21 de novembro – AComo jóia no seu escrínio…

Como jóia no seu escrínio…

A Festa da Apresentação de Nossa Senhora no Templo, que transcorre no dia 21 deste mês, foi instituída ao ser consagrada a igreja de Santa Maria a Nova, em Jerusalém, no ano 543. Assim, a liturgia confirmava como fato histórico o que se lê no texto apócrifo conhecido como Protoevangelho de Tiago: a Santíssima Virgem foi levada pelos seus pais, São Joaquim e Sant’Ana, ao Templo de Jerusalém, com tenra idade, para viver uma vida de recolhimento e oração nesse sagrado lugar.

Para Dr. Plinio, o momento do ingresso da santa Menina no Templo provavelmente foi o mais belo espetáculo até então contemplado pelos Anjos do Céu. E ao comentar uma passagem de São Francisco de Sales a esse propósito, acrescentava:

“Não sei se São Joaquim e Sant’Ana tinham plena noção de que Nossa Senhora estava destinada a ser a Mãe do Verbo Encarnado. Porém, certamente sabiam que sua filha fora escolhida por Deus para altíssimas coisas com vistas ao advento do Messias.  É-nos dado supor, aliás, que essa menina,  concebida sem pecado original e, portanto, sem as limitações inerentes a este, sem deixar as atitudes próprias de uma criança, possuía em sua alma um dom de contemplação maior que o dos maiores santos da Igreja.

“Quer dizer, n’Ela se harmonizavam a extrema afabilidade e meiguice da criança com uma grandeza da qual os homens mais excelentes da Terra não são senão minúscula figura. Esse terá sido o desejo de Nossa Senhora, em que sendo Ela a Rainha incomparável do universo, aparecesse aos olhos de todos como uma simples menina. Contraste de beleza insondável, diante do qual permanecemos emudecidos de admiração!

Pois foi essa maravilhosa menina que seus pais levaram ao Templo. Segundo São Francisco de Sales, durante essas peregrinações à Cidade Santa, os judeus iam pelas estradas entoando cânticos, de modo particular os salmos compostos por David para essa finalidade. Podemos imaginar as lindas cenas que tais romarias proporcionavam: chegado o mês da visita ao Templo, judeus das mais variadas regiões se punham a palmilhar os caminhos de Israel, envolvendo-os com seus cantos religiosos.

“Entre eles, certa feita, encontravam-se São Joaquim, Sant’Ana e Nossa Senhora. Imaginemos, então, se pudermos, o cântico da Menina, elevado com uma voz inefável, repetindo as palavras que seu régio ancestral escrevera por inspiração do Espírito Santo para aquela circunstância!

“Pensemos em Maria cantando pelas estradas judaicas, e os anjos acompanhando seus passos e seu cântico, extasiando-se eles, sobretudo, com as harmonias de alma que a pequena Virgem manifestava a cada instante.

“Ainda segundo São Francisco de Sales, do alto dos terraços da Jerusalém Celeste, os querubins e os serafins, e toda a corte angélica, debruçavam-se para contemplar Nossa Senhora a caminho de Jerusalém, e esse espetáculo, ignorado pelos homens, incutia-lhes um gáudio inexprimível.

“De fato, cena mais bela e mais eloquente do que essa, só poderia ser aquela em que esses mesmos anjos viriam Nossa Senhora ingressar no Templo, como a rainha que toma posse daquilo que lhe é próprio; como a joia que se instala no escrínio onde deve ser guardada…”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 21/11/1965)

21 de novembro – Apresentação de Nossa Senhora

Apresentação de Nossa Senhora

Todas as esperanças, o perdão, a reconciliação, a redenção, a misericórdia que se abriram para o mundo com o nascimento de Jesus, tiveram seu marco inicial e propulsor no aparecimento de Nossa Senhora neste mundo. A criatura de uma vida insondavelmente perfeita, pura e fiel, que seria a maior glória da humanidade em todos os tempos, abaixo da glória da Encarnação do Verbo.

Compreende-se, pois, que já em sua mais tenra infância Maria tenha começado a influir nos destinos da história, sendo, desde então, imenso e inesgotável canal de graças para todos os homens.

21 de novembro – Nossa Senhora no templo de Jerusalém

Nossa Senhora no templo de Jerusalém

No dia 21 de novembro a Igreja celebra um dos mais significativos momentos da vida de Nossa Senhora: sua Apresentação no Templo, quando Ela contava apenas três anos de idade. Segundo a tradição, ali a menina permaneceria num contínuo exercício de união com Deus, até a hora de sair para cumprir a augusta missão a que fora predestinada: conceber e trazer ao mundo o Divino Redentor.

Na conferência a seguir transcrita, tece Dr. Plinio piedosas considerações acerca de tão importante data mariana.

Nesta festa da Apresentação de Nossa Senhora, gostaria de comentar algumas reflexões de São Francisco de Sales a tal respeito, publicadas no livro “Os mais belos textos sobre a Virgem”. Assim se exprime o Doutor Suavíssimo:

“É ato de admirável simplicidade o desta gloriosa criança que, presa ao regaço de sua mãe, agia como as outras crianças de sua idade, embora falasse já com sabedoria. Ela ficou como um suave cordeiro junto a Santa Ana pelo espaço de três anos, após os quais foi conduzida ao Templo, para ali ser ofertada como Samuel, que também foi conduzido ao Templo por sua mãe e dedicado ao Senhor na mesma idade.”

“Ó meu Deus, como desejaria poder representar vivamente a consolação e suavidade dessa viagem, desde a casa de Joaquim até o Templo de Jerusalém! Que contentamento demonstrava essa criança vendo chegar a hora que tanto desejara!”

“Os que iam ao Templo, para adorar e oferecer presentes à Divina Majestade, cantavam ao longo da viagem. E, para essas ocasiões, o real profeta David compusera expressamente um salmo, que a Santa Igreja nos faz repetir todos os dias no Ofício Divino. Ele começa pelas palavras: ‘Beati inmaculati in via’. Bem-aventurados são aqueles, Senhor, que na tua via (ou seja, na observância dos Mandamentos) caminham sem mácula, sem mancha de pecado.”

“Os bem-aventurados São Joaquim e Santa Ana cantavam então esse cântico ao longo do caminho, e com eles, nossa gloriosa Senhora e Rainha.”

“Oh Deus, que melodia! Como Ela a entoava mil vezes mais graciosamente que os Anjos! Por isso ficaram estes de tal forma admirados que, aos grupos, vinham escutar essa celeste harmonia. E os Céus, abertos, inclinavam-se nos alpendres da Jerusalém celeste para olhar e admirar essa amabilíssima criança.”

“Eu quis vos dizer isso, embora rapidamente, para que tenhais com que vos entreter o resto desse dia considerando a suavidade dessa Virgem. Também para que fiqueis comovidos escutando esse cântico divino que nossa gloriosa Princesa entoa tão melodicamente. E isso com os ouvidos de nossa devoção, porque o muito feliz São Bernardo diz que a devoção é o ouvido da alma.”

Admiráveis contrastes numa criança imaculada

O fundamento teológico desse trecho de São Francisco de Sales — em que, aliás, transparece toda a doçura e todo o suco dos escritos dele — é a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.

Ela, concebida sem pecado original, desde o primeiro instante de seu ser foi isenta de todas as limitações decorrentes da mancha que herdamos de Adão. Entre essas carências está o fato de o homem nascer sem o uso da sua inteligência, o que só ocorre mais tarde, à medida que ele cresce e se desenvolve. Em Nossa Senhora, porém, essa regra não se verificou. É sentença corrente na Teologia que Ela, tão logo foi concebida, teve imediato uso da sua inteligência, naturalmente altíssima.

Esse singular privilégio fazia com que, uma vez vinda ao mundo, se reunissem na excelsa menina aspectos admiráveis e aparentemente contraditórios. De um lado, possuía Ela, já naqueles primeiros passos de sua existência, uma capacidade de contemplação que sobrepujava a dos maiores Santos da Igreja. Mas, de outro, Ela mantinha uma postura de criança, não exteriorizando a perfeição de sua alma. Desejava assim, por humildade, viver como uma menina comum, de maneira tal que, quem tratasse com a pequena Maria, teria a impressão de estar em contato com uma criança igual a todas — exceto por alguma expressão de olhar ou palavra d’Ela.

Tal o Filho, tal a Mãe

O mesmo se deu com Nosso Senhor Jesus Cristo, que queria ser nutrido, protegido e custodiado como uma criança comum, embora Ele fosse Deus, soberano Senhor e Rei do Céu e da Terra.

Quem poderá imaginar, então, na vida quotidiana de Nossa Senhora e São José, o momento em que era preciso aleitar o Menino-Deus? Ou em que era necessário trocar suas roupinhas, e um dos dois O toma nos braços, reclina-O com todo o carinho sobre uma mesa e começa a vesti-Lo? Sabendo que, unida à natureza humana daquela criancinha que Lhe sorri, daquele menino que tudo entende, mas parece nada entender, está a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, constantemente imersa nas alegrias, nas grandezas, na majestade e nos esplendores divinos!

Quem poderá imaginar a admiração e o aturdimento que tais contrastes despertavam em São José e em Nossa Senhora!?

Pois bem, algo disso se dava igualmente com São Joaquim e Santa Ana, em relação à sua filha imaculada. Ainda que não tivessem conhecimento de que Ela estava predestinada a ser a Mãe do Deus Humanado, certamente compreendiam ser uma menina destinada a altíssima vocação em vista do Messias. Menina que, por vontade própria, levava a vida de uma criancinha como as outras. Simples, cheia de bondade e acessibilidade, deixando que os parentes a tomassem no colo, ou, assim que o foi capaz de fazer, servindo às visitas e dispensando pequenas atenções a todos. Ela, Rainha incomparável, Soberana do Universo!

Cantando, a caminho do Templo

Nessas condições, aos três anos de idade foi Nossa Senhora levada ao Templo por seus pais. E, como já afirmamos, no caminho iam entoando cânticos e salmos compostos pelo Rei David, obedecendo ao lindo costume dos judeus daquela época.

Como se sabe, embora houvesse espalhadas pela Judeia inúmeras sinagogas onde eles se reuniam para rezar e promover certos cultos, o Templo era um só, o de Jerusalém. E os fiéis de todo o território judaico, e também os da Diáspora, dispersos pelo mundo, iam periodicamente a Jerusalém para participar do sacrifício do Templo. E para externar a alegria de se dirigir até o lugar onde se manifestavam a glória e as consolações de Deus, ao lugar que representava o vínculo entre o Céu e a terra, era bonito que eles fossem cantando. Como, aliás, tantas vezes acontece em romarias católicas, nas quais o povo intercala seguidamente preces e hinos religiosos.

Compraz-nos imaginar os caminhos que conduziam à Cidade da Paz, nas épocas de visita ao Templo, repletos de judeus chegados de todos os lados, enchendo com seus cânticos os ares da terra judaica. Numa dessas ocasiões encontravam-se entre eles São Joaquim, Santa Ana e a pequena Maria. Sem dúvida, haveria de ser belo o cântico da menina, entoado com uma voz inefável, repetindo o salmo que David, por inspiração do Espírito Santo, compusera para tais circunstâncias:

“Bem-aventurados os que se conservam sem mácula no caminho, os que andam na lei do Senhor. / Bem-aventurados os que estudam os seus testemunhos, os que de todo o coração O buscam.”(Salmo 108)

 

É interessante notar que, com extraordinária finura de tato, São Francisco de Sales não comenta a impressão que o canto de Nossa Senhora produziria nas pessoas ao redor d’Ela. E isto porque, como a Santíssima Virgem não deixava transparecer sua grandeza, era possível que Ela não cantasse com toda a perfeição que estava a seu alcance. Na realidade, uma música cantada por Nossa Senhora, sem as limitações intencionais impostas por Ela, teria de ser o cântico!Antes e depois de Maria Virgem, excetuando Nosso Senhor Jesus Cristo, ninguém cantou nem igual a Ela.

Mas, se não era dado aos homens compreender a excelência das melodias entoadas por Nossa Senhora, diz São Francisco de Sales que os Anjos a conheciam, e por isso se punham a ouvir, extasiados, as harmonias de alma com que Ela cantava. E São Francisco vai mais longe: compara o Céu a uma cidade, a Jerusalém celeste, em cujos alpendres e terraços os Anjos se debruçavam para contemplar Maria Santíssima cantando pelos caminhos da Judeia. E essa visão os enchia de um gáudio inexprimível.

Já nos primeiros passos de sua existência, Maria possuía uma capacidade de contemplação superior à dos maiores Santos da Igreja (Nossa Senhora menina, por Zurbarán)

Ápice da história do Templo

A meu ver, pensamento mais apropriado e mais bonito do que esse, só mesmo o que nos sugere a entrada de Nossa Senhora no Templo de Jerusalém, o lugar mais abençoado da terra, envolto em grandeza e majestade sacrais, e ainda habitado pela glória do Pai Eterno.

Podemos imaginar o estremecimento de alegria de todos os Anjos que pairavam no Templo, ao verem Nossa Senhora entrando pela primeira vez na Casa do Altíssimo, como uma Rainha entra naquilo que lhe é próprio; como uma joia posta no escrínio onde deve ser guardada!

Os espíritos celestiais deviam saber, por revelação de Deus, ser aquele o momento em que a grande história e, ao mesmo tempo, a grande tragédia do Templo iam se iniciar. A história: em breve, o próprio Filho de Deus, nascido de Maria Imaculada, entraria por aquelas sagradas paredes. A tragédia: o Templo ia recusar o Messias. E o fim dessa história e dessa tragédia seriam — no magnífico dizer de um autor eclesiástico (Bossuet) — as pompas fúnebres de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ou seja, assim que Ele expirou, o Pai Eterno começou a preparar suas exéquias: o céu se obscureceu, o sol se toldou, a terra e o Templo tremeram!

No caso deste último, tenho a impressão de que os Anjos receberam ordem divina de abandoná-lo ao poder dos demônios, e que estes fizeram ali uma espécie de festa sacrílega, à maneira de cem mil gatos selvagens soltos naquele local, praticando abominações de toda ordem e fazendo estremecerem as colunas do outrora edifício sagrado.

Mas, apesar de tudo, o Templo conheceu sua plenitude quando Maria atravessou uma vez mais aqueles pórticos — que abandonara para se unir a São José — trazendo em seus braços o Menino Jesus, o Esperado das nações. Mãe e Filho foram recebidos por Ana e Simeão, representantes da fidelidade, os quais reconheceram Jesus como o enviado por Deus. Estava fechado o elo entre os justos da Antiga Lei e a promessa que se cumpria. Era o ápice da história do Templo de Jerusalém.

Ora, o primeiro passo para esse auge foi realizado naquele momento em que Nossa Senhora, menina de três anos, apresentou-se no Templo com seus pais. Quem poderá descrever o que devem ter sentido nessa hora os Simeões e as Anas ali presentes? E as graças, as fulgurações do Espírito Santo que se espargiram pelo Templo nessa ocasião?

Sigamos, porém, o conselho do suavíssimo São Francisco de Sales: conservemos todas essas cogitações em nossa alma, e, tanto quanto possível, pensemos nelas serena e alegremente. Máxime nestes tempos agitados em que vivemos. Nada mais recomendável do que, ao cabo de um dia de faina, nos distendermos na consideração desses fatos: Nossa Senhora, São Joaquim e Santa Ana a caminho do Templo, cantando pelas estradas da Judeia, enquanto nos alpendres da Jerusalém Celeste os mais altos Anjos se debruçam, embevecidos com a alma daquela menina.

Plinio Corrêa de Oliveira

21 de novembro – Encontro da esperança com a realidade

Encontro da esperança com a realidade

A festa da Apresentação de Nossa Senhora tem uma beleza especial. Maria Santíssima, a raiz de Jessé da qual haveria de nascer o Messias, é apresentada no Templo, a instituição incumbida de guardar a Promessa. Recebendo Aquela que representa o primeiro passo rumo à realização da Promessa, houve no Templo o encontro da esperança com a realidade.

Nossa Senhora consagra ao serviço de Deus sua alma insondavelmente santa, fazendo penetrar no Templo a luz incomparável de sua santidade. Começa, então, a preparação d’Aquela que viria a ser a Mãe do Salvador.

Nesta comemoração, devemos apresentar nossas pessoas à Santíssima Virgem para que Ela se digne aceitar e assumir a tarefa da nossa santificação, como foi feito pelo Espírito Santo com Ela, no Templo de Jerusalém.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/11/1965)

21 de novembro -Cantando pelos caminhos da Judeia

Cantando pelos caminhos da Judeia

Caminhando em direção ao Templo, Nossa Senhora cantava hinos de louvor a Deus. Dos terraços da Jerusalém celeste, os Anjos se debruçavam para vê-La e ouvir seus cânticos. Tudo isso é muito bonito. Contudo, mais belo ainda deve ter sido o momento em que Maria Santíssima entrou no Templo.

Em 21 de novembro se comemora a festa da Apresentação de Nossa Senhora. No livro do Padre Régamey, “Les plus beaux textes sur la Vierge Marie”, encontramos as seguintes reflexões de São Francisco de Sales:

Nossa Senhora cantava mil vezes mais graciosamente que os Anjos

É um ato de admirável simplicidade o desta gloriosa criança que, presa ao regaço de sua mãe, não deixa, entretanto, de se relacionar com a Divina Majestade. Ela se absteve de falar até o momento apropriado e, mesmo assim, não o fazia senão como as outras crianças de sua idade, embora falasse sempre com sabedoria.

Ela permaneceu como um suave cordeiro junto a Santa Ana pelo espaço de três anos, após os quais foi conduzida ao Templo para aí ser ofertada como Samuel, que também foi levado ao Templo por sua mãe e dedicado ao Senhor na mesma idade.

Ó meu Deus, como desejaria poder representar vivamente a consolação e suavidade dessa viagem, desde a casa de Joaquim até o Templo de Jerusalém! Que contentamento demonstrava essa criança, vendo chegar a hora que Ela tanto desejara!

Os que iam ao Templo para adorar e oferecer seus presentes à Divina Majestade cantavam ao longo da viagem. E para isso o real profeta Davi compusera expressamente um salmo, que a Santa Igreja nos faz repetir todos os dias no Ofício Divino. Ele começa pelas palavras: “Beati immaculati in via” – “Bem-aventurados são aqueles, Senhor, que caminham na tua via sem mácula” (Sl 118, 1), sem mancha de pecado, “in via”, ou seja, na observância dos teus Mandamentos.

Os bem-aventurados São Joaquim e Santa Ana entoavam então esse cântico ao logo do caminho, e nossa gloriosa Senhora e Rainha com eles.

Ó Deus, que melodia! Como Ela entoava mil vezes mais graciosamente que os Anjos! Por isso ficaram eles de tal forma admirados que, aos grupos, vinham escutar essa celeste harmonia e, os Céus abertos, inclinavam-se nos alpendres da Jerusalém celeste para olhar e admirar essa amabilíssima menina.

Eu quis vos dizer isso, embora rapidamente, para que tenhais com que vos entreter o resto desse dia considerando a suavidade dessa viagem. Também para que fiqueis comovidos ao ouvir esse cântico divino que nossa gloriosa Princesa entoa tão melodicamente. E isso com os ouvidos de vossa devoção, porque o muito feliz São Bernardo diz que a devoção é o ouvido da alma.

Por humildade, Ela vivia como uma criança comum

O fundamento teológico de tudo quanto está dito aqui é a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.

Como a Santíssima Virgem, desde o primeiro instante de seu ser, foi imaculada, Ela não tinha as limitações inerentes ao pecado original. E entre essas limitações está o fato de a pessoa nascer sem uso da sua inteligência. A pessoa nasce inteligente, mas sem o uso da sua inteligência. Esse uso só vem mais tarde com o desenvolvimento do corpo. Com Nossa Senhora não. Ela teve, desde o seu primeiro instante, o uso da sua inteligência que era, naturalmente, altíssima.

De maneira que n’Ela se reuniam, num contraste admirável, o que em Nosso Senhor toma uma sublimidade que chega a ser sublimemente desconcertante. Reuniam-se na infância d’Ela, como na de Nosso Senhor, aspectos aparentemente contraditórios. De um lado, Maria Santíssima possuía uma contemplação superior à dos maiores Santos da Igreja, quando estava ainda nos primeiros passos de sua vida. Mas, de outro lado, Ela mantinha toda a atitude de uma criança. E não fazia uso externo disso, querendo, por humildade, viver como uma criança qualquer.

De maneira tal que quem tratasse com Ela, a não ser por alguma expressão de olhar ou algo assim, teria a sensação de estar tratando com uma verdadeira criança comum, igual às outras. É como Nosso Senhor Jesus Cristo, em Menino, que queria ser nutrido, guardado, pajeado como uma criança. Embora fosse Deus, soberano Senhor e Rei do Céu e da Terra, em todas as suas manifestações externas era como uma criança.

Já imaginaram como seria, na vida quotidiana de São José e de Nossa Senhora, a hora em que era preciso dar leite ou trocar de roupas a Deus? Pegá-Lo, colocá-Lo sobre uma mesa e vesti-Lo com uma roupinha, sabendo, como sabiam, que ali estava a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, com a natureza divina hipostaticamente unida à natureza humana? Portanto, naquela criancinha que sorria estavam reunidos todos os esplendores das alegrias, da majestade e da grandeza da divindade! Quer dizer, o que isso representava era de aturdir!

A meu ver, algo disso se dava também com São Joaquim e Santa Ana. Não sei se eles sabiam que Nossa Senhora seria a Mãe do Verbo Encarnado. Mas certamente pressentiam que era uma menina designada a altíssimas coisas com ordem ao Messias. Então essa Menina ali presente, levava toda a vida de uma criancinha, mas tendo em si a contemplação magnífica de um grande Doutor da Igreja.

Então, nós compreendemos como se ajustam esses aspectos da benignidade extrema, afabilidade, acessibilidade de Nossa Senhora, com uma grandeza da qual os maiores homens da Terra não são senão uma minúscula figura.

 

Local onde se manifestavam a glória e as consolações de Deus

Por que isso? Porque Maria Santíssima quis que as coisas fossem assim: Rainha incomparável, era Ela, ao mesmo tempo, Menina simplicíssima; tão simples que a sua vida externa era a de qualquer criança. O que, aliás, Santa Teresinha, num trecho a respeito do modo de fazer sermões sobre Nossa Senhora, comenta muito bem dizendo que ela gostaria de realizar uma pregação à maneira dela, e mostrar na Santíssima Virgem todo esse lado de bondade, de simplicidade, de acessibilidade, a ponto de ser uma criancinha que os parentes punham no colo. Possivelmente, logo que foi capaz de servir um pouco as pessoas, Ela as servia. Trazia água, fazia uma pequena atenção, etc., e era a Rainha do Céu e da Terra.

Esses contrastes harmônicos têm uma tal beleza em si mesmos, que até corremos o risco de desdourá-los tratando deles por demais longamente. Há neles qualquer coisa de insondável, diante do que é melhor manter silêncio.

Ora, nessas condições e, segundo uma tradição muito generalizada, aos três anos de idade, Nossa Senhora foi levada ao Templo. E no caminho para Jerusalém, como os judeus costumavam fazer, Ela ia cantando. É lindíssimo!

Como sabemos, o único Templo ficava em Jerusalém, na Judeia. Havia sinagogas onde o povo se reunia para rezar determinadas orações, ouvir as leituras e comentários das Sagradas Escrituras, mas o Templo onde se realizavam os sacrifícios era só aquele. E os judeus de todo o território de Israel, como também os dispersos pelo mundo inteiro, vinham periodicamente a Jerusalém para participar dos sacrifícios do Templo.

Era uma alegria ir aonde se manifestavam a glória e as consolações de Deus, o vínculo entre o Céu e a Terra. Então, era bonito que eles fossem cantando. Aliás, como tantas vezes acontece em romarias, ao menos como se realizavam antigamente.

É preciso dizer também que os métodos de locomoção modernos conspiram contra o canto. Não se pode imaginar, num subúrbio da Central do Brasil, um trem partindo para Aparecida a todo “galope” e as pessoas cantando dentro dele. Como é mais bonito ir a pé, pousando de quando em quando, parando, cantando, tocando para a frente! Isso tem outra plenitude humana, outra harmonia natural!

Podemos imaginar que beleza, quando chegava o mês da visita ao Templo de Jerusalém, os judeus irem cantando e a nação judaica se encher, nos seus caminhos, de cânticos de todos os lados! Então, São Francisco de Sales conjetura a Santíssima Menina Maria cantando com uma voz inefável, com São Joaquim e Santa Ana, o cântico que Davi, por inspiração do Espírito Santo, compôs para essa circunstância.

Alegria dos Anjos quando a Santíssima Virgem entrou no Templo pela primeira vez

Notem como São Francisco de Sales, com uma finura de tato extraordinária, não se refere à impressão que esse canto produziria nas pessoas. Porque, precisamente como Nossa Senhora não manifestava a sua grandeza, era possível que Ela não entoasse com toda a perfeição com que sabia cantar. Ora, o cântico da Santíssima Virgem deveria ser o cântico por excelência! Nunca, nem antes nem depois, ninguém cantou como Ela, exceção feita de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Redentor também cantou, e depois disso, nenhum cântico foi cântico.

É bonito imaginar também outra coisa: Nossa Senhora cantando e os Anjos ouvindo as harmonias de alma com que Ela cantava. E essas harmonias os extasiavam.

Como se costuma comparar o Céu à cidade de Jerusalém, São Francisco de Sales diz que dos alpendres ou dos terraços da Jerusalém celeste os Anjos se debruçavam para ver Nossa Senhora cantando pelos caminhos da Judeia, o que para eles era um gáudio inexprimível, embora os homens ignorassem aquelas harmonias de alma.

Confesso que não conheço pensamento mais bonito nem mais apropriado para essa circunstância do que esse. Contudo, mais belo ainda deve ter sido o momento em que Maria Santíssima entrou no Templo.

O Templo de Jerusalém na sua grandeza, na sua majestade sacral, ainda habitado pela glória do Padre Eterno, onde se realizavam os sacrifícios, o lugar mais sagrado da Terra! Imaginem o estremecimento de alegria de todos os Anjos que pairavam no Templo, no momento em que Nossa Senhora ali entrava pela primeira vez, como uma Rainha naquilo que lhe é próprio, como a joia entra no escrínio onde deve ser guardada!

Tanto mais se aos Anjos foi dado a conhecer que a grande glória e a imensa tragédia do Templo estavam por se realizar. Qual era a glória? O Messias iria entrar no Templo. Qual a tragédia? O Templo iria recusar o Messias. Tragédia cujo final seria aquilo que Bossuet chama magnificamente de “as pompas fúnebres do Filho de Deus”, quando ele diz que, logo após Nosso Senhor Jesus Cristo expirar, o Padre Eterno começou a preparar os funerais d’Ele: o céu se obscureceu, o Sol se toldou, a terra tremeu, o véu do Templo se rasgou. O recinto outrora sagrado ficou entregue aos demônios que fizeram ali uma espécie de sabá, à maneira de cem mil gatos selvagens soltos ali dentro.

Não obstante, o Templo conheceu sua plenitude na célebre vinda de Nossa Senhora e São José, quando trouxeram o Menino Jesus, e Ana e Simeão, que representavam a fidelidade, receberam a Sagrada Família. Então os fiéis reconheceram o Enviado e se fechou o elo entre os justos da Antiga Lei e a promessa que se cumpria.

Pois bem, a Santíssima Virgem, entrando no Templo de Jerusalém no momento de sua Apresentação, realizava o primeiro passo nessa plenitude da história desse lugar sagrado.

O que os “Simeãos” e as “Anas” lá existentes devem ter sentido nessa hora, que graças, que fulgurações do Espírito Santo devem ter havido no Templo nessa ocasião, ninguém poderá dizê-lo, a não ser no fim do mundo. Mas sigamos o conselho do suavíssimo São Francisco de Sales e fiquemos com todas essas recordações em nossas almas, pensemos nelas, suave e alegremente, tanto quanto possível: Nossa Senhora cantando pelos caminhos, entrando no Templo de Jerusalém e, dos alpendres da Jerusalém celeste, os mais altos Anjos embevecidos com a alma dessa Menina. É uma meditação muito adequada para o dia da Apresentação de Nossa Senhora.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/11/1965)

20 de novembro – Lindo exemplo para os governantes eclesiásticos

Lindo exemplo para os governantes eclesiásticos

O Rei Santo Edmundo foi martirizado porque não aceitou fazer negociações de paz com os pagãos, pois isto significava a apostasia de seus súditos. Seu sangue fez com que toda a Inglaterra se cristianizasse e, até a época do protestantismo, ela foi uma nação católica que durante algum tempo se chamou Ilha dos Santos.

Comentaremos uma síntese biográfica sobre Santo Edmundo, extraída do livro Os Santos Militares, do General Silveira de Mello. (Não dispomos dos dados bibliográficos desta obra.)

Enfrentando o inimigo por excelência

Edmundo, que fora muito bem educado na Religião Católica, tornou-se modelo de cristão para seu povo. Justo e bom, era homem de invulgar energia. Percebeu cedo o perigo que representavam os escandinavos para seu país e preparou-se militarmente, assim como dispôs seu povo para uma possível guerra.

Os escandinavos eram, naquele tempo, o grande perigo dos povos civilizados. Hoje tão pacíficos, entretanto foram no passado os tiranos dos mares. Eles ocupavam a Escandinávia e deitavam aquelas migrações pelos mares, que iam descendo pelos vários lugares da Europa e que representavam, digamos, a última leva das invasões bárbaras no continente europeu. Para se ter uma certa ideia de qual era o espírito deles, alguns usavam o título de reis do mar, porque eram monarcas de povos que viviam em barcos – juntamente com as mulheres, os filhos e tudo o mais – fazendo pirataria de um lado e de outro. Aliás, eram barcos com umas proas lindas, de uma audácia e arrogância de que a Suécia e Dinamarca perderam completamente o segredo. Com a queda das proas caiu tudo. Fala-se de figuras de proa; poder-se-ia dizer que cada povo tem a proa que merece. De maneira que preparar o seu povo contra a invasão desses inimigos significava enfrentar o inimigo por excelência.

Não se enganou em suas previsões. De fato, os dinamarqueses atacaram o reino inglês. No primeiro combate foram duramente rechaçados, mas, unindo esforços num grande número, venceram a Santo Edmundo e o aprisionaram em Hoxne. Ele venceu uma primeira leva de inimigos que atacou o seu reino. Mas eles concentraram-se e naturalmente o esmagaram, pelo grande número que tinham desembarcado em vários pontos da Inglaterra.

Nexo entre os assuntos políticos e os religiosos

O chefe dos adversários fez várias propostas de paz ao santo rei, que as recusou por serem contra a Religião Católica e os direitos de seus súditos. Foi duramente supliciado e, por fim, decapitado.

Foi martirizado a 20 de novembro de 870. Um Concílio nacional reunido em Oxford, em 1122, tornou obrigatória a festa do mártir. Suas relíquias, inclusive um saltério que usava diariamente, foram veneradas na Abadia de Cluny até o surto da heresia protestante. Preso e levado para Hoxne, Santo Edmundo foi intimado a fazer negociações de paz pelas quais ele cedia seu reino aos vencedores. Ora, ele não queria fazer isso porque seria entregar seu povo aos pagãos e favorecer o restabelecimento da religião pagã naquele local. Ele resistiu e, então, foi morto. Vemos a alta consciência que tinha esse homem do papel de rei, de suas obrigações e das relações entre os assuntos políticos e os religiosos.

Ele tinha noção de que a queda dele e a implantação de uma dinastia de reis pagãos traria a paganização do Estado e dos indivíduos. Causaria, portanto, a apostasia daqueles povos, a perdição das almas. Ele compreendia muito bem o nexo entre a vida política, a forma do Estado e a forma religiosa, e por isso se manteve fiel até o fim, sendo martirizado. Por que razão queriam que ele renunciasse? Naturalmente porque Santo Edmundo continuava a ter prestígio, senão a sua renúncia não adiantava de nada. É porque era difícil consolidar a conquista, enquanto não houvesse uma prova de que ele tinha renunciado. Talvez os inimigos quisessem até levá-lo a seu próprio reino para declarar aos seus súditos que ele tinha renunciado. Santo Edmundo entendeu isso e não quis renunciar, provavelmente na esperança de que seus súditos organizassem uma espécie de revolução, de guerrilha contra o ocupante para salvar a Fé. E ele regou com seu sangue essa esperança de uma restauração católica.

Devemos ser fiéis até a morte à nossa vocação

Que lindo exemplo para os governantes eclesiásticos! Sem dúvida, o sangue desse rei valeu porque, de fato, a Inglaterra acabou se cristianizando inteira e, até a época do protestantismo, ela foi uma nação católica que durante algum tempo se chamou Ilha dos Santos, tal foi o número de bem-aventurados que nesse país floresceram. Devemos pedir a Nossa Senhora que nos dê muitos homens de Estado e muitos homens de Igreja que tenham esse espírito. Porque enquanto os povos católicos, no campo temporal e, sobretudo, no espiritual, não são governados por homens dispostos a derramar seu sangue pela Santa Igreja, eles não são dirigidos por quem preste. Só governa bem quem está disposto a levar a fidelidade a seus princípios e a seu cargo até o martírio; do contrário não vale de nada. Assim como um militar que não está disposto a morrer é igual a zero, um bispo, um príncipe, um rei, um alto governante que não esteja decidido a morrer para o cumprimento de seu dever é igual a absolutamente zero. Os altos cargos exigem a alta coragem. São os cargos pequenos que podem se acomodar com o valor moral normal. Os grandes cargos requerem o grande espírito de dedicação, o grande sacrifício. Entretanto, será um cargo o que Deus concede de mais alto a um homem? O que vale mais: um cargo ou uma vocação? Não há situações em que uma vocação vale mais do que um cargo? Nós temos mais do que um alto cargo, possuímos uma alta vocação. Pensemos no exemplo desse rei para termos sempre a deliberação de sermos fiéis até a morte à nossa vocação.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/11/1970)

20 de novembro – Invencibilidade de quem se abre para a graça

Invencibilidade de quem se abre para a graça

São Bernardo, Bispo de Hildesheim, era descendente de bárbaros, mas modelou-se de tal modo pelo espírito da Santa Igreja que realizou maravilhas espirituais e materiais em sua diocese. Para uma alma aberta à ação da graça absolutamente nada é impossível! E nada é tão forte como o enlevo, a veneração e a ternura, forças espirituais incomparavelmente mais fortes do que todas as potências materiais.

 

Vamos considerar alguns dados biográficos sobre São Bernardo, bispo, tirados da obra Vida dos Santos, do Padre Rohr­bacher(1).

Realizador de inúmeros benefícios

São Bernardo foi Bispo de Hildesheim, no Sacro Império, no século X. Sendo muito dotado em relação às artes, cultivou-as com cuidado enquanto bispo.

Reuniu uma grande biblioteca, composta tanto de obras eclesiásticas quanto filosóficas. Incrementava o aperfeiçoamento da pintura, do mosaico, da serralharia, da ourivesaria, recolhendo cuidadosamente os trabalhos curiosos que os estrangeiros enviavam ao rei. E mandando jovens de bom comportamento serem educados para exercitá-los nessas artes.

Embora muito dedicado às funções eclesiásticas, não se cansava de prestar serviços ao rei e ao Estado. E tão bem se saía, que chegava a despertar a inveja de outros fidalgos.

Havia muito tempo que Saxe permanecia bastante exposto às incursões de piratas e de bárbaros. O santo bispo muitas vezes os repelira, ora com suas tropas, ora com auxílio de outras. Mas os assaltantes eram senhores das duas margens do Elba, e da navegação do mesmo rio. De maneira que se espalhavam por todo o território do Saxe e quase chegavam a Hildesheim. Para detê-los São Bernardo mandou construir duas fortalezas em dois pontos de sua diocese, guarnecendo-as. Não obstante a despesa acarretada por essa obra, enriqueceu sua diocese com a aquisição de várias terras, cultivou-as e guarneceu-as com belos edifícios.

Quanto à catedral, decorou-lhe as paredes de painéis com maravilhosas pinturas. Mandou fazer para as procissões nos grandes dias santos um livro com os Evangelhos trabalhado com ouro e pedras preciosas, incensórios dos mais altos preços, grande número de cálices, sendo um de cristal, um de ouro puro, com peso de vinte libras, uma coroa de ouro e prata de prodigioso tamanho, suspensa no centro da igreja, sem contar uma infinidade de outros objetos do mesmo gênero. Rodeou de muralhas e torres o claustro da catedral, de maneira que servissem ao mesmo tempo de adorno e defesa. Nada havia no Saxe que lhe pudesse ser comparado.

Um homem “pedra filosofal”

A Santa Igreja é como a pedra filosofal de que falavam os medievais. Segundo uma lenda da Idade Média, havia uma pedra que tinha o condão de transformar em ouro tudo aquilo em que ela tocava. Então, os alquimistas procuravam encontrar o segredo do fabrico da pedra filosofal, pois assim ficariam prodigiosamente ricos.

Pois bem, a Igreja Católica é a verdadeira pedra filosofal. Tudo aquilo em que ela toca e que se abre à sua influência se transforma em ouro, fica esplêndido.

Quem seria São Bernardo? Este homem viveu no século X. Ora, esse era um século ainda pouco distante do fim das invasões e, portanto, tinha muito de barbárie. Eram os descendentes desses bárbaros que governavam a Europa. Vemos toda a influência da Igreja na alma de um semibárbaro, de alguém que se abre para ela e imediatamente começa a fazer tudo quanto há de maior e de melhor, realizando toda espécie de benefícios, e se põe a civilizar.

Tudo quanto ele faz é grandioso do ponto de vista temporal, que visa servir ao espiritual, destinado a colocar o temporal em ordem ao espiritual. Nisso São Bernardo age como um grande príncipe, um grande senhor, ele que era um grande dignatário eclesiástico.

Em primeiro lugar, notamos o amor dele à cultura. Mandou transcrever livros numa época ainda muito longe de Gutenberg e da tipografia, de maneira que era preciso copiar manualmente cada livro, trabalho executado por aqueles famosos copistas que transcreviam obras enormes. Assim, reuniu ele uma grande biblioteca, composta tanto de obras eclesiásticas como filosóficas. Portanto, é um Santo que não vai promover apenas uma alfabetização comum, mas prepara alta cultura. São livros de Teologia e Filosofia com os quais ele organiza uma grande biblioteca.

De outro lado, ele era um artista e incrementava, com o bafejo e segundo o espírito da Igreja para a formação das almas, o aperfeiçoamento da pintura, dos mosaicos, das serralharias, da ourivesaria. Esses serralheiros não só tornavam seguras as casas, protegendo a ordem, mas suas obras constituíam adornos para as portas e davam decoro à vida.

As joias, os mosaicos, esse descendente de bárbaros amava e produzia tudo isso. Quão menos bárbaro era ele do que esses eclesiásticos miserabilistas de nossos dias, que querem esvaziar de todas as obras de arte os santuários e reduzir a igreja a um local de onde as artes fugiram espavoridas!

Talento e sabedoria imbuídos do espírito da Igreja

Depois a ficha continua, dizendo que São Bernardo recolheu cuidadosamente os trabalhos curiosos que os estrangeiros enviavam ao rei. É uma praxe natural de todos os tempos os chefes de Estado trocarem presentes ao visitarem outros países. Esses presentes ficavam acumulados nos palácios reais e muitos não tinham uso. São Bernardo mandou recolhê-los e organizá-los. Assim, talvez um dos mais antigos museus do mundo tenha sido esse homem quem mandou fazer. Tudo sob o espírito, o bafejo da Igreja.

Ademais, mandou educar jovens de bom comportamento para exercitá-los nessas artes. Ele organizou, portanto, uma escola de artistas. Obra magnífica a partir da qual saíram iniciativas como essas, multiplicadas por homens desse espírito, mais ou menos pela Europa inteira, dando origem às inumeráveis obras de arte cheias de espírito católico que a Idade Média conheceu.

O Rio Elba era uma avenida para a penetração dos bárbaros que com frequência chegavam até a sua diocese. Então ele, que dispunha de tropas – porque os bispos naquele tempo eram por vezes senhores feudais e podiam dispor de tropas –, mandou organizar torres e fortificações tão bonitas que eram, ao mesmo tempo, o adorno da paisagem. Também nisso nota-se o descortino, o talento desse homem; mas uma forma de talento própria à sabedoria, e uma forma de sabedoria própria a quem tem o espírito católico.

Quanto à catedral, esse Santo, canonizado pela Igreja, inaugurou um verdadeiro luxo eclesiástico. Com certeza, havia muita gente pobre na diocese dele. Entretanto, para incutir respeito ao Santo Evangelho nas procissões solenes dos grandes dias, mandou elaborar um livro dos Evangelhos trabalhado com ouro e pedras preciosas. E, mais ainda, para dar glória a Deus, incensórios dos mais altos preços, grande número de cálices preciosos para a celebração da Missa. Além disso, continua a ficha:

…uma coroa de ouro e prata de prodigioso tamanho, suspensa no centro da igreja…

Com certeza para afirmar a realeza de Nosso Senhor e de Nossa Senhora.

…sem contar uma infinidade de objetos do mesmo gênero.

Ele foi um verdadeiro organizador do luxo eclesiástico e civil. Padroeiro do luxo santo, nobre, do luxo que simboliza a virtude e toda espécie de valores morais e, portanto, conduz as almas a Deus.

Devemos ter em relação à Igreja amor, veneração e ternura sem medida

Nada havia no Saxe que lhe pudesse ser comparado.

Há na Sagrada Escritura uma frase que diz: “Em toda a Terra não foi encontrado alguém semelhante a ele” (cf. Eclo 44, 20). Isto se pode afirmar de cada Santo, porque em toda a Terra não foi encontrado um que fosse semelhante a ele. E aqui nós temos um Santo assim. Em toda a região que ele conheceu, São Bernardo era a flor, o adorno, a torre, a glória, a sabedoria, a orientação, a doutrina. Por quê?

Unicamente por isto: porque nele, criatura miserável, pecadora, concebida no pecado original e, como tal, sujeita a toda espécie de degradações morais, potencialmente um infame pelo simples fato de ter nascido – pois esta é a condição dos homens concebidos no pecado original e que se fecham à graça divina –, nele, entretanto, pousou esse dom sobrenatural, admirável, único, do qual nasce todo bem, e que confere aos homens toda espécie de fortaleza: a graça de Deus. A essa graça ele se abriu e, a partir do momento em que ele se abriu para ela, dele nasceu todo gênero de maravilhas.

Ora, a sede, o veículo, a Esposa verdadeira e única do Autor dessa graça, Nosso Senhor Jesus Cristo, é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana da qual não pretendemos ser senão uma célula, um pequeno membro vivo, uma emanação, uma centelha, um elemento integrante; e cada um de nós coloca toda a sua ufania apenas neste ponto: ser um homem católico na força do termo e mais nada. Podem dizer o que quiserem, caluniar como entenderem, até matar, se desse homem se pode afirmar que ele foi um varão católico, nele o espírito da Igreja viveu, dele se disse tudo quanto de bom, de grande e de admirável se pode afirmar de um homem.

É assim que nós devemos entender e amar a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Diz-se que Deus é admirável em seus Santos. A Igreja, que é o espelho de Deus e a Esposa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus, a mais bela criatura de todo o universo, a Igreja Católica Apostólica Romana é admirável nos seus Santos. É neles que compreendemos a Igreja. Olhando para aqueles que são conformes a Igreja entendemos como ela é.

Então compreendemos que devemos aplicar ao amor, à veneração e à ternura que temos para com a Santa Igreja aquelas palavras de São Francisco de Sales: “A medida de amar a Deus consiste em amá-Lo sem medida.” A medida de amar a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, nossa mãe, consiste em amá-la sem medida. A medida da veneração e da ternura que devemos ter à Santa Igreja Católica consiste em ter em relação a ela uma ternura e uma veneração sem medida.

Fidelidade à Igreja

Que este Santo tão glorioso, Bernardo, reze por nós e nos obtenha pelo menos a raiz dessa forma de amor para com a Igreja que é a coisa mais forte que há no universo. Fala-se hoje em dia em forças materiais enormes, organizadas, encadeadas e desencadeadas pelo homem. Nada disso é forte como o enlevo, a veneração e a ternura, forças espirituais incomparavelmente mais fortes do que todas as potências materiais. Que Nossa Senhora implante em nossas almas essa disposição, essa veneração e ternura pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Santa Igreja Católica… como não soltar um “ai” depois de dizer isto? Como não olhar para as ruínas que fumegam, para os corpos que enchem as ruas, para o sangue que se verte de todos os lados, para os corvos que se abatem sobre os cadáveres, para os tremores de terra que abalam aquilo que os incêndios ainda não consumiram? Como não ter um gemido pensando nisso?

A Santa Igreja Católica: Jerusalém celeste, cidade perfeita, com muralhas de brilhantes e pérolas, vias cobertas de safiras e esmeraldas, torres revestidas de rubis, e as ruas calçadas de ouro e prata. A Igreja, minha mãe, onde está ela?

Essa pergunta causa uma dor que constringe o coração e o coroa de espinhos em toda a sua superfície. Entretanto, além de despertar esta dor, suscita uma alegria: Nosso Senhor disse que o Reino de Deus está dentro de nós (cf. Lc 17, 21). O Reino de Deus é a Igreja Católica, nós somos os filhos da Igreja, fiéis a ela. Isso se manifesta na nossa fidelidade à Doutrina que ela ensina e que não foi inventada por nós, aos Sacramentos por ela administrados, à Tradição gloriosa de dois mil anos que nos vem em documentos inconcussos e nos explicam como é verdadeiramente a Igreja, e aos quais nos conformamos. Nossas ideias não são um capricho, nossa orientação não é um ato de preferência arbitrária e pessoal, somos os escravos da Igreja Católica, que a seguimos no que ela quer, no que ela ensina e sempre ensinou e que aí está, apesar de toda a fuligem das épocas, para nos dar a entender como devemos ser. Nós conseguimos ser como somos por sermos filhos dela, porque sua graça tocou em nós.

Se nos abrirmos à ação da graça, venceremos a Revolução

Se nos abrirmos a essa graça, como São Bernardo se abriu, faremos maravilhas. E não haverá nada que consiga impedir que nós vençamos a Revolução. Porque nós vemos, pelo exemplo dele e de tantos outros Santos, que para uma alma aberta à ação da graça absolutamente nada é impossível.

O Hino das Congregações Marianas cantava: “De mil soldados não teme a espada quem pugna à sombra da Imaculada”. A espada poderá parecer uma arma bem anacrônica. Pois bem, de mil bombas atômicas, ainda que todo o universo se desagregasse em explosões atômicas, a alma que se abre à influência de Nossa Senhora na Igreja não temeria, porque, se fosse esse o desígnio da Santíssima Virgem, depois dessas explosões seguiria o Reino de Maria num universo renovado. Porque o que Nossa Senhora quer, isso se faz irrecorrível e invencivelmente. É o desígnio d’Ela que manda em tudo. E nós devemos ter mil vezes mais medo de despertar uma expressão de tristeza na face augusta de Maria, do que da cólera de todos os ímpios e na explosão de todas as bombas atômicas.

Para isso, temos que abrir as nossas almas para a graça de Deus. Peçamos, então, à Santíssima Virgem que Ela condescenda em ser cada vez mais a nossa aliada, pois assim faremos tudo.

Que Maria Santíssima nos dê aquela abertura de alma que sem Ela não teríamos. Aquela generosidade da qual Ela é a fonte, para que possamos dizer-Lhe, ligeiramente adaptado, aquilo que foi dito por Ela ao Anjo quando este Lhe anunciou a missão: “Eis aqui os escravos de Maria, faça-se em nós segundo a vontade d’Ela”.         v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/10/1967)
Revista Dr Plinio 260 (Novembro de 2019)

 

1) Cf. ROHRBACHER, René François. Vidas dos Santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. Vol. XIX. p. 33-37.

19 de novembro – Mãe da Divina Providência

Mãe da Divina Providência

O amor materno de Maria tem força regeneradora para elevar e santificar uma alma; Ela é a Medianeira das graças necessárias para a justificação daquele a quem Ela ama. Confiemos a todo instante em Nossa Senhora, lembrando-nos sempre de sua extrema meiguice para conosco, de sua compaixão para com as misérias de cada um de nós.

Tenhamos presente que, na Salve Rainha, Nossa Senhora é chamada “Mãe de misericórdia”, e que o Lembrai-vos acentua a bondade d’Ela para com o pecador arrependido.

Sem nos compenetrarmos da misericórdia de Maria Santíssima, nada de bom faremos. Cultivando-a, nossa alma se cumula de confiança, de alegria e de ânimo. Tendo a Mãe da Divina Providência como nossa própria Mãe, nada nos deve abater. Ela tudo resolverá se, confiantes, implorarmos seu maternal socorro.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/11/1965)

Revista Dr Plinio 224 (Novembro de 2016)

18 de novembro – Santo Odon, a formação de elites e o amor aos pobres

Santo Odon, a formação de elites e o amor aos pobres

A Idade Média, com suas catedrais, castelos, universidades e outras instituições, causa admiração até entre os não católicos. O espírito dessa época histórica nasceu de Cluny, uma pujante Abadia que teve Santo Odon como primeiro abade. Graças à sabedoria deste grande santo, Cluny pôde influenciar toda a Europa.

No dia 18 de novembro comemora-se a festa de Santo Odon. Na “Vida dos Santos”, de Omer Englebert, encontramos a seguinte síntese biográfica deste santo abade de Cluny:

 

Graças a Santo Odon, a influência de Cluny espargiu-se por toda a Cristandade

Odon era filho de fidalgos que viviam na Alsácia, os quais atribuíam seu nascimento à intercessão milagrosa de São Martinho. Foi mandado ainda criança para a corte de Fulk, o Bom, Conde de Anjou, e mais tarde passou para a de Guilherme, Duque de Aquitânia. Aos 16 anos foi acometido de dores de cabeça, que só foram curadas quando o jovem ingressou no cabido de São Martinho, em Tours. Dedicou-se durante vários anos ao estudo dos clássicos e dos Santos Padres, seguindo em Paris, em 901, os cursos de Filosofia de Remígio de Auxèrre. Aplicou-se também profundamente ao estudo da Poesia e da Música, as quais cultivou durante toda a vida. Após ter sido cantor do cabido e de ter escrito várias obras, Odon ingressou no mosteiro beneditino de Baume-les-Messieurs, na Borgonha, mudando depois para Cluny, quando da fundação desse mosteiro, onde foi nomeado abade. As escolas que ele criou em Cluny atraíram em breve tudo quanto havia de mais nobre no Ocidente. Era costume dizer-se que um príncipe, no palácio de seu pai, não recebia educação mais apurada que os alunos de Cluny. Graças ao santo abade, a influência da abadia espalhou-se por toda a Cristandade. Os Papas a ele recorriam em suas dificuldades, e os príncipes chamavam-no para reformar os mosteiros em seus estados.

 

Nas cortes de Fulk, o Bom, e de Guilherme da Aquitânia

Tudo nessa biografia é digno de nota. É muito bonito observarmos, primeiramente, a nomenclatura dos personagens e lugares envolvidos nessa narração.

Por exemplo, os nobres a quem ele foi mandado para servir, quando ainda menino. Conde Fulk, o Bom: representa de tal maneira o conde medieval, em seu castelo, bom homem, ao mesmo tempo amável, gentil, mas valente no combate, que realmente chama a atenção. Dá-nos a impressão de uma figura de vitral.

Aliás, é preciso dizer que a palavra “bom” não tinha apenas o sentido que se costuma dar-lhe hoje. Não se tratava, portanto, apenas de uma pessoa caridosa, amável, mas de alguém capaz de cumprir eximiamente suas obrigações. Então, Fulk, o Bom, é o conde capaz de levar a cabo aquilo que tem de fazer.

Depois, Santo Odon passa para a corte de Guilherme, Duque da Aquitânia. Vem-nos à mente tudo quanto representa o ducado da Aquitânia, um grande feudo francês, um verdadeiro principado, uma miniatura de reino, na parte talvez mais poética da França, que é a França dos jograis, dos trovadores. E, apesar das heresias e erros morais ali surgidos, representava a França com um dos aspectos da Idade Média que era, precisamente, o aspecto poético.

Podemos imaginar, então, o Duque Guilherme da Aquitânia sentado num trono de carvalho trabalhado, recebendo homenagens de seus súditos à tardinha, no alto de uma escadaria do castelo, que dava para o pátio onde se adestravam os pajens. De repente, toca o Ângelus, todos interrompem suas atividades e rezam. Nesse ambiente é que Santo Odon formou sua mentalidade.

 

Música filosofada e Filosofia musicalizada

Após ter conhecido personagens tão interessantes, o jovem Odon foi estudar Filosofia, Poesia e Música na Universidade de Paris. Imaginemos um estudante daquele tempo, vestido com uma espécie de batina que vai até os pés, de cores variegadas, com um chapéu encimado por uma pluma, e que anda por Paris com alaúde ou algum outro instrumento; ele para à beira do Sena, toca um pouquinho e sai andando novamente… Eis a atmosfera inteiramente poética em que essa vida se passava.

Que riqueza uma pessoa estudar Filosofia e Música ao mesmo tempo! É aquela síntese da cultura medieval, por onde tudo é Filosofia e Música conjuntamente, e há uma Música filosofada e uma Filosofia musicalizada. Como isso é superior!

É uma tal visão das coisas, que se tem a impressão de serem figuras de vitrais, panoramas de iluminuras, e que toda a luz da Idade Média se irradia. É um prenúncio da luz do Reino de Maria.

Santo Odon cultivou essas duas coisas durante a vida inteira. Pode haver algo mais bonito do que imaginar um abade imponente, majestoso, que, numa hora de silêncio na abadia, entra sozinho na igreja e vai fazer seus exercícios de Música no coro, como grande conhecedor? Esse abade é um santo e sente-se algo da santidade dele modulando o próprio som do instrumento por ele tocado

São Gregório VII foi monge de Cluny

Odon ingressou no mosteiro beneditino de Baume-les-Messieurs, na Borgonha…

Tem-se a impressão de que Baume-les-Messieurs é uma cidade pequena, cultivada, distinta, em cuja praça pública há continuamente “messieurs” conversando de um modo agradável e delicado. É um encanto, uma pedra preciosa engastada numa joia chamada Borgonha, uma das mais fabulosas regiões da França.

…mudando depois para Cluny, quando da fundação desse mosteiro, onde foi nomeado abade.

Cluny foi a grande abadia beneditina, que chegou a ter sob sua regência mais de mil abadias espalhadas pela Europa inteira, e que deu o espírito da Idade Média. Para não dizer mais nada, São Gregório VII era monge de Cluny. Então esse homem, depois de ter estudado Poesia, Filosofia, Música, vai ser abade de Cluny.

Quem forma elites demonstra compaixão pelos pobres

As escolas que ele criou em Cluny atraíram em breve tudo quanto havia de mais nobre no Ocidente.

Mostraram-me um documento com as conclusões de um congresso no qual se criticava a Igreja e instituições eclesiásticas por se dedicarem demasiadamente à formação das elites.

Isso significa não compreender as coisas, porque se queremos favorecer a muitos ao mesmo tempo, devemos fazer bem àqueles que depois poderão ajudar os outros. É evidente. Seria um pouco como dizer: “Fulano não tem pena dos pobres porque fundou em tal lugar uma escola de Medicina”. Ora, assim formam-se os médicos que vão cuidar dos pobres. Portanto, quem fez isso demonstrou a máxima compaixão para com os pobres. Quem tem verdadeiro amor ao povo, forma elites capazes de fazer bem ao povo.

Assim, numa época de muito analfabetismo, a primeira coisa que Santo Odon faz é fundar escolas para a elite, atraindo toda a nobreza da Europa. Vem, então, aquele comentário transcrito na ficha: o menino educado em casa não poderia ter, nem de longe, a mesma finura e educação que se fosse educado em Cluny. Eis, exatamente, o empuxe de partida que Cluny deu a toda a Europa por sua influência sobre a nobreza europeia, como também sobre os clérigos.

Saudades de nossa casa paterna: a sacrossanta Idade Média

Como sempre acontecia na Idade Média, os grandes santos eram convidados para serem conselheiros dos Papas e dos reis. Esse homem foi um pilar da Europa também enquanto conselheiro de Pontífices e de monarcas.

Temos, assim, uma vida que mereceria toda ela ser representada em vitrais como os da Sainte-Chapelle, ocupando um lado e outro de uma catedral, começando com o nascimento dele, depois naturalmente os milagres, aparições; ele deve ter tido lutas, episódios como, por exemplo, encontros com o imperador que ia consultá-lo, etc.; até a narração de sua santa morte: ele esticadinho, à maneira medieval, numa cama feita de uns panos caídos por todos os lados, e uma pombinha saindo de sua boca, simbolizando sua alma que voava para Deus.

Como isso serve para matarmos as saudades daquilo que não conhecemos!

Pensa-se que as maiores saudades vêm daquilo que tivemos conhecimento. É muito maior a saudade daquilo que não conhecemos, que sabemos ter sido nossa casa paterna, roubada e destruída séculos antes de nós nascermos, e que é a nossa sacrossanta Idade Média.

Narrações como essa servem para alimentarmos nosso desejo do Reino de Maria.

Que Santo Odon acenda em nós esse desejo e a vontade de rezar para que Nossa Senhora apresse a vinda do Reino d’Ela, porque realmente estamos num ponto em que é preciso empenhar todas as forças da alma e fazer todos os sacrifícios para acelerar esse dia. Devemos ser chamas ardentes a pedir que se apresse a conversão ou a punição dos maus, e a implantação do Reino de Maria.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/11/1966)

17 de novembro – Esplendor da ordem do Universo

Esplendor da ordem do Universo

Admirador entusiasmado de toda a hierarquia estabelecida por Deus na criação, Dr. Plinio, através de comentários sobre a nobre e santa família dos reis húngaros, nos mostrará a beleza da ordem universal fundada sobre as desigualdades.

Celebrada pela Igreja em 17 de novembro, Santa Isabel, Rainha da Hungria e Duquesa da Turíngia, pertenceu a uma família que se distinguiu por seus vários membros elevados à honra dos altares. Essa maravilhosa estirpe de santos inspirou a Dom Guéranger o seguinte comentário:

Se bem que todos os eleitos brilhem no Céu de um fulgor próprio, Deus se compraz em agrupar cada um deles em famílias, assim como faz com os astros no firmamento.

E para conferir maior esplendor à santidade, às vezes o Senhor outorga um patrimônio augusto de virtudes que se transmite de geração em geração, nos elementos de uma mesma descendência na Terra. Entre essas raças benditas está a antiga linhagem real da Hungria, a qual ocupa um papel de singular grandeza na constelação dos santos. E o jogo das alianças lhe permitiu levar a  todas as casas coroadas da velha Europa, o prestígio de uma perfeição espiritual adquirida por numerosos de seus filhos.

O mais ilustre e também o mais amável desses rebentos é Santa Isabel. Depois de Santo Estêvão, Santo Emmerick e São Ladislau, surge ela como filha de Gertrudes da Turíngia, tendo por tia Santa Hedwiges da Silésia, e por primos e sobrinhos-netos, entre outros, Santa Inês da Boêmia, Santa Margarida da Hungria, Santa Cunegundes da Polônia e Santa Isabel de Portugal, constituindo uma encantadora harmonia da natureza e da graça.

A ordem hierárquica, maravilha na Terra e no Céu

Alguns pensamentos contidos nesse interessante comentário merecem uma análise mais profunda.

Antes de tudo, a noção de que Deus agrupa as almas no Céu, de maneira a formarem famílias, não tanto pelos laços de consanguinidade adquiridos na Terra, mas pela afinidade espiritual existente entre elas.

Isto obedece a uma das regras da estética do universo. Se Deus, tendo criado um incontável número de almas, as levasse para o Céu e lá não compusessem grupos, elas se assemelhariam a uma espécie de poeira espalhada pelas vastidões do Paraíso. Ora, tal não apresentaria a beleza da ordem, que vem a ser o aspecto mais eminentemente nobre e pulcro de todas as coisas.

Explico. Se tomarmos alguns objetos lindos e distintos, considerados em si mesmos,  de sua justaposição harmônica nasce uma forma de beleza e de nobreza maior que essas qualidades residentes em cada um deles.

Por exemplo, o colar de pérolas vale mais do que a soma dos preços de cada uma delas isoladas. Porque aquelas pedras, dispostas pelo seu tamanho de modo a constituir um conjunto, possuem maior valor do que se vendidas separadamente.

O mesmo se verifica com os santos. Assim como Deus criou sistemas de planetas e satélites no mundo sideral, várias espécies de animais, raças de homens e coros de Anjos, haveria Ele de querer que no Céu todas as criaturas ficassem agrupadas hierarquicamente, segundo as ­suas excelências de caráter espiritual. Nisto se acha a beleza do universo.

Por essas considerações, podemos perceber como seria contrária aos planos divinos para a criação, uma ordem de coisas em que todos fossem iguais e onde, portanto, essas contexturas íntimas desaparecessem.

Aqueles para os quais igualdade e santidade são condições idênticas, na realidade não entendem nada a respeito desta última, e nutrem um ideal de perfeição oposto ao da heroicidade de virtudes. Pois o autêntico anelo de excelência espiritual supõe o amor à hierarquia, expressa na constituição de grupos cujos componentes estão dispostos conforme  a categoria de cada um. Por isso mesmo, a ordenação hierárquica é um dos maiores esplendores do Céu.

Famílias glorificadas pela santidade

Acrescenta muito bem Dom Guéranger:

Esse agrupamento se realiza pelas luzes primordiais e afinidades de alma. Mas, às  vezes,  Deus também tem o desejo de glorificar determinadas famílias, fazendo com que nelas apareçam muitos santos.

Sem dúvida, a mais ilustre de todas essas famílias é a Casa Real de David, no seio da qual surgiram personagens monstruosos, mas também santos insignes que prefiguraram o Redentor. Dela nasceram Nossa Senhora, São José e Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Filho da Santíssima Virgem. Além disso, à régia linhagem de David pertenceram mais de um Apóstolo, escolhidos por Jesus entre seus parentes.

Não se pode, portanto, imaginar uma família mais honrada com esta espécie de disseminação da santidade, do que a Casa do Rei-Profeta.

A exemplo desta, o mesmo se dará em várias estirpes nobres da Europa, como aquela de Santa Isabel da Hungria, singularmente abençoada por sua riqueza espiritual.

Cabe aqui uma consideração interessante. Muitas vezes, quando se estuda mais de perto a existência dessas famílias, nota-se nelas uma obra progressiva da santidade. Deus concede uma graça especial a determinada geração, aprimorada na seguinte, e assim por diante, de geração em geração, até alcançar um requinte de virtude, o qual se propaga por uma série de santos.

Tal se verifica porque Deus quer honrar a continuidade familiar. Ele a deseja tanto que, punindo com severidade o pecado original, se dispõe também a conceder as recompensas de acordo com essa continuidade. E não há prêmio maior do que a presença da virtude, ou seja, a eclosão de diversos santos dentro de uma mesma linhagem.

Estas são as famílias abençoadas, as famílias da destra de Deus, constituídas para, através das gerações, produzirem grandes obras.

Concluo esses breves comentários com uma recomendação. Para crescermos no amor a Deus, no enlevo pela infinita perfeição divina que estabeleceu a ordem do universo, devemos pedir a Nossa Senhora, ao glorioso Patriarca São José e a todos esses santos, que inculquem em nosso espírito essa noção da hierarquia, e a compreensão de como seria falsa e má uma ordenação de coisas, mesmo no Paraíso celeste, onde todos fossem iguais e como que esfarelados.