus nas alturas.

Acontecimento cercado de magnificências

Mais tarde tiveram a mesma aparição os pastores que estavam junto à torre; anjos também apareceram a outro grupo de pastores, perto de uma fonte, a leste da torre, a três léguas de Belém. Não vi que os pastores fossem em seguida à gruta do presépio, porque uns se encontravam a légua e meia de distância e outros, a três. Eu os vi consultando-se uns aos outros acerca do que levariam ao recém-nascido, e preparando os presentes com toda pressa. Chegaram à gruta do presépio ao raiar da alva.

Procuremos imaginar a invulgar beleza da aurora que se seguiu a uma noite tão magnífica. E como se reveste de particular atração a cena em que esses pastores, homens simples e de boa vontade para os quais era prometida a paz, no meio de todo o esplendor da natureza em festa, sob uma aurora magnífica, aproximando-se da gruta do presépio a fim de adorar o Salvador!

Percebemos, assim, de quantas magnificências foi cercado por Deus o Natal de seu Filho, dado ao mundo por Maria Santíssima, sob o paternal e maravilhado desvelo de São José.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 22 e 23/12/1975)

Nasceu-nos um Menino

“Puer natus est nobis, et filius datus est nobis: cujus imperium super humerum ejus: et vocabitur nomen ejus, magni consilii Angelus” — Nasceu-nos um Menino e um Filho nos foi dado; o império repousa sobre seus ombros e será chamado Anjo do Grande Conselho.

Sob o sopro do Espírito Santo, a Igreja canta o dom que Deus lhe fez. É a voz dela, o puro sol sem atravessar vitral algum. Música composta para ser entoada por todos os povos, de norte a sul, de leste a oeste da face da Terra. Em todas as latitudes e longitudes, eis a alma católica universal, serena, simples, repassada de significado e substância, exprimindo a alegria que se eleva diretamente  ao Céu, o recolhimento desprendido dos valores terrenos, o caráter profundamente religioso do nascimento de Cristo Jesus.

Plinio Corrêa de Oliveira

Na menina dos olhos…

Ampliada uma fotografia da imagem de Guadalupe, verificou-se estampada na pupila dos olhos de Maria Santíssima a figura dos que presenciaram o milagre.

Há na Escritura a expressão “guardou-o como a menina dos olhos” (Dt 32, 10). Tendo Nossa Senhora de Guadalupe sido proclamada Patrona da América Latina, de algum modo todos nós estávamos representados naquela cena e colocados na menina dos olhos da Santíssima Virgem.

Entra nisso uma promessa de uma proteção, de um auxílio, de uma graça extraordinária, o que deve ser uma razão de grande confiança de nossa parte ao nos dirigirmos a Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 29/1/1971 e 18/1/1975)

Nossa Senhora de Guadalupe Padroeira da América Latina

No mundo inteiro fala-se da América Latina como um todo, tendo-se muito clara a noção de que ela constitui uma imensa família de nações, no sentido verdadeiramente católico das palavras.

Esse todo ainda está para ser esculpido pela Providência, a fim de tornar-se uma obra-prima da História. O fato de a América Latina ter uma Padroeira, mostra ser a unidade desse conjunto tão real que, nos domínios de Nossa Senhora, constitui um bloco à parte. E que a Santíssima Virgem tem sobre esse conjunto um desígnio supremo, de glória para Ela, vinculando ainda mais entre si os elementos que o constituem.

Tem-se a impressão de que a América Latina está reservada pela Mãe de Deus para ser a terra da glória do seu Reino. Assim, devemos pedir a Nossa Senhora de Guadalupe que realize o quanto antes em nós este desígnio, para que venha logo o Reino de Maria.

Um presente à Santíssima Virgem

Minha Mãe, é Natal! Hoje, mais do que nunca, o que pedirdes a vosso Divino Filho obtereis. Pedi-me de presente a Ele, minha Mãe. Eu sei que não vale a pena. Mas, se Vós quiserdes, valerá. Porque se Nosso Senhor me der a Vós, Ele me encherá de presentes.

Sendo eu maltrapilho e despojado de méritos, simplesmente pelo vosso sim serei revestido pelo Menino-Deus como um príncipe, para assim pertencer-Vos para sempre. Portanto, minha Mãe, pedi-me a Ele.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 25/12/1987)

Em cada coração, um presépio

Natal é o tempo da celebração da inocência. Não apenas nos remete para aquela gruta bendita na qual há pouco mais de dois mil anos, numa fria noite invernal, Deus veio estar conosco – o Emmanuel –, mas também exorta cada qual, sem palavras explícitas, à conservação, proteção ou recuperação da própria inocência.

Todos podem, diante de algum presépio, encontrar essa mensagem, que ressoa fortalecida pela ação da graça divina. Há não muito tempo ainda, neste período, a atmosfera geral era perfumada por algo de angélico, tocando o fundo das almas. Isso é mais evidente nas crianças, ainda não maculadas pelas faltas leves ou graves que o homem carrega durante a vida. Muitas vezes atinge também os corações adultos, inundando-os de saudades de um tempo maravilhoso no qual pareciam poder tocar o Céu.

Dr. Plinio entendia e vivia tudo isso profundamente. Para ele, a defesa e a recuperação da inocência são tarefas fundamentais para a nossa salvação.

Na época da infância de Dr. Plinio, a comemoração do nascimento do Menino Deus tomava conta de toda a cidade, pervadindo a todos de uma paz sobrenatural, prelibação da bem-aventurança eterna. E aqueles poucos que não deixavam se tomar pelas graças, ao menos respeitavam os sentimentos da imensa maioria. Era, pois, para quase todos uma renovação da inocência, um reverdejar das melhores disposições de alma, um propósito de ser melhor para com Deus, para consigo e para com os seus semelhantes. E assim se produzia uma expansão de benquerença geral.

Nos nossos dias em que as festas verdadeiramente natalinas vão se esvaziando cada vez mais, reduzidas quase tão só a uma expressão consumista, ainda a graça bate à porta de incontáveis corações, convidando cada um a permitir que Jesus faça nele seu presépio, e que venha ali habitar com Nossa Senhora e São José. E assim, bem dentro de nós, nos conceda graças especiais de inocência.

A leitura dos comentários de Dr. Plinio sobre o tempo do Natal nos ajudam a impostar nossas almas para nos preparar para esses abençoados dias. Ele traça em grandes pinceladas o ambiente natalino de sua infância, que tanto marcou sua alma a ponto de, décadas mais tarde, continuar a constituir para ele o objeto de profundas saudades. Quem de nós também não ficou marcado por graças semelhantes? Quem, pondo de lado por uns instantes os ruídos estridentes da modernidade – a televisão, o DVD, o celular, o “tablet”, o carro e quanta coisa mais – e deixando seu espírito se povoar por reminiscências dos natais de criança, também não sentirá saudades?

São saudades da inocência, daquele tempo em que Jesus podia fazer seu presépio em nosso coração. Que as graças deste Santo Natal nos ajudem a todos a sermos melhores!

Sublimidade e pureza

O espírito revolucionário, essencialmente igualitário e impuro, execra tudo quanto é sublime e casto; tem amor ao banal, ao trivial, quando não ao degradado. Por isso grande foi o ódio suscitado nos revolucionários por ocasião da proclamação do dogma da Imaculada Conceição de Maria.

 

Temos um trecho de uma encíclica de São Pio X(1) onde, ao tratar a respeito do dogma da Imaculada Conceição, depois de discorrer sobre a atual negação do pecado original e suas consequências, o Santo Padre diz:

Anarquismo, a mais perniciosa doutrina…

Ora, creiam os povos e professem que a Virgem Maria foi preservada de toda mancha de pecado desde o primeiro instante de sua conceição: desde logo torna-se-lhes mister admitir o pecado original, a redenção da humanidade por Jesus Cristo, o Evangelho e a Igreja, enfim a lei do sofrimento. Em virtude disto, todo racionalismo e materialismo que campeiam pelo mundo são arrancados e destruídos em suas raízes, cabendo à sabedoria cristã a glória de ter guardado e defendido a verdade.

Além disto, é vezo perverso e comum a todos os inimigos da fé, sobretudo em nossa época, proclamar que se devem repudiar todo respeito e toda obediência à autoridade da Igreja, mesmo de todo poder humano, na crença de que logo lhes será mais fácil banir a fé dos corações.

Aqui está a origem do anarquismo, a mais nociva e perniciosa doutrina que possa existir, tanto na ordem natural quanto sobrenatural. Ora, tal peste, fatal tanto à sociedade como ao nome cristão, baqueia ante o dogma da Imaculada Conceição de Maria, pela obrigação que lhe impõe de atribuir à Igreja um poder em face do qual tem que se curvar não só a vontade, mas também a inteligência. Pois é em virtude de uma tal submissão que o povo cristão canta este louvor da Virgem: Toda bela és, Maria, e não há em Ti a mancha original.2 Daí se justifica uma vez mais o que a Igreja afirma da Virgem, dizendo que “só Ela extirpou todas as heresias do mundo inteiro”.

…e a extrema ponta da Revolução

Esse trecho é de uma riqueza de conteúdo de pensamento que merece ser explanado e resumido. São Pio X tem em vista mostrar como a aceitação do dogma da Imaculada Conceição, por parte dos fiéis, é um remédio para aquilo que, no ensaio Revolução e Contra-Revolução, nós chamamos a Revolução.

Nessa obra apontamos o anarquismo como a fórmula mais avançada da Revolução. Quer dizer, aquele estado de coisas para o qual o comunismo visa caminhar. Os comunistas dizem que deve haver passageiramente uma ditadura do proletariado. Mas, depois que essa ditadura tenha modelado os homens de acordo com as intenções comunistas, os homens estarão num tal grau de evolução, de “perfeição”, que eles não precisarão mais de leis, de cárceres, não cometerão mais crimes, não farão guerras e não haverá necessidade de governo. E então é uma anarquia. Não no sentido de um pandemônio, de uma desordem, mas de uma ordem sem lei onde todos os homens são reis de si próprios, nenhum obedece a outro e reina uma liberdade, uma fraternidade e uma igualdade completas.

Ora, diz São Pio X – a formulação dele empregada aqui é muito interessante – que não se pode conceber um erro pior do que o anarquismo. Não é uma afirmação de caráter histórico – nunca apareceu um erro tão ruim quanto o anarquismo –, mas de caráter doutrinário. Quer dizer, se um homem mais do que perverso e corrompido procurasse o pior dos erros, na ordem do possível, ele não encontraria um pior do que o anarquismo. Portanto, ele é a extrema ponta da Revolução e, segundo este Papa santo, o pior dos erros concebíveis.

Indignação até em meios católicos

Afirma São Pio X que a admissão do dogma da Imaculada Conceição tem como resultado para os homens a aceitação da autoridade da Igreja, pois o modo pelo qual eles sabem que Nossa Senhora foi concebida sem o pecado original é o ensinamento da Igreja. Ela ensina porque se fundamenta no Evangelho. Logo, é a aceitação do Evangelho e, consequentemente, da Revelação e da ordem sobrenatural. É a submissão a um poder diante do qual se devem dobrar não só os atos externos do homem, mas os internos; não apenas os atos da vontade, mas os da inteligência. Portanto, a atitude mais contrária ao anarquismo que possa existir.

O Pontífice mostra como o ato de fé na Imaculada Conceição é soberanamente eficaz para extirpar da alma humana todas as raízes da Revolução, e aplica a Nossa Senhora aquela frase muito bonita que se encontra na Liturgia: “Tu só é que extirpaste todas as heresias do mundo inteiro”. Ou seja, a Santíssima Virgem, pela sua Imaculada Conceição, calcando aos pés a cabeça do dragão, pai das heresias, eliminou-as do mundo inteiro e luta, através de todos os séculos da vida da Igreja, para a extirpação de todos os erros. Eis a ideia contida nesse esplêndido trecho de São Pio X.

Quando o dogma da Imaculada Conceição foi definido por Pio IX, houve na Europa uma verdadeira tempestade de ódios, protestos, indignação que atingiu não só os não católicos, mas também os católicos. Em muitos meios católicos houve um furor porque esse dogma tinha sido definido. Como explicar essa atitude?

Ódio igualitário

Segundo esse dogma, a Virgem destinada a ser a Mãe de Deus foi concebida sem pecado original desde o primeiro instante de seu ser. Essa indignação contra a Santíssima Virgem, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e Mãe da Igreja, explica-se pelo ódio igualitário por vê-La colocada no ponto mais alto em que uma mera criatura possa estar. Ademais, por ser uma mulher, o arbítrio de Deus se apresenta de um modo muito mais forte, porque toma na ordem humana o elemento geralmente considerado secundário e o coloca no alto de toda a pirâmide da Criação. Isso contunde enormemente o espírito igualitário.

Entretanto, fere muito aos igualitários também o fato de que Maria Santíssima tenha sido objeto de uma exceção a uma regra, para a qual nunca houve exceções. A ideia de uma mulher sem pecado original, quebrando uma regra universal e colocada, portanto, numa altura enorme em relação a todos os seres humanos, dá aos revolucionários um verdadeiro furor.

Mas essa fúria tem também outra causa. Não é só por seu aspecto anti–igualitário que a Imaculada Conceição é odiada. Acrescenta-se a isso um ódio do vulgar em relação ao sublime.

Essas verdades – Nossa Senhora concebida sem pecado original, Virgem e Mãe de Deus –, consideradas no seu conjunto, correspondem à sublimidade de um ser de tal maneira puro, imaculado, elevado acima de tudo quanto se possa imaginar, tão virginal no mais recôndito de si mesmo – por não ter nenhum dos impulsos que, mesmo num santo, podem representar o aguilhão da carne.

Nem a isso o ser d’Ela está sujeito, é algo de tão transcendente em matéria de sublimidade, tão alto e requintado em questão de pureza, tão excelso como condição humana, e tão diferente da nossa própria condição, que fica apresentada à nossa admiração uma figura imensamente maior do que nós, pela qual temos uma ideia da sublimidade a que Deus pode elevar a criatura humana, mas à qual nós não fomos elevados.

O requinte da bem-aventurança

Daí decorre para todo o gênero humano uma espécie de honra e de glória que esbarra diretamente no espírito revolucionário, o qual odeia tudo quanto é sublime e elevado, não somente por ser ele igualitário, mas por uma outra expressão do igualitarismo que é o amor ao banal, ao trivial, quando não ao degradado. Por isso os revolucionários têm um verdadeiro ódio à Imaculada Conceição de Maria.

Esse furor contra a Imaculada Conceição encontra outra expressão no ódio que as pessoas, movidas pelo espírito das trevas, têm àqueles que, como nós, procuram praticar a virtude, particularmente no que tange à pureza, compostura e dignidade.

Tais pessoas são capazes de espalhar as piores calúnias a nosso respeito, só porque guardamos a castidade perfeita. A compostura, a nobreza, a distinção de trato, mesmo daqueles que são de uma condição mais modesta, chama a atenção de todos e atrai a simpatia dos bons. Contudo, aos maus causa um verdadeiro ódio à sublimidade da causa que defendemos. Aqueles que gostam da trivialidade nos detestam porque não somos vulgares e procuramos orientar os espíritos para o alto, comunicar às nossas pessoas a atitude e dignidade de filhos de Deus e de Nossa Senhora, no que se reflete algo da realeza da própria Santíssima Virgem. É precisamente isso que os indigna.

Razão para nós de alegria, porque uma das bem-aventuranças é ser perseguido por amor à justiça. Mas dentro desta bem-aventurança há uma especial, que é como o requinte da bem-aventurança: ser perseguido por amor a Nossa Senhora e pelas mesmíssimas razões pelas quais Ela é odiada.

Aproximando-nos da festa da Imaculada Conceição, peçamos a Maria Santíssima cada vez mais essa bem-aventurança de sermos tão unidos a Ela e trazermos em torno de nós de tal maneira a sua expressão, que se possa afirmar ser realmente por causa de nossa semelhança com Ela que somos odiados.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 2/12/1964 e 6/12/1965)
Revista Dr Plinio 237 – Dezembro de 2017

Imaculada Conceição de Maria

Nossa Senhora, concebida sem o pecado original, não conheceu nenhum dos efeitos que ele produz nos homens. Portanto, todas as desordens e defeitos que há em nós, nunca existiram em Maria Santíssima. Acrescente-se a isso a graça santificante dada numa abundância inaudita, insondável, e correspondida perfeitamente a cada momento; então se pode compreender o que seria a ordem interna, a pureza, a virtude e a santidade de Nossa Senhora.

Ela vê nossos defeitos, incomparavelmente melhor do que nós, porque não temos uma plena consciência de todas as nossas imperfeições. Nossa Senhora tem, portanto, horror a todas as nossas desordens. Mas, como é nossa Mãe, Ela tem por nós um amor invencível!

Nossa Senhora tem pena de nos ver nesse estado e um ardente desejo de nos tirar dele. E quanto maior for o nosso defeito, maior a certeza de que Ela tem pena de nós e, portanto, maior a confiança n’Ela!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 1/12/1964)
Revista Dr Plinio 177 – Dezembro de 2012