São Conrado: Abnegado apóstolo porteiro

Quando menino, a simples presença de São Conrado entre seus colegas afugentava aqueles que diziam palavras imorais. Esse Santo, por ser inteiramente abnegado de si mesmo era um homem puro.

O inteiro desapego de nós mesmos é a condição de nossa perseverança e da fecundidade de nosso apostolado.

Sobre  São Conrado de Parzham, em Schamoni, O verdadeiro rosto dos Santos, nós encontramos alguns trechos biográficos.

Meu livro é a Cruz

Conrado de Parzham, no século Johann Birndorfer, nasceu no dia 22 de dezembro de 1818, em Parzham, perto de Passau, na Alemanha, descendente de uma piedosa família de camponeses. Quando menino ainda, seus colegas falavam coisas menos dignas e, ao vê-lo aproximar-se, exclamavam: “Calemos, aí vem o João”. Sentiam já respeito pela majestade de Deus. E nas tarefas do campo, em pleno calor estival, recusava cobrir a cabeça porque, estando continuamente em oração, acreditava que somente com a cabeça descoberta podia rezar.

Aos 31 anos, tendo certeza de sua vocação religiosa, abandonou a casa e a herança e entrou como leigo na Ordem Capuchinha. Depois dos votos,  o Irmão Conrado foi destinado a ao convento de Altötting, junto ao qual há um santuário da Virgem, visitado anualmente por milhares de peregrinos. Em tal mosteiro, que no ambiente do campo não encontra um mo-mento de repouso, o cargo de porteiro é sumamente difícil.

O Irmão Conrado cuidou da portaria do convento por quarenta e um anos e, aplicando-se em sua missão com tato e atenção, teve inalterável paciência, sempre cheio de deferência, humilde, serviçal, piedoso, laborioso. Nunca foi visto mal-humorado, jamais pronunciou uma palavra inútil. Assim converteu–se num pregador silencioso, que infundia respeito aos visitantes, convertia os pecadores, consolava os aflitos e ajudava os pobres.

Escreveu uma vez a um amigo: “Minha regra de vida consiste em amar, sofrer e maravilhar-me em êxtases e orações pelo amor de Deus para conosco, pobres criaturas. Nunca termina esse divino amor. Nada há que me impeça, em minhas  ocupações, de me afastar de minha união com Deus. Meu livro é a Cruz, basta-me um olhar para ela para saber em cada ocasião qual há de ser minha conduta”. Três dias antes de morrer, renunciou a seu cargo de porteiro, falecendo a 20 de abril de 1894.

Ele morreu, portanto, bastante idoso.

A Revolução hoje vai progredindo como um câncer

É muito interessante a figura desse Santo. Eu já vi em livros com gravuras de Santos uma reproduzindo seu perfil, oposto ao de São Leão IX que era um aristocrata, homem de grande formosura e talento. Um varão superior, debaixo do ponto de vista de suas qualidades naturais, no qual se inseriu, como um facho de luz maravilhoso, a vida sobrenatural e a sua própria santidade.

São Conrado de Parzham é o contrário. Um humilde irmão franciscano, que na gravura aparece muito branco, de barba e cabelos brancos, com um maço de chaves na cintura, indicando a sua função de porteiro. Com toda essa inferioridade humana em relação a um São Leão IX, por exemplo, é, entretanto, uma figura esplêndida, de tal maneira que poderia ser colocada como par desse Papa Santo, pois todas as qualidades naturais se eclipsam e desaparecem quando estão em jogo os valores de caráter sobrenatural.

Temos aqui vários dados da vida de São Conrado a considerar.

Em primeiro lugar, como ele afugentava – sendo simples camponês – os colegas que diziam palavras imorais. Vemos aí uma preservação daquela época, ao menos no lugar em que ele vivia. Porque hoje eu duvido que até um Santo consiga afugentar os meninos de colégio que falam palavras obscenas. Vê-se por aí como a Revolução vai progredindo à maneira de um câncer, invadindo tudo. Naquele tempo ainda havia gente amedrontável; hoje não existe mais.

O mal se mostra completamente desatado e inteiramente triunfante. É exatamente um dos elementos que tornam necessários os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima. É também digno de nota a intensidade da piedade dele, rezando de tal maneira, de um modo contínuo, que durante o período de trabalho no campo  ele orava também. E por isso não queria cobrir a cabeça porque, como estava falando com Deus, ele preferia receber todo o calor, mas permanecer numa atitude de respeito diante de Nosso Senhor.

Observa-se, por um lado, a falta de respeito humano e, por outro, uma piedade ininterrupta e acendrada, um grande espírito de mortificação. Porque o trabalho manual já é de si penoso; realizá-lo com o sol incidindo na cabeça descoberta o torna mais difícil ainda. E no meio disso ele conseguia se concentrar. É uma capacidade de atenção, de oração, digna de nota. Sobretudo para os homens de nossa época tão fáceis de se dissiparem.

Um porteiro edificante, solícito, digno, respeitoso

Ele entrou como irmão leigo na Ordem Capuchinha aos 31 anos de idade, e foi destinado como porteiro do convento junto a um santuário de Nossa Senhora. E tornou-se aí o contrário dos porteiros de convento que habitualmente se conhecem. Manda-se telefonar, chamar um frade, passa meia hora…; em parte devido à lentidão do porteiro em chamar o frade, em parte à demora deste em vir ao telefone. São as duas coisas que se conjugam: displicência e desinteresse.

Em São Conrado vemos o oposto: era um mero porteiro de convento, mas tão edificante, tão solícito, tão digno, tão respeitoso, que todo mundo se edificava com ele. E então a ficha diz muito bem que, sendo um mero porteiro de convento, pela sua ação de presença, pela sua virtude, ele pregou uma grande lição de quarenta e um anos, se transformou num grande missionário, num grande pregador.

Isso nos faz ver que os homens eficientes para o apostolado de nenhum modo são apenas aqueles que têm capacidades intelectuais, como a de falar em público. Esses também podem ser eficientes, mas a chave da eficiência deles não está no talento, e sim na vida sobrenatural que habita neles e se comunica aos outros.

Por causa disso, vemos um simples porteiro, irmão leigo, ter feito pela Causa Católica um apostolado enorme no mais obscuro dos cargos, um homem com uma ciência mui to pequena. Apostolado de portaria. Como isso indica qualquer coisa de restrito, de circunscrito em matéria de apostolado! Entretanto, o êxito do brilho desse apostolado deve-se à vida interior.

O apostolado seriamente conduzido exige abnegação e renúncia completas

Eis o pensamento dele a respeito da oração contínua: “Minha regra de vida consiste em amar, sofrer e maravilhar-me em êxtases e orações pelo amor de Deus para conosco, pobres criaturas”.

É uma ilustração da tese de Dom Chautard, em seu livro A alma de todo apostolado: Se queremos que nosso apostolado seja fecundo, tratemos de fazê-lo por amor de Deus e não por nosso amor, não para aparecermos nem sermos importantes, mas considerando a Causa de Nossa Senhora e mais nada. Se fizermos isso, nosso apostolado será um canal de graças. Por tentar qualquer forma de desejo de nos mostrar, de recebermos aplausos, nosso apostolado será como um canal obstruído por onde as águas não passam, e as almas terão fome de graça e não serão nutridas por causa de nossa falta de correspondência. Essa é a abnegação inteira, a renúncia completa que o apostolado seriamente conduzido exige. É muito duro isso.

Eu compreendo que, para a natureza humana, a vontade de se mostrar é uma coisa primeira, elementar e veemente, como o desejo de respirar, mas é preciso a todo custo vencer isso. Quem quer ser um verdadeiro apóstolo precisa ser uma pessoa abnegada, cheia de renúncia; se for tirada de qualquer cargo ela não geme, não sofre, não protesta. E que, sendo desconhecida pelo seu chefe, dá graças a Deus, porque assim ela está imitando a Nosso Senhor que também sofreu o desprezo dos outros. Uma pessoa, enfim, inteiramente abnegada de si mesma.

Deem-me um homem inteiramente abnegado de si mesmo e eu lhes darei um homem puro. No fundo, as tentações contra a pureza provêm de orgulho, falta de abnegação, vaidade, apego si mesmo.

Se consideramos um homem abnegado, ele não só será puro, mas um apóstolo perfeito; seu apostolado produzirá resultados por vezes surpreendentes. Mas se ele tiver um apego, o seu apostolado não dá nada; é uma tristeza.

Pode haver uma frustração pior para um apóstolo do que, tendo deixado tudo para dedicar-se ao apostolado, ver que sua vida não teve fecundidade?

Não tenhamos ilusão: nossa vida será estéril, infecunda, nosso apostolado inútil, passam-se os anos sem que conquistemos nada. Tudo isso decorrente de um apego a nós mesmos.

O inteiro desapego de nós mesmos, de que São Conrado de Parzham foi um exemplo, é condição de nossa perseverança e da fecundidade de nosso apostolado.

(Extraído de conferência de 19/4/1967)

Uma graça que marcou a vida de Dr. Plinio

Em 5 de novembro de 1967, Dr. Plinio compareceu, em lugar de muito destaque, a uma Missa solene celebrada na Catedral de São Paulo. Diversos aspectos da cerimônia e do público foram filmados no interior do templo e nas suas escadarias.

Poucos dias depois, Dr. Plinio foi convidado a assistir ao documentário. Ao ver-se na tela, espantou-se por verificar quanto o seu vigor físico estava minado por alguma grave enfermidade. Ao mesmo tempo, causou-lhe pasmo a falta de percepção dos amigos mais próximos, que nada pareciam ter notado em relação a seu estado de saúde.

A ponto de completar 59 anos, em 13 de dezembro, Dr. Plinio tinha sido até então um homem robusto. Porém, o mal que nesse momento o abalava se agravaria rapidamente nos dias seguintes.

A descrição do que se seguiu é extraída, com ligeiras adaptações, da excelente obra “Dona Lucilia”, de autoria de João Clá Dias:

No dia 1º de dezembro daquele ano, Dr. Plinio cancelou sua costumeira conferência semanal, saindo de casa somente à tarde, para comungar no Santuário do Sagrado Coração de Jesus. Ao descer do automóvel, causou surpresa ao ser visto caminhar com o auxílio de bengala e calçando no pé direito um leve chinelo. Tinha a fisionomia muito abatida. Entretanto, com sua invariável finura, em nada deixava transparecer, aos que o cumprimentavam, seu mal-estar físico.

No dia seguinte, um domingo, não encontrou forças para sair de casa a fim de cumprir o preceito, sendo-lhe levada a Sagrada Comunhão. Uma pessoa que teve a oportunidade de estar com ele de manhã e à tarde, contou ter-se impressionado, ao cumprimentá-lo, com a elevada temperatura de sua mão. Nos dias subsequentes, a febre ultrapassaria a casa dos trinta e nove graus. Apesar disto, Dr. Plinio mantinha inalterável amenidade, nobreza e distinção de trato, tal qual aprendera de sua extremosa mãe, Dona Lucilia.

Narrações feitas por ele próprio, tempos depois, revelam a grande provação que nessa ocasião enfrentava:

“Quando me apareceu esta espécie de abscesso, imediatamente me lembrei do pensamento que tivera assistindo ao documentário. Parecia-me que algo de absurdo se realizava. Vi-me obrigado a passar alguns dias em casa, envidando, porém, todos os esforços para que mamãe nada percebesse. Minha penosa deambulação era feita com o auxílio de alguns apoios. Lembro-me que uma vez mamãe estava sentada à mesa, à minha espera, e eu, ao passar pelo hall, escorreguei e caí. Minha febre já estava altíssima. Pensei: O que eu pressentia está se realizando. Estou com uma grave enfermidade, serei obrigado a chamar médicos, que me apresentarão um terrível diagnóstico…”

De fato, na manhã do dia seguinte, segunda-feira, Dr. Plinio recorreu aos médicos e viu-se introduzido num túnel, à primeira vista, sem saída. Os resultados dos exames de laboratório revelaram uma forte crise de diabetes. Foi-lhe determinado repouso absoluto, regime alimentar restrito, remédios e controle glicêmico para rapidamente serem debelados os distúrbios orgânicos produzidos pela enfermidade. Entretanto, restava um problema não menos trágico: uma gangrena em seu pé direito.

“Deus qui ponit pondus…”

Os primeiros curativos foram feitos pelos médicos na própria residência de Dr. Plinio. Depois chamaram um especialista, que concluiu ser necessária uma urgente cirurgia para extinguir a grave infecção.

Naquela mesma noite, com os devidos cuidados, Dr. Plinio foi transladado ao Hospital Sírio-Libanês, onde foi operado. Ali permaneceria ele para alguns dias de convalescença.

Às vezes, as graças mais insignes nos são dadas em meio aos males que, com a permissão da Providência, sobre nós se abatem: “Deus qui ponit pondus, supponit manum” — “Deus ampara com a mão aquele a quem prova”. Em 16 de dezembro, Dr. Plinio recebeu de um amigo, vindo de Roma, um quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano. Ele próprio descreve, com palavras impregnadas de filial e amorosa gratidão à Santíssima Virgem, esse episódio de transcendente significado para sua vida espiritual:

“Algum tempo antes desses fatos, eu me pusera a ler incidentemente o livro “La Vierge Mère du Bon Conseil” (“A Virgem Mãe do Bom Conselho”), de Mons. Georges F. Dillon 1 . E, durante a leitura, experimentava em minha alma uma sensível consolação.

“Tendo viajado à Itália, antes que eu adoecesse, meu amigo, Dr. Vicente Ferreira, teve a gentileza de me trazer de Genazzano uma estampa representando o venerando quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho. Essa estampa me chegava no momento de uma provação espiritual que me fazia sofrer muito mais do que a enfermidade física. […]

“Circunstâncias que não vêm a propósito mencionar davam-me a certeza de estar nos desígnios da Providência que [nossa] entidade realizasse uma larga ação no Brasil e em toda a América do Sul, e ainda nos demais continentes, em prol da Cristandade.

“De outro lado, estava eu certo de que meu falecimento naquela conjuntura acarretaria a ruína do esforço que começava a vicejar com vigor. E que eu desejava ardentemente levar a cabo para a maior glória de Nossa Senhora, antes de morrer. Daí um estado de verdadeira ansiedade a propósito das incertezas de minha situação clínica e cirúrgica”.

Nesse momento de grande perplexidade é que veio ter às mãos de Dr. Plinio a aludida estampa. Continua ele a narração:

“Quando a fitei, tive a inesperada impressão de que a figura de Nossa Senhora, sem mudar embora em nada, exprimia para comigo inefável e maternal doçura, que Ela me confortava e me incutia na alma — não sei como — a convicção de que a Santíssima Virgem me prometia que eu não morreria sem ter realizado a obra desejada. O que me invadiu de suavidade a alma.

“Hoje em dia conservo intacta essa convicção. E, pelo favor de Nossa Senhora, essa obra tem prosperado admiravelmente, autorizando a esperança de que alcance sua meta.

“Quando fui agraciado com o sorriso-promessa de Nossa Senhora de Genazzano, nada disse aos circunstantes. Só muito mais tarde falei disto a amigos. Dois destes, que me faziam companhia no hospital quando recebera a estampa, ao ouvirem minha narração, disseram que haviam notado que a figura da Mãe do Bom Conselho me fitava com muito comprazimento, o que lhes chamara muito a atenção”.

Pedindo a graça da perseverança

Até aqui, a narração extraída da obra “Dona Lucília”, de João Clá Dias. Eis um dado que convém notar: a devoção a Nossa Senhora do Bom Conselho, que caracterizaria as últimas três décadas de vida de Dr. Plinio, havia lançado muito antes uma semente na alma do virtuoso varão.

Sim, pois já na sua infância, conhecera Dr. Plinio a devoção à Virgem de Genazzano, quando estudava no Colégio São Luís, dos jesuítas. Na capela do estabelecimento se encontrava uma reprodução, aliás milagrosa (ver box 2), do famoso afresco da Mãe do Bom Conselho. Vejamos como, certa vez, Dr. Plinio o recordou:

Eu me lembro de que várias e várias vezes, nos meses de maio, todos os alunos eram convidados a comparecer à capela para festejar o mês de Maria, o que se fazia com uma bênção do Santíssimo Sacramento e cânticos em louvor da Santa Mãe de Deus. Recordo-me ainda bem que um dos hinos começava assim: “Neste mês de alegria, tão lindo mês de flores, queremos de Maria celebrar os louvores…”.

Toda a minha geração de alunos do São Luís passou por essa imagem. E eu numerosas vezes rezei com aflição diante dela, pedindo a graça da minha perseverança.

Contudo, essa devoção de Dr. Plinio a Nossa Senhora do Bom Conselho no tempo de infância não lhe havia marcado a vida como ocorreu cinqüenta anos mais tarde, em dezembro de 1967. Foi uma ação tão profunda da Santíssima Virgem em sua alma, que ele, quando instado por seus discípulos, o recordará cheio de gratidão, sempre aproveitando para incutir em todos a mesma confiança inabalável e filial na Mãe do Bom Conselho. As palavras seguintes são de uma de suas últimas conferências, feita poucos meses antes de falecer:

Aquela foi uma situação estritamente individual, que exigiu de minha parte um ato de confiança todo especial. Há provações que são do gênero do que esperávamos, e por isso achamos natural atravessarem o caminho de nossa vida. Mas há outras que nos perturbam particularmente, porque são de um gênero não axiológico. Tais provações — sempre permitidas por Deus para o nosso bem — cortam nossa vida como um tropel de demônios e parecem arrasar todas as nossas esperanças.

Foi numa situação assim, enquanto eu me encontrava em perigo de vida — de uma vida que me parecia não dever terminar naquele momento, pois ainda teria muito a fazer e realizar — que me defrontei com a imagem de Nossa Senhora de Genazzano no hospital. Esta imagem, em certo momento, sem mover-se, sem que houvesse o menor milagre, entretanto exprimiu algo que me deu a certeza de que a própria Nossa Senhora comunicava estar lá, envolvendo-me com sua celestial proteção.

Mãe e conselheira nas aflições e nas penumbras

Se analisarmos a noção de Nossa Senhora do Bom Conselho, entende-se que ela se refere à Santíssima Virgem enquanto obtendo de Deus, por sua intercessão onipotente, graças para as almas perturbadas, que não sabem o que fazer diante de certa emergência, e precisam, portanto, de um conselho.

E Nossa Senhora do Bom Conselho é a Mãe que se compadece dos homens desorientados, e lhes obtém a graça de uma iluminação interior, de um discernimento especial, de uma palavra que lhes vem de um bom amigo, de um bom diretor espiritual ou da leitura de um bom livro, etc. Enfim, Ela sempre lhes alcança o conselho que se queria, o conselho que se pedia, a solução que se procurava e se julgava impossível encontrar.

Tudo no mundo contemporâneo, no mundo do caos, parece falar contra nós, parece mentir-nos, dizer-nos coisas que nos levarão para o erro e o mal. Que remédio há para isto a não ser um bom conselho? E quem há-de nos dar bom conselho neste mundo desvairado? Ninguém mais e ninguém melhor do que Nossa Senhora do Bom Conselho. Ela é, pois, por excelência a mãe e a conselheira nas aflições e nas penumbras do mundo de hoje.

Assim, em nossos momentos de dúvida e apreensão, saibamos que nos está reservada a alegria — da qual tão poucos homens na terra desfrutam! — de nos voltarmos para Maria e Lhe dizer: “Mãe do Bom Conselho, Vós não me desamparareis. Tende pena de mim e dai-me uma orientação.”

1) Desclée de Brouwer, Bruges, 1885.

2) Plinio Corrêa de Oliveira, prefácio in: João S. Clá Dias, Nossa Senhora do Bom Conselho, Ed. Brasil de Amanhã, São Paulo, 1992, pp. XIX a XXII.

Assim relata Dr. Plinio o essencial da história da augusta imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano:

Na Albânia, no século XV, a religião corria grave risco: de um lado, o fervor da população católica estava em declínio; de outro lado, assaltavam-na com crescente furor as hordas dos invasores maometanos, cujo objetivo era destruir até à raiz a Fé católica em território albanês. Para evitar a catástrofe, a Providência suscitara um herói comparável, pelo destemor e pela Fé, aos pares de Carlos Magno e aos batalhadores mais salientes das Cruzadas e da Reconquista luso-hispânica: Scanderbeg. Enquanto ele viveu, a Albânia resistiu. Ele morto, em seguida a feitos heroicos e gloriosos, a resistência albanesa se esboroou. Explicável castigo para uma população atolada na tibieza.

Além de Scanderbeg — e quão superior a ele! — havia na Albânia outro pilar da Cristandade abalada. Era a Imagem — um afresco — de Nossa Senhora então chamada ‘dos Bons Ofícios’ (invocação análoga à de Nossa Senhora Auxiliadora, hoje generalizada em todo o mundo católico). Essa Imagem, venerada em santuário próximo de Scútari, ocasião de tantas e tão preciosas graças para aquele povo corrompido pela tibieza, cairia nas mãos do invasor maometano?

Era o que se perguntavam com ansiedade dois devotos albaneses, Georgio e De Sclavis, dignos representantes do que a Albânia ainda conservava de fiel.

A resposta a essa pergunta não tardou. A Imagem se destacou lentamente da parede, ante os olhos atônitos dos dois devotos, compatriotas do grande Scanderbeg. Ela se alçou e foi prosseguindo em direção às águas do Mar Adriático. E se foi deslocando sempre em igual direção, ao mesmo tempo que fazia entender aos dois albaneses que queria ser seguida por eles. Com Fé e estofo moral análogos aos de Scanderbeg, ambos os albaneses não hesitaram. Foram caminhando milagrosamente sobre as águas, até que a Imagem atingisse o território da catolicíssima Itália. (…)

Enquanto ambos os albaneses continuavam a seguir a Imagem pelo território italiano, esta… desapareceu. E foi encher de celestes consolações a alma de Petruccia, (…) grande figura de mulher forte do Evangelho, que Nossa Senhora elegera para Lhe erguer o santuário mil vezes abençoado em que a Imagem d’Ela está exposta à veneração de incontáveis fiéis, desde há cinco séculos.

Era ela uma viúva dotada de alguns bens. Muito piedosa, fora favorecida com uma visão na qual a Santíssima Virgem a incumbia de restaurar a igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho, em Genazzano, então ameaçada de ruir.

Para tal fim, Petruccia recorrera à caridade dos fiéis. Mas o atendimento destes deixara a desejar. E as esmolas obtidas por Petruccia de modo nenhum bastavam para a execução da obra. Animosa, resolvera ela então aplicar na construção o restante de seu patrimônio pessoal. Mas até mesmo este fora insuficiente, pelo que as obras ainda estavam longe de ter chegado ao termo.

Tal insucesso atraía sobre a Beata os sarcasmos injustos dessa mesma população que dera tíbio atendimento aos pedidos dela. Mas Petruccia continuava animosa, apesar de seus oitenta anos, confiando com firmeza no auxílio da Santíssima Virgem.

Foi, pois, imensa e maravilhosa a surpresa dela, e a de toda a população de Genazzano, quando, na tarde do sábado 25 de abril de 1467, viram pousar sobre o lugarejo uma nuvem de aspecto admirável, da qual partiam os sons de uma música não menos bela. Aos poucos, destacou-se da nuvem o quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho, o qual foi pousar sobre o altar que, na previsão da futura conclusão das obras, Petruccia fizera erguer.

Estava confirmada a visão da Beata Petruccia. Tornava-se manifesto que a Santíssima Virgem desejava a conclusão das obras. E a população, que acorrera enlevada para prestar culto à Imagem, haveria de contribuir generosamente, de então em diante, para a reconstrução da igreja. Esta não tardou em ser concluída. E, enquanto nela os fiéis veneram o quadro da Virgem e do Menino, maravilhosamente transportado de Scútari pelos anjos, nela também dormem o sono da paz os restos mortais da Beata Petruccia, à espera da ressurreição final.

Os dois albaneses, que haviam ficado desconcertados pelo desaparecimento de sua tão querida Imagem, ignoravam o aparecimento desta última em Genazzano. E andavam sem rumo pela Itália, na vã procura de seu tesouro perdido.

Quando lhes chegou aos ouvidos a notícia do ocorrido no lugarejo em que residia Petruccia, para lá se dirigiram. É fácil calcular quanto se maravilharam e se alegraram ao reencontrarem ali o quadro celestial. Estava assim terminada a missão deles, que consistia, neste lance final, em atestar a identidade entre o quadro venerado em Scútari e o que empolgava toda Genazzano.

Um quadro entregue pela Providência

Entre as múltiplas reproduções do santo afresco, uma há que mostra ter sido o Brasil objeto de especial predileção, pois foi a própria Mãe do Bom Conselho quem quis enviá-lo para este país.

Em 1760, o Rei de Portugal expulsou de seus domínios de aquém e além-mar a Companhia de Jesus. Dois noviços brasileiros, os irmãos Miguel e José de Campos Lara, decidiram acompanhar no desterro seus irmãos de vocação, partindo para Roma.

Na Itália, ao terminarem seus estudos, receberam a ordenação sacerdotal. Pouco tempo depois, faleceu Miguel. Quanto a José, foi enviado por seus superiores a vários lugares. Porém, cedendo a fortes pressões dos governos da época, em 1773 o Papa Clemente XIV fechou a Companhia de Jesus.

Era uma situação inesperada para o Pe. José, após treze anos de desterro. A vida não foi fácil desde então. Era preciso ter uma fé alcandorada e um alto heroísmo para perseverar em condições tão adversas. E apesar dos anseios de sua família pelo retorno dele à pátria, o jovem sacerdote não desejava voltar ao Brasil.

Em 1785, fazia doze anos que José de Campos Lara vestira pela última vez a batina da milícia de Santo Inácio. E fazia vinte e cinco anos que deixara o país natal!

Certo dia, passeava ele pensativo por uma praia deserta, onde o rumorejar das ondas era suave lenimento para suas dores e preocupações, quando, de súbito, depara com um jovem que o aborda. O rapaz lhe oferece um quadro a óleo que representa a Mãe do Bom Conselho (acima), dizendo-lhe que o levasse para o Brasil. E lhe anuncia que, no lugar onde ela fosse venerada, erguer-se-ia um dia um grande colégio jesuíta. No fim da conversa, o Pe. Campos Lara vê seu interlocutor desaparecer ante seus olhos, ficando convencido de que se tratava de um Anjo.

Após algumas peripécias, volta ele ao Brasil, indo para a chácara herdada dos falecidos pais, na cidade de Itu (SP). Ali erigiu uma capela onde pudesse ser venerada a imagem. Em 1814, ele ouve comovido a notícia de que Pio VII restaurara a Companhia de Jesus! Mas faleceu em 1820, sem ver cumprida a profecia da volta dos jesuítas à Terra de Santa Cruz. Regressaram, porém. E em 1868 ergueram um colégio exatamente naquela chácara.

Em 1872, o quadro da Mãe do Bom Conselho foi entronizado no altar-mor da igreja recém-construída, anexa ao colégio. Oitenta e sete anos haviam transcorrido desde sua entrega miraculosa, sobre as areias da praia italiana, ao jesuíta brasileiro.

E quando este colégio da Companhia foi transferido para a cidade de São Paulo, em 1918, com ele foi também a cópia da imagem de Genazzano. Toda a minha geração de alunos do São Luís passou pela imagem da Mãe do Bom Conselho….

(O menino Plinio é o primeiro, na terceira fileira, da esquerda para direita)

 

São Marcos e o apostolado no mundo contemporâneo

Ensinando a doutrina de Cristo numa das mais importantes cidades da Antiguidade, São Marcos conseguiu converter pessoas mergulhadas numa vida de prazeres, atraindo-as mais pelo seu exemplo do que por sua pregação.  No mundo de hoje, incomparavelmente mais depravado do que o daquela época, o apostolado é mais difícil e, por isso, mais nobre do que o realizado pelo Evangelista.

 

Comentarei uma ficha a respeito de São Marcos Evangelista, tirada da obra de Jacques de Voragine: “La Légende Dorée”(1).

Enviado por São Pedro para pregar em Alexandria

O Evangelista Marcos, sacerdote da tribo de Levi, foi, pelo Batismo, filho do Apóstolo Pedro de quem era discípulo na palavra divina. Quando ele acompanhou o bem-aventurado Pedro a Roma, onde este pregava, os fiéis da cidade pediram ao beato Marcos que escrevesse o Evangelho de forma a perpetuá-lo na memória de todos.  Ele pôs por escrito tudo o que ouvira de seu mestre, o beato Pedro, que examinou o relato com cuidado e, vendo que era pleno de verdade, aprovou-o e julgou-o digno de ser recebido por todos os fiéis. […]

Marcos foi enviado pelo beato Pedro a Alexandria para pregar a palavra de Deus. Logo depois de entrar na cidade, conforme relata Fílon, judeu muito eloquente, juntou-se uma multidão unida pela fé, pela devoção e pela continência. […] Pedro Damiano(2) diz a seu respeito: “Tão grande foi sua influência em Alexandria, que todos os que acorriam para ser instruídos nos rudimentos da fé logo estavam praticando a continência e todo gênero de boas obras, parecendo uma comunidade de monges. Esse resultado devia-se menos aos milagres e à eloquência de suas prédicas do que a seus exemplos”. E acrescenta que, após a morte, o corpo dele foi levado de volta para a Itália, a fim de que a terra na qual escrevera o Evangelho tivesse a honra de possuir seus sagrados despojos. “Feliz Alexandria, que foi banhada por seu sangue glorioso, feliz Itália, por possuir o tesouro de seu corpo!”

Conta-se que Marcos era dotado de tamanha humildade, que cortou o polegar para que não pudesse ser ordenado sacerdote, mas prevaleceu a autoridade de São Pedro que o escolheu para Bispo de Alexandria. […]

Seu glorioso martírio

Os sacerdotes dos templos planejaram prendê-lo, e no dia de Páscoa, quando o bem-aventurado Marcos celebrava Missa, entraram na igreja, amarraram-lhe uma corda no pescoço e arrastaram-no por toda a cidade, dizendo: “Levemos o búfalo ao Matadouro”. Sua carne e seu sangue espalharam-se pelo chão e cobriram as pedras. Em seguida, foi colocado numa prisão, onde um anjo o consolou e o próprio Senhor Jesus Cristo dignou-se visitá-lo, dizendo para confortá-lo: “A paz esteja contigo! Marcos, meu Evangelista, nada temas, porque estou aqui para levar-te comigo”.

Chegada a manhã, puseram outra vez uma corda no seu pescoço e o arrastaram de um lado para outro, gritando: “Levemos o búfalo ao Matadouro”. No meio desse suplício, Marcos dava graças a Deus dizendo: “Entrego meu espírito em tuas mãos”. E pronunciando estas palavras, expirou. […]

Como os pagãos queriam queimar seu corpo, de repente o ar ficou turvo, começou uma tempestade, caiu granizo, explodiram trovoadas, faiscaram relâmpagos. Todo mundo fugiu, deixando intacto o corpo do santo, que os cristãos recolheram e sepultaram na igreja com toda a reverência.

O beato Marcos tinha nariz comprido, sobrancelhas baixas, belos olhos, ligeiras entradas no cabelo, barba espessa. Era homem de boas maneiras e de meia-idade. Seus cabelos começavam a branquear. Era afetuoso, comedido e cheio da graça de Deus.

O paganismo daquela época e o neopaganismo de hoje

Alexandria era uma das maiores cidades da Antiguidade, famosa por sua cultura, sua riqueza, sua importância política e também pela pompa e pelo luxo da vida que ali se levava.

O paganismo daquele tempo era bem diferente do nosso neopaganismo. Este último está centrado na vulgaridade, na banalidade, no igualitarismo. O paganismo de outrora tinha seu lado vulgar, enquanto era estruturado de tal maneira que as maiores riquezas iam parar, com frequência, nas mãos de pessoas menos dotadas de porte pessoal para ostentá-las. Mas a mania de um luxo desordenado, fabuloso, com orgias extraordinárias, e a ostentação de uma cultura muito requintada davam, ao mesmo tempo, às cidades mais pagãs uma espécie de importância que fazia com que elas brilhassem aos olhos de todo o universo.

Porém essas cidades mais importantes eram também as mais difíceis de converter, precisamente como no mundo contemporâneo. Converter uma aldeia, digamos… Mas obter a conversão de uma grande cidade, ainda que não seja converter a cidade inteira, é uma obra insigne do ponto de vista do apostolado.

Foi, entretanto, o que São Marcos conseguiu. Ele mal chegou a Alexandria e já obteve um número enorme de conversões exímias, porque todas as pessoas convertidas por ele adotaram um estilo de vida quase monástico. Vemos o choque natural entre a postura casta, austera, séria, digna dessa gente e, por outro lado, a atitude depravada das pessoas das elites do Império Romano, que se misturavam com as elites locais para levar aquela vida de prazer exorbitante do paganismo romano.

Eficácia de seu apostolado

Imaginemos chegando a Alexandria — cidade opulenta, magnífica — São Marcos, esse varão assim retratado:

O beato Marcos tinha nariz comprido, sobrancelhas baixas, belos olhos, ligeiras entradas no cabelo, barba espessa. Era homem de boas maneiras e de meia-idade. Seus cabelos começavam a branquear. Era afetuoso, comedido e cheio da graça de Deus.

Alexandria, às quatro horas da tarde, quando o Sol ainda brilha com todas as suas luzes. Pela porta da cidade, entra esse judeu com a sua barba, o seu porte, a sua santidade, a sua piedade, o seu recolhimento, o seu gênio e o Sol vai se pondo…

Ele encontra as primeiras pessoas e começa a pregar. Umas dão risada, outras ficam indiferentes, um outro para e procura ouvir, depois mais outro para também. Dali a pouco está formada uma roda. Ele vai para uma estalagem, hospeda-se, vem mais gente.

Ao cabo de algum tempo, engrossou o contingente e essas pessoas começam a dizer o contrário do que diziam antes. Passam a falar de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos sacrifícios e da Cruz do Redentor, da necessidade que têm todos os homens de imitá-Lo, de seguir um caminho de austeridade, de castidade, de dignidade, condenando os costumes vigentes.

Devemos imaginar um beberrão, uma esposa abandonada, um moço que está abrindo os olhos para todas essas imundícies da sociedade e que talvez esteja seduzido ou horrorizado por elas, uma jovem que está a pique de perder a sua castidade e que passa por ali; todos param e a graça penetra aos borbotões! E aquelas pessoas adquirem, então, a noção de um mundo completamente novo, de uma concepção da vida totalmente diferente que, por isso mesmo, lhes dá tudo o que eles não possuíam.

O dinamismo do apego aos bens terrenos

Todas essas pompas da vida, para quem não as possui, parecem sumamente aprazíveis e dignas de serem cobiçadas. Nós temos em nossa época esta ilusão tão viva. Os povos que não têm progresso se sentem propensos às maiores concessões para consegui-lo. As pessoas que não possuem automóvel se predispõem às maiores loucuras ou aos trabalhos mais árduos, para chegarem a ter um. E depois fazem o mesmo para conseguir um bom emprego, a fim de adquirir uma fortuna média e, em seguida, lançam-se como loucas para ter uma fortuna grande. E, afinal de contas, as pessoas que têm uma fortuna grande acabam sabendo que existe no mundo um grupo de mais ou menos dois ou três mil milionários, os quais residem em grandes hotéis da Europa, dos Estados Unidos e de outros lugares, e que levam uma vida super faustosa, de cuja essência nem as pessoas mais ricas muitas vezes têm noção. Cada um joga-se como louco para o escalão superior e tem a impressão de que, se conseguir alcançá-lo, terá a felicidade. De maneira que tende para aquilo com um dinamismo extraordinário.

E ao adquirirem o que procuravam, as pessoas ficam apegadíssimas e depois depravadíssimas. Por quê? Porque em relação a todas as coisas terrenas, quando as possuímos, o primeiro movimento é o apego, e depois uma espécie de náusea, compreendendo que não dão o resultado esperado. Então, segue-se o desejo de uma depravação maior, que também desinteressa e deixa de nos causar apetência.

A fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo atrai seguidores e suscita ódios

Compreendemos, então, que a palavra de São Marcos abra a perspectiva dos bens eternos, fale de uma felicidade sem fim, de um espírito que sobrevive à matéria, de uma ressurreição dos corpos, de um Inferno, de um Purgatório, de um Deus boníssimo, justíssimo, sapientíssimo, a Quem rezamos e que nos ajuda. Fale de Nossa Senhora e prometa os esplendores da Eucaristia. Aos que conhecem um pouco mais a doutrina, mencione essa coisa incomparável que é a Confissão e a certeza de ter os pecados perdoados. Tudo isso, para um homem que frequentava as orgias de Alexandria, produzia ao mesmo tempo os efeitos mais contrários: desde a suma atração até a suma repulsa. Entende-se, então, que com a ação da graça muitas pessoas se tenham convertido, e que com isso São Marcos se tenha tornado para a cidade de Alexandria um verdadeiro problema.

Surgiram muitos seguidores a ponto de ficar implantada, para todo o sempre, uma cristandade lá. Havia também muitos que o odiavam, e estes, em determinado momento, o prenderam e o mataram. Quer dizer, a questão é clara, explicável: ele dividia, separava, criava para aqueles que não queriam segui-lo uma situação insustentável. O resultado era matá-lo.

Temos, assim, até a consumação dos séculos, o drama de todos aqueles que querem ser fiéis a Nosso Senhor Jesus Cristo. Eles existem, se apresentam, falam, atraem, deslumbram, criam o ódio. Criando o ódio, sai a luta. E na luta, podem morrer. É natural.

Somos tão inferiores a São Marcos, entretanto chamados a um apostolado ainda mais nobre!

Podemos nos perguntar se é possível comparar o mundo em que viveu São Marcos e o de hoje.

Para termos um pouco a ideia da comparação do nosso pobre apostolado com o grande apostolado de São Marcos, o mundo contemporâneo é incomparavelmente mais depravado do que o do Evangelista. Porque se ele viesse hoje ao mundo, tudo leva a crer que não obteria o mesmo resultado. E uma das provas disso é a insensibilidade deste mundo aos milagres de Lourdes e de Fátima; as pessoas não se incomodam, tudo fica na mesma.

Contudo, São Marcos deve ter tido santa inveja de nós. Porque quanto mais difícil é o trabalho que temos a felicidade de realizar por Nossa Senhora, tanto mais ele é nobre. E quanto mais nobre, mais é invejável.

Se no mundo de hoje é mais difícil propagarmos a doutrina de Nosso Senhor, fazê-lo atualmente é ainda mais nobre do que naquele tempo. E a nossa vocação é mais bela do que a de outrora. E, então, devemos nos dar conta do imenso valor de termos nascido nessa época de luta, de contradição e de perseguição.

Entretanto, somos tão inferiores a São Marcos, a perder de vista completamente, a ponto de não poder haver comparação! Nisto há uma beleza especial. Nossa Senhora elegeu para aqueles tempos um São Marcos; para a nossa época, uns pigmeus. Isso significa que Ela quer fazer através de nós um milagre muito maior do que o operado por meio de São Marcos. A nossa miséria é um atestado de grandeza da ação d’Ela.

Quando vier o Reino de Maria, nos lembraremos desta meditação e compreenderemos como éramos pequenos e desproporcionados, e como, portanto, aquilo que saiu de nós foi obra exclusiva da misericórdia de Nossa Senhora.

São Marcos, cuja fortaleza é tal que ele entra numa cidade, enfrenta-a de peito aberto e cria nela um rio de luz e de graças santificantes magníficas, nos serve de contraste!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/4/1971)

1) VARAZZE, Jacopo de. Legenda áurea­: vidas de santos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 371-373.

2) São Pedro Damião, Doutor da Igreja.

 

 
   

São Fidelis de Sigmaringa: Coragem e serenidade diante da morte

Pela palavra e pelo exemplo, esse heroico missionário combateu tenazmente os erros espalhados pela primeira Revolução.

Tais foram seus êxitos que os inimigos da Igreja, consumidos pelo ódio, o martirizaram.

Em 24 de abril comemora-se a festa de São Fidelis de Sigmaringa, sobre o qual me enviaram uma ficha com alguns dados biográficos.

Viveu de 1577 a 1622. Ingressou nos capuchinhos aos 35 anos de idade.

Nascido em Sigmaringa, Alemanha, distinguiu-se como estudante de Filosofia e Direito, em Friburgo.

A seguir foi nomeado tutor de três jovens príncipes, com quem viajou por toda a Europa durante seis anos, e, depois de ter exercido a profissão de advogado, resolveu abandonar o mundo.

No testamento que fez, a certa altura, diz o seguinte: “Quero viver, daqui para o futuro, na maior pobreza, castidade e obediência, no sofrimento e nas perseguições, numa penitência austera e humildade profunda. Saí nu do seio de minha mãe e despojo-me de tudo para entregar-me aos braços do Salvador”.

O Padre Fidelis possuía grandes dotes oratórios, pregou em numerosas cidades alemãs e suíças, e em muitas igrejas do campo.

Como o protestantismo estava a se espalhar pela Suíça, especialmente nos Grisões(1), a Santa Sé encarregou os capuchinhos de combatê-lo. O Padre Fidelis foi nomeado chefe dessa missão.

“Dentro em breve não me tornareis a ver — disse ele aos seus amigos —, pois fui chamado a dar o sangue pela Fé”. Ao escrever uma carta a seu superior, encerrou-a assim: “Seu amigo Fidelis, que em breve será pasto dos vermes”.

Em janeiro de 1622, entrou na região ocupada pela Áustria e começou a pregar a Fé, com grande êxito.

Furiosos, os protestantes prepararam uma revolta, e o missionário avisou os austríacos. Os Grisões levantaram-se, então, em massa.

No dia de 24 de abril, estando o Padre Fidelis a pregar, ouviu-se o grito: “Às armas!” Os Grisões saíram ao encontro das tropas imperiais, que tinham forçado seus postos avançados, convencidos de que o Padre Fidelis fora quem chamara os austríacos. Ainda o deixaram sair da cidade, mas, como daí a pouco regressasse, vinte soldados caíram sobre ele. Trataram-no de sedutor e quiseram forçá-lo a abraçar a sua seita.

“Que me propondes? — respondeu Fidelis. Vim até vós para refutar vossos erros e não para abraçá-los. A Doutrina Católica é a Fé de todos os séculos. Não renunciarei! Ademais, sabei que não temo a morte.”

Eles, então, mataram-no a golpes de sabre.

Varão sobrenatural, enérgico e batalhador

É interessante notarmos bem qual foi a atuação deste Padre, deste grande pregador, para que depois o comentário hagiográfico possa se fazer adequadamente.

Ele era um missionário famoso, um grande orador que pregava em vários lugares. A Santa Sé, desejando impedir a expansão do protestantismo na região da Suíça, denominada Grisões, incumbiu a Ordem religiosa da qual ele fazia parte, que era a dos capuchinhos, de mandar pregadores para aquela zona bons oradores, a fim de converterem os que se tinham pervertido para o protestantismo, e para impedir que novos católicos fossem objeto do proselitismo protestante.

Então nosso Santo, que já transformara inteiramente uma cidade importante da Alemanha por seus sermões, dirigiu-se à Suíça, sabendo que iria morrer, pois teve uma revelação de que lá seria martirizado.

Mas, homem sobrenatural, enérgico e batalhador, ele não recuou diante dessa ameaça. Pelo contrário, enfrentou a martírio com uma espécie de prazer em considerar a hipótese de sua morte próxima. Ele até assinava: “Frei Fidelis, que em breve será pasto dos vermes”. Quer dizer, sabendo que seria mártir e a sua alma iria para o Céu, isto lhe dava então uma grande alegria.

A essa demonstração de tenacidade, ele juntou outra prova de força, de valor, que foi o fato de ter irritado sobremaneira os protestantes. Ninguém se torna irritante para o adversário sem ter conquistado êxitos contra ele. Portanto, ele alcançou resultados importantes como, aliás, se refere na nossa ficha. A tal ponto, que os protestantes resolveram assassiná-lo, e prepararam um encontro em que ele, afinal de contas, acabou morto.

Foi, portanto, um orador audacioso, valoroso, forte; um missionário vigoroso que não recuou diante do holocausto do martírio; um homem que nos dá um admirável exemplo de fortaleza, porque esta virtude atinge um alto grau em cada mártir que leva a abnegação e o desejo de lutar até o ponto de imolar efetivamente a sua existência.

Devemos nos precaver contra o sentimentalismo religioso do século XIX

Por outro lado, considerem esta fórmula que São Fidelis empregou:

“Quero viver, para o futuro, na maior pobreza, na castidade e obediência, no sofrimento e nas perseguições, numa penitência austera e humildade profunda. Saí nu do seio de minha mãe e despojo-me de tudo para entregar-me aos braços de Nosso Salvador.”

Isso poderia ser pronunciado, segundo um estilo sentimental de piedade difundido principalmente no século XIX, entre suspiros e com tanta moleza que seríamos levados a não tomar a sério essas palavras.

Compreendemos, assim, o equívoco tremendo que a piedade eivada de sentimentalismo do século XIX criou em torno de fórmulas como essa, e o quanto é necessário que não nos deixemos vencer por esse engano. Porque, embora o estado de espírito que eu apontei seja muito ruim, a fórmula é muito boa, em si mesma considerada. É uma fórmula empregada por um santo e, portanto, não pode deixar de ser boa, porque tudo quanto um santo faz é bom.

De maneira que, sendo essa fórmula susceptível de ser pronunciada e considerada de outro modo, não devemos permitir que o besuntado sentimentalismo religioso do século XIX nos torça a visão do que ela tem de bom, e de sua coerência com algumas das virtudes que nós fomos mais chamados a praticar: a fortaleza de ânimo, a resolução e a combatividade.

É um engano pensar que quem pronuncia essa fórmula é incompatível com essas virtudes que nós tanto apreciamos. Não pode ser, porque entre virtudes não há incompatibilidade. Ora, isto tem que ser virtude, porque foi pronunciado por um santo. Logo, não pode haver incompatibilidade.

Por isso, o valor dessa fórmula é muito grande. É evidente que um homem dotado da verdadeira virtude da sabedoria, que compreenda como todas as coisas deste mundo são nada — na medida em que obstem a aquisição da virtude e o amor de Deus —, deseje retirar-se desta Terra.

Fidelidade à vocação religiosa

Quando Nossa Senhora deseja que alguém abrace uma vocação, em geral Ela torna difícil a vida para essa pessoa fora da vocação. Portanto, um santo, nessas condições, é levado pelas circunstâncias à seguinte alternativa: ou se perde, ou adota o estado de vida para o qual foi chamado.

Ademais, independentemente do perigo de se perder, ele tem um atrativo da graça para estar meditando as coisas da sabedoria, para unir-se a Deus por essa forma, naquele estado de vida e, por amor do Altíssimo, ele adota aquela fórmula. Então se faz, como São Fidelis, um capuchinho, por exemplo.

O que quer dizer fazer-se capuchinho?

É adotar a pobreza completa, renunciando a toda forma de apego às coisas materiais, despreocupando-se com os bens deste mundo, não só não querendo tê-los para si, mas não se entusiasmando com as pessoas pelo fato de os possuírem. Não admira ninguém porque tem um bonito automóvel, um bom apartamento ou uma fábrica importante. Absolutamente não! Mas, dá valor aos homens e às coisas, na medida em que se aproximam da sabedoria.

Uma pessoa assim possui um estado de espírito varonil, combativo, e poderia dizer: “Eu quero viver daqui para o futuro na maior pobreza, castidade e obediência, no sofrimento e nas perseguições, porque quero imitar Nosso Senhor Jesus Cristo que sofre; e, por isso, serei um lutador, vou batalhar e sofrer, porque na guerra se sofre”.

Isso nada tem de “heresia branca”(2). É piedade de boa lei que o homem mais valoroso e mais combativo deve ufanar-se em ter.

Assim também, dizer com coragem que daqui a pouco vai ser pasto dos vermes, é uma prova de que ele não tinha medo de morrer e ria a respeito disso: “Eu agora estou vivo, esta carne que estou vendo vai ser comida pelos vermes; através destas órbitas vão entrar vermes e comer estes olhos; destes ouvidos, desta boca, sairão vermes como que engendrados pelo meu próprio corpo. Mas não me incomodo, porque a minha alma vai para o Céu. Terei o martírio, que vale muito mais. E, no último dia, o meu corpo ressuscitará e se juntará à minha alma no Céu”.

É uma atitude de força de alma completamente oposta ao faniquito que o sentimental tem diante da morte.

Lutou arduamente contra a Revolução de seu tempo

Portanto, bem interpretada, bem entendida, essa fórmula nada tem de “heresia branca”. É uma fórmula esplêndida! É “heresia branca” estar no estado temperamental estúpido com que a escola dos sentimentais do século XIX repetia isso; escola essa que está, mais ou menos, viva até nossos dias.

Em São Fidelis temos a prova concreta: um homem que empregava fórmulas dessas deu exemplo de uma admirável coragem, vendo chegar até ele a morte com a serenidade que os maiores heróis não saberiam sobrepujar, e que lutou arduamente contra a Revolução em seu tempo, foi um verdadeiro contrarrevolucionário, porque o protestantismo era a Revolução em sua época. Homem completo, portanto, e digno de toda a nossa veneração.

Uma relíquia deste santo se encontra em nossa capela; de maneira que faremos uma boa coisa pedindo-lhe que nos dê a graça de compreender como fórmulas dessas se compaginam bem com a nossa piedade, desde que expurgadas dos péssimos eflúvios do sentimentalismo religioso do século XIX, vivo até hoje, infelizmente.

O século XIX foi um século de grandes santos, santos admiráveis, mas que estavam isentos disso, e até eram modelos do contrário.

É bem o que se poderia dizer de Santa Teresinha do Menino Jesus. A pequena via, inaugurada por ela, tão cheia de candura, de suavidade, é uma via de grande força e combatividade, para quem sabe ver a vida de Santa Teresinha.

Percebe-se isso nos desejos da Santa de Lisieux. Ela dizia que tinha desejos infinitos, entre os quais o de brandir o ferro no combate contra os inimigos da Igreja. Vê-se nisso uma manifestação de combatividade que chega até o cruzado. E isso da parte desta Santa tão suave na sua pequena via.

Vemos, portanto, como as virtudes são inteiramente compatíveis entre si.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/4/1971)

 

1) Um dos cantões da Suíça, o de maior extensão territorial.

2) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor. São Fidelis deu exemplo de uma admirável coragem: vendo chegar a morte com a serenidade que os maiores heróis não saberiam sobrepujar, foi um verdadeiro contrarrevolucionário.

São Fidelis: Admirável exemplo de fortaleza

São Fidelis de Sigmaringa era um missionário famoso, grande orador enviado à região da Suíça para impedir a expansão do protestantismo.

Homem sobrenatural, indômito, enérgico, batalhador, tendo recebido a revelação de que seria martirizado,  não recuou diante dessa ameaça. Pelo contrário, enfrentou a morte com alegria.

A essa prova de tenacidade ele juntou a de força, valor e eficácia, pois irritou sobremaneira os protestantes, que resolveram então matá-lo. Ninguém se torna de tal maneira irritante para o adversário sem ter conquistado êxitos importantes contra ele.

Eis, portanto, um orador audacioso, valoroso, forte, um missionário vigoroso que não recuou diante do holocausto do martírio. São Fidelis nos dá um admirável exemplo de fortaleza levada à abnegação de sua própria existência, e ao desejo de lutar a ponto de imolar efetivamente a sua vida.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/4/1967)

São Pedro Armengol: De bandido a religioso

São Pedro Armengol é o modelo da confiança. Pecador medonho, ele se arrependeu, confiou e não só foi perdoado, mas recebeu uma vocação religiosa. Nossa Senhora chamou o bandido para ser religioso. É uma bondade extraordinária!

Nas dificuldades, peçamos a São Pedro Armengol a confiança e a calma dele, certos de que Nossa Senhora resolverá tudo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/2/1988)

Santa Bernadete Soubirous: a virtude atesta o milagre

Na vida apagada e silenciosa de um convento, Santa Bernadete ratifica com sua santidade a veracidade das aparições de Lourdes, local tão prodigioso em curas de corpos. Mas, como nos ensina Dr. Plinio nesses seus comentários, de Nossa Senhora devemos esperar também, e com maior razão, a cura das almas.

 

É universal a fama do Santuário de Lourdes, local onde Nossa Senhora apareceu por 18 vezes a Santa Bernadete Soubirous, em 1854, e que se tornou nos anos sucessivos um dos maiores centros de peregrinações do mundo. Sobre o intenso amor que a piedosa vidente nutriu para com a Mãe de Deus ao longo de sua vida, escreve o Pe. Trochu:
“Eu A levo no coração!”

A devoção à Santíssima Virgem tinha de ser particularmente terna e filial. Maria, seu ideal vivo, ocupava em seu coração um lugar muito próximo a Nossa Senhora, declarou sua enfermeira, Irmã Marta. “Era preciso ouvi-la quando pronunciava a Ave-Maria. Que acento de piedade, especialmente quando pronunciava as palavras ‘pobres pecadores’! E quando dizia ‘Minha Mãe celestial’, nada mais podia acrescentar”.

Alguém se atreveu a perguntar-lhe se a lembrança da aparição se tinha apagado em sua memória. “Apagado? — exclamou em tom de censura. Oh! não, jamais!”. E levando a mão direita sobre sua fronte, dizia: “Está aqui”. “Deveria nos fazer — lhe sugeriu uma companheira — uma descrição de como era a Virgem, posto que a senhora sabe como era Ela”. “Não poderia nem saberia fazê-lo — foi a única resposta que deu. Eu para mim não necessito, pois A levo no coração”.

A devoção mariana encheu de certo modo toda sua vida. Tinha necessidade de meditar sobre a Virgem. Via Maria em tudo e por tudo com seu coração e entendimento. Quando rezava à Santíssima Virgem, atesta Irmã Gonzaga, parecia ainda que A estava vendo. Se alguém lhe pedia alcançasse alguma graça, imediatamente respondia que rogaria à Santíssima Virgem.

Santa Bernadete se comprazia em louvá-La, fazê-La conhecer, amá-La e servi-La. Esforçava-se em imitar suas virtudes, especialmente sua humildade e renúncia. Dedicou-se, para sua devoção, a compor acrósticos — escritos poéticos em que as letras iniciais, reunidas, formam verticalmente uma palavra ou frase — em homenagem a Nossa Senhora, e o primeiro deles tinha o nome de MARIA, a partir dos termos: mortificação, amor, regularidade, inocência, abandono.

Toda sua vida desfiou o Rosário como tinha feito em Lourdes. Esta era sua devoção preferida, disse uma superiora geral. Mais de uma vez, na enfermaria, a Irmã Gonzaga Champi alternou as Ave-Marias com ela. “Então, recorda essa freira, os olhos escuros, profundos e brilhantes de Bernadete, pareciam como se estivessem vendo Nossa Senhora”. Pela noite, quando se ia dormir, recomendava a uma companheira: “Toma o Rosário e durma rezando. Farás o mesmo que fazem as crianças pequenas que adormecem dizendo ‘mamãe, mamãe’…”.

As virtudes da vidente abonam a autenticidade das aparições

Essas notas sobre Santa Bernadete atestam sua ardente devoção a Nossa Senhora, e nos mostram como seu filial e terno relacionamento com a Santíssima Virgem era motivo de grande edificação para suas irmãs de hábito.

É interessante observar que Santa Bernadete teve uma vocação bastante similar à da Irmã Lúcia. A esta foi confiada a missão de revelar ao mundo as aparições de Fátima, e àquela, as de Lourdes. Uma vez cumprida a tarefa, Bernadete — assim como Lúcia — prestigiou as aparições de Massabielle tornando-se freira, santificando-se no convento e, posteriormente, sendo elevada à honra dos altares.

Embora a Igreja não determine, sob pena de pecado, acreditar-se nas aparições de Lourdes — pois são de caráter privado, e em matéria de fatos sobrenaturais somos obrigados apenas a crer nos oficiais —, na realidade roça pela heresia quem as conteste. Porque seria preciso admitir que uma santa canonizada tivesse tido tais ilusões.

Ora, isso não se pode fazer. De maneira que a vida e as virtudes de Santa Bernadete de algum modo atestam a autenticidade das aparições de Lourdes. Aliás, elas estão também exuberantemente corroboradas pelos milagres que ali se operam, os quais constituem uma prova de que em Lourdes realmente é a graça que atua.

Durante uma das visões de Santa Bernadete, a Santíssima Virgem lhe disse: “Revolva a terra com suas mãos, que dela nascerá uma fonte”. A menina, uma camponesa, não teve dificuldade em escavar o solo no local indicado por Nossa Senhora. E ali, onde ninguém supunha existir água, esta começou a brotar. Assim surgiu a fonte de Lourdes, manancial de curas e conversões miraculosas, conforme prometera a Rainha do Céu.

Portanto, a santidade de vida de Bernadete atesta a sinceridade de suas visões, seu equilíbrio mental e contribui, de certa forma, para demonstrar a veracidade dos fatos milagrosos ocorridos em Lourdes.

Fora desses acontecimentos públicos, ela permaneceu silenciosa, cumprindo sua missão privada. E nisso podemos aquilatar a beleza e a riqueza extraordinárias da Igreja, em cujo universo a Providência suscita diferentes vocações. Este tem uma tarefa, aquele outra, e aquele outra. Nossa Senhora distribui a cada pessoa uma determinada missão, que ela deve cumprir inteiramente, sem se imiscuir na função para a qual não foi chamada.

Em três grandes aparições, importantes mensagens

A propósito desses breves comentários, seja-me permitido ainda fazer notar um pormenor interessante. Em Lourdes Nossa Senhora comunicou também a Santa Bernadete um segredo, que deveria chegar ao Papa Pio IX.

De maneira que temos uma série de mensagens transmitidas pela Santíssima Virgem, desde meados do século XIX até 1917, em três grandes aparições — La Salette, Lourdes e Fátima — que deveriam ser reveladas aos homens gradualmente, com as devidas cautelas.

Isso nos leva a pedir a Santa Bernadete, verdadeira precursora da Irmã Lúcia, que disponha nossas almas para, com todo fervor, seriedade e recolhimento, estarmos prontos a conhecer e dar ouvidos a essas mensagens, de modo muito particular à de Fátima, cujas partes divulgadas já tiveram impressionantes confirmações.

Devemos pedir a cura de nossas almas

Por fim, vale ainda refletirmos no seguinte ponto. Nossa Senhora de Lourdes opera muitas curas. Que é mais difícil: sanar o corpo ou a alma?

Evidentemente, para a Rainha do Céu e da Terra não há dificuldade em fazer uma ou outra coisa. Tudo aquilo que a Santíssima Virgem pedir a Deus, Ela obtém. Ora, se Ela restituiu a saúde a tantos corpos, peçamos-Lhe que o faça igualmente em relação às nossas almas.E supliquemos à Mãe do Criador transmudar nossos corações, de maneira tal que chagas ocultas, defeitos ignorados às vezes por nós mesmos, apegos, desordens de todo tipo desapareçam maravilhosamente pela ação d’Ela.

Sabemos que as moléstias físicas curadas por Nosso Senhor, como narra o Evangelho, simbolizam enfermidades morais. Assim como há cegueira ou paralisia no corpo, existem as das almas. E segundo os comentaristas da Sagrada Escritura, o Redentor curava os corpos para atestar seu poder de operar curas morais.

Quiçá alguns de nós terão um estado de alma simbolizado pelos cegos, surdos, mudos, paralíticos, epilépticos e, infelizmente, até pelos leprosos. Peçamos, pois, a Nossa Senhora, pela intercessão de Santa Bernadete Soubirous, que nos cure de tudo isso e nos obtenha a graça de ficarmos com a alma verdadeiramente renovada e pura, semelhante à d’Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira

Luís Maria Grignion de Montfort: Profeta e missionário

São Luís Maria Grignion de Montfort foi verdadeiro profeta e missionário.

No momento em que muitos espíritos ilustres se sentiam inteiramente tranquilos quanto à situação da Igreja — embalados num otimismo displicente, tíbio e sistemático —, ele sondou com olhar de águia as profundezas do presente e predisse uma crise religiosa futura, em termos que fazem pensar nas desgraças que a Igreja sofreu durante a Revolução Francesa.

Como missionário, causticou implacavelmente o espírito neopagão, fazendo quanto podia para afastar o povo fiel do mundanismo e de tudo quanto possuía o mau espírito nascido da Renascença.

Se São Luís Grignion tivesse estendido sua ação missionária a toda a França, provavelmente teria sido outra a História daquele país e do mundo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/6/1993)

Páscoa

Disse São Paulo que, se Cristo não tivesse ressuscitado, vã seria nossa Fé. É no fato sobrenatural da Ressurreição que se funda todo o edifício de nossas crenças. (…)

Cristo, Senhor Nosso, não foi ressuscitado: ressuscitou. Lázaro, foi ressuscitado. Ele estava morto. Outrem que não ele, isto é, Nosso Senhor, o chamou da morte à vida. Quanto ao Divino Redentor, ninguém O ressuscitou.

Ele mesmo a Si próprio se ressuscitou. Não precisou que ninguém O chamasse à vida. Retomou-a quando quis.

Tudo quanto se refere a Nosso Senhor tem sua aplicação analógica à Santa Igreja Católica. Vemos freqüentemente, na História da Igreja, que quando ela parecia irremediavelmente perdida,  e  todos os sintomas de uma próxima catástrofe pareciam minar seu organismo, sobrevieram sempre fatos que a têm sustido viva contra toda a expectativa de seus adversários. Fato curioso, às vezes, não são os amigos da Santa Igreja que vêm em seu socorro: são seus próprios inimigos. Numa época delicadíssima para o Catolicismo, como foi a de Napoleão, não ocorreu o episódio mil e mil vezes curioso de se ter reunido um Conclave para eleição de Pio VII, sob a proteção das tropas russas, todas elas cismáticas e obedecendo a um soberano cismático? Na Rússia, a prática da Religião Católica era tolhida de mil maneiras.

As tropas desse país asseguravam, entretanto, na Itália, a livre eleição de um Soberano Pontífice, precisamente no momento em que a vacância da Sé de Pedro teria acarretado para a Santa Igreja prejuízos de que, humanamente falando, ela talvez não se pudesse ter soerguido jamais.

Estes são meios maravilhosos de que a Providência lança mão para demonstrar que Ela tem o supremo governo de todas as coisas. Entretanto, não pensemos que a Igreja deveu sua salvação a Constantino, a Carlos Magno, a D. João d’Áustria, ou às tropas russas. Ainda mesmo quando ela parece inteiramente abandonada, e ainda mesmo quando o concurso dos meios de vitória mais indispensáveis na ordem natural parece faltar-lhe, estejamos certos de que a Santa Igreja não morrerá.

Como Nosso Senhor, ela se soerguerá com suas próprias forças, que são divinas. E quanto mais inexplicável for, humanamente falando, a aparente ressurreição da Igreja — aparente, acentuamos, porque a morte da Igreja nunca será real, ao contrário da de Nosso Senhor —, tanto mais gloriosa será a vitória. Nestes dias turvos e tristonhos de 1943, confiemos pois. Mas confiemos, não nesta ou naquela potência, não neste ou naquele homem, não nesta ou naquela corrente ideológica, para operar a reintegração de todas as coisas no Reino de Cristo, mas na Providência Divina que obrigará novamente os mares a se abrirem de par em par, moverá montanhas e fará estremecer a terra inteira.

Se tal for necessário para o cumprimento da divina promessa: “as portas do inferno não prevalecerão contra ela”.

Esta certeza tranquila no poder da Igreja, tranquila de uma tranqüilidade toda feita de espírito sobrenatural, e não de qualquer indiferença ou indolência, podemos aprendê-la aos pés de Nossa Senhora. Só Ela conservou íntegra a Fé, quando todas as circunstâncias pareciam ter demonstrado o fracasso total de seu Divino Filho. Descido da Cruz o Corpo de Cristo, vertida pela mão dos algozes, não só a última gota de Sangue, mas ainda de água, verificada a morte, não só pelo testemunho dos legionários romanos, como pelo dos próprios fiéis que procederam ao sepultamento, aposta ao túmulo a pedra imensa que lhe devia servir de intransponível fecho, tudo parecia perdido. Mas Maria Santíssima creu e confiou.

Sua Fé se conservou tão segura, tão serena, tão normal nestes dias de suprema desolação, como em qualquer outra ocasião de sua vida. Ela sabia que Ele haveria de ressuscitar. Nenhuma dúvida, nem ainda a mais leve, maculou seu espírito. É aos pés d’Ela, portanto, que haveremos de implorar e obter essa constância na Fé e no espírito de Fé, que deve ser a suprema ambição de nossa vida espiritual. Medianeira de todas as graças, exemplar de todas as virtudes, Nossa Senhora não nos recusará qualquer dom que neste sentido lhe peçamos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído do “Legionário”, nº 559, de 25/4/1943)

São Pio V

Empregai-vos em eleger para mim um sucessor zeloso, que não procure senão a glória do Salvador e que não tenha outro interesse aqui embaixo senão a honra da Santa Sé Apostólica e o bem da cristandade, disse o Papa São Pio V, antes de morrer, aos cardeais que escolheriam um novo Pontífice.

Palavras supremas de um chefe genuíno, que dirige, que protege, que nutre um amor à verdade até a audácia. No mais elevado degrau da Igreja Católica era ele uma alma sublime, um autêntico pastor disposto a dar a vida pelas suas ovelhas.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 4/5/1967)