16 de novembro – O maravilhoso realizado na Terra

Refulgente destruidor das heresias

Na vida de Santa Margarida da Escócia nota-se a existência do maravilhoso na Idade Média dia. Não do maravilhoso como uma fábula ou lenda, mas como algo de realizável.

Para a brumosa Escócia, então terra de missão, essa princesa vinha trazendo sangue ilustre, toda a flor da civilização ocidental, tornando-se uma rainha magnífica, que deixa vários filhos ilustres por suas virtudes, e que intercedeu a favor do povo, deu esmolas, realizou milagres.

Tudo isso sempre ungido pela coroa real, além de uma ideia completa da realeza, apresenta um mundo concreto onde maravilhas são possíveis e o extraordinário, o estupendo, a ordem, mesmo a mais excelente e audaciosa, são realizáveis na Terra.

Santas como esta de tal maneira difundiam o bom odor de Jesus Cristo por toda parte, que acabavam sacralizando a própria dignidade régia e criando uma espécie de ambiente de feeria, de maravilhoso da civilização medieval, do qual os vitrais são um reflexo, apresentando os bem-aventurados em meio a pedacinhos de vidros dourados, cor de rubi, de esmeraldas, com uma luz na cabeça, a coroa real sobre uma mesa, uma santa que derrama flores em torno de si… Tudo isso é a imagem do próprio modo como o medieval concebia a vida, por exemplo, de uma Santa Margarida, Rainha da Escócia.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/6/1964)

15 de novembro – Refulgente destruidor das heresias

Refulgente destruidor das heresias

Santo Alberto Magno refulgiu enquanto intelectual, contemplativo e homem de ação porque colocou acima de tudo a vida interior. Mereceu, assim, este elogio expresso num vitral da igreja dos dominicanos de Colônia: “Este santuário foi construído pelo Bispo Alberto, flor dos filósofos e dos sábios, modelo dos costumes, refulgente destruidor das heresias e flagelo dos maus.”

 

A respeito de Santo Alberto Magno, temos uma biografia muito interessante(1) sobre a qual pretendo tecer alguns comentários.

São Tomás de Aquino: o mais ilustre de seus discípulos

Alberto, o Grande, nasceu por volta de 1206, em Laurigen, na Baviera. Depois de uma educação cuidadosa, recebida em sua infância, foi estudar Direito em Pádua. Lá ele encontrou o Bem-aventurado Giordano, mestre geral dos Irmãos Pregadores, cujos conselhos o engajaram a entrar na família dominicana.

Logo se fez notar por sua terna e filial devoção para com Nossa Senhora, e pela fidelidade de sua observância monástica. Enviado a Colônia para completar os seus estudos, era tão aplicado que parecia ter penetrado todas as ciências humanas, mais do que nenhum de seus contemporâneos.

Julgado digno de ensinar, foi nomeado professor em Hildesheim, Friburgo, Ratisbona, Estrasburgo, enfim na Universidade de Paris, onde ele demonstrou o acordo existente entre a fé e a razão, as ciências pagãs e as ciências sacras. O mais ilustre de seus discípulos foi São Tomás de Aquino, que lhe devia suceder na Sorbonne.

Poderoso intelectual, grande contemplativo e homem de ação

Ele voltou a Colônia para dirigir os Capítulos Gerais de sua Ordem, foi nomeado Provincial na Alemanha, depois Bispo de Ratisbona. Lá ele se dedicou a seu rebanho e conservou seus hábitos de simplicidade religiosa. Mas ele renunciou três anos depois, em 1262. Desde então exerceu o ministério da pregação, agiu como árbitro e pacificador dos príncipes e dos bispos, assistiu ao II Concílio de Lyon e morreu em 1280. Por decreto de 16 de dezembro de 1931, Pio XII o inscreveu no número dos Santos e o nomeou Doutor da Igreja Universal.

Num vitral da igreja dos dominicanos de Colônia podiam-se ler, a partir do ano de 1300, as seguintes palavras: “Este santuário foi construído pelo Bispo Alberto, flor dos filósofos e dos sábios, modelo dos costumes, refulgente destruidor das heresias e flagelo dos maus. Ponde-o, Senhor, no número dos vossos santos.”

Ele tinha por natureza, segundo se diz, o instinto das grandes coisas. Assim como Salomão, ele implorou o dom da sabedoria, que une intimamente o homem a Deus, dilata as almas e leva para cima o espírito dos fiéis. E a sabedoria lhe comunicou o segredo de unir uma vida intelectual intensa, uma vida interior profunda e uma vida apostólica das mais frutíferas, porque ele foi ao mesmo tempo o iniciador de um poderoso movimento intelectual, um grande contemplativo e um homem de ação.

O essencial é a vida interior

A linha geral da vida de Santo Alberto Magno está bem expressa quando se diz que ele refulgiu ao mesmo tempo nesses três dons. Ele se manifesta, nessas condições, como uma daquelas grandes figuras da Idade Média, que são os construtores e consolidadores dessa era histórica, a quem Deus deu graças para se tornarem salientes em todas as coisas, de tal maneira que se ele tivesse feito só uma delas, por exemplo, simplesmente tivesse sido o intelectual que foi, já seria um homem imortal.

Além de intelectual, ele foi um grande religioso e um grande contemplativo. E, como Santo, também só por isso teria a imortalidade. Por outro lado, apenas como modelo de bispo ele teria também uma fama durável em sua pátria.

Por que a Providência estabelece a conjugação desses três dons, e faz alguns homens brilharem nessas três pistas ao mesmo tempo? É para dar a entender a seguinte verdade: O homem deve ser, primeiro, de vida interior, e depois as outras coisas. Mas quando ele escolhe ser, antes de tudo, homem de vida interior, de fato ele põe a mais importante das condições para, nos outros campos, ser o que deveria.

Santo Alberto Magno foi muito maior como intelectual porque tinha vida interior. De maneira tal que se ele simplesmente quisesse ser um grande intelectual, pela mera ambição da cultura, ele tinha vantagem em continuar a vida interior. Se apenas desejasse ser um homem de ação, pela mera vantagem de o ser, ele deveria continuar a vida interior. Porque a vida interior verdadeira, plena, faz o homem executar a vontade de Deus com toda a perfeição e dá à alma recursos que são, em parte, a plenitude de seus recursos naturais e, em parte, carismas e dons que o fazem centuplicar as suas possibilidades. De maneira que ele fica muito maior nas outras atividades porque exatamente naquele elemento essencial ele soube ser grande.

Isso me faz lembrar um dito de Dom Chautard, o famoso autor de A alma de todo apostolado, para um político francês anticlerical, Clemenceau. Este, sabendo que Dom Chautard estava envolto em mil atividades, perguntou-lhe o seguinte:

– Como é que o senhor consegue levar a cabo tantas atividades num dia de 24 horas? Respondeu Dom Chautard:

– O segredo é que além de fazer tudo quanto faço, eu ainda rezo o Rosário. Então, acrescentando essa ocupação, há tempo para todas as outras.

É um paradoxo, porque acrescentando deveria diminuir o tempo. Mas nisso que parece uma brincadeira há uma verdade profunda: se dermos a Deus todo o tempo que devemos dar, dedicando-nos à vida interior, a Divina Providência velará por nós e teremos tempo para tudo. Essa é a grande verdade que se desprende da vida de Santo Alberto Magno.

Um elogio que desapareceu completamente

Eu gostaria de analisar rapidamente esse lindo elogio a ele, escrito no vitral da igreja dos dominicanos de Colônia:

Este santuário foi construído pelo Bispo Alberto, flor dos filósofos e dos sábios, modelo dos costumes…

Coisas positivas, construtivas.

…refulgente destruidor das heresias e flagelo dos maus.

Quando é que hoje se elogia alguém por ser um refulgente destruidor das heresias ou flagelo dos maus? É verdadeiramente incrível como nós caímos, a tal ponto que esse elogio desapareceu completamente…                v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/11/1966)

 

Revista Dr Plinio 248 (Novembro de 2018)

 

1) Não dispomos dos dados bibliográficos da obra citada.

11 de novembro – São Martinho de Tours, incansável apóstolo e taumaturgo

São Martinho de Tours, incansável apóstolo e taumaturgo

Nesse mês de novembro Dr. Plinio nos dá a conhecer alguns belos e tocantes aspectos da vida de São Martinho de Tours, um dos mais célebres heróis da Fé naqueles albores da Cristandade  medieval, venerado por suas grandes virtudes e denodado zelo pela salvação das almas.

Para se compreender bem o elemento de unidade da vida de São Martinho de Tours — cuja festa é celebrada em 11 de novembro — devemos considerar o que temos dito a respeito dos santos suscitados  pela Providência para serem missionários, evangelizadores, reis, príncipes, e daqueles de cujo apostolado decorreu o nascimento de nações inteiras para a Cristandade.

Factótuns de Deus

Há santos chamados a passar sua existência nos primórdios da vida religiosa de um povo, e quando essa trajetória espiritual começa a se consolidar, surgem outros apóstolos com vocação definida para continuar o trabalho daqueles. Fundam ordens religiosas, universidades, são grandes pregadores que incentivam as almas, etc.

Outros têm a curiosa tarefa de “fazer um pouco de tudo”. Sem pressa, sem dispersão, com perfeito domínio de si, enfronham-se em toda espécie de acontecimentos. Eles sustentam a boa causa em toda parte onde ela precise de um auxílio e nas mais diversas condições em que essa ajuda lhes é requerida. São, por assim dizer, os factótuns de Deus, aqueles que realizam tudo quanto desejam Nosso Senhor e sua Mãe Santíssima.

Se analisarmos sob esse prisma a vida de São Martinho, a compreenderemos. Do contrário, ficaremos apenas com um conjunto de informações biográficas, sem maior sentido unitário.

Exemplo de caridade cristã

Vejamos então alguns dados sobre ele, apresentados por Dom Guéranger:
Martinho nasceu na Panônia, Hungria, no ano 316. Portanto, viveu numa época remota e em terras que, naquele tempo, eram semibárbaras. Algo semelhante à selva Amazônica, senão pior. Engajado muito cedo nos exércitos romanos, ele se torna conhecido somente quando partilha seu manto com um pobre nas portas de Amiens.

O império romano possuía alguns destacamentos militares em Amiens, situada na Gália, atual França. Devido a transferências internas, ele foi enviado da Panônia para aquela cidade gaulesa.

Não se sabe ao certo quando São Martinho se converteu, mas em determinado momento tornou-se catecúmeno, isto é, preparou-se para receber o Batismo. Nessa ocasião deu-se o famoso episódio: estando ele montado a cavalo, num período muito frio, encontrou-se com um mendigo que vagava pelas portas de Amiens, desamparado e sem agasalho. Tocado pela miséria do próximo, com extrema bondade o Santo dividiu seu próprio manto em duas partes, entregando a metade ao indigente.

 

Esse fato adquire maior significado na Europa, onde o inverno é bem mais rigoroso e agressivo ao corpo humano, do que em nossas regiões tropicais. Um brasileiro pode não ter manto, mas possui pulôveres. Quando esfria, ele permanece acalentado dentro de casa, ou, se precisar sair, usa uma condução qualquer que o permite manter-se protegido da baixa temperatura. O frio incomoda um pouco, e depois não se pensa mais nele.

No continente europeu, porém, o inverno é bastante sério. Nessas condições, andar léguas a cavalo sem manto, ou com metade dele, redunda em grande sacrifício. Por isso, o gesto de São Martinho comoveu toda a Idade Média como sendo uma expressão própria da caridade cristã, oposta à dureza do paganismo romano.

De maneira que esse episódio pode ser considerado o primeiro feito simbólico da vida dele, recordado na era medieval através de vitrais, medalhas, iluminuras, quadros, etc., enquanto crescia a devoção a São Martinho de Tours.

Apostolado e milagres

Uma vez batizado, deixa o exército e vai estudar com o grande doutor das Gálias, Hilário de Poitiers. O desejo de converter seus parentes, que eram pagãos, conduziu-o à Panônia.

Percebe-se como a existência de São Martinho é fecunda, semeada de viagens, de encargos, de missões evangelizadoras, etc. Ele havia sido um legionário romano na sua Panônia natal, de onde passou para a Gália. Em determinado momento, converteu-se, abandonou as fileiras militares e foi — ele, um “botocudo” da Hungria — estudar teologia e filosofia com Santo Hilário de Poitiers.

Em seguida o vemos retornar à Hungria, a fim de converter seus pais. Após esse tempo junto à família, regressou à Gália, onde fundou o mosteiro de Ligugé, o primeiro da França. Passou a levar uma vida contemplativa, praticando muitos milagres que o tornaram célebre, e logo afluíram discípulos a povoarem sua solidão. Assim, depois de ser um santo que procurou as pessoas, dirigiu-se a um exílio no qual foi procurado por elas…

Bispo da diocese de Tours

Continua a biografia:
Por ocasião da morte de Santo Hilário, ele foge dos habitantes de Poitiers que queriam tê-lo como bispo. A população de Tours será mais hábil. Em 371, confiscam-no por uma espécie de armadilha e o convencem a se ordenar sacerdote para ser elevado ao episcopado.

Esse esquivar-se das honras não é fenômeno muito comum em nossa época, como também não o é a corrida de povos atrás de um santo para que este se torne bispo.

Ora, no século IV, período histórico chamado de decadência e miséria, os santos pululam e os homens se apressam ao encalço deles. Como isso é diferente do pseudo-progresso, do pseudo-esplendor da era contemporânea!

São Martinho, então, deixa-se sagrar Bispo, mas sabe que a vocação contemplativa persiste nele. Fundou Marmoutier, um convento a três quilômetros de Tours, sua diocese. Essa casa religiosa floresceu, tornou-se seminário, centro de estudos e escola onde diversos futuros bispos se formaram. Trabalho assaz importante, pois de um bom seminário surgem bons sacerdotes e um bom episcopado.

E de novo constatamos como a vida de São Martinho foi extremamente fértil e rica em realizações pe-la causa da Igreja.

Operando milagres, o “selvagem” da Hungria, o ex-legionário romano, posto à frente da formação das almas, preparou uma geração de sacerdotes e de futuros sucessores dos Apóstolos.

Até o fim, um grande batalhador

Muitas vezes se dirigia à solidão de Marmoutier, onde era favorecido por visões de Nossa Senhora, mas também aguilhoado pelas perseguições do demônio. É a condição própria àqueles que se isolam: por um lado, visitados pelas consolações do Céu; por outro, importunados amiúde pelo inimigo de nossa salvação.

Para Santo Inácio de Loyola, a melhor prova do êxito de um retiro espiritual é o fato de a alma ser objeto, ao mesmo tempo, de graças extraordinárias e de investidas do demônio.

Assim sendo, compreende-se que, no seu isolamento, São Martinho estivesse sujeito a essas vicissitudes. De qualquer forma, ali se acrisolava no amor a Deus e ao próximo, traduzidos num incansável esforço de evangelização:

Seu zelo pelos povos transborda os limites de sua diocese. Ele é visto nas dioceses vizinhas e até em Artois, na Picardia; em Trèves na Bélgica, e mesmo na Espanha. Por toda a parte sua palavra, sustentada por seus milagres e caridade, opera maravilhas.

Sem abandonar suas prerrogativas episcopais, este homem se transforma num infatigável missionário, percorre as mais distantes regiões numa época em que tais deslocamentos não se faziam sem grandes incômodos, e realiza verdadeiras maravilhas com seus sermões e milagres.

Esse amor de Deus o leva a Flandres em novembro de 397, para ali estabelecer uma concórdia entre os monges, problema sempre difícil. E foi ali que ele, ancião de mais de 80 anos, faleceu na paz do Senhor.

Eis o fim sereno, em meio à luta, de um grande apóstolo e taumaturgo. Exemplo eloquente destes homens de Deus que cultivam e colhem os frutos das sementes que outros santos plantaram.

Plinio Corrêa de Oliveira

11 de novembro – Nossa Senhora, Mãe da Divina Providência

Nossa Senhora, Mãe da Divina Providência

O amor de Nossa Senhora pelas almas faz com que a Divina Providência lhes outorgue, através das mãos d’Ela, abundantes graças nas mais difíceis situações. Maria é Mãe de Deus e usa dessa condição para favorecer a cada um de nós. Dr. Plinio muito prezava essa antiga invocação mariana, sob o patrocínio da qual colocou um importante segmento de sua obra.

No mês de novembro(1) celebra-se a festa de Nossa Senhora Mãe da Divina Providência, uma das belas invocações com que imploramos a infatigável assistência de Maria Santíssima.

Razão de nossa confiança

Na verdade, em meio ao nosso peregrinar por esta terra de exílio, a razão de nossa confiança é a tutela da Providência Divina, exercida por meio de Nossa Senhora. Deus provê a cada um de nós em nossas necessidades espirituais e temporais, a fim de realizarmos aquilo para o que fomos criados, ou seja, cumprirmos nossa vocação.

Podemos nos perguntar por que Nossa Senhora é chamada a Mãe da Divina Providência. Ela o é, não por ter gerado a Providência Divina, e sim porque, segundo os desígnios do Altíssimo, está destinada a aplicar maternalmente os decretos d’Ele. Donde o governo de Deus sobre nós se fazer com uma plenitude de carinho, de comiseração, de afeto, que esgota de modo completo tudo quanto o homem possa imaginar.

O fato de termos uma Mãe que dirige nossa vida espiritual, nosso apostolado, nossas ações diárias é, pois, o motivo superior pelo qual confiamos.

Lembro-me de uma bela e expressiva imagem de Nossa Senhora Mãe da Divina Providência, que foi objeto de minha veneração na igreja dos barnabitas, na Rua do Catete, na cidade do Rio de Janeiro. Esses religiosos — oficialmente conhecidos como Clérigos Regulares de São Paulo — difundiram essa devoção, incentivados por seu fundador, Santo Antônio Maria Zaccaria.

Aliás, outro santo, São Caetano de Tienne, contemporâneo de Santo Antônio Maria Zaccaria, terá sido de certo modo quem levou mais longe a confiança na Providência Divina. Com efeito, proibiu aos religiosos da ordem fundada por ele, que pedissem esmola: quando os teatinos precisavam de alguma coisa, deveriam ficar na rua, em atitude de oração a Nossa Senhora, certos de que Ela os atenderia. Quer dizer, colocavam-se inteiramente nas mãos da Divina Providência.

Sublime misericórdia do amor materno

Gostaria de chamar a atenção para o significado da palavra “mãe” e o alcance concreto que ela possui na questão da confiança.

Aquilo que sempre tornou sublime os laços entre a mãe autêntica e seu filho reside no fato de que ela, por sua natureza retamente desenvolvida, é levada a ter uma forma de dedicação à sua prole que nem o pai possui. Este, mesmo que seja ótimo, conserva em relação ao filho uma espécie de austeridade, pois representa de modo mais vigoroso certos princípios como a justiça, a ordem, a força, etc., mais próprio do elemento punitivo do casal.

Já o característico da mãe é demonstrar uma forma de carinho tal pelo filho que, mesmo nas ocasiões em que se impõe a ela admoestar o seu rebento, ela o faz mais suave e lentamente. Pelo contrário, é mais rápida em perdoar, em condescender, em esquecer, porque representa quase que só a misericórdia.

 

Na mãe, o traço de justiça se acha um tanto diluído, segundo a ordem natural das coisas, enquanto que o da indulgência é levado o mais longe possível. Daí haver, aliás, o perigo de o amor materno ocasionar alguma moleza, frouxidão, de tal maneira que, se não existisse o contraponto da figura paterna, a educação dada pela mãe, em numerosos casos, seria insuficiente.

O genuíno amor materno ama o filho porque é filho, ainda que este seja ruim; sobrepuja tudo e se vincula por misericórdia ao fruto de suas entranhas. Razão pela qual, todos têm em relação ao amor materno certas condescendências excepcionais, sabendo que ele pode atingir o mais alto grau de sublimidade.

 

Inimaginável ternura que regenera e santifica

Isto que diz respeito às mães terrenas, com maior propriedade se aplica a Nossa Senhora, exceto o perigo de demonstrar fraqueza e debilidade, que n’Ela não existem. Sua ternura para conosco é levada ao inimaginável, sem nenhuma cumplicidade com nossos defeitos. Compaixão, sim; complacência, não. Sem embargo do quê, segundo São Luís Grignion de Montfort, Maria Santíssima ama a cada um de nós mais do que todas as mães existentes no mundo amariam, juntas, um filho único. Isso diz respeito tanto a nós quanto a qualquer ímpio.

Nossa Senhora é Mãe da graça, e o amor d’Ela a um indivíduo ruim não consiste em fechar os olhos para sua maldade, mas em obter-lhe de Deus favores seletíssimos para que ele possa se arrepender e se emendar. Quer dizer, o amor materno de Maria tem força regeneradora para elevar e santificar uma alma; Ela é a Medianeira das graças necessárias para a justificação daquele a quem Ela ama. Por causa disso, sua misericórdia nunca é susceptível de uma condescendência errada, embora sua contemporização vá mais longe do que a de qualquer mãe terrena.

Confiar em Maria, sem desanimar jamais

A consideração dessas verdades me leva a insistir num ponto que nunca me canso de salientar: confiemos, confiemos e confiemos a todo instante em Nossa Senhora, lembrando-nos sempre de sua extrema meiguice para conosco, de sua compaixão para com as misérias de cada um de nós. Tenhamos presente que, na Salve Rainha, Nossa Senhora é chamada “Mãe de misericórdia”, e que o Lembrai-vos acentua a bondade d’Ela para com o pecador arrependido.

Não receio parecer repetitivo ao renovar essas recomendações, pois uma vida espiritual que não as contemple acaba se extraviando. Sem nos compenetrarmos da misericórdia de Maria Santíssima, nada de bom faremos. Cultivando-a, nossa alma se cumula de confiança, de alegria e de ânimo. Tendo a Mãe da Divina Providência como nossa própria Mãe, nada nos deve abater. Ela tudo resolverá se, confiantes, implorarmos seu maternal socorro.

1) Em muitas paróquias do Brasil essa festa é celebrada no dia 11 de novembro; em outros países, no dia 19 do mesmo mês.

Plinio Corrêa de Oliveira

10 de novembro – São Leão Magno

São Leão Magno

Sabendo da presença de hereges em solo pontifício, São Leão Magno empreendeu amplos esforços para combatê-los. Instituiu um tribunal em Roma — presidindo pessoalmente a muitas sessões —, com a finalidade de julgar as doutrinas heréticas. Proferiu sermões advertindo o povo, exortou a todos que denunciassem os praticantes das heresias.

Quando na Espanha rebentou a heresia priscilianista, São Leão prestou o devido apoio a São Turíbio, Bispo de Astorga, impulsionando os chefes de Estado a condenarem tal heresia, pois esta não era só a ruína da Igreja, mas também da ordem temporal.

São Leão Magno procedeu não somente com a autoridade de um Papa, mas, sobretudo, com a autoridade de um santo.

Os valores por ele defendidos de maneira heroica, foram confirmados por um impressionante prodígio: a grandiosa aparição de São Pedro nos céus, enfrentando Átila às portas de Roma. São Leão fazia assim retroceder o rei dos hunos. Um grande milagre da História da Igreja.

Utilizando-se da infalibilidade, a Igreja declarou heroica a prática de todas as virtudes por São Leão Magno.

Peçamos a ele que, quando raiar a aurora do Reino de Maria, as virtudes por ele praticadas.

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 140 (Novembro de 2009)

10 de novembro – O pontificado aliado à santidade

O pontificado aliado à santidade

São Leão Magno foi um dos maiores papas que a História registra. Lutou em seu pontificado contra numerosas heresias que então agitavam a Igreja.

Com a autoridade de Papa aliada à qualidade de Santo, cuja santidade foi confirmada por um dos maiores milagres da História da Igreja – a vitória sobre Átila e suas tropas que pretendiam invadir Roma –, fez sermões advertindo o povo contra os hereges, exortando-o a denunciá-los aos sacerdotes e vigários, para sofrerem as penas canônicas e, eventualmente, também as temporais.

Portanto, ele praticou uma virtude que hoje seria muito pouco apreciada, por ser oposta ao ecumenismo mal compreendido. O que diria São Leão Magno diante das heresias soltas em nossos dias?

Peçamos a ele que reacenda na Igreja esse espírito de discernimento, de intransigência e de luta, que seria suficiente para evitar ao mundo os terríveis castigos pelos quais inevitavelmente vai passar, se não se converter. Que ao raiar a aurora do Reino de Maria esse espírito esteja imensamente aceso e dure até o fim dos tempos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/4/1967)

Revista Dr Plinio 248 (Novembro de 2018)

10 de novembro – INTRANSIGÊNCIA E DUCTILIDADE: SÃO GREGÓRIO MAGNO

INTRANSIGÊNCIA E DUCTILIDADE: SÃO GREGÓRIO MAGNO

Comentando a diretriz de São Gregório Magno a São Justo, relativa ao apostolado na Inglaterra, Dr. Plinio ressalta a perenidade da Igreja até nas coisas inteiramente secundárias. A carta indica, ao mesmo tempo, muita ductilidade, maleabilidade, naquilo que é secundário e uma enorme intransigência no que é realmente importante.

A 10 de novembro comemora-se a festa de São Justo, bispo, a respeito do qual diz Rohrbacher1, na sua obra Vida dos Santos, o seguinte:

Diretriz de São Gregório Magno sobre o apostolado na Inglaterra

São Justo foi companheiro de Santo Agostinho, em seu trabalho de conversão da Inglaterra.
É, portanto, Santo Agostinho que foi Arcebispo de Cantuária, no século VI, e não Santo Agostinho de Hipona.
Escreveu-lhe São Gregório o seguinte, a respeito de uma consulta.
São Justo fez a São Gregório Magno uma consulta e este lhe deu a resposta que segue.
Quando chegardes ao pé de nosso irmão Agostinho dizei-lhe que, depois de ter pensado longamente, examinado bem a questão dos ingleses, julguei que não devia destruir os templos, mas somente os ídolos que neles estão. Purifique-os com água benta, desça do altar os ídolos e lá coloque relíquias. Se esses templos são bons, bem edificados, que passem do culto dos demônios ao serviço do verdadeiro Deus, a fim de que aquela nação, vendo conservados os lugares aos quais estão acostumados, neles passem a ir mais à vontade. E como estão acostumados a sacrificar bois aos demônios estabeleça qualquer cerimônia solene como a da consagração, ou dos mártires de quem ali estão as relíquias.
Que façam barracas em volta dos templos transformados em igrejas e celebrem a festa com refeições discretas. Ao invés de imolar animais ao demônio, que os matem para comer e render graças a Deus que lhes deu o alimento, a fim de que, deixando quaisquer manifestações sensíveis de júbilo, possam insinuar-se mais facilmente nas alegrias interiores. Porque é impossível destituir os duros espíritos de todos os costumes de uma só vez. É devagar que se vai ao longe.

Todos os deuses dos pagãos são demônios

Essa carta é muito interessante, antes de tudo por causa dessa afirmação que nós encontramos numerosas vezes em Padres e Doutores da Igreja, bem como na Escritura que diz: omnes dii gentium dæmonia (Sl 95, 5) – todos os deuses dos povos, das nações que não Israel, são demônios.
E isso provém deste fato que São Luís Grignion de Montfort põe muito em relevo: o homem, depois do pecado original, nasceu escravo. Ou é escravo de Deus, de Nossa Senhora, ou é escravo do demônio. Não tem outro remédio. E como esses povos pagãos não são escravos de Nossa Senhora, nem de Deus, são necessariamente escravos do demônio. E aquelas coisas que eles adoram são realmente demônios. Sem falar nos numerosos casos que se conhecem de manifestações preternaturais diabólicas, a propósito do culto dos demônios.
De maneira que a expressão é muito característica, violenta, profundamente antiecumênica. Exatamente nesse sentido é interessante essa carta porque ela indica, ao mesmo tempo, muita ductilidade, maleabilidade naquilo que não tem importância, e uma enorme severidade no que é realmente importante.

Templos pagãos purificados pela celebração do verdadeiro culto

Os templos dessas nações pagãs não tinham nada em comum com a arte moderna. Esta é uma negação violenta, blasfematória, de toda forma de verdade e de bem. É a arbitrariedade artística erigida em afirmação normal da desordem e da feiura. Evidentemente, a arte moderna não pode servir para uma igreja católica. Mas os templos constituídos em outras escolas artísticas que não terão a elevação, a sacralidade do gótico, mas são escolas dignas e que realmente contêm verdadeiros elementos de beleza, podem adequadamente servir para o culto católico.

 

 

Lembro-me que nós publicamos um “Ambientes-Costumes”, em “Catolicismo”, no qual havia uma fotografia de um pagode chinês, e mostrávamos como ele era próprio para servir ao culto católico dentro de uma nação chinesa. Não que se fosse construir um pagode para ali pôr um culto católico, porque quando se faz procura-se fazer o melhor possível. Mas quando se recebe o fato consumado, procura-se aceitar o aceitável. E o pagode, bonito, com muita nobreza, muitos valores, mereceria perfeitamente ser aceito pelo culto católico.
Por exemplo, os heróis da Reconquista, quando tomavam aquelas cidades antigamente mouras que possuíam mesquitas muito bonitas, como a famosa de Córdoba, purificavam as mesquitas, tiravam todos os emblemas do islamismo e instalavam o culto católico, o qual até hoje continua a ser celebrado nesses locais. E isso é uma coisa digna, feita pelos próprios heróis da Reconquista.
Isabel, a Católica, quando penetrou em Granada, uma das primeiras preocupações dela foi precisamente de mandar purificar a mais importante mesquita da cidade e rezar ali uma Missa. Era o principal símbolo da vitória alcançada contra o Islã.

Intransigência no necessário e ductilidade no secundário

lho que São Gregório dá a Santo Agostinho. Se os templos têm características que não destoam do culto, devem-se aproveitar.
E ele indica então uma razão de caráter psicológico: as pessoas estão habituadas a ir ao templo. Uma vez que se elimine o elemento ruim, que é o culto idolátrico, esse hábito desinibe o indivíduo de frequentá-lo. Então, convém aproveitar essa circunstância de nosso lado.
Notem quanta intransigência no necessário e quanta ductilidade naquilo que é secundário e realmente não tem nenhuma atinência com os princípios. Não quer dizer o seguinte: ser intransigente com os princípios fundamentais e tolerante com os princípios secundários. Isso seria uma abominação. Com os princípios se é intolerante em toda linha, até onde eles vão. Mas uma parte da realidade que escapa, sob vários aspectos, ao ângulo dos princípios pode ser vista com essa largueza.
Observem as quermesses realizadas junto a igrejas. Muitas delas são de moralidade duvidosa, culturalmente repelentes e sem expressão de valor piedoso em nenhum sentido da palavra.
No caso acima, vemos o contrário. São Gregório Magno manda fazer barraquinhas em torno das igrejas, o que, naquela noite dos tempos, era propriamente a quermesse. Para quê? A fim de distribuir comilanças porque aquele pessoal estava habituado a comer. E ele indica um sentido religioso à refeição: celebrem a Deus que lhes concedeu essa comida, e fiquem alegres com isso; era um pouco de regozijo depois do trabalho. E com isso se atraía o povo
Vemos como essas coisas se ligam e dão bem uma expressão da perenidade da Igreja até nas coisas inteiramente secundárias. 

(Extraído de conferência de 9/11/1966)

1) ROHRBACHER, René-François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas. 1959, v. XIX, p. 287-288.

08 de novembro – Moldura para a figura de São Willehade

Moldura para a figura de São Willehade

Os saxões eram pagãos muito agressivos e frequentemente invadiam as terras dos francos, cometendo crimes e pilhagens. Carlos Magno, numa cruzada em defesa da Religião Católica, atacou-os e derrotou-os. Eles se revoltaram, mas novamente o Imperador venceu-os e lhes impôs um tributo em benefício da Santa Igreja.

 

São Willehade, bispo e confessor. Foi o primeiro Bispo de Bremen, diocese criada pelo Imperador Carlos Magno, após suas conquistas. No ano de 788, 21º do seu reinado, Carlos Magno deu àquela igreja um diploma lavrado nos seguintes termos:

“Em nome de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, Carlos, por vontade da Providência Divina, Rei. Sob o auxílio do Deus dos exércitos, conseguimos uma vitória nas guerras. É só n’Ele que nos gloriamos. E é d’Ele que nós esperamos neste mundo a paz e a prosperidade, e no outro a recompensa eterna.

Salvem-se, pois, todos os fiéis de Cristo, e os saxões rebeldes aos nossos ancestrais, pela obstinação da perfídia e por um tão longo tempo rebeldes a Deus e a nós, até que os tivéssemos vencido pela Cruz do Senhor, não pela nossa. Por sua misericórdia, nós recebemos a graça do batismo, e os levamos à antiga liberdade, desobrigando-os de todos os antigos tributos que nos devem. Pelo amor d’Aquele que nos deu a vitória, de tributários os declaramos devotamente súditos.

Como se recusaram a tal presente e o jugo de nosso poder, agora que foram vencidos pelas armas e pela Fé, ficam obrigados a pagar a Nosso Senhor Jesus Cristo e seus sacerdotes o dízimo de todos os seus animais, frutos e culturas.”

Zelo do poder civil para com o poder eclesiástico

A ficha não se presta propriamente a um comentário a respeito de São Willehade, bispo e confessor, porque a propósito dele diz que foi Bispo de Bremen, e a respeito dessa cidade transcreve o decreto de criação da Diocese de Bremen, no ano de 788, por Carlos Magno.

De maneira que, inevitavelmente, o comentário tem que ser sobre o decreto. Parece uma coisa extravagante fazer a respeito de um documento legal uma conferência que deveria versar sobre a vida de um Santo. Quem lesse os decretos promulgados hoje não encontraria tema para tal conferência. Por exemplo, um decreto sobre o trânsito ou, como no presente caso, a respeito de questões fiscais — porque Carlos Magno está lançando um imposto —: que matérias de vida espiritual podem caber?

É interessante analisarmos este decreto para compreendermos a modificação completa do ambiente que vai da civilização cristã para a de nossos dias: o Imperador especifica o modo pelo qual esse tributo precisa ser pago, e torna obrigatório o cumprimento desse dever para com a Igreja.

Vejam que relações íntimas entre poder eclesiástico e o poder civil havia naquele tempo, o cuidado do poder civil pelo poder eclesiástico. E com que abundância estava provida a manutenção do clero e do culto na Catedral de Bremen, para a glória de Deus antes de tudo e, secundariamente, para a cristianização desses povos ainda semipagãos.

Um ato ilícito que produziu bons frutos

Observem uma outra coisa interessante: como o Imperador descreve o seu papel enquanto cobrando esse imposto. Carlos Magno mostra que se trata de um povo que era pagão, o qual ele reduziu pelas armas, quer dizer, tem sobre esse povo o direito de conquista. E um direito de conquista legítimo porque os saxões, muito agressivos, continuamente invadiam as terras dos francos, de quem Carlos Magno era o rei, fazendo provocações, crimes e pilhagens nas fronteiras, e queriam impor a religião pagã.

Então, Carlos Magno, numa cruzada em defesa da Religião Católica, invadiu as terras deles e derrotou-os. Passando um pouco dos limites, ele estabeleceu o princípio: ou crê ou morre; quem não é batizado deve ser morto. E, naturalmente, o número de batismos foi enorme.

Também a quantidade de execuções capitais foi muito grande. Correu água batismal e correu sangue às torrentes nessa ocasião. E ele até foi censurado pelo Papa, porque não se pode colocar ninguém diante da alternativa: ou crê ou morre.

Eu estou de acordo com o Papa e não com Carlos Magno. E não é numa atitude contestatária — longe de mim isto — que vou, entretanto, fazer a seguinte observação: é que muitos batizados forçados deram resultado certo; e depois eles e os seus filhos ficaram na Fé Católica e nela perseveraram até hoje, ou até pouco tempo atrás.

Quer dizer, talvez não tenha sido inteiramente lícito, ou não foi lícito e por isso não foi bom. Afirmar que não tenha sido útil já é uma outra questão.

Produziu lá seus frutos…

Da barbárie para o píncaro da cultura e da civilização

Depois o Imperador mostra como os saxões se revoltaram de novo. E Carlos Magno teve que exercer, outra vez, uma ação de conquista sobre esse povo. E, então, os saxões viviam pela misericórdia do Imperador. Conforme as leis da guerra, ele poderia ter exterminado os saxões, porque junto a eles não era possível viver, ou ter reduzido muitos ao cativeiro.

Carlos Magno não fez nada disso. Ele instituiu, fixou suas fortalezas, intensificou a cristianização, mas cobrou um imposto particularmente grande, porque os saxões eram rebeldes vencidos. E o rebelde vencido é obrigado a um imposto maior.

Vemos, assim, como ele sabia, nas suas apreciações, temperar a justiça com a misericórdia. Ele mostrou ser misericordioso com esse povo em várias circunstâncias, mas chegando a ocasião da justiça ele tinha o direito de exigir o imposto.

Eu falei em extermínio. É claro que Carlos Magno não podia exterminar o povo inteiro, mas sim ordenar a matança de um certo número deles que fossem presos com armas nas mãos, para intimidar e nunca mais haver a possibilidade de atacarem. Vê-se que ele foi benigno, não levou as coisas tão longe; pelo contrário, soube amenizá-las de maneira que, dotando a catedral e o clero tão bem, obrigava o povo a pagar um imposto, do qual a principal vantagem era para Deus.

Deus não precisa de nada, mas, enfim, era para o culto divino. E o povo tinha o maior dos benefícios, porque, bem implantada a Religião numa situação de prestígio, apoiada pelo poder temporal, pelo Imperador, dotada de meios para influenciar, podia deitar fundo as suas raízes no meio daquela gente. E isto para eles era o melhor, pois saíam do estado de barbárie e podiam chegar, como de fato chegaram, ao píncaro da cultura e da civilização. É a Alemanha.

Compreendemos, portanto, como Carlos Magno era sábio e benfazejo no que estava dispondo e estabelecendo. E isto está mais ou menos dito no decreto, embora este não desça tanto a fundo nas coisas.

Carlos Magno, servidor da Santa Igreja

É bonito notarmos como o Imperador atribui todas essas vitórias a Deus. Ele diz: nós vencemos pelo auxílio divino. Como quem afirma: Eu sei que venci essas batalhas, mas não passei de instrumento de Deus; se não fosse a interferência d’Ele eu teria perdido essa guerra.

Todas essas ideias a respeito da missão de Carlos Magno na História, do seu papel junto aos povos pagãos, como distribuidor da justiça e da misericórdia em nome de Deus, como braço direito da Igreja na ordem temporal, tudo isso cabe no título inicial, que é este: “Em nome de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, Carlos, por vontade da Providência Divina, Rei.” Tem uma beleza extraordinária!

Observem a incisão das palavras. Quer dizer, aqui estou eu, mas isso desce do alto. Tem-se a impressão que a indicação desse título é acompanhada de revoadas de Anjos, de sinos de catedrais que tocam, de esplendor e de luz no céu: Carlos, por vontade do Onipotente, Rei, porque a Providência Divina queria que ele fosse rei. O representante de Deus na Terra para as coisas temporais, e o servidor da Santa Igreja Católica em tudo quanto ela possa querer dentro da ordem temporal.

Tudo quanto a palavra tem de sacral, toda a plenitude de seu poder brilha por causa do que vem antes: é a vontade de Deus, o desígnio da Providência dando o fundamento, o sentido e a tônica a esse poder. Então compreendemos a beleza desse decreto.

A verdadeira vida é a santidade

A esses comentários será inteiramente estranho São Willehade?

Eu creio que de nenhum modo. Tudo isso está para São Willehade mais ou menos como o vaso para a flor. Tomem um vaso magnífico feito para conter uma flor. Enquanto nele não entra a flor, ele está numa certa orfandade. O vaso só se explica, mostra a sua beleza inteira quando nele se põe uma flor ainda mais bela do que o vaso; a beleza da natureza, da obra direta de Deus, supera, de algum modo, a pulcritude que o homem fez para conter aquela obra-prima da natureza.

E São Willehade é a flor desse vaso. Quer dizer, do que adiantaria a grande catedral, o sólio episcopal, o grande Imperador, se para um lugar como esse nunca fosse designado um verdadeiro Santo, se perfume e a fermentação da santidade não se espalhassem por lá? Todas essas coisas são belas, são nobres, estão no desígnio da Providência na medida em que servem à influência da santidade e como instrumentos d’Ela. Mas a verdadeira vida de tudo isto é a santidade.

De tal maneira que podemos imaginar, então, Bremen com sua catedral nova, as fileiras de saxões convertidos que vão, em dias determinados, entregar os seus dízimos para que o templo e o culto divino sejam mantidos convenientemente, os cânticos, o povo. Mas nada é tão belo quanto conjecturar o sólio episcopal no qual está o Santo, representando Deus, com uma plenitude e uma densidade de representação muito maior ainda que a de Carlos Magno. O poder espiritual vale mais que o poder temporal, porque é mais densamente sacral. Willehade está representando Deus enquanto bispo e enquanto Santo.

Compreendemos, então, quem ele era na sua catedral e na Cristandade nascente; naquele ambiente todo preparado pelo zelo de Carlos Magno, ele era a flor. Dele é que vinha o perfume, o encanto da vida, da vida sobrenatural, da graça. Assim, nós temos a moldura na qual podemos imaginar a figura de São Willehade.

Imaginar como? Para nós, a figura do tipo ideal do bispo, de um Santo que é tipo ideal do católico. Nós lhe podemos atribuir um físico segundo a nossa fantasia. Mas a alma sabemos em linhas gerais como é, porque os Santos são todos tão diferentes uns dos outros, mas tão parecidos uns com os outros. Ali se encontrava um Santo, está tudo dito. De maneira que o “Santo do Dia” começa assim: Carlos, por vontade de Deus e por desígnio da Providência, Rei.

E termina: São Willehade, Bispo por vontade de Deus e desígnio da Providência, Santo. Inicia com um Rei e termina num Santo.

Aí está a Idade Média no seu esplendor.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/11/1971)

07 de novembro – Só ama o bem quem odeia o mal

Só ama o bem quem odeia o mal

Só ama o bem quem odeia o mal

 

São Lázaro, monge do século IX, teve as mãos queimadas por ordem de um imperador iconoclasta porque fazia imagens sagradas. Os humanitários que hoje declamam contra as Cruzadas e a Inquisição não têm uma palavra de censura para com os imperadores romanos que martirizavam os católicos.

Temos para comentar alguns dados biográficos de um Santo extraordinário: São Lázaro, Confessor. Não é o amigo de Nosso Senhor, irmão de Marta e Maria. Monge e pintor de sagradas imagens, viveu no século IX. Queimaram lhe as mãos com ferro em brasa, mas foi curado pelo poder de Deus e pintou novamente imagens que haviam sido raspadas pelos iconoclastas. O Criador restaurou suas mãos e ele restaurou as pinturas.
Mãos queimadas até os ossos
Lázaro, nascido no Monte Cáucaso, deixou seu país na primeira juventude e veio para Constantinopla, onde abraçou a vida religiosa. Além dos exercícios ordinários do estado monástico, aprendeu pintura, arte que se cultivava nos claustros, sobretudo em Constantinopla, desde que a guerra contra as sagradas imagens tinha sido declarada pelos iconoclastas1.
Como os iconoclastas eram contra o uso das imagens, nos bons mosteiros os monges aprendiam a pintá-las como um meio de combatê-los. Naturalmente, depois eles difundiam essas pinturas.
Os imperadores, não contentes de quebrar as imagens e perseguir seus defensores, tinham ainda de tal modo intimidado os pintores com o rigor de seus editos, que o medo da morte, da prisão e do exílio os impedia de fazer qualquer quadro de Jesus Cristo ou dos Santos. Foi o que levou muitos superiores de mosteiros a querer reparar esse dano, apesar das ameaças e da indignação do soberano, introduzindo a arte da pintura em suas casas, para impedir que as santas imagens fossem abolidas pelos ímpios.
Lázaro tinha se tornado muito hábil nessa profissão, e a perpetuação, a reputação que adquiriu foi causa da perseguição particular que teve de sofrer.
O Imperador Teófilo, em 829, tendo ordenado a pena de morte para todos os pintores que recusassem a rasgar os quadros nos quais tivessem pintado os Santos, mandou buscar Lázaro em seu mosteiro, para executar o edito em sua presença. Não conseguiu levá-lo a isso pela doçura e recorreu à tortura. Fê-lo tão cruelmente que pensou que São Lázaro morreria no suplício. Mas, tendo recuperado suas forças algum tempo depois, continuou a pintar. O imperador mandou prendê-lo de novo e torturá-lo com brasas de ferro rubro nas mãos, queimando-as até os ossos.
A imperatriz Santa Teodora obteve do marido a sua libertação e o manteve oculto na Igreja de São João Batista, onde o fez curar. Quando Lázaro se restabeleceu, pintou, por reconhecimento, um quadro do Precursor, que se tornou um dos mais célebres de seu tempo.
Após a morte de Teófilo, a imperatriz Santa Teodora e seu filho Miguel III restabeleceram a honra das imagens. Lázaro elaborou um Salvador que colocou sobre uma coluna para ser exposto à veneração pública.
Vendo, então, o culto antigo bem fortalecido, entregou-se aos santos exercícios da vida monástica, não pensando senão em santificar-se nas obscuridades do claustro, onde morreu em 867.
Ódio contra os que defendem a Fé
Percebemos nesta narração, de modo muito notável, a fidelidade desse Santo à sua vocação, levando-o a enfrentar toda espécie de torturas. Mas me parece ser tal o número de mártires com essa fidelidade – isso é algo refulgente de tal maneira na Igreja que as nossas almas estão cheias dessa luz –, não sendo o caso de insistir sobre isso.
Talvez seria conveniente apontar, nesse conjunto de fatos, um aspecto não tão batido quanto o da glória insondável do martírio: a impiedade é fina e perspicaz no seu ódio, e devemos lamentar que nós, filhos da luz, não sejamos tão perspicazes e finos como ela.
Os humanitários declamam muito contra as Cruzadas, a Inquisição e toda forma de guerra de religião – porque, dizem eles, são torturas horrorosas, não se deve absolutamente permitir uma coisa dessas, é contra a caridade etc. – porém, não têm uma palavra de censura para com os imperadores romanos que martirizavam os católicos. Quando se diz a um deles:
— Você não fala contra Diocleciano, Nero? Só contra Torquemada2?
E num movimento temperamental de um ódio todo platônico, ele diz:
— Ah, também contra esses eu sou contra. Mas Torquemada… é preciso acabar com ele.
— E Nero não foi horroroso?
— Sim, sim. São coisas que se deve censurar, e – bocejando, acrescenta – eu censuro…
Mas o ódio dinâmico dos ímpios é contra aqueles que derramaram o sangue na defesa da Fé. Contra os que o fizeram verter para combater a Fé eles não têm ódio dinâmico nenhum. Isso prova que, no fundo, o ódio deles não é contra o derramamento de sangue, mas é contra a defesa da Fé.
Quanto se tem falado contra os Autos de Fé espanhóis! No que isso tem de diferente de um Auto contra a Fé, do ponto de vista sangue? Não tem nada de diferente. Tanto um quanto outro envolvem sangue, são opressões da liberdade. Entendamo-nos a esse respeito. O ódio dos humanitários, dos liberais vai exclusivamente contra aqueles que derramaram o sangue para defender a Fé.
Sanha de perseguição contra os bons
Isso vai mais longe. Se eles não têm ódio aos que promoveram o derramamento de sangue perseguindo os católicos, muitos dentre eles, podendo, também não verteriam o sangue dos católicos? Uma coisa traz a outra, como consequência. Se eu, diante de crimes atrozes como esse, me manifesto frio, no fundo acho que quem fez isso tem uma certa razão e eu, no caso, talvez o fizesse. Compreende-se, então, até onde chega a ferocidade dos ímpios: não só até a contradição, mas até uma sanha de perseguição que não revelam, mas que, no fundo, eles têm.
Reflexão muito útil quando estivermos em presença de pessoas como essas, pois quase todo mundo tem esse estado de espírito.
Façam um teste nos ambientes frequentados. Digam algo sobre a Inquisição e todo mundo se levanta para atacá-la. Falem contra as perseguições, por exemplo, dos iconoclastas no Império Romano do Oriente, e sai o tal ódio frio, platônico, que não é verdadeiro ódio.
Portanto, toda essa gente tem, no fundo – ao menos em algumas fibras da alma, quando não em todas –, uma complacência com a ideia de matar os autênticos católicos.
Então, em contato com pessoas desse naipe, devo pensar: “Esse indivíduo que está falando comigo quereria matar-me, se pudesse”. É preciso chegar até o caso pessoal, atingir a pele e o instinto de conservação. Não considerar apenas em tese a morte dos cristãos, dos católicos.
Não conhece nem ama o bem quem não conhece e não odeia o mal
Se esse indivíduo fosse meu familiar, eu poderia cogitar: “É verdade. Mas sendo ele meu parente, não me mataria”. Isso é falso. O ódio deles contra a Fé é tão grande que gostariam de matar os católicos e não poupariam ninguém.
Quem julgasse que o indivíduo não faria isso com ele porque é seu parente, pensaria como um ingênuo. Seria bom passar por um curso de “desingenuização” porque levou a ingenuidade até extremos muito grandes.
Peçamos, então, a São Lázaro esta graça penetrante: perceber e discernir nos ímpios com os quais tratamos o ódio que eles têm a nós.
Alguém dirá: “Mas, Dr. Plinio, qual é a vantagem disso? Eu vivo tão bem com os meus parentes. São agradáveis, influentes, conversam bem. Agora está o senhor me fazendo ver um Nero ou um Calígula… O senhor desarranja tudo! E parece estar contente com o desarranjo produzido.”
A minha resposta é a seguinte: Não conhece nem ama o bem quem não conhece e não odeia o mal. O conhecimento do mal é indispensável para o conhecimento do bem, como contraste. Depois do pecado original, não se pode dispensar o conhecimento do mal. E é preciso medir o mal em toda a sua extensão, para conhecermos o bem em toda a sua nobreza.
Portanto, é necessário fazer esse exercício com as pessoas próximas de nós. Porque, ademais, seria uma atitude simplória achar que os parentes dos outros não prestam e são muito ingênuos quando acreditam neles, mas os nossos são diferentes.
Vale muito a pena nos compenetrarmos do ódio pessoal que eles têm a nós, porque enquanto não tivermos essa compenetração, um restinho de complacência com o mundo pode ficar. E se trata, exatamente, de dissipar toda e qualquer complacência com o mal. Então, fica isso indicado à nossa consideração a propósito da vida de São Lázaro.

 

(Extraído de conferência de 22/2/1967)

1) Não dispomos dos dados da ficha utilizada por Dr. Plinio.
2) Tomás de Torquemada (*1420 – †1498), sacerdote dominicano espanhol, confessor da Rainha Isabel, a Católica, e do Rei Fernando de Aragão. Foi também grande Inquisidor de Espanha.

06 de novembro – Oração: São Nuno de Santa Maria

Oração: São Nuno de Santa Maria

Sobre São Nuno de Santa Maria, nome que o Condestável Nuno Álvares Pereira tomou em religião como religioso carmelitano, o Gal. Silveira de Mello, no livro “Os Santos Militares”, diz o seguinte:

“As primeiras atividades militares de Nuno Álvares Pereira foram, no seu dizer, simples escaramuças nas fronteiras de Portugal. Jovem impetuoso, revelou-se logo exímio condutor de seus homens. Certa ocasião, os castelhanos fizeram um desembarque com cerca de 250 homens para estabelecer uma cabeça de praia que facilitasse o desembarque. Nuno, de guarda nessa hora, não possuía senão dois pelotões de 60 homens que o acompanhavam. O chefe português podia opor-se ao desembarque do escalão inimigo, mas exporia a inferioridade numérica de seus homens. Preferiu atacar os castelhanos fora da praia, mas grande parte de sua gente intimidou-se. O inimigo desembarcou sem encontrar resistência e avançou em posição de ataque.

“Nuno, ajudado de poucos cavaleiros audaciosos, fez frente à primeira leva dos inimigos. Atacou-os com fúria, acometendo-os à lança e à pata de cavalo. Quebrando a lança, puxa da espada; o cavalo que montava cai ferido e prende, na queda, a perna do cavaleiro. Os castelhanos aproveitam do incidente e atacam. Vendo o chefe em perigo, os companheiros avançam em seu socorro. Entusiasmam-se os lusos, a princípio indecisos. Nuno não se ferira, protegido que fora pela armadura e pelo escudo. Entra na luta com novo ânimo, luta essa de quatro contra um. Mas aos portugueses vale o denodo do capitão. Os inimigos perdem terreno, debandam, são perseguidos e poucos se põem a salvo.

“A 15 de agosto de 1243, Nuno foi admitido na Ordem Carmelitana com o nome de Nuno de Santa Maria. Foi grande religioso, como fora grande soldado. Encontrou no convento um sacerdote que antes da ordenação fora também soldado e o servira. À sua passagem, o monge terciário … ia beijar-lhe o hábito em respeito à sua dignidade. Por seu lado, o sacerdote carmelita declarava que uma das grandes honras de sua vida fora ter sido pajem do Condestável.

“No último ano de sua vida, em 1431, alquebrou-se o velho guerreiro. O rei D. João foi vê-lo e ao abraçá-lo pela derradeira vez, chorou como quem se despede do melhor amigo. Quando percebeu que sua hora era chegada, Nuno pediu que lhe fosse lida a Paixão do Senhor, segundo São João. Expirou suavemente às palavras …

“Epitáfio de Nuno de Santa Maria: Aqui repousa aquele Nuno, Condestável, fundador da Casa de Bragança, general exímio, depois monge bem-aventurado, o qual, sendo vivo, desejou tanto o Reino do Céu que mereceu, após a morte, viver eternamente na companhia dos santos. Pois, após numerosos troféus, desprezou as pompas e fazendo-se humilde de príncipe que era, fundou, ornou e dotou esse templo.”

Num Canto dos Lusíadas Camões exalta a figura do grande herói português, quando este incita os fidalgos lusos à resistência:

“Atai as mãos a vosso vão receio, que eu só resistirei ao jugo alheio. Eu só com meus vassalos e com esta – Dizendo isso arranca meia espada – Deterei da força dura e infesta – A terra nunca de outrem subjugada. Em virtude do rei, da pátria… – Da lealdade já por vós negada – Deterei não só esses adversários – Mas quanto a meu rei for necessário.”

A grandeza camoniana!…

Os episódios aqui narrados são todos eles de grande significação, tanto a batalha árdua de Nuno Álvares Pereira, quanto depois a sua atuação no convento, e aquela linda reciprocidade de respeito entre ele e o sacerdote.

Ele que como simples donato, quando via passar o sacerdote se levantava e o sacerdote que fora pajem dele, que se honrava em ter sido pajem dele e que sentia uma profunda emoção de respeito quando via D. Nuno Álvares Pereira passar…

O espírito católico se compraz em reconhecer a superioridade  e naquele tempo, ele se exprimia numas manifestações de mútua reverência, de mútuo respeito, de mútua admiração, que faziam crescer ainda mais os valores da Civilização Cristã.

Nós tivemos oportunidade de comentar, há algum tempo atrás, o encontro de Santo Ângelo, carmelita, com São Francisco de Assis e São Domingos, em Roma. E a tradição segundo a qual os três santos teriam caído de joelhos uns diante dos outros. É essa efusão de mútua veneração que não se resolve em igualdade, mas se resolve em profunda humildade.

É aqui que se vê bem o esplendor da Civilização Cristã.

Os senhores vêem no ardor da luta de Nuno Álvares como deve lutar o verdadeiro católico. O verdadeiro católico não é o sentimental que não tem o senso da guerra, mas, pelo contrário, Nuno Álvares lutava como os senhores acabam de ver, empenhando-se inteiramente e comunicando a coragem aos outros.

Vejam o verdadeiro católico como é: como era o venerável Nuno Álvares.

Pela revelação que contém da santidade da coisa, muito bonita também é a despedida do rei. Naquele tempo as pessoas não tinham medo de morrer e embora não houvesse o diagnóstico inexorável de certas radiografias de hoje, as pessoas muitas vezes pressentiam a morte. Quando pressentiam a sua morte, iam se despedir. E as pessoas que recebiam a visita de despedida achavam aquilo natural: entrava, conversava, tomava chá, depois, na hora de sair, despedia mesmo. Também depois não se viam mais antes de morrer.

Era a época da cortesia, em que as pessoas até para morrer, morriam com polidez, com elegância. Pois, quando se trata de sair da terra — a gente fazendo uma visita para despedir porque vai viajar —, por que não vai fazer uma visita para despedir quando vai morrer, quando essa é a grande viagem? E depois é preciso dar um bom conselho para um, para outro; por justiça, se deve um agradecimento. Então, a gente vai fazer o agradecimento. Para outro é porque a gente estima e quer rever mais uma vez antes de morrer.

E então o rei e ele se reviram. O rei chorou, abraçaram-se, depois cada um seguiu o seu destino. E naturalmente São Nuno de Santa Maria morreu e no céu rezou pelo rei. É a época da elegância. Os senhores vejam a elegância das maneiras, a polidez das maneiras como se interpenetrava com a piedade e dava à piedade uma excelência própria, porque foi um costume de alta elegância que foi embebido de piedade, e dava à piedade uma beleza especial essa forma de separação antes de morrer, com essa nobreza, com essa tranqüilidade e com esses olhos postos no céu.

E aí os senhores têm uma visão dos esplendores da Civilização Cristã, a propósito da vida de São Nuno de Santa Maria.

De maneira que aqui fica uma oração: Que Nossa Senhora e o Bem-aventurado Nuno Álvares nos obtenha precisamente essa coragem de que ele deu o exemplo e que Camões tão bem soube cantar.

Plinio Corrêa de Oliveira –  Extratos da conferência de 5/11/1966