28 de Janeiro – Meditação na festa de São Tomás de Aquino

Meditação na festa de São Tomás de Aquino

Ao nos apresentar São Tomás de Aquino como o grande luzeiro suscitado por Deus para esclarecer e confortar as almas ao longo dos séculos, Dr. Plinio nos exorta a pedir a intercessão do Doutor Angélico a fim de que alcance para nós um senso católico e uma pureza da sabedoria semelhantes ao deste Santo, sempre submetidos e unidos à Sé de Pedro.

Em todos os recantos do globo celebrou a Santa Igreja (…) a festa de São Tomás de Aquino. Nas basílicas suntuosas da Capital da Cristandade, tanto quanto nos altares improvisados dos missionários perdidos nas selvas, nos mosteiros silenciosos das Ordens contemplativas tanto quanto nas trincheiras das linhas de combate, foi o Santo Sacrifício oferecido inúmeras vezes a Deus, naquele dia, em louvor do grande Doutor que Ele se dignou dar à Igreja. Pelas colunas dos jornais, do alto das cátedras universitárias, através do microfone das rádio-emissoras, através de todos os meios de que o homem dispõe para externar seu pensamento, o Santo recebeu as homenagens da Cristandade agradecida.

A um tão grande número de louvores não é supérfluo que o Legionário some os seus, embora seja pobre como o óbolo da viúva, que Deus recebeu com agrado pela intenção humilde e respeitosa com que era oferecido.

Inteligência possante e piedade ardente

São Tomás de Aquino foi um grande luzeiro posto por Deus no meio de sua Igreja a fim de esclarecer, confortar e animar as almas pelos séculos afora para que mais galhardamente resistissem às investidas da heresia.

Enfrentando com sua inteligência possante e sua piedade ardente todos os problemas que em seu tempo estavam franqueados à investigação da mente humana, percorreu ele as mais áridas, as mais obscuras e as mais traiçoeiras regiões do conhecimento, com uma simplicidade, uma clareza, uma energia verdadeiramente sobrenaturais.

Superando não apenas a sabedoria humana dos filósofos pagãos, mas a própria sabedoria dos Doutores da Igreja que o antecederam, compôs ele entre outras obras a Suma Teológica, em que deixou registradas todas as suas vitórias sobre a heresia, a ignorância ou o pecado. Sua doutrina se conservou sempre tão pura, que a Santa Igreja a aponta como fonte indispensável de toda a vida intelectual verdadeiramente católica.

Inteira submissão à Santa Igreja

Se houve um intelectual que nunca teve a menor mácula de heresia, esse intelectual foi São Tomás de Aquino. Seu senso católico foi prodigioso. Ele, de um lado, nunca colidiu com as verdades já definidas pela Santa Igreja em seu tempo. Por outro lado, resolveu um sem número de questões sobre as quais a Santa Igreja ainda não se tinha pronunciado, e, por sua solução, preparou e apressou o pronunciamento infalível da Esposa de Jesus Cristo.

Finalmente, a nota característica e constante de sua vida foi uma submissão tal à doutrina católica que, ainda mesmo que a Igreja viesse a definir ulteriormente, em sentido contrário ao de São Tomás, alguma verdade, ele se tornaria imediatamente o paladino mais humilde, mais amoroso e mais caloroso do pensamento que impugnara, e o adversário mais irredutível do erro que houvesse ensinado como verdade.

Admirável senso católico

Assim, São Tomás realizou plenamente os três graus do senso católico. Há católicos que pensam de modo diverso da Igreja e cuja Fé é tão fraca que é a custo e penosamente que se submetem às determinações que ela estabelece. Outros há, que não sentem relutância em admitir o que a Igreja ensina, mas, postos em presença de um problema qualquer, dificilmente atinam com a verdadeira solução, se não estiverem informados previamente do pensamento católico. Finalmente, o mais alto dos graus consiste em aceitar prontamente e com facilidade amorosa tudo o que a Igreja ensina, em estar tão imbuído do espírito da Igreja que se pensa como Ela ainda mesmo que, no momento, não se conheça o pronunciamento das questões. E, por fim, se pense de tal maneira sobre os assuntos que Ela ainda não definiu, que, quando Ela os definir, estejamos prontos a modificar nossa opinião, o que, aliás, raramente será necessário, porque teremos sabido pressentir na grande maioria dos casos o pensamento da Igreja.

Assim, se há uma virtude que devemos admirar em São Tomás, que devemos procurar imitar, e cuja obtenção devemos ardentemente pedir a Deus por intermédio do grande Doutor, esta virtude é a do senso católico.

Quanto mais unidos estivermos à vinha, maior a seiva que teremos em nós

Todos sabemos como devemos amar a pureza, e qual a magnífica promessa com que a galardoou o Senhor no Sermão das bem-aventuranças. Ninguém ignora a dileção ardentíssima com que o Coração de Jesus ama as pessoas que nunca se macularam com o pecado da impureza. Basta pensar no amor que Ele teve a Nossa Senhora e a São João Evangelista, o apóstolo virginal, para que se compreenda o que significa, para Nosso Senhor, a pureza.

Mas se existe uma pureza que, segundo nosso estado, devemos conservar íntegra em nosso corpo e em nosso coração, existe também uma pureza virginal de inteligência, que devemos cultivar ciosamente, e que certamente agrada de modo incomensuravelmente a Nosso Senhor. É a pureza da inteligência verdadeiramente católica, templo vivo e imaculado do Espírito Santo que nunca sentiu atração e nem deu apoio a qualquer doutrina herética, que detesta a heresia com todo o vigor indignado com que as almas puras detestam a luxúria, e que se preserva de toda e qualquer adesão a um pensamento que não seja o da Igreja, com cuidado com que as almas castas sabem manter longe de si todas as impressões impuras.

 

Disse Nosso Senhor que Ele é a vinha, e nós os sarmentos. Quanto mais unidos estivermos à vinha, tanto maior será a seiva que teremos em nós. Ora também se pode dizer que a Santa Igreja é a vinha, e nós os sarmentos, e que quanto mais estivermos unidos a ela, tanto maior será a seiva que teremos em nós. E como estaremos tanto mais unidos à Igreja quanto mais unido estiver a ela nosso pensamento, tanto mais intensa será nossa vida espiritual, quanto mais completo for nosso senso católico.

Incondicional obediência ao Trono de São Pedro

Não convém, entretanto, que nos conservemos em generalidades. Na época de confusão em que vivemos, não basta que se fale em submissão à Igreja. Convém ser explícito, e falar desde logo na infalibilidade papal. A pureza virginal de nossa inteligência só pode decorrer de nossa afetuosa e incondicional obediência ao Trono de São Pedro. Se estivermos inteiramente com o Papa, estaremos inteiramente com a Igreja, com Jesus Cristo e portanto com Deus.

Que na festa do grande Doutor, nosso senso católico encontre o apoio de graças sempre mais vigorosas, e que estas graças recebam de nossa vontade uma cooperação sempre mais entusiástica: esta deve ser a conclusão prática de nossa meditação.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído do “Legionário”, nº 391, de 10/3/1940

28 de Janeiro – Carlos Magno: Fundador da Europa católica

Carlos Magno: Fundador da Europa católica

Carlos Magno difundiu a cultura, favorecendo a formação de mosteiros onde se formava a Literatura. Foi coroado Imperador pelo Papa, em Roma. Ele aparece na História como um gigante que, ao mesmo tempo, liquida todos os elementos de deterioração e de agressão, e começa a implantar o que hoje é a Europa.

 

A certa altura da História do Ocidente, Carlos Magno aparece como evangelizador dos povos habitantes das regiões que constituíam, então, o centro histórico ocidental, ou seja, toda a orla do Mediterrâneo, compreendendo a Europa, Ásia Menor e África.

Bárbaros pedem licença para se fixarem dentro do Império Romano

O equilíbrio das situações e das forças era completamente diferente. A Ásia era o continente cultivado, florescente, com as grandes tradições, a grande cultura, a grande arte, os grandes impérios,  etc. A Grécia, que ainda era um foco de civilização nos primeiros séculos de nossa era, havia entrado em decadência, tinha sido invadida por outras populações, já não era mais o que fora. A Itália e toda a Europa aquém do Reno e do Danúbio estavam invadidas por bárbaros. Esses bárbaros eram germanos, depois normandos – de uma origem germânica também –, hunos que deram origem  aos atuais húngaros magiares, invadiram a Europa por vários lados.

O Império Romano do Ocidente, que cobria a Europa Ocidental, resistiu durante muito tempo. Mas com o luxo, a degradação dos costumes, etc., o desejo de batalha dos romanos do Ocidente foi  caindo. Eles foram pondo uma resistência cada vez menor aos bárbaros que queriam invadir. Em determinado momento, os bárbaros, situados para além do Reno e do Danúbio, mandaram  comunicar aos chefes militares romanos, colocados ao longo do Reno e do Danúbio, que eles estavam fugindo por sua vez de um invasor mais bárbaro, o qual vinha por detrás. Não sabiam quem  era – tratava-se dos hunos –, mas estava vencendo e acossando a eles. Então, a fim de poderem fazer uma resistência eficaz, pediam licença aos romanos para atravessarem o Reno e o Danúbio e  se fixarem dentro do Império Romano. Assim, eles ficariam protegidos pelos rios e poderiam lutar contra os hunos mais facilmente.

Os bárbaros invadem o Império Romano…

Os romanos acharam que isso era muito inteligente, porque os bárbaros, os germanos, lutariam contra os hunos. Uns aniquilariam outros, e os romanos ficariam sem combater uns e outros.

Estas são as falsas espertezas dos civilizados apodrecidos, muito parecidas com as falsas espertezas dos burgueses de hoje, diante da investida do socialismo, do comunismo. É a mesma  mentalidade. A mentalidade do podre, do decadente, é assim. Eles não só consentiram, mas os soldados romanos ajudaram a estabelecer pontes de madeira para que os bárbaros, os quais tinham sido, durante séculos, mantidos para além dos rios, os atravessassem.

Eles então invadiram o Império, e os hunos, em vez de entrarem pelo Reno, vieram pela Hungria e invadiram o Norte da Itália, o território que seria hoje a Áustria, e foram até Roma. Átila ia  destruir Roma, e o Papa foi de encontro a ele e lhe pediu, como Vigário de Cristo – o chefe dos hunos não era católico, nem mesmo cristão –, que poupasse a cidade de Roma. E Átila contou que  viu no ar uma figura majestosa, venerável, poderosa – era São Pedro –, a qual com espada o ameaçava se fosse por cima de Roma.

Então ele teve medo e voltou atrás. Foi o único fator que conseguiu fazer com que Átila recuasse. O Papa regressou a Roma e a cidade foi poupada.

Vejam, então, a podridão do Império Romano. Os romanos não conseguiram reter os bárbaros, São Pedro conseguiu. E a aparição do primeiro Papa, no ar, fez com que Átila gradualmente se  retirasse da Itália e voltasse para a Panônia – a antiga Hungria –, e se afundou naquelas terras.

…e não queriam que seus filhos estudassem, pois ficariam moles como os romanos

Portanto era a hora de os bárbaros irem embora também. Mas nem se falou disso, pois eles estavam estabelecidos e abancados lá. Então o que fazer? Os governadores e os soldados romanos  tiveram medo dos bárbaros e todos fugiram. Mas da Santa Sé veio uma ordem para todos os bispos e padres não abandonarem seus postos.

Deveriam permanecer nos cargos e continuar a exercer seu ofício, tentando converter os bárbaros. É uma coisa extraordinária realmente. Resultou daí uma situação assim: muitos bárbaros eram  tão bárbaros que eles não conseguiam dormir nas cidades romanas, porque diziam que sentiam falta de ar devido às casas que havia em volta. Aquelas casas tiravam o ar deles. Então iam para o  mato ou o campo, durante a noite, para dormir; e pela manhã voltavam para fuxicar na cidade, o que eles achavam naturalmente interessante, agradável. De um lado.

De outro lado, não queriam que os filhos deles estudassem, porque diziam que se o fizessem ficariam moles como os romanos. E que para ter meninos guerreiros, a fim de tocar a eterna guerra  deles, o único jeito possível era que não estudassem. Eles queriam conservar a barbárie porque tinham horror à civilização; confundiam civilização com podridão. Não eram católicos, mas pagãos.

Para terem ideia de como se foram espalhando pelo Império, eles entraram na França, cobriram essa nação, invadiram a Espanha, Portugal, transpuseram o Mediterrâneo, entraram pela África e  cobriram quase todo o Norte desse continente.

Foi, portanto, uma população imensa que se transmudou, mas que destruiu tudo na sua passagem. A administração romana se retirando, os bárbaros ficaram governando.

Constantinopla e  Alexandria

Podem imaginar o que era governo de bárbaros. As estradas romanas eram as melhores do mundo. Começaram a cair, porque de estrada é preciso cuidar. Se não tem quem cuide,  começa a nascer vegetação na estrada, acontece de tudo. Como esses bárbaros nem tinham ideia de como organizar a proteção de uma estrada, isso tudo ia se deteriorando. As pontes caiam, eles  não consertavam. Ficavam aqueles  abismos, não se podia transitar. Grupos de bandidos circulavam de um lado para outro, não havia polícia. Era o caos mais completo que pode haver.

Para abreviar a narração, os  romanos começaram a se casar com as bárbaras, os bárbaros com as romanas, e foi se formando uma sociedade composta de civilizados podres e bárbaros insuportáveis. Pairava sobre esse caos a  bênção da Igreja, ensinando, batizando, distribuindo os sacramentos quanto podia, dando exemplos de virtude, suscitando Santos que, vivendo no meio deles, iam gradualmente amansando a barbárie e corrigindo a podridão.

De toda esta história apareceu uma população mista, semibárbara, incomparavelmente mais atrasada do que o mundo oriental que tinha sua grande capital em Constantinopla – depois Bizâncio  –, que era a sede do Império Romano do Oriente. Não confundir com o Império Romano do Ocidente, que tinha sede em Roma, às vezes em Milão, enfim, na península itálica. Constantinopla,  lindíssima cidade do Estreito de Bósforo, com uma parte construída na Europa e outra na Ásia.

 E depois os povos da Ásia Menor, dos quais muitos eram ricos e altamente civilizados. Isto ia até o Egito. E a outra grande cidade oriental, não europeia, com civilização, portanto, oriental,  influência grega muito forte, era Alexandria, no Egito. Eram as duas grandes cidades famosas no mundo inteiro. Para esse pessoal dos Bálcãs e do Sul do Mediterrâneo, prevalecia a ideia de que a Europa era uma caipirada. Tinham razão. Uns bárbaros, uns cafajestes, com os quais não havia grande coisa a fazer.

Invasões dos maometanos e dos vikings

No meio de tudo isso, com acontecimentos históricos que seria muito longo narrar, foi gradualmente aparecendo a nação que é a primeira da Europa contemporânea a nascer das mãos da Igreja, a  rança. Depois as outras nações foram se convertendo, a ação dos Santos, da Hierarquia, foi apaziguando esses povos, e se podia supor que as coisas relativamente começassem a melhorar, quando outras circunstâncias imprevistas vieram perturbar tudo isso. As circunstâncias foram tríplices.

Em primeiro lugar, uma invasão maometana. Maomé – também é outra coisa interminável para se contar – fundou uma religião nova, segundo a qual Jesus Cristo era apenas um profeta. Dizia  Maomé que existia um só Deus, Alá, e Jesus Cristo, mero profeta de Alá, não era Homem- -Deus unido hipostaticamente à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Maomé estava animado por  um ódio terrível aos católicos.

Essa religião começou a atuar no Oriente Próximo, mas depois se estendeu pelo Egito e todo o Norte da África. Os maometanos destroçaram o que restava de romano católico e de bárbaro católico.  Invadiram a Espanha e, de invasão em invasão, chegaram até o coração da França, em Poitiers.

Mais ou menos ao mesmo tempo, uma parte dos bárbaros, que não tinha atravessado o Reno e o Danúbio, começaram a invadir de novo as terras católicas, a França, a Alemanha, etc. E o que agravava mais a situação era que um povo muito estranho, como até então não tinha aparecido na História, principiou a agredir a Europa.

Era um povo pagão, de origem germânica, cuja característica principal estava no seguinte fato: o povo inteiro – os famosos vikings – migrou em barquinhos pequenos com proas lindas, e os vikings eram navegadores excelentes. Puseram-se a atacar o litoral europeu e descer pelos rios franceses até o coração da França.

De maneira que tudo era novamente um caos. Primeiro ocorreu a invasão dos árabes, depois a dos germanos. Mas houve também uma ação gloriosa: os convertidos germano-romanos, animados por missionários, sobretudo irlandeses, empreenderam a penetração pacífica, mas muito mais perigosa que todas as outras, no território germânico para converter os germanos.

Surge Carlos Magno

Aquilo que era um renascer do mundo católico se encontrava exposto a terríveis perigos. Foi então que apareceu a figura famosa de Carlos Magno. O que fez Carlos Magno? Ele impôs sua  autoridade a todos que eram descendentes de gauleses, romanos e germanos, essa mistura. Levou sua autoridade até a ponta da Espanha.

No Norte da Espanha, em Santiago de Compostela, visitando a catedral, me falaram de uma capelinha construída por ordem de Carlos Magno, em estilo românico, que fica encaixada na
escadaria da catedral. Eu fiz questão de visitá-la, porque queria prestar homenagem a essa reminiscência do Imperador Carlos e o meu culto a Deus Nosso Senhor, que assim foi glorificado por esse grande homem.

De outro lado, Carlos Magno entrou na Itália e apaziguou a ferro os bárbaros que lá havia. Ele apoiava os missionários e, segundo notícias que desconfio serem falsas – não tive tempo de estudar a  fundo –, punha para os bárbaros germanos esta alternativa: quem se converte está bom; quem não se converte vai morrer. E assim organizou matanças que, notem bem, a Igreja não aprovou. Ele  empregava processos drásticos.

Um desses processos era o seguinte: os germanos, que estavam além do Reno, acreditavam estupidamente na divindade de um carvalho que havia ali, chamado Irmensul, o qual eles diziam que  deitava raízes até o centro da Terra.

Carlos Magno disse: “Vou mostrar a vocês o que é esse carvalho ‘divino.’” Mandou arrasar a árvore. “Olhem o deus de vocês.” Arrasado o carvalho, os germanos não tinham nada que fazer, estava  liquidado o caso.

Um protetor ardorosíssimo da Igreja Católica

Por sua valentia, sua personalidade extraordinária, seu heroísmo, Carlos Magno de tal maneira adquiriu prestígio sobre aquela gente, que foi reconhecido como o soberano aquelas regiões.

Numa noite de Natal, rezando na Basílica de São João de Latrão, que é a Catedral dos Papas em Roma, o Pontífice o coroou como Imperador do Ocidente, fundando assim o Sacro Império Romano que durou exatamente mil anos.

No começo, Carlos Magno não queria, mas afinal de contas, vendo ser vontade do Papa, aceitou. Terminada a Missa, foi aclamado por todo o povo como Imperador do Ocidente, do império que só  terminou no século XIX, quando Napoleão o declarou extinto. Carlos Magno foi um protetor ardorosíssimo da Igreja Católica. Defendeu-a contra os invasores maometanos e bárbaros. Nos últimos
anos de sua vida, os germanos estavam começando a invadir o seu império, e ele ainda lutou contra eles.

Pouco depois ele morreu, tendo levado uma vida carregada de méritos. Esse homem extraordinário difundiu  a cultura, favorecendo a formação de mosteiros onde se estudava e se formava a  Literatura. Ele tinha por conselheiro um monge, Alcuíno, homem muito capaz que começou a fundar a cultura europeia. Então Carlos Magno aparece na História como um gigante, que ao mesmo  tempo liquida todos os elementos de deterioração e de agressão, e começa a implantar o que hoje é a Europa. É o Pai da Europa católica, apostólica, romana, que limpou de invasores grande parte da Europa. Por exemplo, Espanha e Portugal ele defendeu muito contra os árabes, mas em todo caso não bastou; somente no século XV os árabes foram expulsos da Espanha. Seja como for, a luta  foi-se efetuando e o núcleo da Europa de hoje foi ele quem fez.

Por causa disso ele é o Fundador da Europa, mas da Europa católica, que defendeu a população necessária para que a Europa fosse Europa. Ao mesmo tempo, Carlos Magno sobretudo defendeu e expandiu a Fé Católica.

E começou um movimento missionário que foi, ao longo dos séculos, até o Norte da Rússia, convertendo os povos do Mar Báltico. Por esta forma se constituiu a maior semente de cultura existente  o mundo, que foi, na História cristã, o continente europeu.

Ele foi Santo?

Uma vez que ele tinha tais méritos, pode-se perguntar qual foi seu papel diante da Igreja. Ele foi um Santo? A resposta que me parece melhor para dar a essa pergunta é: se um Santo tivesse feito  isto, ter-se-ia dito que é uma obra típica de um Santo, e de um grande Santo. De um dos maiores Santos da História da Igreja.

De outro lado, se ele tivesse sido um homem pecador – não que vive em estado de pecado mortal, mas que de vez em quando peca mortalmente –, dir-se-ia que não poderia realizar esta obra.  Porque é uma obra de apostolado insigne. E segundo Dom Chautard, no famosíssimo livro A alma de todo apostolado – que explica a doutrina da Igreja –, quem não possui vida de piedade intensa, não tem Fé, Esperança e Caridade intensas – são as virtudes teologais –, depois as virtudes cardeais, este não pode fazer uma obra de apostolado fecunda. Então, como Carlos Magno pôde fazer uma das maiores obras de apostolado de todos os séculos se não fosse muito virtuoso? Evidentemente é muito difícil explicar isso.

É verdade que há pontos nebulosos na história de Carlos Magno. Ele se casou com uma princesa da Lombardia – onde havia um povo bárbaro, que tinha ocupado o Norte da Itália –, depois se  separou dela e casou com uma outra. Houve uma anulação de casamento regular? Havia nulidade mesmo de casamento, ou isto foi uma transgressão do princípio através do qual o casamento é  indissolúvel?

Certas matanças feitas por ele a Igreja censura. Realmente não é fácil justificá-las. Dizer a um indivíduo “ou tu crês ou te mato” não se pode fazer. Nem obrigar uma pessoa a crer, ou a dizer que  crê, quando ela não acredita. E Carlos Magno, agindo desta forma, fez mal. Mas qual era o grau de conhecimento que ele tinha de que isto era ruim? Há uma porção de problemas a este respeito.

Católico, guerreiro e monarca por excelência

O fato é que a figura de Carlos Magno se projetou sobre toda a Idade Média. Ele foi o grande pró-homem da Idade Média, quer dizer, homem por excelência, católico por excelência, guerreiro por  excelência, monarca por excelência, Carlos Magno. “Magno” é a palavra latina que quer dizer “grande”: Carlos o Grande. Mas o adjetivo “magno” ficou de tal maneira colado ao nome dele que, mesmo nas nações onde o termo “magno” quase não se usa ou desapareceu de todo, ainda ninguém diz dele “Carlos o Grande”, mas “Carlos Magno”. Há uma magnitude que está inerente a ele.

 Em Aix-la-Chapelle, ele ia tomar águas. Devido a um incômodo qualquer de natureza gástrica, bebia essas águas que lhe faziam muito bem. E até hoje, em Aix-la-Chapelle, há uma fonte de água  mineral, chamada Fonte de Carlos Magno, onde as pessoas doentes da cidade a tomam gratuitamente.

Essa fonte jorra água noite e dia. As pessoas vão com garrafões e os enchem com aquela água. Bebem, faz bem para muita gente pelas suas propriedades químicas, não é uma água milagrosa. Foi  feita a análise química. Essa água fazia bem no tempo de Carlos Magno, e faz bem até hoje em dia. Na cidade de Aix-la-Chapelle ele tinha um palácio, do qual restam lindos vestígios. E mandou  construir a catedral onde assistia ao Ofício num trono, o qual se conserva até hoje e que nós tivemos a felicidade de oscular.

Nesse povo se manteve a ideia de Carlos Magno como um Santo. Desde os primeiros tempos do Imperador até nossos dias, em algumas cidades da zona, se celebra Missa em louvor do que eles  chamam o Bem-aventurado Carlos Magno, com permissão da Igreja. Comemora-se uma festa oficial naquela região, da qual toma parte todo o povo.

“Chanson de Roland”: uma das mais bonitas obras poéticas de todos os tempos

É extremamente improvável admitir a hipótese de que Carlos Magno não esteja no Céu. Porque, embora não tenha sido canonizado, a Igreja autoriza um culto a ele; é impossível imaginar que  esteja no Inferno. Entretanto, a Igreja ainda não se pronunciou a respeito da heroicidade de suas virtudes.

Só mediante um pronunciamento da Igreja infalível é que se pode generalizar o culto dele a todo o orbe católico.  Mas o modo como são tratadas as relíquias dele nessa catedral é como se tratam as relíquias de um Santo.

A vida de Carlos Magno inspirou uma das mais bonitas obras poéticas de todos os tempos, que é a “Chanson de Roland”. Roland, o sobrinho dele, seu principal guerreiro e braço direito, formava,  com outros onze guerreiros, os doze pares de Carlos Magno. Eram seus doze grandes guerreiros, seus grandes sustentáculos, que o ajudaram a fazer essa obra extraordinária de defesa e de  conquista.

Episódios da luta deles foram cantados na canção de gesta de Roland, que é uma verdadeira maravilha. Essa canção de gesta projeta a beleza da figura de Carlos Magno de modo extraordinário, e  contribuiu para formar uma atmosfera de respeito verdadeiramente religioso, por vezes tributado até por pessoas laicas.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/12/1988)

 

25 de Janeiro – Uma prefiguração dos apóstolos dos últimos tempos

Uma prefiguração dos apóstolos dos últimos tempos

São Paulo era um homem violento e queria exterminar os cristãos. Deus o converteu e lhe concedeu a graça de realizar um apostolado extraordinário, pela qualidade ou quantidade das pessoas que abraçavam a Fé. Ele abriu um sulco sobre o qual a Igreja Católica se desenvolveu, e depois deu o primeiro passo essencial para a derrubada do paganismo no Império Romano.

 

Em 25 de janeiro comemora-se a festa da conversão do Apóstolo São Paulo. No trecho dos Atos dos Apóstolos, lido na Liturgia desse dia, há matéria para comentários.

Respirava ameaças de morte contra os cristãos

Naqueles dias Saulo, respirando ainda ameaças de morte contra os discípulos do Senhor, apresentou-se ao príncipe dos sacerdotes e lhe pediu cartas para a sinagoga de Damasco, a fim de que, se achasse homens e mulheres empenhados naquele caminho, os levasse presos para Jerusalém.
E indo ele andando, aconteceu aproximar-se de Damasco. Subitamente o cercou uma Luz vinda do céu e, caído por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: “Saulo! Saulo! Por que me persegues?”
Saulo disse: “Quem sois, Senhor?” E Ele respondeu: “Eu sou Jesus a Quem tu persegues. Duro te é recalcitrar contra o aguilhão.” Então, tremendo espavorido, disse ele: “Senhor, que quereis que eu faça?” E o Senhor lhe respondeu: “Levanta-te e entra na cidade! E aí te dirão o que convém fazer.”
Ora, aqueles que o acompanharam estavam espantados ouvindo a voz, mas sem ver ninguém. Levantou-se então Saulo do chão e, tendo os olhos abertos, nada via.Desta maneira, levado pela mão, o introduziram em Damasco, onde esteve três dias sem ver, sem comer nem beber. Havia em Damasco um discípulo chamado Ananias. E, numa visão, o Senhor lhe disse: “Ananias!”; e ele respondeu: “Eis-me aqui, Senhor!” E o Senhor acrescentou: “Levanta-te e vai à rua que se chama Direita e procura em casa de Judas a um homem chamado Saulo de Tarso! Porque ele lá está orando.”
(Saulo viu também um homem com nome Ananias que entrava e lhe punha as mãos para que ele recobrasse a vista.)

Respondeu Ananias: “Senhor, tenho ouvido falar muito deste homem e do mal que tem feito aos nossos santos de Jerusalém. Aqui mesmo ele tem poder dos príncipes dos sacerdotes para prender todos aqueles que invocam o vosso nome.” Mas o Senhor lhe disse: “Vai porque este é um vaso de eleição escolhido por Mim para levar o meu nome diante dos gentios, dos reis e dos filhos de Israel. Eu lhe mostrarei quanto deverá ele padecer pelo meu nome.”
Partiu então Ananias e entrou na casa. E pondo as mãos sobre ele disse: “Saulo, irmão, o Senhor Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas me enviou para que recobres a vista e sejas cheio do Espírito Santo.” Imediatamente caíram dos seus olhos como que umas escamas e ele recuperou a vista. E levantando-se foi batizado. Tendo tomado alimento ficou confortado. Esteve alguns dias com os discípulos que se achavam em Damasco.
E logo começou a pregar nas sinagogas a Jesus, dizendo que Ele era Filho de Deus. Pasmavam, porém, todos os que o ouviam e diziam: “Pois não é este aquele que perseguia em Jerusalém os que invocavam este nome? E não veio aqui para levá-los presos e entregá-los aos príncipes dos sacerdotes?”
Saulo, porém, se fortalecia cada vez mais e confundiu os judeus que habitavam em Damasco, afirmando que Jesus é o Cristo. (At 9, 1-22).

Homem célebre pela violência

Essa narração é tão rica em pormenores saborosos que se fica em dúvida sobre o que comentar. Mas um dos traços curiosos presente em toda essa história é a violência. É uma história toda ela violenta nas suas linhas gerais e nos seus detalhes principais.

Saulo é um homem violento. Ele toma a iniciativa de pedir às autoridades da sinagoga cartas de perseguição. Vê-se que eram autoridades meio acomodadas, e ele, zeloso, queria acabar com aquilo que reputava uma heresia; então, pede cartas. Portanto, é ele quem desencadeia a ação um tanto indolente das autoridades e põe-se a campo para exterminar, nos seus vários núcleos, a pseudo-heresia nascente. Munido dessas cartas e cheio de violência – está dito que Saulo respirava ameaças de extermínio –, ele vai caminhando para Damasco porque queria acabar com essa nova seita naquela cidade.
Na resposta de Ananias a Deus Nosso Senhor, vê-se que Saulo era célebre pela violência: “Este homem tem uma fama de ser muito violento contra nós.” Quer dizer, era tido como um inimigo capital dos católicos.

Um aguilhão que atuava sobre Saulo: a graça

Saulo caminhava pela estrada de Damasco, e o texto usa até uma expressão curiosa para indicar essa marcha em que ele vai respirando violência. Diz o seguinte: “E indo ele andando, aconteceu aproximar-se de Damasco”. Ou seja, é uma marcha um pouco longa. Tem-se a impressão de que com aquele galopar a raiva se torna cada vez maior, até acontecer que ele se aproximou de Damasco.
Sucede, então, para esse homem violento, um acontecimento violento: uma voz que lhe fala. Quer dizer, é a ordem das coisas invisíveis que se abre para ele e uma advertência: “Saulo, por que me persegues?”
É uma pergunta que importa numa censura violenta. Porque ele estava resistindo a uma violência interior, rejeitando graças: “Duro te é recalcitrar contra o aguilhão” (At 9, 5).
Quer dizer, a graça era um aguilhão que soprava sobre Saulo, e ele rejeitava essa graça. Então, para levar o aguilhão ao máximo há uma violência ainda maior: ele cai do cavalo.
Para alguém que está montado a cavalo, a maior violência possível é cair do cavalo.
E ele sentiu a violência.
— Senhor, o que quereis que eu faça?
A essa queda sucede uma violência pior ainda: a cegueira. A não ser morrer, o pior que poderia acontecer era cair do cavalo e ficar cego. Para um homem do temperamento de São Paulo não há coisa pior, pois a condição humana mais incompatível com a da violência é a de cego. E um outro o levava pela mão; era o único remédio.

Passo essencial para a derrubada do paganismo no Império Romano

Podemos imaginar o que significou para a comunidade católica de Damasco aquele homem ser levado para a casa de Ananias, os comentários ardentíssimos a que essa cena fantástica dava lugar… Com certeza isto circulou rápido e foi muita gente ver Saulo, deitado devido à cegueira, falar com ele. Quer dizer, aquilo deu efervescência.
Trato violento dele consigo mesmo: ficou três dias sem comer nem beber; jejum duro. Depois lhe caíram as escamas dos olhos e ele começou a ver.

A narração explica curiosamente que ele se confortou muito. Ou seja, não estava nem um pouco alquebrado, mas assim que se lhe deu o necessário ele se esticou, se alçou de novo e ficou disposto para a luta. Torna-se um líder que vai para as sinagogas e lugares públicos pregar o nome de Jesus contra o qual o sinédrio se levantara. No diálogo Igreja versus sinagoga houve uma espécie de mudança estrepitosa. É o líder da violência que muda com toda a sua violência para o outro lado.

Então tudo isto é uma operação violentíssima a qual precedeu ao apostolado de São Paulo, que foi o da violência não só por causa do seu feitio que marcou tudo quanto fez, mas porque ele realizou como só um homem capaz de fazer violência a si mesmo realiza. Ele enfrentou riscos que somente o violento enfrenta. Mas tudo isto não é nada perto da ação violenta no mundo antigo que representou o apostolado dele.
Aqui se repete a história: ele era um líder de um lado que parte para o outro. Quer dizer, uma espécie de posição chave que se desloca. Esse homem chave depois vai atuar na posição central do mundo antigo, que é a bacia do Mediterrâneo. E como a palavra de Deus era para ele semelhante a um gládio de dois gumes, que atinge até a juntura da alma com o espírito, Deus lhe tinha dado esta graça de fazer violência às almas e ser capaz de operar conversões extraordinárias, pela qualidade ou quantidade das pessoas que ele convertia, de maneira tal que ele abriu um sulco sobre o qual a Igreja Católica se desenvolveu. Ele depois deu o primeiro passo essencial para a derrubada do paganismo no Império Romano.

O contrário da “heresia branca”

A sua oração final tem algo de santamente violento em relação a Deus Nosso Senhor. Porque ele diz uma coisa que a maior parte dos hagiógrafos e teólogos “heresia branca”1 qualificaria de falta de humildade. Mas como é São Paulo, eles não têm remédio senão ficar quietos.
Na hora de morrer, seria tão legítimo que ele dissesse: “Senhor, tende piedade de mim e segundo a multidão de vossas misericórdias apagai os meus pecados!” Não. Ele afirmou: “Senhor, eu combati o bom combate, dai-me agora o prêmio de vossa glória!” (Cf. 2 Tm 4, 7-8).
É uma espécie de atestado brilhante que ele dá à sua própria fidelidade, e quase como quem diz: “Senhor, o cheque está preenchido e eu estou perto do guichê. Pagai-me! A minha vida valeu o prêmio que vossa justiça me prometeu.” Como um homem de consciência tranquila, ele se apresentou diante de Deus.
Isso tudo é o contrário de uma das facetas que a “heresia branca” mostra. Esta não gosta de conversões violentas, nem de cogitar de conversões de homens sábios ou que mudam as coisas. A “heresia branca” não considera o corpo de Igreja nem a sociedade humana como um conjunto, no qual há homens chaves, mas aprecia umas conversõezinhas individuais que são narradas assim: “Fulano estava com a alma muito agitada. E numa hora em que o rádio estava reproduzindo uma música melosa, com muita suavidade, ele se converteu. Ficou numa paz de alma, se recolheu, afastou-se do bulício de todas as coisas humanas, e agora não faz senão rezar.”

Eu até compreendo que uma conversão pudesse dar-se assim. Porque os caminhos de Deus são muitos. Mas apresentar a conversão como sendo só desse modo não é legítimo.
E essa espécie de trombada dada por São Paulo no adversário: primeiro na sinagoga e depois no Império Romano. A “heresia branca” não gosta dessas trombadas nem dos homens que tenham uma palavra a qual é como uma espada de dois gumes, que atinge a junção da alma com o espírito. Aprecia apenas as pessoas as quais dão uns conselhos que deixam os outros mais tranquilos, mais serenos…

Dom da santa violência

Havia um sacerdote em São Paulo – muito idoso, tipo do homem preclaro – do qual se dizia que era o diretor espiritual dos ateus da cidade. Tratava-se daqueles antigos ateus com um restinho de religião e que, quando ficavam aborrecidos com qualquer coisa, procuravam o padre e diziam-lhe: “Eu lamento não ter fé porque a religião é uma grande coisa.” E depois contavam aos outros: “Que palavra de unção o sacerdote me disse! Eu saí tranquilizado de lá.”
Que dizer, a palavra não é para converter, mas apenas para adoçar, um bálsamo que se esfrega sobre a ferida sem curá-la. É mais ou menos como uma pessoa que está com muita febre, e lhe concedem um torrão de açúcar para chupar; é uma coisa doce que distrai um pouco nas amarguras da febre.
Esse sacerdote atualmente é mais que nonagenário. Segundo uma informação muito segura que eu tive há poucos dias, ele está com o seu clergyman pronto, porque quer ser um dos primeiros padres de São Paulo a tirar a batina e pôr esse novo traje.O que devemos pedir a São Paulo?
É evidente que Nossa Senhora lhe obteve esse dom da santa violência, porque ele se defrontava com muitos obstáculos para derrubar. Naquela época de lutas era preciso derrubar o paganismo. Nós devemos pedir à Santíssima Virgem essa santa violência para destruir a Revolução, que é hoje muito mais poderosa do que foi o paganismo no tempo do Império Romano. De maneira que se pode compreender que os apóstolos dos últimos tempos tenham uma violência à São Paulo.

Aliás, sob alguns aspectos São Paulo pode ser considerado uma prefiguração dos apóstolos dos últimos tempos. Quando lemos aquela Oração Abrasada de São Luís Grignion e comparamos o que ali está dito com São Paulo, as analogias são enormes, uma porção de coisas se reportam umas às outras admiravelmente.

De uma cidade consagrada a São Paulo partiu o movimento contrarrevolucionário

Aqui estão alguns comentários a respeito de São Paulo. Ser-nos-ia lícito acrescentar uma outra consideração.
É uma coisa curiosa que de uma cidade consagrada a São Paulo tenha partido o movimento contrarrevolucionário no Brasil, que está se irradiando agora para outros países. Quer dizer, tem-se a impressão de que o Apóstolo São Paulo deseja que os nascidos na sua cidade tenham essa iniciativa. E por outro lado aquilo que se chamou outrora o espírito paulista tinha qualquer coisa do vigor, da força, da intrepidez, da iniciativa, do senso organizativo próprios àqueles que devem desenvolver uma larga ação de um certo sentido universal e imperialista. Os bandeirantes tinham como que uma prefiguração natural de algumas qualidades as quais um contrarrevolucionário deve possuir no plano sobrenatural.
Devemos hoje nos lembrar particularmente de rezar a São Paulo. É muito natural e justo para que ele nos dê esse seu espírito, ou seja, o dos apóstolos dos últimos tempos.v

(Extraído de conferência de 25/1/1965)

25 de Janeiro – São Paulo, o Apóstolo das Gentes

São Paulo, o Apóstolo das Gentes

São Paulo é o modelo da argúcia, intrepidez, capacidade de realização, postas ao serviço do apostolado. Depois do Príncipe dos Apóstolos, ninguém o excedeu, em nenhum sentido, entre os que evangelizaram o mundo.

As virtudes desse grande Santo tem uma atualidade perene na Igreja, que o honra de todos os modos. Um esplendido monumento em seu louvor é a grandiosa Basílica de São Paulo, construída em Roma, de que nosso clichê fixa um aspecto.

Sejam o seu exemplo e as suas preces um auxílio para que os católicos, e especialmente os desta sua Arquidiocese, se esmerem mais e mais no serviço da Igreja.

O que mais chama a nossa atenção na vida de São Paulo é a sua decisão, sua atitude integral, diante de um ideal. Quando o apóstolo quer alguma coisa, ele a quer deveras. Vive integralmente por um ideal, e tudo é sacrificado pela realização do mesmo.

O perseguidor da Igreja

Enquanto moço em Jerusalém, o ideal de sua vida era o Judaísmo, e é no Cristianismo que ele descobre o inimigo mais perigoso do mesmo. Sem medir fadigas, dedica-se então a extirpar pela raiz este inimigo. É um entusiasta! Não de um entusiasmo platônico e gesticulador que nada vale, e sim de um entusiasmo interior e profundo que constantemente se traduz em atos: “Saulo, respirando ameaças e morte contra os discípulos do Senhor”. E como tal era conhecido até em Damasco, duzentos e cinquenta quilômetros distante de Jerusalém. Ele mesmo escreve aos Galatas (1, 13): “Certamente ouvistes dizer do meu modo de vida de outrora no Judaísmo, com que excesso eu perseguia a Igreja de Deus e a expugnava. E avantajava-me no Judaísmo a muitos dos meus companheiros de idade e nação, extremamente zeloso das tradições de meu país”.

Um entusiasmo sadio e verdadeiro traduz-se em obras e São Paulo entrega-se deveras à perseguição da Igreja: “Respirando ameaças e morte…” Espírito perspicaz e de vistas largas, ele compreende logo que a extirpação eficiente deve começar nos grandes centros de irradiação mundial. A cidade de Damasco, para onde fugiram muitos cristãos, é um tal centro perigoso. E, como vive inteiramente para o seu ideal, não mede esforços nem perigos, não quer saber de medidas incompletas e pusilânimes, e espontaneamente se dirige ele mesmo a Damasco, viagem de mais ou menos uma semana (250 kms), a fim de “levar presos para Jerusalém a quantos homens e mulheres achasse desta doutrina cristã”.

O Apóstolo

Convertido ao Cristianismo, São Paulo devia tornar-se um grande apóstolo. Mudou de ideal, mas não de mentalidade e caráter e com o mesmo entusiasmo produtivo procura a realização de seu novo ideal – Cristo. O mesmo zelo, ardor, perspicácia, constância, destemor. As mesmas medidas completas e enérgicas, o mesmo gosto pelo essencial que de preferência o faz procurar os grandes centros de irradiação mundial. A mesma dedicação incondicional! A vida apostólica de São Paulo, um verdadeiro prodígio e assombro, é uma prova constante e cabal desta afirmação.

Para mim, viver é Cristo

Com esta mentalidade purificada ainda pela graça, vive perpetuamente com o ideal “Cristo” diante de seus olhos. Mais ou menos 330 vezes aparece o nome de Jesus nas suas epístolas. Sem a menor hesitação escreve: “Mihi vivere Cristus est”. Ou então: “Vivo … iam non ego, vivit vero in me Christus”. Textos que provam seu amor, sua identificação com o ideal da sua vida: Cristo. Tudo está subordinado a este ideal, e enumerando, por exemplo, seus honrosos títulos de judeu, escreve: “Tudo isto tenho por perdas pelo eminente conhecimento de Jesus Cristo, Meu Senhor, pelo qual tenho tudo perdido e eu avalio por esterco, a fim de ganhar a Cristo” (Fil. 3).

É desta fibra que se fazem os grandes apóstolos, os heróis de Jesus Cristo.

Outro característico digno de nota é que São Paulo soube unir a espontaneidade e ao ardor da sua alma um raciocínio severo e uma dialética rigorosa.

“E eu me fiz tudo para todos”… – Mais outro belo característico do grande apostolo, também muito pronunciado, é a sua bondade, a delicadeza para com os que o rodeiam. A sua compaixão para com os que sofrem, com quanto interesse e dedicação ele cumpre a sua missão de angariar esmolas para os pobres de Jerusalém e da Palestina (Rom. 15, 25; Cor. 16, 1 ss; 2 Cor., 8 e 9).

Com quanto engenho ele inventa piedosos artifícios para aumentar estas coletas pelos pobres!

Acha tempo, no ardor das lides apostólicas, para escrever uma bela e delicada carta de recomendação em favor de um pobre escravo fugitivo, pedindo que o senhor novamente o aceite com bondade e espírito de perdão, sem os castigos de costume. Também não recua em granjear o próprio sustento com o trabalho de suas mãos a fim de não incomodar a ninguém.

É com grande delicadeza que trata dos fiéis de todos os lugares. Com uma fineza admirável sabe descobrir as boas qualidades dos homens, elogiando-os alegremente na prática do bem. Em cada carta aparecem os traços inconfundíveis desta bondade e lhaneza de trato. Com grande instância recomenda sejam seus colaboradores bem tratados nas igrejas, e com muita e santa alegria, toma nota dos bons resultados por eles alcançados.

Numa palavra, todos os que entravam em contato com o grande Apóstolo, do maior ao menor, sabiam e sentiam constantemente que São Paulo se interessava por eles, que não eram para o Apóstolo um mero número, que ele se lembrava todos os dias de cada um, até do mais humilde, que São Paulo jamais se esquecia de um serviço prestado, fosse à sua própria pessoa ou aos seus. Todos enfim percebiam que São Paulo era um verdadeiro amigo, um pai para cada um.

Assim também compreendemos que, dando vazas aos seus sentimentos de amor, São Paulo escrevesse a frase quase incompreensível: “porque eu mesmo desejara ser anátema quanto a Cristo, por amor de meus irmãos que são os meus parentes segundo a carne, os israelitas” (Rom. 3, 3). E enumerando os seus trabalhos e fadigas pela causa de Cristo, compreendemos que em último e mais importante lugar enumere os seus cuidados de pai: “além das coisas extenues, há o que pesa sobre mim cada dia, o cuidado de todas as igrejas (“instantia mia quotidiana: sollicitudo omnium ecclesiarum)”.

Plínio Corrêa de Oliveira – Legionário, 20 de janeiro de 1946, N. 702, pag. 1

25 de Janeiro – São Paulo e a glória do estado eremítico

São Paulo Apóstolo

São Paulo soube pôr a serviço da maior das causas, a de Cristo e da sua Igreja, um idealismo abrasador, uma energia inexaurível, uma combatividade invencível, uma audácia viril e realizadora.

O Apóstolo das Gentes não concebia limites para sua atividade evangelizadora. 0 mundo inteiro era pequeno para a grandeza de seu ardor apostólico. Nem a distância dos lugares, nem a dificuldade dos empreendimentos, nem a diversidade dos povos, puderam conter-lhe o passo vigoroso e a palavra de fogo.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

25 de Janeiro – São Paulo Apóstolo

São Paulo Apóstolo

São Paulo soube pôr a serviço da maior das causas, a de Cristo e da sua Igreja, um idealismo abrasador, uma energia inexaurível, uma combatividade invencível, uma audácia viril e realizadora.

O Apóstolo das Gentes não concebia limites para sua atividade evangelizadora. 0 mundo inteiro era pequeno para a grandeza de seu ardor apostólico. Nem a distância dos lugares, nem a dificuldade dos empreendimentos, nem a diversidade dos povos, puderam conter-lhe o passo vigoroso e a palavra de fogo.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

25 de Janeiro – São Paulo, prefigura dos apóstolos dos últimos tempos

São Paulo, prefigura dos apóstolos dos últimos tempos

Para Dr. Plinio, ao Apóstolo São Paulo dever-se-ia aplicar a descrição feita por São Luís Grignion de Montfort sobre os missionários a serem suscitados por Deus nos últimos tempos: “Pregarão com grande força e virtude, e tão grande, tão esplêndida, que hão de comover todos os espíritos e todos os corações nos lugares em que pregarem; a eles haveis de dar vossa palavra, à qual nenhum dos vossos inimigos poderá resistir”.
Acompanhemos os comentários de Dr. Plinio sobre o episódio da conversão de São Paulo.

O Apóstolo, digno desse título pelo seu zelo e heroísmo extraordinários na evangelização dos povos, sobrepujando talvez a dedicação dos primeiros escolhidos pelo próprio Nosso Senhor. São Paulo se transformou nesse ardoroso discípulo de Cristo, após uma espetacular conversão, cuja festa a Igreja celebra em 25 de janeiro.

No caminho de Damasco

Para recordá-lo, creio ser oportuno ler e comentar o seguinte trecho dos Atos dos Apóstolos:
Enquanto isso, Saulo só respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor. Apresentou-se ao príncipe dos sacerdotes, e pediu-lhe cartas para as sinagogas de Damasco, com o fim de levar presos a Jerusalém todos os homens e mulheres que achasse seguindo essa doutrina. Durante a viagem, estando já perto de Damasco, subitamente o cercou uma luz resplandecente vinda do céu.

Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Saulo disse: “Quem és, Senhor?” Respondeu ele: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Duro te é recalcitrar contra o aguilhão”. Então, trêmulo e atônito, disse ele: “Senhor, que queres que eu faça?” Respondeu-lhe o Senhor: “Levanta-te, entra na cidade. Aí te será dito o que deves fazer.”

Os homens que o acompanhavam enchiam-se de espanto, pois ouviam perfeitamente a voz, mas não viam ninguém. Saulo levantou-se do chão. Abrindo, porém, os olhos, não via nada. Tomaram-no pela mão e o introduziram em Damasco, onde esteve três dias sem ver, sem comer nem beber. Havia em Damasco um discípulo chamado Ananias. O Senhor, numa visão, lhe disse: “Ananias!” — “Eis-me aqui, Senhor”, respondeu ele.

O Senhor lhe ordenou: “Levanta-te e vai à rua Direita, e pergunta em casa de Judas por um homem de Tarso, chamado Saulo; ele está orando.” (Este via numa visão um homem, chamado Ananias, entrar e impor-lhe as mãos para recobrar a vista.) Ananias respondeu: “Senhor, muitos já me falaram deste homem, quantos males fez aos teus fiéis em Jerusalém.E aqui ele tem poder dos príncipes dos sacerdotes para prender a todos aqueles que invocam o teu nome”.

Mas o Senhor lhe disse: “Vai, porque este homem é para mim um instrumento escolhido, que levará o meu nome diante das nações, dos reis e dos filhos de Israel. Eu lhe mostrarei tudo o que terá de padecer pelo meu nome”.

Ananias foi. Entrou na casa e, impondo-lhe as mãos, disse: “Saulo, meu irmão, o Senhor, esse Jesus que te apareceu no caminho, enviou-me para que recobres a vista e fiques cheio do Espírito Santo”. No mesmo instante caíram dos olhos de Saulo umas como escamas, e recuperou a vista. Levantou-se e foi batizado. Depois tomou alimento e sentiu-se fortalecido. Demorou-se por alguns dias com os discípulos que se achavam em Damasco.

Imediatamente começou a proclamar pelas sinagogas que Jesus é o Filho de Deus. Todos os seus ouvintes pasmavam e diziam: “Este não é aquele que perseguia em Jerusalém os que invocam o nome de Jesus? Não veio cá só para levá-los presos aos sumos sacerdotes?”

Saulo, porém, sentia crescer o seu poder e confundia os judeus de Damasco, demonstrando que Jesus é o Cristo.

Um homem decidido

Essa história é tão rica em pormenores saborosos, que não se tem quase o que lhe acrescentar. Porém, para tecermos alguns comentários, seria interessante destacar um dos traços curiosos da narração, presente em suas linhas gerais e nas principais passagens: é a força.

Saulo nos é apresentado como um homem decidido. Ele toma a iniciativa de pedir aos líderes religiosos cartas de autorização para perseguir os cristãos. Percebe-se que tais autoridades estavam um tanto encostadas e ele era o zeloso, disposto a acabar com aquela — no entender dos fariseus — seita propagadora de doutrina errônea e perigosa. Ou seja, é ele quem desencadeia a ação de exterminar os vários núcleos da pseudo-heresia nascente.

Como dizem os Atos dos Apóstolos, “respirando ameaças e morte”, munido dessas carta, dirige-se a Damasco, pois queria prender ali todos os seguidores da nova “seita”.

Esse indivíduo era famoso pela sua rijeza, o que se confirma pela resposta de Ananias a Deus: “Muitos já me falaram deste homem, quantos males fez aos teus fiéis em Jerusalém”. Saulo era tido, portanto, como um inimigo capital dos católicos.

Vem a propósito observar os termos curiosos empregados pela Sagrada Escritura em sua narração: “Durante a viagem, estando já perto de Damasco…”. Tratava-se de trajeto um pouco longo, e tem-se a impressão de que, avançando no seu caminho, a raiva dele se tornava cada vez maior, até acontecer de se aproximar da cidade. Então, àquele homem duro sucede um duro fato. Envolto por uma luz celeste, ele ouve uma voz que o interroga: “Saulo, por que me persegues?”

A ordem das coisas invisíveis se abria para ele. E a pergunta importa numa forte censura, pois ele estava resistindo a intensas graças anteriormente lhe concedidas, como se infere das palavras seguintes: “Duro te é recalcitrar contra o aguilhão”. Quer dizer, as graças eram como um aguilhão a incidir sobre Saulo, mas este as rejeitava. Em razão disso, para dar à ponta a sua máxima penetração, Deus empregou uma força ainda maior e o derrubou na estrada.

A cegueira, aflição para o poderoso

E Saulo sentiu o impacto!
— Senhor, que queres que eu faça?

A essa queda seguiu-se uma severidade ainda maior: a cegueira. Para um homem de temperamento como o de São Paulo, ser privado da visão é a pior coisa possível, pois uma das carências humanas mais incompatíveis com o vigor é a cegueira. E ele, outrora repleto de agilidade e empreendimento, para caminhar tinha de ser conduzido pela mão. Não havia outro remédio…

Certamente a notícia desse acontecimento circulou célere na comunidade católica de Damasco, e muitos foram ver e falar com Saulo. Compreende-se que o episódio tenha produzido essa efervescência, enquanto o protagonista passou a se tratar de modo veemente: durante três dias entregou-se a um rigoroso jejum, sem comer nem beber. Pouco depois lhe caíram as escamas dos olhos e ele recuperou a vista, alimentou-se e recobrou igualmente as forças. Ou seja, não se achava nem um pouco alquebrado: tão logo lhe deram o necessário, empertigou-se, alçou-se de novo e se dispôs à luta.

Operou-se nele uma mudança completa e estrepitosa, pois de líder anticristão passou a pregar nas sinagogas e lugares públicos o nome de Jesus, contra o Qual se levantara.

O prêmio do bom combate

Esse homem de importância capital para o desenvolvimento da Igreja nascente, atuará na posição chave daquela época, que era o mundo mediterrâneo. Tomando a palavra de Deus como um gládio de dois gumes — para usar sua própria expressão — que atinge a junção da alma com o espírito, operava conversões extraordinárias, quer pela qualidade, quer pela quantidade de pessoas atraídas à Fé cristã. De tal modo que ele abriu um sulco sobre o qual a Igreja Católica prosperou, além de dar o primeiro passo essencial para a derrubada do paganismo no Império Romano.

E no final de sua vida, fez ele uma prece que tem algo de santamente forte em relação a Deus Nosso Senhor. Ele se dirige a Jesus com palavras que certos hagiógrafos piegas qualificariam de falta de humildade, mas nada objetam em se tratando de uma afirmação de São Paulo. Aproximando-se da morte, seria tão legítimo que ele dissesse: “Senhor, tende piedade de mim e, segundo a multidão de vossas misericórdias, apagai meus pecados”. Porém, sua oração foi outra: “Senhor, combati o bom combate, só me resta agora receber de Vós a coroa da justiça!”

Tais palavras constituem uma espécie de atestado brilhante de sua própria fidelidade, como se declarasse: “Senhor, o cheque está preenchido, e estou perto do guichê. Pagai-me. Minha vida valeu o prêmio que vossa justiça me prometeu”. E com sua consciência tranquila, ele se apresentou diante de Deus.

Tudo isso é bem exatamente o contrário de uma das facetas que a pieguice manifesta. Pois esta não se compraz com conversões veementes, nem lhe agrada cogitar na mudança de vida de homens sábios ou dos que alteram o rumo dos acontecimentos. Ela não considera o corpo da Igreja nem a sociedade temporal como um conjunto no qual há homens-chaves. Aprecia apenas umas conversões pequenas, individuais, narradas assim: “Fulano estava com a alma muito agitada. E, num momento de suavidade, às seis horas da tarde, quando ouvia pela rádio a Ave-maria mesclada com uma música melosa, ele se converteu. Ficou então em paz, recolheu-se, afastou-se do bulício, desinteressou-se por todas as coisas humanas e agora não faz senão rezar…”

Não discuto a autenticidade e a oportunidade de uma conversão assim, posto serem muitos os caminhos de Deus para as almas. Contudo, não me parece legítimo apresentá-la como sendo a única digna de consideração.

Voltemos nossos olhos para o exemplo de São Paulo: logo depois de convertido, desferiu trombadas nos adversários da Igreja, primeiro nos ambientes que ele próprio frequentava quando perseguidor dos cristãos, e em seguida pelas vastidões do Império romano. Bem ao contrário do que lhe recomendaria um desses piegas…

O espírito dos apóstolos dos últimos tempos

Seria o caso, então, de nos perguntarmos o quê devemos pedir a São Paulo nesta festa de sua conversão.

Nossa Senhora lhe obteve o dom de uma santa firmeza, porque à frente dele se erguiam muitos obstáculos a serem derrubados. Era uma época de luta, na qual se tornava necessário extirpar o paganismo. Creio que seria de todo conveniente pedirmos para nós esse santo vigor, em todos os sentidos da palavra, a fim de batalharmos contra nossos defeitos morais e más inclinações, assim como para enfrentarmos a Revolução, hoje em seu auge e muito mais poderosa do que foi o paganismo no tempo do Império Romano.

Donde poder-se compreender que os apóstolos dos últimos tempos tenham uma rigidez a la São Paulo. Aliás, é curioso, mas sob alguns aspectos este pode ser considerado uma prefigura deles. Lendo-se a Oração Abrasada de São Luís Grignion de Montfort, e aplicando-a ao Apóstolo dos Gentios, percebe-se que as analogias são imensas e uma série de coisas se reportam umas às outras, admiravelmente.

Aí temos algumas considerações a respeito de São Paulo, e ser-nos-ia lícito acrescentar mais uma.

É significativo que, numa cidade fundada no dia da conversão dele e batizada com seu nome, haja surgido nosso movimento e daqui se irradie para outros países. Tem-se a impressão de ser desejo do Apóstolo São Paulo que os nascidos nessa cidade tomem tal iniciativa.

Por outro lado, o que outrora se chamou “espírito paulista” possuía qualquer coisa do vigor, da força, intrepidez, iniciativa, do senso organizativo próprio àqueles que devem desenvolver uma ampla e firme ação num certo sentido universal. Os bandeirantes, assim como os autênticos paulistas, manifestavam qualidades naturais que eram símbolos daquelas que um membro de nosso grupo deve ter no plano sobrenatural.

Não convém tirar disso grandes conclusões, porque tais coincidências na História não são raras. Mas, em todo o caso, pode-se fazer uma interrogação ou conjectura: não haverá nisso um pouco mais do que uma coincidência? É bem possível.

Lembremo-nos, portanto, de rezarmos de modo muito particular a São Paulo nessa sua festa, rogando-lhe alcançar-nos o espírito dele, ou seja, o espírito dos apóstolos dos últimos tempos.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

25 de Janeiro – Apóstolo da santa violência

Apóstolo da santa violência

Ao Apóstolo São Paulo, para quem a palavra de Deus era como um gládio de dois gumes que atinge até a juntura da alma com o espírito (cf. Hb 4, 12), a Providência concedeu a graça de fazer violência às almas e ser capaz de operar conversões extraordinárias, ou pela qualidade ou pela quantidade das pessoas por ele convertidas, de maneira que abriu um sulco sobre o qual a Igreja Católica se desenvolveu.

Foi Nossa Senhora quem obteve para São Paulo esse dom, porque ele tinha muitos obstáculos a vencer naquela época de luta, em que era preciso derrubar o paganismo.

Nós devemos pedir também essa santa violência para derrubar a Revolução que é hoje muito mais poderosa do que foi o paganismo no tempo do Império Romano. Compreende-se, portanto, que os Apóstolos dos Últimos Tempos tenham uma violência como a de São Paulo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/1/1965)
Revista Dr Plinio 262 (Janeiro de 2020)

24 de Janeiro – São Francisco de Sales: Como devemos combater os nossos vícios

São Francisco de Sales – Doutor da doçura e da suavidade

Quando São Francisco de Sales morreu, resolveram fazer a autópsia. Para surpresa geral, encontraram seu fígado endurecido, como se fosse de pedra…

De fato, embora tivesse um gênio péssimo, ele se dominou de tal maneira que ficou famoso por sua doçura: era considerado o santo da doçura.

Assim devemos ser: se possuímos dificuldade de trato, procuremos ter gênio angélico; se somos inclinados à preguiça ou temos medo de lutar, procuremos ser heróis ao serviço de Nossa Senhora. A exemplo dos santos, sejamos exímios no combate aos defeitos que julgamos mais difíceis de vencer.

Para isso, devemos examinar nossos atos implacavelmente, sem nunca pensarmos em atenuantes. Porque nós só os reconheceremos se formos implacáveis, analisando-os com lupa, um por um.

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 11/11/1989

24 de Janeiro – São Francisco de Sales – Doutor da doçura e da suavidade

São Francisco de Sales – Doutor da doçura e da suavidade

São Francisco de Sales foi o anti-calvinista, o anti-jansenista por excelência. Lutou contra aquela forma hirta de piedade protestante que nos queria apresentar um Deus justo, entretanto mau, e que está louco para dizer: “Agora te peguei! Você pecou e vai pagar, está compreendendo?!” Daí todos os rigores horrorosos do calvinismo, o qual fez um grande mal à Europa.

Doutor da doçura e da suavidade, São Francisco de Sales tinha um verdadeiro carisma para fazer sentir os aspectos doces da Religião Católica e levar as almas, através da doçura, a realizar verdadeiros sacrifícios, maiores e mais numerosas penitências do que os jansenistas impunham aos seus sequazes.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/2/1966)