O fato mais glorioso da História, depois da Ascensão

Durante a Assunção de Nossa Senhora, toda a natureza e os próprios Anjos refulgiam magnificamente, como nunca, refletindo de modos diversos, à maneira de uma verdadeira sinfonia, a glória de Deus. Porém, nada disso podia se comparar com o esplendor da Santíssima Virgem subindo ao Céu.

 

Um fato que chama a atenção, na História Sagrada, é Nosso Senhor ter querido subir ao Céu aos olhos dos homens; e que acontecesse o mesmo com a Assunção de Nossa Senhora. Por que a Ascensão e depois a Assunção deveriam dar-se à vista dos homens?

Ascensão e Assunção

Quanto à Ascensão há várias razões e a mais protuberante delas é de caráter apologético. Era preciso que os homens pudessem dar testemunho deste fato histórico duplo: não só de que Jesus ressuscitou, mas de que Ele subiu ao Céu, a sua vida terrena não continuou. Subindo ao Céu, Ele abriu o caminho para incontáveis almas e Se assentou à direta do Padre Eterno. Ele, na sua humanidade santíssima, foi a primeira criatura – e ao mesmo tempo é Deus – a subir aos Céus em corpo e alma, como nosso Redentor, abrindo o caminho dos Céus para os homens.

Mas havia uma outra razão: era necessário que Ele, tendo sofrido todas as humilhações, recebesse todas as glorificações. E glória maior e mais evidente não pode haver para alguém do que subir aos Céus, porque é ser elevado por cima de todas as alturas.

E aqueles que se salvarem transcenderão todo esse mundo onde nos encontramos, e irão para o Céu empíreo aonde Deus Nosso Senhor está, para se unirem a Ele eternamente. E assim como Nossa Senhora havia participado como ninguém do mistério da Cruz, o Redentor quis que Ela tivesse a mesma forma de glória, participasse como ninguém da glorificação d’Ele. E a glorificação de Maria Santíssima se dava por esta forma, sendo levada aos Céus. E no momento em que lá entrou, a Virgem Maria foi coroada como Filha dileta do Padre Eterno, como Mãe admirável do  Verbo Encarnado e como Esposa fidelíssima do Espírito Santo. Anjos rutilantíssimos Nossa Senhora teve uma glorificação na Terra e depois uma glorificação no Céu. Portanto, nós precisamos considerar a Assunção como tendo sido um fenômeno gloriosíssimo.

Infelizmente os pintores, a partir da Renascença, não sabem representar de um modo adequado a glória que deve ter cercado este espetáculo. Devemos imaginar o seguinte: É próprio às coisas da Terra que quando se quer glorificar uma pessoa, em sua residência, por exemplo, todos vestem seus melhores trajes, se exibem os mais belos objetos, colocam-se flores e tudo aquilo que há de  mais nobre para homenageá-la.

Tal regra está dentro da ordem natural das coisas e é seguida também no Céu. O maior brilho da natureza angélica, o fulgor mais estupendo da glória de Deus nos Anjos deve ter aparecido exatamente no momento em que subiu ao Céu Nossa Senhora. E se foi permitido aos mortais verem os Anjos com seus próprios olhos, eles deveriam estar rutilantíssimos, com um esplendor absolutamente invulgar. E se não foi dado a todos os mortais contemplar os Anjos nesta ocasião, é certo, pelo menos, que a presença deles se fazia sentir de um modo imponderável, porque muitas vezes na História isso ocorreu, embora não fosse propriamente uma visão, ou uma revelação deles.

A glória interior de Nossa Senhora ia transparecendo como no Tabor

É natural também que nesta hora o Sol tenha brilhado de um modo magnífico, que o céu tenha ficado com cores variadas, refletindo de modos diversos, como uma verdadeira sinfonia, a glória de Deus. E que as almas das pessoas felizes ali presentes tenham sentido essas glórias em si de um modo extraordinário, de maneira tal que houve uma verdadeira manifestação do esplendor de Deus em Nossa Senhora.

Mas nenhum desses esplendores podia se comprar com o próprio esplendor da Santíssima Virgem subindo ao Céu. À medida em que Ela ia se elevando, certamente, como numa verdadeira  transfiguração, a exemplo do Tabor, a glória interior d’Ela ia transparecendo aos olhos dos homens.

Falando de Nossa Senhora, diz o Antigo Testamento: “Omnis gloria eius filiæ regis ab intus” (Sl 44, 14), toda glória da filha do rei lhe vem do interior, daquilo que está dentro dela, e com certeza essa glória interna que Maria Santíssima possuía se manifestou do modo mais estupendo quando, já no alto de sua trajetória celeste, Ela olhou uma última vez para os homens, antes de definitivamente deixar esse vale de lágrimas e ingressar diante da glória de Deus.

Relíquia concedida a São Tomé

Compreende-se que deve ter sido, depois da Ascensão de Nosso Senhor, o fato mais esplendorosamente glorioso da História da Terra, comparável apenas com o dia do Juízo Final, em que Nosso Senhor Jesus Cristo virá em grande pompa e majestade, diz a Escritura, para julgar os vivos e os mortos; e com Ele, toda reluzente da glória do Divino Salvador, de um modo indizível aparecerá também Nossa Senhora aos nossos olhos.

Devemos considerar a impressão que tiveram os Apóstolos e os discípulos quando A viram subir ao Céu, recordando o fato que a tradição narra a respeito de São Tomé. Ele duvidou da Ressurreição e por isso foi convidado por Nosso Senhor a meter a mão na chaga sagrada do flanco d’Ele, para comprovar que era realmente Jesus. Depois recebeu o Espírito Santo em Pentecostes, ficou um Apóstolo confirmado em graça e tornou-se um grande Santo. Mas conta uma tradição venerável que, por ter duvidado, na hora da morte de Nossa Senhora, São Tomé não se encontrava  presente. Quando a Santíssima Virgem estava subindo ao Céu, já a certa distância da Terra, São Tomé foi trazido por Anjos para contemplar o final da Assunção. Aí vemos aquilo que poderíamos chamar a índole de Nossa Senhora, para cuja qualificação a palavra “materna” não basta, seria uma índole super materna, arqui materna, incomparável.

E ao receber esse castigo pungente, merecido, por uma culpa tão reparada de não ter podido estar presente à morte e ao início da Assunção de Nossa Senhora, ele olhou para Ela. Então, a Mãe de Deus sorrindo concedeu-lhe uma graça que não deu a nenhum outro. Ela desatou o seu cinto e, de lá de cima, fê-lo cair sobre São Tomé, de maneira tal que ele recebeu não direi o perdão, porque já estava perdoado, mas uma suprema graça, que era uma relíquia d’Ela atirada para ele do mais alto dos céus.

Nossa Senhora é assim quando tem algo a perdoar de algum filho muito dileto. Às vezes Ela nem sequer pune, mas quando castiga Ela faz seguir essa punição de um sorriso bondoso, de um perdão completo e de uma grande graça. Poder-se-ia imaginar que São Tomé, voltando para casa com os Apóstolos, mostrou-lhes esse presente dado a ele e disse: “O felix culpa – Ó feliz culpa –,  eu por desgraça duvidei de meu Salvador, mas em compensação tive a felicidade de receber esta relíquia celeste de minha Mãe Santíssima”. O último sorriso, o último favor d’Ela, a amenidade mais extrema, a bondade mais suave Nossa Senhora deu exatamente a São Tomé, e isto nos deve encorajar.

Que a Santíssima Virgem nos prepare para os dias terríveis que se aproximam Não há nenhum de nós que em relação à Santíssima Virgem não tenha falhas, e não precise pedir algum perdão. Nós devemos rogar a Nossa Senhora, nesta preparação da solenidade da Assunção, que proceda assim maternalmente conosco; que Ela olhe para nossas falhas, mas nos dê um perdão.

E que esse perdão seja o seguinte: Nós estamos cada vez mais claramente na orla dos acontecimentos preditos por Nossa Senhora em Fátima, e é possível que, analisando as nossas próprias almas com aquela severidade implacável que a condição de seriedade de todo exame de consciência exige, consideremos estarmos chegando um pouco atrasados na nossa preparação espiritual para esses acontecimentos.

Pois bem, nós devemos fazer uma oração, lembrando-nos de São Tomé. Se chegarmos atrasados, que Ela nos dê o favor especial particularmente rico e suave, por onde, de um momento para outro, nos preparemos de maneira tal que, quando bater à porta de nossas almas a graça dos dias terríveis que se aproximam, estejamos prontos, cheios de enlevo e capazes de seguir a vocação que Nossa Senhora nos deu.

Esta é a reflexão que me ocorre por ocasião da Assunção de Nossa Senhora. Se quisermos fazer uma meditação bonita sobre a Assunção, podemos ler as revelações de Fátima, narrando o milagre do Sol, que se manifestou de um modo tão terrível e esplêndido naquela ocasião. O astro-rei há de ter sido esplêndido, sem terribilidade, por ocasião da Assunção de Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira

REALEZA TRIIUNFANTE

A realeza de Nossa Senhora, fato incontestável em todas as épocas da Igreja, veio sendo explicitada cada vez mais a partir de São Luís Grignion de Montfort, até aquele 13 de julho de 1917, quando Maria anunciou em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!” É uma vitória conquistada pela Virgem, é o seu calcanhar que mais uma vez esmagará a cabeça da serpente, quebrará o  domínio do demônio e Ela, como triunfadora, implantará seu Reino sobre as vastidões da Terra.

Plinio Corrêa de Oliveira (“Coroação da Virgem”, Basílica de Santo Antônio de Pádua – Itália)

Cruzados da glória de Maria

O dogma da Assunção de Maria constitui mais uma das afirmações sobre a Santíssima Virgem que A coloca completamente fora de qualquer paralelo com outra criatura, justificando assim o culto de hiperdulia que a Igreja Lhe tributa.

Depois de uma morte suavíssima, a Mãe de Deus ressuscitou e subiu aos Céus na presença dos Apóstolos e de uma grande quantidade de fiéis. Essa Assunção representava uma verdadeira glorificação aos olhos de toda a humanidade até o fim dos tempos, e o proêmio da glória que Ela deveria receber no Céu. Não existindo descrições desse fato, é legítimo fazermos uma composição de lugar imaginando, conforme o gosto de nossa piedade, como a Assunção se passou: a presença dos Apóstolos, todos ajoelhados, rezando, em um ambiente inefavelmente nobre, sublime, recolhido, enquanto o céu enche-se gradualmente de Anjos, e vai tomando, aos poucos, coloridos os mais diversos, com matizações e irradiações magníficas, de maneira a apresentar um espetáculo absolutamente incomparável.

Se Maria Santíssima pôde produzir fenômenos tão excepcionais em Fátima, por que o mesmo não poderia ter-se dado por ocasião de sua Assunção?

Ressurrecta, Maria coloca-Se em pé, em oração; o respeito e recolhimento de todos vão crescendo à medida que a semelhança física que certamente existiu entre Ela e seu Divino Filho vai se acentuando cada vez mais. E a cada instante Ela Se manifesta mais Rainha, mais majestosa e mais materna também. Os mais esplêndidos Anjos do Céu acompanham-Na em sua elevação e, aos  poucos, toda aquela maravilha vai mudando, a Terra volta ao aspecto primitivo, os homens retornam para suas casas com uma sensação idêntica à que tiveram na Ascensão de Nosso Senhor: ao mesmo tempo maravilhados, com uma saudade sem nome, desolados, por um lado, mas levando na retina algo que nunca tinham visto, nem podiam ter imaginado a respeito de Nossa Senhora.

Começa o triunfo de Maria Santíssima no Céu. A Igreja Gloriosa inteira recebe-A, com todos os coros de Anjos, Jesus Cristo A acolhe, junto a São José. Ela é coroada Rainha do Céu e da Terra pela Santíssima Trindade. Assim Ela foi glorificada aos olhos de toda a Igreja Triunfante e Militante. Com certeza, também a Igreja Padecente teve uma efusão de graças extraordinárias nesse dia. E não é temerário pensar que quase todas as almas então presentes no Purgatório foram libertadas por Nossa Senhora. Eis como podemos imaginar a glória de nossa Rainha. Algo assim se repetirá  por ocasião da vinda do Reino de Maria, quando virmos o mundo todo transformado e a glória de Nossa Senhora brilhar sobre a Terra.

Ao meditar nisso, aproximamo-nos da festa da Assunção de Maria pedindo esta graça: que tenhamos o senso da glória d’Ela para compreender bem tudo quanto esta glória representa na ordem da Criação, como ela é a mais alta expressão criada da glória de Deus, e de que maneira devemos ser sedentos de afirmar e defender, por uma virtude da combatividade levada ao seu último extremo, a glória da Santíssima Virgem na Terra.

Que Ela faça de nós verdadeiros cavaleiros, cruzados d’Ela, lutando por sua glorificação na Terra. Esta parece ser a virtude mais adequada a pedir nessa festa de glória que é a Assunção de Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira

São Lourenço, Mártir

Colocado sobre uma grelha e assado vivo, São Lourenço passou para a História como exemplo para os séculos futuros…

Faremos alguns comentários, com base num texto da obra de Rohrbacher “A vida dos santos”, a respeito de São Lourenço, Mártir.

A perseguição de Valeriano intensificou-se sobremaneira no ano de 258. O Papa São Sisto foi preso com alguns membros do seu clero, quando estava no cemitério de Calisto para celebrar os Santos Mistérios. Quando o levavam ao suplício, Lourenço, o primeiro dos diáconos da Igreja Romana, seguia-o chorando e dizendo: “Aonde ides, pai, sem vosso filho? Aonde ides, Santo Pontífice, sem vosso Diácono? Não estais acostumado a oferecer o sacrifício sem ministro. No que vos desagradei? Experimentai se sou digno da escolha que fizestes de mim, para me confiar a dispensa do Sangue de Nosso Senhor”. Sisto respondeu-lhe: “Não sou eu que te deixo, meu filho, mas um combate maior te está reservado. Poupam-nos, a nós velhos, mas tu me seguirás dentro de três dias”.

Entretanto, o prefeito de Roma, julgando que os cristãos tinham grandes tesouros escondidos e querendo disso certificar-se, mandou chamar Lourenço, que como primeiro Diácono da Igreja Romana era custódio. Pediu-lhe que lhe entregasse os tesouros dos cristãos e Lourenço respondeu-lhe que lhe entregaria, após fazer o cômputo total do que possuíam. Reuniu todos os pobres e doentes de Roma, mostrando-os ao prefeito como únicos tesouros e os maiores da Igreja. Os pobres eram ouro, as virgens e viúvas, as pérolas e demais pedras preciosas. Furioso, o prefeito ordenou a morte do Diácono, mas exigiu que fosse lenta e cruel. Despiram-no e deitaram-no sobre uma grelha, tendo embaixo brasas semi-acesas. Os que assistiam ao suplício viram o rosto do mártir rodeado de esplendor extraordinário. Depois de muito tempo, disse o supliciado ao algoz: “Fazei-me virar. Já estou bastante assado desse lado”. Depois que o viraram, disse ainda: “Está assado, podeis comer.” Olhando então ao céu, rogou a Deus pela conversão de Roma e expirou. Senadores, convertidos pelo exemplo de sua constância, carregaram-lhe o corpo nas costas e o enterraram no Campo Verano, perto de Tivoli, numa gruta.

O sacrifício de um mártir

Há um grande número de dados preciosos nesse texto. O primeiro deles é o diálogo de São Lourenço com o Papa São Sisto. O santo sacrifício da Missa é a repetição incruenta do Santo Sacrifício da Cruz. De sorte que oferecer o Sacrifício da Cruz e oferecer o sacrifício da Missa é uma mesma coisa. O mártir, por outro lado, quando se oferece em holocausto, de algum modo oferece um sacrifício que é o dele e, sem renovar o Sacrifício da Cruz, entretanto imita a Nosso Senhor Jesus Cristo, que se imolou a Si próprio. Há, portanto, um conjunto de correlações entre o Sacrifício do Calvário, a Missa e o martírio. E foi em torno dessas correlações que girou o diálogo, entre todos admirável, do Papa São Sisto com seu Diácono.

O Papa foi preso e conduzido para a morte. E o Diácono dele, São Lourenço, lhe dizia: “Vós oferecestes tantas vezes o sacrifício comigo — era o papel do Diácono ajudar o Papa na celebração da Missa. Agora, vós não o quereis oferecer? Ireis me deixar nesta Terra, no momento em que vosso sacrifício vai ser feito? É como que a vossa Missa. Eu não sou vosso Diácono? Levai-me para eu ser morto convosco; uma vez que eu vos servi a vida in-teira ao pé do altar, quero servir-vos também ao pé da morte.”

Depois dessa maravilha de diálogo, São Sisto profetizou:
“Eu vou ter uma mor-te suave em comparação com a tua. Os moços vão ser menos poupados do que nós, velhos. Daqui a três dias chegará tua oca-sião e serás morto.”

Prenúncio do vínculo feudal

Realmente, essa fidelidade de São Lourenço a São Sisto traz consigo um primeiro lampejo de Idade Média. Trata-se de uma fidelidade que gira em torno de relações de caráter eclesiástico, mas é uma fidelidade feudal. O servidor se une àquele a quem serve, por um vínculo muito maior do que um contrato de locação de serviço; é um vínculo de amor e de dedicação de toda a alma, de consagração da vida inteira, de tal maneira que ele sente que não tem razão de existir a não ser em função daquele a quem serve. Na força desse vínculo vemos prenunciado o feudalismo, em que há os vínculos de fidelidade, já então de ordem temporal, mas concebidos religiosamente, porque a fidelidade é uma virtude religiosa, ainda quando praticada no âmbito temporal.

Nesse vínculo que ligava o Diácono ao Papa, vemos desabrochar a alma feudal, feita do senso do serviço, do senso da alienação e do senso de honra, pois aquele que serve coloca a sua honra em servir de fato àquele a quem se vinculou. Vemos nisso uma admirável alienação, o contrário da desalienação miserável que os revolucionários desejam. E um ante-sabor da Idade Média, onde as articulações das pessoas que constituíam a sociedade eram todas na base de uma alienação, de uma entrega, de uma proteção. Todo o perfume da Idade Média começa a evolar-se nessa lealdade, nessa dedicação, nesse senso de honra, nessa entrega, nessa alienação de São Lourenço para com o Papa São Sisto.

Os tesouros da Igreja…

De outro lado, temos o episódio admirável com os pobres.

Tendo ouvido dizer que os cristãos eram riquíssimos, o prefeito mandou chamar São Lourenço, ao qual, de acordo com a organização da Igreja naquele tempo, como Diácono, cabia a guarda dos objetos que constituíam o tesouro da Igreja romana. Pobre tesouro primitivo: alguns objetos doados pela nobreza romana, ou pelas pessoas ricas de Roma, para o culto. Era uma coisa que não tinha comparação com os tesouros hodiernos da Igreja.

Exigiu, então, que São Lourenço os entregasse. O santo Diácono disse-lhe: “Não tem dúvida. Eu vou trazê-los. Preciso de certo tempo para reuni-los todos para ver quantos são; depois eu os trago.” O prefeito respondeu: “Está bem. Então faça isso.”

No dia marcado aparece grande número de pobres de Roma, viúvas, estropiados, aos quais os romanos pagãos tinham um desprezo soberano; o pouco caso dos romanos em relação ao pobre era uma coisa incomparável. São Lourenço afirmou: “Aqui estão os tesouros da Igreja”. É uma admirável lição de espírito sobrenatural.

O mártir, quando se oferece em holocausto, imita a Nosso Senhor Jesus Cristo, que se imolou a Si próprio.

Por que o pobre é um tesouro? Antes de tudo, porque ele é homem, é cristão, batizado, filho da Igreja Católica. E o que vale no homem não é o que ele tem, sabe, pode ou faz; mas sim o fato de ele ser, acima de tudo, uma criatura de Deus. Em segundo lugar, que ele foi remido pelo Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo. Em terceiro lugar, que ele custou as lágrimas indizivelmente preciosas de Nossa Senhora. Esses títulos fazem de qualquer homem, mesmo que seja um molambo, um verdadeiro tesouro, porque Nosso Senhor Jesus Cristo ter-se-ia encarnado e morrido na Cruz ainda que fosse só por causa dele.

Ora, duas quantidades iguais a uma terceira são iguais entre si. Se aquele homem vale o Sangue de Cristo, como o Sangue de Cristo tem um valor infinito, aquele homem tem de algum modo um valor infinito. Então, por ser homem, por ser filho da Igreja, um pobre tem um valor incomensurável. Mas ele tem um valor ainda maior, não simplesmente pelo fato de ser homem, mas de ser pobre. Não no sentido revolucionário de que só o pobre tem valor. Aos olhos de Deus, há uma série de predicados humanos, até opostos entre si, se bem que não contraditórios, os quais tornam o homem digno de um amor especial de Deus, debaixo de certo título.

O sofrimento: uma forma de predileção!

Por exemplo, “simples de espírito”, no sentido corrente, atual da expressão — não no sentido antigo — quer dizer pessoas pouco inteligentes. Deus ama os simples de espírito de um modo especial; os ama na sua fragilidade porque são desnudados intelectualmente dos recursos necessários para viver, e a Providência Divina pousa sobre eles e os protege. Isso não quer dizer que Deus não ame o sábio. O fato de Deus amar com uma proteção especial aquele que é carente do ponto de vista intelectual não exclui que Ele, por outro título, ame imensamente um São Tomás de Aquino, ou Nossa Senhora, cujo conhecimento de todas as coisas deixava o de São Tomás de Aquino mais longe do que o de São Tomás dista de nós.

São títulos diversos, segundo os quais Deus ama cada coisa. De certa forma, isso ocorre com o homem que se encanta com a rosa, a rainha das flores, porque ela se abre lindíssima e se mostra no seu esplendor. Entretanto, o homem não se maravilha com a violeta pela razão oposta? Porque ela se esconde, é apagada, delicada, pequenina. Dizer que Deus ama o pobre não significa que Ele não ama o rico. Na pobreza há um título especial para o Criador amar quem é pobre. E qual é esse título?

Esse título é: Deus ama os que sofrem; bem entendido, os que padecem com resignação, em união com Ele; o sofrimento é uma prova de predileção. De maneira que quem vê um pobre porque sofre, vê no pobre um tesouro. O que significa que se eu devo amar a pobreza de um pobre, o pobre também precisa amar sua pobreza. É evidente.

Isso não quer dizer que o pobre não deva trabalhar, para deixar de ser pobre. Mas enquanto não consegue sair da pobreza, ele precisa, ao mesmo tempo, ver nela um sofrimento, mas deve carregá-la com resignação. E nós, vendo um pobre, devemos lamentar que ele seja pobre e, na medida em que podemos e tem propósito, precisamos ajudá-lo; mas devemos dar graças a Deus que não só criou os ricos, mas também os pobres. Porque há uma excelência especial da alma humana na aceitação da pobreza.

É como, por exemplo, a doença. Não se pode imaginar a que grau de degradação teria descido o mundo se não houvesse doenças.

Que cúmulo de imoralidades haveria na Terra, se elas não existissem! A Igreja é quem mais faz para acabar com as doenças, mas Ela dá graças a Deus por haver doenças invencíveis, porque é necessário para o homem que haja doenças. Assim, com esse equilíbrio muito grande das coisas, pode-se e deve-se dizer que o pobre, a viúva, o órfão, são verdadeiros tesouros reais dentro da Igreja Católica. São Lourenço deu uma admirável lição ao prefeito de Roma.

Lição para todos os séculos

A última lição ele a deu para todos os séculos: foi o seu martírio. Não se pode compreender sem um milagre, mas um milagre de primeira classe, que um homem aguente o que ele suportou. São Lourenço foi colocado sobre uma grelha, debaixo da qual foram postas brasas. E ele foi assando aos poucos. Podemos imaginar o que representa a dor de ser assado por essa forma.

E São Lourenço, com placidez e o rosto translúcido de alegria, quando percebeu que uma parte de seu corpo estava queimada — é um outro milagre ele não ter morrido com isso —, disse: “Um lado está assado, podem assar o outro lado.” Ele foi virado e na hora de expirar pediu a conversão de Roma; e foi atendido. Vários senadores que assistiram o seu martírio carregaram o seu corpo até a sepultura. Quer dizer, ele, um mero Diácono da Igreja, que vivia como perseguido nas catacumbas, é carregado por componentes do mais alto órgão legislativo da Terra naquele tempo, que era o Senado romano, levado aos ombros por aqueles que ele converteu com seu sofrimento.

Qual o resultado da humildade?

Isso foi o resultado de sua humildade. No Magnificat, disse Nossa Senhora: “Deposuit potentes de sede, et exaltavit humiles — Deus destituiu de suas cátedras os poderosos e exaltou aqueles que são humildes.” Vimos o que aconteceu com São Lourenço. Quem hoje houve falar do Imperador Valeriano? Está desfeito em poeira, apontado ao horror de todos os séculos, quando não, no esquecimento.

Um dos mais célebres palácios do mundo comemora a glória de São Lourenço: o Escorial, construído por Felipe II. Era festa de São Lourenço e Felipe II teria contra os protestantes franceses uma batalha muito árdua. Então, o rei propôs a Deus que ele faria construir uma Basílica magnífica em louvor de São Lourenço, se ganhasse aquela batalha. Ele desbaratou os hereges e mandou construir uma grande obra de arte, o Escorial, que tem exatamente a forma de uma grelha, para celebrar o instrumento do martírio de São Lourenço. E todos os turistas e peregrinos do mundo inteiro, que vão ao Escorial, ficam sabendo das glórias de São Lourenço. Sem falar, naturalmente, no culto que lhe presta a Igreja Universal.

O mártir sacrossanto está no mais alto do Céu, louvado por Nossa Senhora, pelos anjos, objeto de predileção de Deus; até o fim do mundo se celebrará a memória dele e por toda a eternidade os anjos vão cantar sua glória no Paraíso.

E os poderosos, que eram filhos da iniquidade e se orgulhavam do seu poder, foram jogados no chão. Valeriano onde estará?

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/8/1969)

Verdadeira transfiguração

Durante a Assunção de Maria Santíssima, é possível que o Sol tenha brilhado de um modo magnífico, o céu tenha ficado com cores variadas, refletindo de modos diversos, como uma verdadeira sinfonia, a glória de Deus. Mas nenhum desses esplendores podia se comparar ao próprio esplendor de Nossa Senhora subindo ao Céu.

Toda a glória de Maria provinha de seu interior, e à medida que Ela ia Se elevando, essa glória ia transparecendo aos olhos dos homens como numa verdadeira transfiguração, alcançando todo seu brilho quando, já no alto de sua trajetória celeste, Ela olhou uma última vez para os homens, antes de definitivamente entrar nos Céus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/8/1968)

As alegrias de Nossa Senhora na Assunção

Devemos nos alegrar não só com as boas coisas que acontecem em nossas vidas, mas também pensar nas alegrias extraordinárias da Assunção, depois da qual Maria Santíssima, entrando no Céu, encontrou-Se com São José, com as almas dos eleitos e todos os Anjos, e foi coroada como Rainha por ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Filha do Padre Eterno e Esposa do Divino Espírito Santo.

 

Tem-se tratado muitas vezes a respeito das dores de Nossa Senhora, mas os antigos falavam, mais do que os contemporâneos, das alegrias de Maria Santíssima. E era até uma devoção bastante intensificada, generalizada outrora, a tal ponto que uma das igrejas mais famosas do Brasil foi exatamente a de Nossa Senhora dos Prazeres dos Guararapes, onde os hereges holandeses foram derrotados, e depois se realizou uma espécie de primeiro armistício com eles.

Nesta Terra temos necessidade das verdadeiras alegrias

Devemos tratar também dos prazeres de Nossa Senhora, porque todos os aspectos da vida d’Ela nos são caros, mas também por causa de um lado muito importante, que é o seguinte: São Tomás de Aquino diz que nenhuma pessoa pode subsistir nesta Terra numa infelicidade total. Esta por pouco tempo se aguenta, mas por um longo período é sempre preciso haver algum alívio, sem o qual esse infortúnio não é suportável. Portanto, devemos nos alegrar pelas razões que merecem alegria, e é virtuoso que assim façamos.

A virtude não consiste só em nos entristecermos com as coisas que devem despertar tristeza, mas também em nos alegrarmos com aquilo que causa alegria. E há muitas coisas que devem despertar júbilo na vida do católico, embora não seja de nenhum modo a alegria como o mundo a entende.

Quando falta nas almas a alegria pelas boas razões de alegrar-se, surge a má tristeza, a depressão, e as pessoas começam a sentir atrativo pelas coisas do mundo e a se alegrarem com elas. A partir desse momento, naturalmente, inicia-se um processo de entibiamento, porque um dos sintomas da tibieza é a incapacidade de se alegrar com as coisas boas, santas, acompanhada de uma alegria ruim com uma porção de coisas indiferentes ou positivamente más.

Por isso, notamos na vida da Santíssima Virgem muitos movimentos de alegria, o mais insigne dos quais é, evidentemente, o Magnificat. Mas há outros fatos de sua vida que indicam o prazer que Ela teve. E daí os mistérios gozosos do Rosário, que mostram as alegrias da Mãe de Deus desfrutada em vários momentos de sua existência.

Mas nenhuma alegria de Nossa Senhora nesta vida foi tão grande quanto à da Assunção, que foram as maiores que Ela teve na sua existência terrena, se é que a Assunção pode ser considerada da existência terrena.

Mas elas são passageiras e desaparecem

Como podemos refletir a respeito da Assunção? Usemos de uma comparação.

No cerimonial de coroação da Rainha da Inglaterra, a soberana, portando um diadema, entra numa carruagem dourada magnífica, esplendidamente ornada.

Tocam os sinos, troam os canhões, a carruagem avança, precedida por um esplêndido cortejo de cavalaria, em direção à Abadia de Westminster, onde a rainha recebe a homenagem de todos os pares do Reino, dos membros da Casa Real e de outras notabilidades. Em seguida dirige-se ao seu trono à espera do momento máximo em que, após algumas cerimônias, ela será coroada. Realizada a coroação, o júbilo toma conta da cidade, espalha-se pelo reino e deste para o mundo. Há uma espécie de alegria universal.

Podemos compreender que a alegria desta rainha passe por etapas. Ela amanhece jubilosa e este júbilo — feito de honra, de dignidade e de consórcio com um destino magnífico que o Criador lhe deu: o de reger um enorme povo — vai subindo de grau até o momento da coroação, quando o seu triunfo é completo.

Mas, no meio de todas essas alegrias, quantas pequenas coisas incomodam…

Ela está andando na carruagem e, de repente, sente uma coceira no rosto, mas não pode se coçar porque fica feio. Aguenta esse incômodo e, ao invés de estar cogitando na popularidade, começa a pensar na coceira.

Certa vez, li um comentário da Imperatriz Maria Teresa, do Sacro Império Romano Alemão, descrevendo a coroação dela como Rainha da Boêmia.

Ela falava dos joalheiros que tinham estado, dias antes, adaptando a antiga coroa da Boêmia ao formato de sua cabeça, o que é uma obra de ourivesaria, mas também de estética; porque se um chapéu de senhora precisa ser bem colocado, quanto mais uma coroa! E descrevia, então, a paciência de ficar sentada, enquanto provavam a coroa: mexe um pouco para lá, põe para cá, e ela equilibrando aquele peso na cabeça. Depois, o cortejo, portando a coroa pesadíssima, dentro de uma carruagem que dava solavancos, nos maus calçamentos de Praga daquela época.

Esses pequenos pormenores acabam ofuscando, com seu prosaísmo, cenas magníficas. E, por outro lado, sabemos que tais júbilos desaparecem, não têm continuidade. O momento da coroação é transitório; o dia seguinte já se apresenta pálido em relação à véspera, e cheio de preocupações face ao próximo dia.  Essas são as alegrias autênticas desta vida! Porque essa é uma alegria verdadeira e nobre.

A coroação de Nossa Senhora no Céu

Reportemo-nos, agora, à Assunção de Maria Santíssima.

Nossa Senhora sabia o dia da sua Assunção e que, imediatamente após sua ressurreição, seria elevada pelos Anjos ao Céu. Ela estava na plenitude de sua santidade, sua alma santíssima, que durante toda sua existência terrena não deixou um instante de progredir de um modo perfeitíssimo em matéria de vida espiritual, tinha chegado àquele clímax em que Maria possuía a perfeição perfeita, a beleza belíssima, a virtude virtuosíssima, portanto ao apogeu dos apogeus, e o seu amor de Deus nunca fora maior do que naquele momento.

Podemos imaginar o estado de espírito d’Ela, sabendo que, a partir daquele instante, iria gozar da visão beatífica, passaria por um cortejo infindo de Anjos, dos quais receberia as maiores homenagens possíveis, como nunca nenhuma rainha do mundo recebera ou receberá.

Ademais, a Santíssima Virgem é capaz de compreender a natureza, a luz primordial, a graça de cada Anjo, o amor que cada um deles tem a Deus e o amor do Altíssimo a cada Anjo. E teve um conhecimento perfeito da veneração e da hiperdulia dos milhões e milhões de Anjos, todos se dirigindo a Ela e aclamando-A com o maior amor, o maior respeito, a maior veneração; e sentindo um amor e uma alegria completa por todos e cada um desses louvores, ciente de que eram merecidos porque Ela tinha sido a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e o espelho fidelíssimo d’Ele.

Imaginem que um Anjo da Guarda aparecesse para um de nós e dissesse: “Meu filho dileto, você é extraordinário e sobre você pousam todas as minhas complacências! Você é digno inteira e perpendicularmente do jorro de minha benevolência!” Um elogio como esse, feito por uma natureza imensamente maior do que a nossa, seria inebriante.

O que seria, então, para uma mera criatura humana, como era Nossa Senhora, o amor entusiástico de todos os Anjos, com o Céu angélico transformado numa coisa lindíssima porque a Rainha estava indo para lá. Era uma corte que durante milhares de anos tinha esperado sua Rainha, a qual chegava e ia pôr o termo final na beleza do Paraíso.

Depois de Nossa Senhora ter percorrido todos esses Anjos — e, antes disso, as almas santas que já haviam subido ao Céu após a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, bem como ter Se encontrado com seu esposo São José e ali permutado com ele uma saudação cheia de um respeito e de um afeto, de que nós nem sequer podemos fazer uma ideia —, a Assunção estava no auge. Maria Santíssima tinha chegado ao termo da Assunção, que foi a coroação d’Ela.

Quer dizer, Ela ia ser coroada como Rainha dos Anjos e dos Santos, do Céu e da Terra, pela Santíssima Trindade. E, com a coroação, houve uma verdadeira festa no Céu; isso não é uma hipérbole, pois se realizou uma festa autêntica no Céu, embora em termos e modos que não podemos imaginar bem.

A festa de coroação foi o auge total e pleno de alegria, mas sem sombra, sem mancha, sem incerteza, sem preocupação, sem a menor nuvem. Porque Ela foi coroada como Rainha por ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Filha do Padre Eterno e Esposa do Divino Espírito Santo.

E podemos imaginar o que foi para Nossa Senhora o primeiro momento da visão beatífica — mas desde logo um instante eterno, porque a visão beatífica é eterna —, a primeira alegria da visão direta de Deus? Ora, toda a Assunção d’Ela era uma marcha para isso. E Maria Santíssima o sabia e o desejava ardentemente.

De maneira que é possível, por aí, aquilatar os oceanos — eu diria infinitudes — de alegrias que Ela teve em sua alma santíssima por causa disso.

No Céu, nossas dores serão transformadas em alegrias

Podemos fazer alguma aplicação para nós e tirar disso algum proveito? Evidentemente sim.

Precisamos tomar em consideração que também nós somos chamados para uma verdadeira assunção. Devemos morrer, mas logo depois nossas almas serão julgadas e mostradas a Nossa Senhora, e vão gozar — pela misericórdia d’Ela, evidentemente — da visão beatífica. Depois, quando vier o Juízo Final, seremos levados para o Céu. É misterioso se será por ação angélica ou por império de Deus, mas também nós vamos fazer essa viagem da Terra, completamente transformada, para o Paraíso celeste a fim de gozarmos daquilo que Nossa Senhora já desfruta.

Então, nas delícias do Céu, teremos a familiaridade dos Anjos, dos santos, iremos nos encontrar novamente uns com os outros. E uma das fontes maiores de alegria que teremos lá vai ser de lembrar as dores desta Terra, e tudo quanto aqui passamos.

Ao encontrarmos alguém com quem tínhamos implicância, diremos:

— Oh, meu caro, lembra-se daquele desacordo entre nós? E também daqueles aborrecimentos que lhe dei? Olhe, eu passei no Purgatório tanto tempo…

O outro responde:

— Eu o aborreci também, mas Nossa Senhora nos perdoou. Aquilo vai constituir entre nós um vínculo maior. Lembra-se dos favores que Ela nos concedeu? E de Fulano e Sicrano que eram tão nossos amigos?

— Onde estão? — pergunta o primeiro.

— Estão lá.

Não tenho a menor dificuldade em admitir que haverá festas no Paraíso, em que todos os de nosso Movimento se encontrarão juntos para louvar de um modo especial Maria Santíssima. Então, todas as dores que temos no momento presente serão transformadas em alegrias superabundantes, em satisfações insondáveis, que nos inundarão durante toda a eternidade.

Em comparação com a eternidade nossa vida terrena é um pesadelo

Meus caros, nossa vida pode durar trinta, cinquenta anos, mas passa. É um minuto quando nos colocarmos diante da ideia da eternidade. Sofremos agora, mas depois, quantas alegrias! E a maior delas será olhar para Nossa Senhora.

Há uma história medieval, bastante conhecida, referente a um homem que pediu muito para ver Nossa Senhora. A Mãe de Deus apareceu-lhe e ele ficou encantado, deliciado com a vista d’Ela. Quando Maria Santíssima desapareceu, ele estava cego de um olho. Então um Anjo perguntou-lhe se ele quereria vê-La ainda mais uma vez, com a condição de perder o outro olho. Ele pensou e respondeu: “Quero. Vale a pena ficar cego para ver Nossa Senhora mais uma vez. Qualquer treva é aceitável, desde que, por um instante, eu possa pôr os meus olhos outra vez nessa luz!”

A Santíssima Virgem veio de novo. Ele A contemplou longamente e, quando Ela foi embora, estava curado da outra vista!

Se é tão magnífico ver Nossa Senhora, imaginem o que significa ver Nosso Senhor Jesus Cristo! E, depois, a essência de Deus na visão beatífica. Tudo isso é eterno, pelos séculos dos séculos!

E agora pergunto: Em comparação dessa eternidade fixa, imóvel, perpetuamente nova, sem jaça, insondavelmente interessante, curiosa para ver, animada, empolgante, o que é esta vida que passa? Não é absolutamente nada, é uma escória, um pesadelo. Temos a impressão de que esta vida é uma realidade. Muito mais do que ser uma realidade, ela é um pesadelo.

Então, pensarmos que vamos ter alegrias análogas às de Nossa Senhora, uma ida ao Céu a qual é uma analogia com a ida de Maria Santíssima ao Paraíso no dia da Assunção, é, a meu ver, a melhor das meditações.

Representa-se Nossa Senhora com um coração circundado de rosas brancas, para lembrar a pureza; e também perfurado por sete gládios. Estes evidentemente são gládios espirituais e o coração simboliza a alma d’Ela, ferida pela espada de dor sobre a qual falou o Profeta Simeão.

Eu gostaria de ser pintor para representar Maria Santíssima subindo ao Céu, com o coração à mostra e desses gládios saindo a maior das luzes que se possa imaginar. Porque essa era a grande alegria d’Ela, ou seja, os tormentos sofridos, as lutas aceitas. E também vai ser a nossa. Quanto mais sofrermos, mais devemos lembrar-nos da glória e alegria que teremos na passagem desta Terra para o Céu, e, sobretudo neste, pelos séculos dos séculos.

Na Ladainha do Espírito Santo, há uma jaculatória que sempre me impressionou muito: “Senhor, dignai-vos elevar nossas almas para o desejo das coisas celestes!” É com meditações assim que nos damos conta das coisas celestes, temos alegria e inteira consolação para suportar as coisas da Terra porque o Céu existe.

Contaram-me que uma senhora simples viu pela primeira vez a sala do Reino de Maria(1), e fez este comentário: “Depois de ver esta sala, a gente tem menos medo de morrer”.

Isto é de uma teologia profunda. Até então ninguém fizera igual elogio à sala do Reino de Maria. É o mais faustoso elogio que se possa fazer de uma sala.

Assim deveríamos pensar nós: vendo a sala do Reino de Maria e outras maravilhas, não só não termos medo, mas quase vontade de morrer, para sair depressa daqui e irmos para o Céu. Só não fazemos isso porque, vivendo na Terra todo o tempo que Nossa Senhora quiser, teremos o Paraíso perfeito que para nós Ela destina.

Peçamos a Maria Santíssima, nesta festa de sua Assunção, que essas considerações tenham vida em nossas almas.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/8/1966)

 

1) Sala nobre da sede social do Movimento fundado por Dr. Plinio. Ver Revista Dr. Plinio, n. 194, p. 14.

 

Festa de todas as alegrias

A festa de todos os gáudios e todas as alegrias, a festa do dia em que Nossa Senhora, ressurrecta, foi levada aos céus em corpo e alma, terá sido a maior celebração realizada no Paraíso, depois dos esplendores retumbantes da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Maria Santíssima, a obra-prima da mera criação ocupará seu lugar ao lado do trono de seu Divino Filho.

Pode-se imaginar que, nesse instante, todas as gloriosas perfeições da Mãe de Deus brilharam de modo ímpar: a bondade imensurável, a suavidade, a soberania, o domínio, o atrativo, a virginal firmeza, tudo se manifestou de maneira fulgurante, misteriosamente reluzindo e se acentuando, acentuando-se e reluzindo, para maravilhamento dos anjos e dos bem-aventurados que então A contemplavam na eternidade…

Santa Clara de Assis

A biografia de Santa Clara de Assis muito nos fala da importância da vida interior, assim como da glória verdadeira das coisas santas e católicas. Oriunda de família nobre, fundadora do ramo feminino da Ordem Franciscana, ela abandonou tudo o que possuía de rico e de precioso, para não ter “outro tesouro e outras heranças que o Deus do Presépio e do Calvário”.

Consagrada a Nosso Senhora para todo sempre, esta santa virgem um dia pôs em fuga os sarracenos que invadiam o norte da Itália e sitiavam seu convento.

Avançou de encontro a eles, levando em suas mãos um cibório com o Santíssimo Sacramento: diante dessa frágil religiosa protegida pelo Coração Eucarístico de Jesus, tudo pára, tudo recua!

Prova de que uma alma que se esforce na sua santificação pode fazer um bem maior para a causa católica do que todas as grandes realizações meramente materiais…

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Alegram-se os anjos!

Maria foi levada aos Céus, os anjos se alegram: louvando, glorificam ao Senhor — canta a conhecida antífona com a qual a Santa Igreja celebra a Assunção da Santíssima Virgem, anualmente, no dia 15 de agosto.

O magistério eclesiástico e o ensinamento dos Sumos Pontífices edificaram ao longo dos séculos, com abundância de argumentos e sólida interpretação das Sagradas Escrituras, o fundamento desse augusto privilégio mariano, aceito pelos fiéis de todos os tempos e definido como dogma de fé pelo Papa Pio XII, em 1950.

Entretanto, a imaginação e o vocabulário humanos tornam-se insuficientes para tentar descrever a felicidade e o esplendor incomparáveis que adornaram o Paraíso Celeste quando por suas portas ingressou a Mãe de Deus, em corpo e alma, revestida de inefável e perene beleza!

Os próprios espíritos angélicos, comenta um ilustre autor, diante de tamanha formosura se perguntaram uns aos outros: “Quem é esta que sobe do deserto, inebriada de delícias (Cânt 8, 5)? E se ainda quando Maria andava como peregrina pelos ásperos caminhos deste vale de misérias, os anjos Lhe serviam de criados e ministros,  que não farão agora, vendo-A ascender da Terra ao Céu, e aí colocada magnificamente sobre todas as suas ordens e coros? Reconhecendo-A por Rainha, dançam em sua presença os Anjos, aplaudem-Na os Arcanjos, as Virtudes A glorificam, os Principados A enaltecem, regozijam-se as Dominações e as Potestades, festejam-Na os Tronos, cantam-Lhe louvores os Querubins e celebram seus privilégios os Serafins!”(1)

E se tão imenso foi o gáudio dos anjos ao contemplarem sua Soberana naquele momento, maior e mais insondável terá sido a alegria que marcou o reencontro entre Mãe e Filho na eternidade, conforme salientava Dr. Plinio:

“A este acontecimento de proporções inconcebíveis por nós, só puderam assistir as ‘invejáveis’ almas dos bem‑aventurados que lá estavam, e só elas o poderiam narrar. Pois não existe, neste mundo, qualquer talento ou estro humano capaz de retratar a chegada de Nossa Senhora no Céu, conduzida pelos coros angélicos, e sendo aí recebida por Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Na verdade, preciso fora ter visto e admirado as relações terrenas entre ambos, para se compreender a riqueza de sentimentos encerrada nesse reencontro, e se formar uma pálida ideia do olhar com que Jesus, do alto de seu trono de esplendor, considerou a figura excelsa de sua Mãe entrando no Paraíso. Mais ainda. Embora nosso espírito estremeça ao pensar que Ele é Deus, superior a tudo e a todos, inundado de júbilo perfeito, ousaríamos dizer que o Divino Redentor se deixou tocar por um sumo agrado e um sumo respeito no instante de cingir a fronte imaculada de Maria com uma coroa de graças inigualáveis.

“Quem pode vislumbrar tamanha glória? Ela excede a tudo quanto nos é dado imaginar.

“E se Deus prometeu a si mesmo como a recompensa demasiadamente grande reservada àqueles que O amam, confundidos ficamos, se procuramos excogitar quão grande e quão demasiado houve de ser esse prêmio para a criatura que O revestiu de sua própria carne, O cumulou de solicitude e ternuras maternais, e O amou de um amor incomensurável, inexcedível.”

Sejamos, pois, também nós partícipes dessa celestial felicidade, e com os anjos celebremos a gloriosa Assunção de Maria Santíssima. A Ela roguemos nos alcance copiosas graças de perseverança na virtude, nos ampare e ilumine em nossa peregrinação por esta vida, e nos conduza, finalmente, aos pés de seu trono de Mãe e Rainha na eterna bem-aventurança.

 

1 ) Cf. Tesouro de Oratória Sagrada.

 

Um inocente que irradia luz espiritual

São Domingos de Gusmão (cuja festa se celebra em agosto) e São Francisco de Assis, seu contemporâneo, foram dois luzeiros cujas vocações se interpenetram. Considera-se terem realizado o  famoso sonho de Inocêncio III, no qual esse Papa via a Basílica de São João de Latrão, que simbolizava a Cristandade, rachada e sendo sustentada, ora por São Domingos, ora por São Francisco. 

Dr. Plinio tinha por ambos profunda admiração, que se traduziu em numerosos comentários pervadidos de sentimentos de enlevo e veneração. Na conferência que transcrevemos a seguir, ele  analisa um afresco de Fra Angélico, no qual o insigne pintor dominicano procura retratar as perfeições morais de seu santo Fundador

 

Cristandade tendia já naquela época para a moleza, o relaxamento, a perda do senso do sacrifício, do sobrenatural, e se inundava dos bens materiais que o avanço da civilização proporcionava.

Foi neste contexto que, para barrar o progresso do mal, Deus suscitou as vocações de São Francisco e de São Domingos: o primeiro, pela caridade, e o segundo, pela lógica, lograram conjuntamente reerguer a Idade Média do século XIII. A Ordem dos Franciscanos devia praticar em grau exímio a humildade e a pobreza; a dos Dominicanos, combater num terreno mais intelectual o orgulho e a sensualidade.

Na conferência de hoje, pretendo voltar-me particularmente para São Domingos. Procuremos vê-lo pelos olhos de um de seus mais eminentes filhos espirituais, Fra Angélico.

Em um de seus célebres afrescos, ele representa São Domingos ainda muito moço, vestido de dominicano, numa atitude pensativa, meditando ao pé da Cruz. A pintura mostra um personagem muito sereno e calmo. Mas, ao mesmo tempo, dentro da serenidade e da calma dele, está se entregando a uma intensa atividade. Encontra-se numa pesquisa, numa interrogação. Sem tensões nem cansaços errados, a investigação de seu espírito se concentra num determinado ponto. De outro lado, nota-se nele uma atitude de enlevo e de amor.

No todo externo deste homem há algo de luminoso. Ele irradia uma luz que não é física, mas espiritual. Não se trata do viço da mocidade, também presente nele; é uma espécie de luz interior, mais ou menos indefinível, decorrente de uma extraordinária lucidez e de uma clara visão das coisas.

Singular discernimento das almas

Tem-se a impressão de que, se um de nós olhasse o mundo de dentro dos olhos dele, veria o universo com alguns matizes completamente diferentes. Sobretudo, no que diz respeito às almas.

Examinando-as, procurando conhecer caráteres, esse homem está tão distante do lamaçal das atividades comuns, tão longe das paixões que habitualmente os homens têm, que ele, por diferença, percebe muito mais essas desordens e, por conaturalidade, também discerne melhor o que há de bom nos homens. Ele tem uma visão muito mais penetrante do mundo das almas, do que uma pessoa comum.

Fortaleza, clareza de visão e equilíbrio

Uma objeção que se poderia fazer a esta figura é a seguinte: onde está presente dentro dela a combatividade de espírito? Parece uma pessoa feita para concordar com tudo, e capaz apenas desse sorrisinho que esboça. E, a esse título, é uma pessoa que deve ser rejeitada por uma verdadeira formação.

Na realidade, imaginemos este homem fechando o livro e presenciando alguma cena de despudor insolente ou alguma extravagância, que se tornaram tão comuns nas ruas de hoje. Ele ficaria ou não profundamente chocado, e quereria empunhar um látego como aquele com que Nosso Senhor expulsou os vendilhões do Templo? Certamente.

É na sua extrema inocência, na sua extrema candura que reside uma extrema clareza de visão, muita fortaleza e muito equilíbrio. Este homem é capaz de atitudes enérgicas, mas também, no intervalo das batalhas, de sorrir e meditar sobre o Natal. Sem violências, sem choques interiores, ele passa de um estado de alma para outro.

Ele é, entretanto, um homem transparente para cada um de nós compreendê-lo. Um homem que poderíamos sondar, no mais íntimo de sua alma, para perguntarmos qual é o ponto de partida de todo esse equilíbrio que ele demonstra.

O ponto de partida é, antes de tudo, uma noção primeira da ordem. Porque esta é uma pessoa que nunca perdeu a graça batismal. Isto está escrito na sua fisionomia. Não se poderia admitir, por exemplo, que lhe fizessem esta biografia: “Grande santo penitente. Viveu por muito tempo no meio de pessoas corrompidas e cometeu inúmeros assassinatos. Ei-lo depois de convertido”. A penitência tem aspectos mais sublimes, mas não tem o da inocência. Neste homem se discerne a graça batismal na sua candura originária, em sua beleza primaveril.

Certezas extraordinárias

A partir da fidelidade à graça batismal, há uma certa retidão por onde ele vê muito claramente que a verdade é a verdade, e o erro é o erro. E os primeiros princípios universais da lógica e do entendimento não passaram pelo menor abalo, no espírito dele. De maneira que ele possui naturalmente certezas extraordinárias.

Prestemos atenção em sua fisionomia: não há o menor grau de dúvida a respeito de nada. Ele nunca duvidou. Consideremos com que tranqüilidade ele procura o seu caminho. Por quê? Porque ele anda a partir de certezas que nunca foram abaladas, e que lhe abrirão todas as portas.

De outro lado, com essa noção muito grande de todas as certezas, possui ele uma naturalidade e um modo categórico de condenar completamente o erro, e de se desfazer do mal de uma forma que não admite discussão: é, e está acabado!

Fé católica absoluta

Tomemos a fé católica deste homem, por exemplo. É uma fé total, absoluta! Ele acha evidente que a Igreja Católica seja verdadeira. Não há dúvidas para ele a esse respeito. É uma fé que nasce dessas certezas originárias, serenas e magníficas de quem nunca pecou contra a criteriologia, nunca pecou contra os próprios nervos, nunca pecou contra nada! E que progride na sua vida espiritual como o Rio Amazonas corre para o mar: caudaloso, enorme, tranqüilo, arrastando tudo, empurrando o mar longe para frente. Não é um rio wagneriano com cascatas, com quedas d’água nem coisas semelhantes. Ele se dirige para o oceano em linha reta, e chega ao mar. O mar, neste caso, é o Céu!…

Um profundo senso do divino

Outra coisa que há nele é o senso do divino, que se traduziria pouco mais ou menos num raciocínio da seguinte evidência:

“Eu existo. Contudo, é verdade também que antes de mim existiu uma quantidade enorme de seres. É verdade que, ao mesmo tempo em que eu existo, existe uma quantidade enorme de seres, e que depois de mim existirá outra quantidade enorme de seres. Há, portanto, um fluxo do existir dentro do qual, somando e subtraindo, eu sou uma gota, e não o centro dele.

“Por detrás desse fluxo de existência há uma ordenação, uma regra, uma concatenação de fatos, uma sucessão de coisas que constituem um universo coordenado e uno. Esse universo que assim existe me dá a ideia de um Ser ainda maior do que ele e, portanto, um Ser Absoluto, Divino, que também existe. É Ele o Criador de tudo.”

É a primeira impostação da alma diante de Deus.

Este é um homem sem interesses individuais. Ele não tem vaidades, nem complexos, nem ambições. Ele tem o hábito de, no seu pensamento, nas suas reflexões, não reportar as coisas a si, mas a este absoluto que é Deus, e que é o centro para onde ele está voltado.

Da inocência, o espírito apostólico

Então nós temos que, para este homem, rutila com clareza muito maior do que para o comum dos homens a noção de que a verdade é a verdade, o erro é o erro, o bem é o bem, e o mal é o mal. Vamos dizer que este homem, de repente, se encontrasse com Lutero. Ele se diferenciaria do heresiarca por vários abismos sucessivos. Ele iria notando as divergências, e diria: “Não! Errado!” E depois: “Vou pregar contra as idéias erradas de Lutero, pois não posso deixar que leve outros a seus erros! Nós não cabemos juntos no mundo!”

Donde nasceu o ímpeto desse espírito apostólico? Nasceu da candura originária, que é, em última análise, a boa ordem inicial de todo ser. Nasceu de todos os primeiros princípios da razão, de todos os primeiros impulsos dos nervos, de toda a graça do Batismo. Nasceu do senso do divino, e do respeito enorme por tudo o que existe, inclusive por si próprio, sentindo, por detrás, Deus que o envolve e que o transcende. Eis o ponto de partida desta alma inocente, que contém todo o resto.

“Paraíso originário” de todo batizado

Esse estado de alma é o “paraíso originário” que todo batizado tem, em grau maior ou menor do que São Domingos.

E aqui, ao término dos comentários sobre esta magnífica representação do Fundador dos dominicanos, parece-me apropriado ressaltar esta verdade: todos nós tivemos a inocência batismal. É ou não é verdade que todos nós, no fundo de nossas almas, sentimos saudades dos encantos do tempo em que éramos inocentes? Entretanto, como fomos feitos para viver dessa inocência, permanecem na alma mil cordas que ninguém vibrou, mil solicitações que não foram atendidas, mil possibilidades de expansão que de fato não foram aproveitadas, mil apetites feitos para a casa paterna que se vão saciar nas bolotas dos porcos. Resultado: mil remorsos indefinidos, não se está contente consigo mesmo, não se sente limpo diante de Deus.

Achamos que nossa existência é dura. É verdade. Porém, não agravamos nosso exílio, fechando as janelas que davam para o Céu? Há na Escritura uma lamentação de Deus, dirigida ao povo hebraico: “Vós transformastes o meu templo numa barraca para guardar frutas”. Não somos nós um templo do Espírito Santo, que transformamos em barraca para guardar frutas?

Olhando de frente nossa situação atual, lembremo-nos que tudo aquilo pode ser restaurado, desde que rezemos com confiança nesse sentido. Peçamos, pois, a Deus Nosso Senhor, por meio de Maria Santíssima, que nos limpe de nossos pecados e imperfeições, e restaure em nós aquela bondade derivada das graças que o Batismo infundiu em nossas almas.