08 de dezembro -Glória da Imaculada Conceição

Glória da Imaculada Conceição

Concebida sem pecado original, Nossa Senhora esmagou — e esmagará para todo o sempre — a cabeça da maldita serpente (cf. Gên 3, 15). Agindo assim, Ela acrescenta às suas extraordinárias e singulares prerrogativas, a glória da luta.

Ela combateu, opôs um esforço a outro, despendeu todas as energias necessárias para aniquilar o adversário. Ela o derrotou e o tem a seus pés! Esse confronto aumenta a glória da Filha do Padre Eterno, da Mãe do Verbo Encarnado, da Esposa do Divino Espírito Santo.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

08 de dezembro – Imaculada Conceição

Imaculada Conceição

A Revolução fomenta todo tipo de pecados e, no fundo, é dirigida pelo espírito das trevas. Maria Santíssima, sendo concebida sem pecado original, esmagou a cabeça da serpente, ou seja, do  demônio. A Imaculada Conceição, sob diversos pontos de vista, é a solenidade de Nossa Senhora da Contra-Revolução.

Na Bula “Ineffabilis Deus” de Pio IX, em que ele definiu o dogma da Imaculada Conceição, se encontra o seguinte trecho:

Beleza da afirmação magisterial da Igreja

Por isto, depois de, na humildade e no jejum, dirigirmos sem interrupção as Nossas preces particulares, e as públicas da Igreja a Deus Pai, por meio de seu Filho, a fim de que se dignas-se dirigir e sustentar a Nossa mente com a virtude do Espírito Santo; depois de implorarmos com gemidos o Espírito Consolador; por sua inspiração, em honra da santa e indivisível Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da Fé católica, e para incremento da Religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem–aventurados Apóstolos Pedro e Pau-lo, e com a Nossa, declaramos, pronunciamos e definimos:

Vejam a pulcritude disso que vamos comentar daqui a pouco, mas a fórmula é linda.

A doutrina que sustenta que a Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis.

[…]

Ninguém, portanto, se permita infringir este texto da Nossa declaração, proclamação e definição, nem contrariá-lo e contravir-lhe. E se alguém tivesse a ousadia de tentá-lo, saiba que incorre na indignação de Deus onipotente e dos Bem-aventurados Pedro e Paulo, seus Apóstolos.

Notem a verdadeira beleza da afirmação magisterial da Igreja que, ponto por ponto, está considerada aqui. É ainda o período dos grandes documentos pontifícios e dos grandes estilos de chancelaria. Analisemos esse texto.

Jejum e oração para preparar a alma

Por isto, depois de, na humildade e no jejum, dirigirmos sem interrupção as Nossas preces particulares, e as públicas da Igreja a Deus Pai, por meio de seu Filho, a fim de que se dignasse de dirigir e sustentar a Nossa mente com a virtude do Espírito Santo…

Realmente o Papa é infalível, mas é obrigado, sob pena de pecado mortal, a estudar profundamente o assunto antes de definir um dogma.

Quer dizer, ainda que o Papa não estudasse, tendo definido um dogma está definido e não erraria. Mas ele deve estudar, do contrário comete pecado mortal.

Ele precisa rogar a Deus que esse estudo seja bem feito e conte com as luzes do Espírito Santo. E não só deve pedir, mas também procurar obter isso por meio do jejum, da penitência. Então, por causa disso o Papa explica como preparou a sua alma para a definição do dogma: ele jejuou e rezou continuamente para obter as luzes.

Como ele pediu essas luzes? O Papa rezou e fez a Igreja inteira orar ao Padre Eterno, por meio de seu Filho, Jesus Cristo, porque o Mediador necessário que temos entre o Padre Eterno e nós é Nosso Senhor Jesus Cristo.

Vemos aqui mencionada a Santíssima Trindade. O Padre, o Filho e o Espírito Santo intervindo para orientar o Papa no acerto dessa definição.

…depois de implorarmos o socorro de toda a corte celeste…

Ele pediu a todos os Anjos e Santos do Céu e, sobretudo, Àquela que é a “Regina Sanctorum Omnium e Regina Angelorum”.

…e invocarmos com gemidos o Espírito Consolador, por sua inspiração, em honra da santa e indivisível Trindade…

Quer dizer, inspirado pelo Espírito Santo para dar honra a Deus.

…para decoro e orna-mento da Virgem Mãe de Deus…

Decoro quer dizer esplendor, uma beleza refulgente de dignidade da Virgem Mãe de Deus.

…para exaltação da Fé católica…

“Exaltare” quer dizer tornar alta; para que a Fé católica brilhe aos olhos do mundo inteiro e se levante aos olhos dos homens como um valor de primeira grandeza.

…e para incremento da Religião cristã…

Para aumentar o número de católicos.

Como as badaladas de um grande sino de bronze

Vejam a solenidade desta afirmação:
…com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e com a Nossa, declaramos, pronunciamos e definimos:
Quer dizer, é um apelo à autoridade de Deus, feito de modo magnífico. A autoridade de Cristo, de São Pedro, primeiro Papa, de São Paulo, que ajudou São Pedro na evangelização do Império Romano, e a autoridade pessoal dele, que é o Pedro redivivo e Cristo redivivo.

Com essa autoridade, o que ele faz? Declara, pronuncia e define. Isso soa como as badaladas de um grande sino de bronze: “Declaramos, pronunciamos e definimos”. Definimos o quê?
A doutrina que sustenta que a Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original…

Nossa Senhora não teve mancha do pecado original por uma graça singular, em vista dos méritos de Cristo e a partir do primeiro instante do seu ser.

…essa doutrina foi revelada por Deus e por isso deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis.

Ela está fundamentada na Bíblia, na Revelação, na Tradição, portanto deve ser crida.

Agora vem o anátema. Depois da definição do dogma, o castigo para quem se levante contra ele.

Ninguém, portanto, se permita infringir este texto de Nossa declaração, proclamação e definição, nem contrariá-lo…

Quer dizer, depois de ter alçado o estandarte, ele o protege com suas maldições e com a energia dos meios de combate espirituais.

E se alguém tivesse a ousadia de tentá-lo, saiba que incorre na indignação de Deus onipotente, dos Bem–aventurados Pedro e Paulo e de seus Apóstolos.

Ou seja, é uma verdadeira maldição. Notem a majestade e a dignidade que isso tem. Pois bem, é uma majestade e uma dignidade invisível, mas é uma coisa verdadeiramente estupenda, quando se considera a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.

 

Alegria, glória e resplendor em todo o universo

Tomem em consideração que Maria Santíssima foi preservada depois de milênios em que só nasciam homens concebidos no pecado original; pois tinha havido um fato cuja consequência natural e normal era que todos os homens nascessem com o pecado original. E esse fato era o pecado de Adão. Portanto, todos os homens carregando a tara do pecado original.

Essa espécie de dissociação entre a inteligência e a vontade, de um lado, e os sentidos, de outro lado, pela qual, a todo momento, os sentidos estão em revolta contra a inteligência e a vontade, estas capitulam e os homens ficam expostos então a cair em pecado, e de fato pecam incontáveis vezes.

Isso veio se repetindo durante milênios, mas em determinado momento cessa a lei da maldição; os Anjos assistem atônitos a um fato que era completamente sem precedentes, e que depois não houve outro igual.

Deus quebranta a lei da maldição, expulsa a maldição e, pela primeira vez, cria uma criatura inteiramente concebida sem pecado original.

Essa criatura — que é Nossa Senhora — está completamente fora dessa lei e resplandece, com todo o brilho, com todo o fogo de uma criatura perfeita, que era como Adão e Eva foram criados, sem nenhuma espécie de mancha de pecado original.

Há em todo o universo uma espécie de alegria, de glória e de resplendor especial, e que se torna ainda mais acentuado pelo fato de que a Santíssima Virgem é criada sem pecado original, é a obra-prima de Criação.

Mais alta do que Ela, só a humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas Nosso Senhor Jesus Cristo já não é mera criatura. Na sua humanidade é uma criatura, mas na sua Pessoa, que é uma só, Ele não é uma mera criatura.

Então, se compreende a convergência dos dois fatos.

Aquela que calcou aos pés a cabeça do dragão

A Bíblia nos conta que, depois de ter feito a obra da Criação, Deus descansou encantado com o que Ele tinha realizado. Mas descansou com projeto de criar uma criatura superior, mais maravilhosa do que tudo isso: uma mulher que fosse Mãe do Verbo de Deus Encarnado. Então, essa obra-prima da Criação se faz nesse momento. E os Anjos, que compreendem toda a harmonia de tudo quanto Deus fez, o reflexo d’Ele nessa harmonia, contemplam pela primeira vez, extasiados, a alma de sua Rainha.

Para terem ideia do que é isso, imaginem uma soberana que entra pela primeira vez na capital do seu reino, numa carruagem de gala, precedida de lanceiros, de trombeteiros, seguida de toda a corte, e a cidade inteira considera extasiada a beleza da rainha.

Isso é nada em comparação com a entrada de Nossa Senhora na corte angélica. No primeiro momento em que Maria Santíssima existiu, Ela teve conhecimento inteiro e lúcido de tudo, e conheceu a Deus. E no instante em que conheceu o Criador, Ela fez um ato de amor, que foi o mais perfeito que se tenha dado a Deus até então; de tal maneira que nunca nenhum Anjo fez ao Criador um ato de amor como Ela.

Ela adorou a Deus, Lhe deu ação de graças e Lhe ofereceu uma reparação pelos pecados dos homens. E esse cântico de Nossa Senhora, um cântico novo, a mais alta oração que jamais o Céu poderia fazer, foi para os Anjos a entrada da sua Rainha. Compreendemos, então, o que foi para os Anjos a festa da Imaculada Conceição.

Nós podemos unir as nossas vozes às dos Anjos no dia da Imaculada Conceição. Segundo as revelações de Santa Gertrudes, Santa Mectilde, Santa Brígida, quando a Igreja festeja um mistério na Terra, no Céu os Anjos acompanham. Portanto, no dia da Imaculada Conceição todos os Anjos vão glorificar Nossa Senhora.

Nós também podemos dar essa glória a Maria Santíssima, dentro do nosso espírito especialmente. Por que dentro do nosso espírito? A Imaculada Conceição é Aquela que calcou aos pés a cabeça do dragão. Aparecendo, Nossa Senhora venceu o dragão porque estava concebida sem o pecado original e, então, se preparava para dar à luz o Messias.

Nossa Senhora da Imaculada Conceição é, debaixo de vários pontos de vista, Nossa Senhora da Contra-Revolução, tornando o demônio esmagado, arrasado. É nesse sentido que nós devemos celebrar mais especialmente esta festa.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/12/1966)
Revista Dr Plinio 225 – Dezembro de 2016

07 de dezembro – Santo Ambrósio, Bispo e Doutor da Igreja

Santo Ambrósio, Bispo e Doutor da Igreja

Foi por aclamação popular que Santo Ambrósio ascendeu à dignidade episcopal: “vox populi, vox Dei”.

A respeito de Santo Ambrósio, Bispo, Confessor e Doutor da Igreja, Dom Guéranger fornece alguns traços biográficos:

Ainda adolescente, Ambrósio apresentava gravemente sua mão para ser osculada por sua mãe e sua irmã por-que, dizia ele: “Esta mão será um dia a de um Bispo”.

Vemos o que é a compenetração da dignidade episcopal: Como essa mão viria a ser um dia a de um Bispo, beije-a desde já. E fazia isso não por vaidade, nem por orgulho, mas por amor à dignidade episcopal. É realmente magnífico!

A honra de pertencer à Igreja

Pode-se crer que se a vontade divina não tivesse irrevogavelmente condenado o Império Romano a perecer, influências como as de Ambrósio, exercidas sobre um príncipe de coração reto, teriam evitado sua ruína. Sua máxima era firme, mas ela não devia ser aplicada senão nas sociedades novas, que surgiriam depois da queda do Império.

Santo Ambrósio dizia: Não há titulo mais honroso para um imperador do que “filho da Igreja”. O imperador é membro da Igreja, e não está acima dela.

Santo Ambrósio e outros Doutores da Igreja precisaram lutar contra uma tradição que permaneceu entre os imperadores romanos cristãos, a qual procedia do tempo do paganismo.

Na época do paganismo clássico, não havia propriamente uma igreja pagã, nem a distinção entre as duas sociedades, igreja e Estado, como Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu. Mas o Estado pagão era um Estado-igreja, que, ao mesmo tempo, promovia a vida temporal, o culto e dispunha a respeito de todos os assuntos religiosos. De maneira que os imperadores romanos  habitualmente se consideravam chefes da religião. E, quando eles morriam, eram até “deificados”, elevados à condição de deuses.

Quando surgiu o Cristianismo, muitos imperadores romanos, por hábito mental, se consideravam os chefes da Religião Católica, dando origem a enormes atritos, como o de Santo Ambrósio com o Imperador Teodósio.

É conhecido o fato de que o Imperador Teodósio, não querendo subordinar-se à ordem de Santo Ambrósio, Bispo de Milão, foi à igreja, acompanhado de todo o seu séquito, depois de ter sido excomungado. Ele encontrou Santo Ambrósio com seu clero na entrada do templo, que lhe proibiu entrar. E Teodósio retrocedeu.

Então, Dom Guéranger comenta esta máxima de Santo Ambrósio: “Nada é mais honroso para o imperador do que ser filho da Igreja. O imperador está na Igreja, e não acima da Igreja”. Quer dizer, para o imperador o grande título de honra é o de católico. Por isso, após a queda do Império Romano, os soberanos católicos colocavam toda a sua honra em ligar seus cargos a títulos religiosos. Assim surgiram o Sacro Império Romano Alemão e os títulos de Rei Apostólico para os reis da Hungria; Rei Cristianíssimo aos da França; Defensor da Fé, concedido a Henri-que VIII da Inglaterra, antes de ele apostatar; Reis Católicos aos soberanos da Espanha; Rei Fidelíssimo ao monarca de Portugal.

É bonita a observação feita por Dom Guéranger, pois o título imperial ou real, que é o mais alto dos títulos humanos, vale pouco se não vem conjugado de alguma forma com a Igreja Católica.Entusiasta da virgindade

Santo Ambrósio é um dos Padres do quarto século que mais vivamente exprimiu as grandezas do ministério na pessoa de Maria. Esta terna predileção por Nossa Senhora explica o entusiasmo de que Ambrósio estava repleto pela virgindade cristã, da qual ele merece ser considerado o doutor especial. Nenhum dos Padres o igualou no encanto e na eloquência com os quais ele proclamou a dignidade e a felicidade das virgens.

Esse é um lindo título que cabe a Santo Ambrósio. De todos os Doutores da Igreja, foi o que melhor estudou a virtude da virgindade; aquele que, com delicadeza de linguagem e de alma inexcedível, soube tratar do tema de maneira a não só firmar a convicção de que a virgindade é uma virtude excelsa, mas ainda proporcionar uma verdadeira apetência da virgindade. Valeria a pena, algum dia, comentarmos aqui os sermões de Santo Ambrósio sobre a virgindade; é tudo quanto há de mais belo.

Zeloso pela dignidade externa

Santo Ambrósio preocupava-se com que os ministros da Igreja apresentassem grande dignidade externamente. Não aceitava em seu clero quem não tivesse uma presença respeitosa. Assim, não admitiu um seu amigo porque notou em seu modo de andar algo menos próprio.

Conheço o caso de uma senhora, cujo filho estava querendo ser padre. Certa vez ela entrou num bonde e viu um padre tão sujo de tabaco, com o cabelo tão despenteado, que essa senhora disse o seguinte: “Meu filho jamais será padre.”

Era um raciocínio errado, mas com certo fundo de razão. Quer dizer, se numa classe os homens se apresentam assim, não convém pertencer a essa classe. A ideia é muito verdadeira: quando uma pessoa é altamente respeitável, até no seu físico uma respeitabilidade transparece. Compreende-se, portanto, como Santo Ambrósio tinha profundamente razão.

Apostolado de presença

Santo Ambrósio combateu os hereges e converteu Santo Agostinho.

Santo Agostinho conta que ele tinha verdadeira fascinação por Santo Ambrósio. Então, de vez em quando, ele ia à casa do santo Bispo de Milão, metia-se na sala onde ele estava escrevendo e ficava sentado, na esperança de que Santo Ambrósio lhe dissesse alguma palavra. E Santo Ambrósio, muito ocupado com os trabalhos, não dava entrada a Santo Agostinho. Mas, pelo fato de ver Santo Ambrósio trabalhar, estar ali na atmosfera criada pelo Bispo de Milão, ele sentia que aquilo fazia muito bem para sua alma.

Por isso, e devido a alguns colóquios que eles tiveram, bem como por causa das obras de Santo Ambrósio, algumas das quais Santo Agostinho conheceu antes da conversão, se pode dizer que Santo Ambrósio cooperou constantemente para esse fato que talvez seja o mais importante da sua vida: não foram os livros que ele escreveu, nem as obras que realizou, mas ter convertido Santo Agostinho. Somente essa conversão é um capítulo na História do mundo e na História da Igreja.

 

Vemos aqui duas coisas bonitas em Santo Ambrósio: em primeiro lugar, o apostolado de presença.

Insistimos tanto sobre o alcance desse apostolado. Muitas pessoas pensam que valem para o nosso Movimento na medida em que falam, atuam, trabalham. Claro está que isso tudo é muito bom.

Mas há um apostolado de presença, que pode ser muito melhor; e desse fato deu provas muito eloquentes Santo Ambrósio em face de Santo Agostinho.

De outro lado, notamos a confiança na Providência Divina. Se Santo Ambrósio fosse superficial, ele cessaria todos seus trabalhos para fazer uma pescaria apostólica com Santo Agostinho. Depois ele iria trabalhar desordenadamente; pior, minguaria seus livros e escreveria uns “livrequinhos” superficiais, para ter tempo de conversar com Santo Agostinho.

Porém, confiante na Providência, no amor de Deus, na Igreja Católica, ele fazia o que estava dentro de suas possibilidades. Era vontade de Deus que Santo Ambrósio escrevesse um livro, e ele o fazia com perfeição. E que Santo Agostinho aproveitasse as beiradas que encontrasse; Deus haveria de prover. E, de fato, proveu.

Quer dizer, essa confiança na Providência, não querer fazer loucuras, absurdos, mas ser temperante, inclusive no próprio zelo apostólico, é rica em lições para nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 7/12/1964 e 6/12/1966)

06 de dezembro – São Nicolau

São Nicolau

Personagem envolto na áurea e inocente legenda natalina, São Nicolau foi um modelo de caridade cristã, desvelado benfeitor do próximo mais necessitado, ao qual prodigalizava seu auxílio, sem que ele soubesse de onde viera o inestimável socorro.

Príncipe da Igreja, sucessor dos Apóstolos, sua compaixão e generosidade o tornaram para sempre essa figura mítica, repassada de bondade e carinho, fonte das alegrias e sorrisos com que as crianças festejam seus presentes de Natal.

Também eu, quando menino, aguardava ansioso a manhã do 25 de dezembro, na certeza de que o bom São Nicolau viria durante a noite depositar aos pés de nossa cama os brinquedos que tanto desejávamos. E ele os trazia sempre…

 

Plinio Corrêa de Oliveira

04 de dezembro – Herói na luta contra os inimigos da Igreja

Herói na luta contra os inimigos da Igreja

Devido a tramas efetuadas por hereges contra São João Damasceno, sua mão direita foi amputada por ordem do califa. O Santo recorreu a Nossa Senhora e a mão milagrosamente uniu-se ao  antebraço. Ele tornou-se um dos maiores Doutores da Igreja, famoso por seu talento, sua doçura e implacável heroicidade na luta contra os inimigos da Igreja.

Comentaremos uma ficha tirada do livro “Vie des Saints”, de Emanuel d’Alzon, a respeito de São João Damasceno.

Um eremita muito culto é salvo da morte

A narração explica que São João Damasceno era do Oriente Próximo. Seu pai, Sérgio Mansur, católico e ministro de um califa maometano, Abdal Malique, homem terrível, mas que gostava muito de Mansur porque este era um personagem de muito valor, criterioso.

Certo dia, Mansur saiu à rua e viu um número enorme de católicos sendo conduzidos para a morte. Então prometeu interceder por eles e salvá-los, o que efetivamente conseguiu do califa, junto a quem gozava de enorme prestígio.

Mas ele notou entre os prisioneiros – vejam os vaivéns da Providência – um que portava os trajes e tinha todo o jeito de um eremita. Naquele tempo, os eremitas usavam uma roupa que  vagamente lembrava o burel de um franciscano, moravam no deserto, em grutas, inteiramente sós, e eram personagens grandiosos. Ele notou que esse eremita estava com muito receio de morrer, e lhe disse:
– Eu compreendo que os outros estejam receosos; mas o senhor, um homem que abandonou o mundo, com medo de morrer? Confesso ao senhor o desapontamento que isso me causa. E o eremita deu-lhe esta resposta:
– “De morrer não tenho medo. Mas o que me causa apreensão é tudo quanto estudei em minha vida, e que o senhor não sabe.

Então vem uma dessas enumerações orientais pitorescas de tudo quanto ele estudou. Um homem sozinho, numa toca qualquer, tinha, além de tudo, aprendido oratória. Subia num montículo e falava para populações inexistentes.

Continuou o eremita:
– “Eu achava que tudo isso era para o serviço de Deus. E eis que agora estou fadado a morrer com a inutilidade de tudo que aprendi.

– Mas eu obtive do califa libertação de todos: o senhor está salvo – tranquilizou-o Mansur.

O eremita deu extraordinárias manifestações de contentamento. Mas o benfeitor lhe disse:
– Há uma condição: tenho dois filhos, e queria que o senhor viesse morar comigo e utilizasse toda a sua ciência para ensiná-los. Um desses filhos, o do segundo casamento, era João, futuro Doutor da Igreja e conhecido como São João Damasceno.

O eremita respondeu:
– Depois de o senhor salvar minha vida, estou ao seu dispor.

Hereges envolveram São João Damasceno numa intriga

Pelos desígnios da Providência, esse homem tinha sido chamado para uma ermida e ali encher-se de uma ciência extraordinária, sem saber definidamente o que Deus queria dele. Possuía, porém, uma noção interior tão grande e firme de se tratar realmente de um desígnio divino, que quando ele se viu condenado à morte, sem que esses conhecimentos fossem utilizados, sofreu um verdadeiro golpe.

Ele não sabia que essa tragédia a qual iria aproximá-lo da morte e consagrar a inutilidade de todos os seus esforços, na realidade fá-lo-ia encontrar o aluno em ordem a quem toda essa sabedoria tinha sido acumulada. E que ele seria célebre enquanto São João Damasceno o fosse, exatamente por causa do seu papel nessa celebridade. Esse anacoreta era como uma abelha, dotada de todo o mel da cultura antiga para nutrir um Doutor da Igreja.

A nota biográfica conta que São João Damasceno era muito bom aluno, inteligente, e aproveitou profundamente a ciência de seu preceptor. Entretanto, como se tratava daquele regime de politicagem do Oriente, os hereges envolveram São João Damasceno numa intriga.

O Imperador de Constantinopla estava em guerra contra o Califa de Damasco ao qual servia o pai de São João Damasceno. Um inimigo de Mansur, querendo comprometê-lo para que ele – ou seu filho João – fosse morto, escreveu uma carta falsa em nome de São João Damasceno ao Imperador de Constantinopla, na qual dizia admirar muito o Imperador, e que sendo católico não podia resignar-se diante da ideia de que os católicos fossem presos. Então, convidava o Imperador a invadir e tomar conta do califado, pois João e seu pai se levantariam para derrubar o califa.

O Imperador – herege iconoclasta chamado Leão III, o Isáurico – mandou a carta para Abdal Malique, dizendo estimá-lo tanto que lhe enviava aquela missiva como prova de lealdade, pois, podendo levantar esses súditos contra o califa, enviava-lhe a carta para que ele pudesse exterminar aqueles traidores.

O califa manda cortar a mão direita de São João Damasceno

Ao receber a carta, o califa ficou indignado e, sendo um homem de temperamento explosivo, mandou que carrascos agarrassem São João Damasceno e lhe cortassem a mão direita, como castigo. E só não o mandava matar por causa do grande prestígio que Mansur tinha junto a ele.

A ordem foi cumprida e São João Damasceno perdeu a mão, mas pediu ao califa que, ao menos, lhe entregasse o membro amputado para enterrá-lo. O califa acedeu ao pedido, pensando em tudo, menos no que poderia vir a acontecer.

São João Damasceno, de posse da mão cortada foi para o Oratório e começou a rezar, pedindo a Nossa Senhora que lhe restituísse a mão perdida. Deu-se, então, um milagre espetacular: a mão uniu-se ao corpo.

Diante do milagre, o califa contemporizou, soltou São João Damasceno que retomou seus escritos e sua pregação, tornando-se um dos maiores Doutores da Igreja, famoso por seu talento, por sua doçura e por sua implacável heroicidade na luta contra os inimigos da Igreja.

Imaginem o golpe para a Cristandade se São João Damasceno não pudesse expandir em todo o seu esplendor o brilho de sua palavra, em defesa da Igreja nas crises daquela ocasião.

Por outro lado, com o mestre se dá algo à maneira do que se passou com o discípulo: condenado à morte, vai perder todo o seu talento. Nesse episódio o mestre conhece o discípulo para o qual ele nasceu, e seu talento se eterniza na pessoa de São João Damasceno. Este, por sua vez, tem a mão cortada, a carreira prejudicada, a vida golpeada. Depois, um magnífico milagre e a prova de que Deus estava com ele. Admiração para todos os católicos da Ásia Menor e para a catolicidade inteira, ficando assim com um grande prestígio para pregar a palavra de Deus. Antes disso, porém, Deus quis levá-lo às sombras da morte.

“Em tua luz veremos a Luz”

Não posso me esquecer de que na Faculdade “Sedes Sapientiæ”, onde fui professor, havia uma capela que não era bonita, mas na qual existiam coisas muito bonitas: um vitral representando Nosso Senhor e, embaixo, esta frase da Escritura: “Ainda que eu caminhe nas sombras da morte, não temerei os males” (Sl 22, 4). Depois, outro vitral, do qual não me lembro a figura, com uma frase belíssima: “Iluminados por tua luz, veremos a Luz” (Sl 35, 10).

“Ainda que eu caminhe nas sombras da morte, não temerei os males”. O que significa isso para nossa vocação? Mesmo que os mais tenebrosos obstáculos se oponham ao caminhar da nossa vocação, não temeremos os males e continuaremos a andar serenamente, porque Nossa Senhora abrirá os caminhos e nós os transporemos, e chegaremos até o fim, desde que sejamos verdadeiramente devotos d’Ela.

“Iluminados por tua luz, veremos a Luz”. Embora eu não seja um exegeta, creio que essa frase pode ser aplicada a Maria Santíssima. Ela é uma luz, e à luz d’Ela vemos a Luz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Essas duas frases têm relação com a vida de São João Damasceno. As sombras da morte rodearam o preceptor dele, mas este encontrou a vida achando seu discípulo. O mesmo na vida de São João Damasceno. As sombras da morte o rodearam nesse golpe tão duro. Ainda aí ele não temeu os males; sua mão se recompôs e ele recomeçou.

Isso nos leva a uma confiança cega em Nossa Senhora. Se confiarmos, teremos tudo; se não confiarmos, nada possuiremos.

A expressão “Em tua luz veremos a Luz”, como é adequada quando estamos diante de uma imagem da Santíssima Virgem tendo ao colo o Menino Jesus! É uma luz e, junto a Ela está a Luz das luzes. E à luz de Nossa Senhora de Coromoto, vemos o Menino Jesus. Não pode haver nada mais bonito do que isso! Aí fica a figura enternecedora dessa imagem e a graça dada a um índio da América do Sul, fixadas no firmamento da Igreja à memória gloriosa de São João Damasceno.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/5/1976)
Revista Dr. Plinio 237 – Dezembro de 2017

04 de dezembro – Santo Annon: energia e astúcia

Santo Annon: energia e astúcia

Utilizando sapiencialmente as qualidades que Deus lhe havia concedido, Santo Annon salvou a Reforma Gregoriana que estava passando por um gravíssimo período. Sua figura nos ajuda a compreender melhor a verdadeira fisionomia da Igreja.

Santo Annon, bispo e confessor, é um dos grandes e pouco conhecidos Santos da Idade Média. A seu respeito, temos a seguinte ficha preparada por um dos membros de nosso Movimento.

Pessoa de trato verdadeiramente agradável

Santo Annon é um dos grandes santos dos primeiros anos do Sacro Império Romano Alemão. Seus altos feitos ficaram registrados não só na História, como na Literatura, pois sobre a sua vida foi escrito um poema em 876 versos, clássico da literatura medieval alemã.

Professor da escola de Bamberg, Arcebispo de Colônia e Chanceler do Sacro Império, fundador de mosteiros, a ele se deve também, em grande parte, a introdução da reforma cluniacense na Alemanha.

Era uma personalidade invulgar. De porte majestoso, bem proporcionado, seus contemporâneos o descreviam como um belo homem, grande orador, e não menor “causeur”, suas aulas e sua prosa prendiam a atenção de todos os que o ouviam, nele admirando não só a ciência, como a ortodoxia de seu pensamento. A amenidade de seu trato e a extraordinária, e mais tarde legendária, energia impunham a todos respeito e veneração.

É uma bonita descrição de um desses homens completos, muito bem constituídos fisicamente e com essa dupla qualidade: um trato muito ameno, orador, “causeur” brilhante, e homem muito enérgico. Isto demonstra quanto é verdade aquilo que o liberalismo procura ignorar: a pessoa seriamente enérgica, quando não é ocasião de usar de energia, deve ser de um trato muito agradável. E a pessoa de um trato verdadeiramente agradável, nas horas de energia, sabe ser enérgica.

O que vem a ser um trato verdadeiramente agradável? Não o de um palhaço qualquer que conta anedotas, mas é um relacionamento elevado, nobre que, ao mesmo tempo, distrai, agrada e deixa a pessoa dignificada, enobrecida. Esse era o trato de Santo Annon.

Glorioso cooperador da Reforma Gregoriana

Continua o texto:
Em 1062, num período difícil da Reforma Gregoriana, ele a salvou de uma crise que poderia ter sido fatal.

Antes de São Gregório VII, a Igreja passou por vacilações enormes, por crises, por depressões morais tremendas. E essas crises morais foram todas elas contrariadas pelo movimento de Reforma Gregoriana, que São Gregório VII, então cardeal, impôs através de vários Papas que eram discípulos dele, e depois ele mesmo, elevado ao Pontificado, com uma energia não excedida e talvez não igualada, levou à sua perfeição. A esse movimento restaura-dor, um dos maiores que tenham havido dentro da Igreja, costuma-se chamar de Reforma Gregoriana. E foi uma glória de Santo Annon ter cooperado para essa reforma.

Dificuldades em época de sucessivos papas

Com efeito, Estevão IX, o primeiro Papa eleito pelo povo romano sem consulta ao Imperador, enviou ao Sacro Império o monge Hildebrando para convencer a Imperatriz Inês, que governava na menoridade do filho, futuro Henrique IV, a reconhecer a eleição. A Imperatriz Inês, que era Condessa de Poitiers e foi educada num ambiente cluniacense, não opôs dificuldades em aceitar. Mas Estevão IX morrera antes da volta de Hildebrando. Na hora da morte, o Papa fizera o clero e a nobreza jurarem que não elegeriam um novo soberano pontífice antes de Hildebrando chegar. Não respeitando o juramento, o clero e a nobreza se reuniram logo depois dos funerais, e elegeram o Santo Padre.

São Pedro Damião, Cardeal-Arcebispo de Óstia, protestou e fugiu de Roma, indo ao encontro de Hildebrando, que estava em Florença, e logo reuniram um Sínodo. Foi eleito Nicolau II, que a Imperatriz também reconheceu. As dificuldades começaram quando Nicolau II decretou que a eleição dos Papas seria feita pelo Colégio dos Cardeais.

A nobreza romana revoltou-se. E os adversários da Reforma Gregoriana conseguiram convencer a Imperatriz de que não devia aceitar o decreto. Pouco depois morreu Nicolau II, e Hildebrando fez o Sacro Colégio elevar ao sólio pontifício Alexandre II. O episcopado da Lombardia e alguns bispos alemães, com a anuência da Imperatriz, reuniram-se e elegeram o antipapa Cádalo, Bispo de Parma, que tomou o nome de Honório II.

Quem deve eleger o Papa? Questão decisiva para o êxito da Reforma Gregoriana

Aqui estava em jogo uma questão muito importante. A eleição do Santo Padre foi, em todos os tempos, um dos elementos decisivos da política mundial, tanto mais na Idade Média, quando o mundo era muito mais católico do que hoje e, portanto, muito mais sensível a qualquer pensamento, vontade, pronunciamento ou ato do Sumo Pontífice.

Porém, se tinha importância a eleição de um Papa, outra pergunta também era muito importante: quem o elegeria? Vemos definirem-se duas tendências diversas: uma que considerava estarem os nobres e o clero de Roma habilitados a eleger o Pontífice; outra julgava que este deveria ser escolhido pelo Sacro Colégio.

Em rigor, não era contra a instituição divina que o Papa fosse eleito pelos nobres e clero de Roma. O Direito Canônico pode atribuir-lhes tal faculdade como poderia concedê-la também ao povo romano. Mas do ponto de vista da conveniência, quer dizer, para assegurar melhor a eleição de um Papa digno do cargo, era muito preferível naquele tempo — e o é em tempos normais — que a escolha fosse feita pelo Sacro Colégio, pois este representa uma aristocracia, uma elite dentro da Igreja, sendo um conjunto de clérigos considerados mais eminentes, pre-claros e seguros pelos Pontífices anteriores.

A palavra “cardeal” vem de cardo, em latim, que significa o gonzo da porta. Os cardeais estão para a Igreja como os gonzos para uma porta: sustentam-na, permitindo e facilitando-lhe o movimento. Era, pois, natural que esse escol de colaboradores dos vários Papas, participando em grau subordinado do governo e conhecendo melhor do que ninguém o ambiente eclesiástico e as necessidades da Igreja, elegessem o Santo Padre.

Isso seria certamente mais adequado do que se a eleição ficasse a cargo de clérigos de uma ordem inferior, incumbidos da direção ou do exercício de atividades na diocese mais importante do mundo, é verdade, mas voltados para problemas locais, circunscritos à Diocese de Roma; enquanto os cardeais são uma elite internacional. Ora, a missão do Papa não é apenas local, mas principalmente mundial.

Por outro lado, os nobres romanos eram os senhores de pequenos feudos nos arredores de Roma, e que muitas vezes guerreavam por seus interesses. Havia o risco de escolherem um Papa de acordo com suas conveniências pessoais ou familiares.

Portanto, era natural que os partidários da Reforma Gregoriana quisessem transferir essa atribuição para os cardeais.

Vemos que se pronuncia um incidente no qual o monge Hildebrando, cardeal e futuro Papa São Gregório VII, convenceu o Pontífice novo de transferir os poderes de eleição para o Sacro Colégio. Naturalmente, o clero e a nobreza de Roma ficariam indignados com isso, pois perdiam um poderoso elemento de influência política. Então, foram logo ao encontro da Imperatriz do Sacro Império Romano Alemão para obter que ela se solidarizasse com eles.

Debaixo de certo ponto de vista, a Imperatriz tinha interesse nisso porque, no sistema anterior, o imperador — ou a imperatriz, quando o imperador era menor de idade — interferia na eleição. Entretanto, feita a eleição pelo Sacro Colégio, as possibilidades de interferência do poder imperial se tornavam muito menores.

Esse choque de interesses comprometia a Reforma Gregoriana que, sendo um movimento de reestruturação e reorganização da Igreja, estava maximamente empenhada em que o órgão adequado elegesse o Sumo Pontífice.

Num momento crucial, Santo Annon intervém com astúcia

Alexandre II e Cádalo foram para Roma e disputaram a cidade. O Papa tinha contra ele o Sacro Império, boa parte da nobreza, e não podia contar com o auxílio do chefe normando Roberto Giscard, que não estava em bons termos com a Santa Sé. Havia até indícios de que ele simpatizava com a causa de Cádalo, por interesses pessoais.

Foi nesse momento crucial que Santo Annon resolveu intervir. Combinou com alguns nobres alemães um golpe de Estado.

Sabia que a Imperatriz Inês gostava de parar em determinada ilha quando viajava pelo reino.

Era uma ilha aprazível e lá costumava ela repousar das fadigas da viagem.

Santo Annon mandou construir uma barca esplêndida, riquíssima, adornada com toda espécie de obras de ar-te: finíssimos tapetes cobriam o chão e as paredes; cortinas dos mais preciosos tecidos vedavam as janelas. Toda a barca estava revestida de boa madeira, com incrustações de ouro e pedras preciosas.

Quando a barca ficou pronta, Santo Annon permaneceu à espera de uma ocasião propícia para utilizá-la.

Notem a atmosfera bonita em que essas coisas se passavam: uma ilha aprazível, uma barca linda, com cortinas e incrustações de pedras preciosas, à espera da Imperatriz. Que lindo teatro para uma cena histórica! Como isso é mais bonito do que um avião para se passar qualquer episódio da História humana!

Essa ocasião se apresentou pouco depois, quando a Imperatriz anunciou uma viagem a Nimegue. Santo Annon, com outros conjurados, viajou diretamente para a referida ilha, chegando lá antes da corte. Quando esta lá aportou, na hora do almoço, Santo Annon, como Chanceler do Império, sentou-se ao lado de Henrique IV, que tinha então seis anos. Fez a conversa cair sobre a barca, e a descreveu com toda a minúcia, maravilhando o menino. Logo depois do almoço, Henrique IV manifestou o desejo de visitar a barca. Recebido com todas as honras, assim que o rei subiu a bordo, os remadores, já avisados, puseram a embarcação em movimento, afastando-a da ilha.

A Imperatriz e os nobres, que tinham ficado na ilha, promoveram um grande tumulto, e o menino-rei, amedrontado, atirou-se ao rio.

O menino-rei era uma víbora; foi o grande inimigo de São Gregório VII, mais tarde.

O Conde Egbert de Brunswick se jogou na água e o trouxe de volta para a barca. Santo Annon levou Henrique IV para uma das salas e teve com ele uma longa conversa, convencendo-o de ir para Colônia, onde seria convocada uma assembleia de nobres para discutirem a situação.

Faço um comentário colateral a respeito da mentalidade dos meninos naquele tempo. Às vezes, aos 14 ou 15 anos, meninos começavam a comandar exércitos, ou dirigir impérios; e, muitas vezes, dava certo. Vemos aqui Santo Annon tratando seriamente com um menino de seis anos sobre política e convencendo-o.

Alguém poderá objetar: “Mas o menino não tinha nenhuma resistência possível a oferecer a um homem da qualidade de Santo Annon”.

É possível. Em todo caso, Santo Annon julgou que não podia resolver o caso só com brinquedinhos e fazendo cocegasinhas no queixo do rei; mas precisava dar uma argumentação política. Deu, e o monarca aceitou. Quer dizer, trata-se de um nível de menino que não é comum.

Para se compreender bem essa atitude de Santo Annon é preciso esclarecer que, em caso de regência, a posse do rei pelo chanceler já era um bom título para que ele se tornasse regente. Portanto, quando o rei era menor, o regente do reino era a mãe, mas também podia ser o chanceler, se este estivesse na posse do rei-menino. E o golpe dele foi roubar o rei-menino dentro dessa “ratoeira” de madeiras preciosas, seda e pedrarias. Uma coisa que nos deixa um pouco interditados quanto à liceidade, se não fosse o fato de que é Santo Annon quem fez, e, portanto, isso deve ter suas razões históricas que provavelmente não aparecem na ficha.

Sínodo em Colônia

Em Colônia, os grandes da Alemanha se reuniram e, depois de se informarem dos acontecimentos, decidiram que a regência caberia ao arcebispo, em cuja diocese estivesse o rei. Como Henrique IV estava em Colônia, o regente seria Santo Annon. Que era Arcebispo de Colônia…

A 27 de outubro de 1062, reunia-se um sínodo presidido por Santo Annon, que aceitou o decreto de Nicolau II e reconheceu a eleição de Alexandre II; o Duque Godofredo de Lorena foi designado para levar o Papa a Roma, e dar-lhe posse da cidade. A Reforma Gregoriana estava salva.

Esse é um dos inúmeros atos que mostram não só o papel decisivo de Santo Annon numa crise gravíssima, mas também sua astúcia diplomática que repetiu em muitas outras ocasiões.

É lamentável ver como a notícia dessas grandes figuras se apaga. Como ela faria bem num livro de piedade! Como seria interessante ensinar alguém a dizer: “Meu Deus, dai-me a energia e a astúcia de Santo Annon! Santo Annon, rogai a Nossa Senhora por mim, para que eu me pareça convosco!” E rezar essa jaculatória diante de uma imagem de Santo Annon “bon parleur”, de espada na mão, olho de raposa e alma de bem-aventurado, organizando as coisas. Como isso faria bem!

Diferença entre o pecador medieval e o pecador filho da Revolução

Alguns anos depois, a Imperatriz Inês, que se tinha recolhido a um mosteiro, arrependeu-se do que fizera. Um dia a cidade de Roma surpreendeu-se, assistindo a um espetáculo só possível na Idade Média: a Imperatriz apresentou-se às portas da cidade, vestida como penitente, descalça e com uma corda ao pescoço, rogando permissão para entrar e pedir perdão ao Santo Padre por tudo quanto tinha feito. Recebida por São Pedro Damião, este a absolveu de todos os pecados e daí em diante, até a morte do Cardeal, foi seu confessor.

Ela, que tinha sido a grande inimiga de São Pedro Damião, reconheceu ter andado mal criando entraves ao movimento salvador da Reforma Gregoriana. Mas assim era a penitência na Idade Média, época que se poderia caracterizar pela radicalidade:  O indivíduo cometia, às vezes, pecados de arrepiar; mas, quando se arrependia, praticava também penitências de arrepiar.

Esta Imperatriz deixa todas as pompas terrenas, recolhe-se a um convento para cuidar de sua vida espiritual e, meditando, reconhece ter procedido mal. Em rigor, ela não seria obrigada a esse ato público de penitência. Que ela devesse procurar São Gregório VII ou São Pedro Damião para pedir perdão, era inteiramente cabível. Mas podia fazer isso reservadamente. Não, ela quis praticar um ato público de reparação, porque público tinha sido o seu pecado. Apresenta-se, então, às portas de Roma, vestida de saco, com uma corda ao pescoço, e se dirige a uma igreja para pedir perdão.

Depois de ter sido perdoada, torna-se amiga e penitente daquele a quem ela ofendera, confiando sua alma à direção dele. Que beleza há nessa reconciliação!

São Pedro Damião — vendo aquela Imperatriz vestida pobremente, ajoelhada perto dele, e recordando-se do tempo em que ela lhe dava dor de cabeça, introduzida ali como um cordeiro, e encantando, por esta sua atitude humilde, a alma deste santo Cardeal — louvava a grandeza da graça que opera tais transformações nas almas humanas. Isto é Idade Média!

Talvez nunca se tenha falado tanto a respeito do perdão quanto em nossos dias. Fala-se, por vezes, até o abuso. A propósito de qualquer coisa se repete: “Ah, Deus perdoa!”  Mas esse perdão que todo mundo está certo de receber, poucos pedem; e, quando pedem, fazem-no mais ou menos às ocultas. O senso da gravidade do pecado desapareceu. As pessoas perderam este senso, não são lógicas, falta-lhes coerência, não têm Fé viva. Elas só se lembram do pecado para dizer que vai ser perdoado; e só se recordam do perdão para poderem pecar mais tranquilamente. Essa é a mentalidade do homem contemporâneo.

Comparem o pecador medieval com o pecador filho da Revolução, e verão a enorme diferença: um é suscetível de grandes arrependimentos à maneira de Davi; grandes regenerações e, eventualmente, até grande santificação. O outro, se é que tem um arrependimento sério, pede um perdãozinho superficial.

Qual a causa desta diferença de atitude? Em última análise, este é o efeito da Revolução. É ela que exacerba no homem o orgulho, a vontade de não reconhecer a gravidade dos pecados e de não fazer penitência, criando-se o estado de dureza que vemos tão generalizado nos dias de hoje.

Quantos pecados cometidos em nossos dias mereceriam uma penitência pública! Nesses casos, um padre, antes de conceder a absolvição, agiria muito bem se exigisse uma reparação pública.

Entretanto, a debilidade, o liberalismo, tantas vezes até no próprio confessor, criam esse clima crepuscular no qual estamos…

Olhemos para figuras como a de Santo Annon e compreenderemos melhor a verdadeira fisionomia da Igreja.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Conferência de 29/3/1974)
Revista Dr Plinio 213 – Dezembro de 2015

03 de dezembro – Crescer na confiança

Crescer na confiança

Eis uma linda cena da vida de São Francisco Xavier:

Era noite. Dentro de um barquinho em mar revolto, todos estavam aflitos e São Francisco rezando. Enquanto a nau era sacudida de todos os lados, o Santo ia percorrendo em espírito os nove Coros de Anjos, reverenciando os Patriarcas, recomendando-se aos Profetas, numa visita serena, calma, pedindo ajuda a cada um. As pessoas atônitas, olhando para aquela tranquilidade,  encontravam nela os meios de resistência.

É a atitude de um grande Santo que, por ter em abundância o espírito da Igreja, enfrenta os perigos da existência como um cavaleiro medieval enfrentava os riscos da guerra.

O cavaleiro era ávido de perigos e de aventuras, porque sabia defender assim a causa para a qual fora suscitado. Esta é a posição do varão católico quando se encontra em perigo: não é apavorar-se, mas crescer na confiança.

03 de dezembro – São Francisco Xavier e o autêntico idealismo

São Francisco Xavier e o autêntico idealismo

A extraordinária epopeia apostólica de São Francisco Xavier, enfrentando toda sorte de riscos a fim de conquistar os povos do Oriente para a Igreja Católica, oferece a Dr. Plinio ensejo para nos fazer compreender o teor do verdadeiro ideal: mais  do que a realização de uma grande coisa, é o glorificar a Deus, submetendo-se humildemente à sua superior vontade.

Pode-se dizer que o significado de certas palavras sofrem transformações ao longo dos tempos, de acordo com o entendimento das gerações que se sucedem umas às outras. Exemplo característico, a meu ver, são os termos “ideal” e “idealismo”.

Luminosidade e harmonia sonora

A palavra “ideal” possui uma ressonância peculiar, luminosidade, harmonia sonora — quase diria visual — que lhe dão significado próprio. De algum modo ela impele o menos poético dos homens a pronunciá-la como um cântico: ideal!

Quando se diz que alguém tem ideal, entende-se tratar-se de um valor maior que o simples e vil desejo de lucrar vantagem pessoal. Não se aplica, no sentido literal e plano do termo, a afirmações como esta: “Fulano cultiva um ideal, o de tornar-se riquíssimo”. Isto se refere a uma meta, um objetivo, uma ambição, não a um ideal.

Dizer-se de um indivíduo que ele é um homem ambicioso, pois deseja fazer coisas grandes, pode ser até um elogio. Porém, há diferença entre uma coisa grande e uma grande coisa.

O genuíno idealismo de São Francisco Xavier

Imaginemos, por outro lado, São Francisco Xavier dirigindo-se para a Índia e o Japão, como primeiro passo para alcançar também a China. Naqueles idos do século XVI, viajar da Europa para o Extremo Oriente podia representar tanto ou mais perigo do que, hoje, uma expedição de astronautas rumo à Lua.

O discípulo de Santo Inácio enfrentou riscos e dificuldades impensáveis, imbuído de um anelo muito superior ao dos mais audaciosos comerciantes da época: ele ia em busca de almas para Nosso Senhor Jesus Cristo. Viaja com o coração estraçalhado de dor diante das devastações que a Pseudo-Reforma produzia na cristandade européia, e talvez pensasse: “Vou para a Índia, Japão, China, convidar novos povos e almas ainda não evangelizadas a corresponderem à graça, e assim trazê-las para a fé católica que agora se mostra abalada no Ocidente”.

Quem procede desta maneira não realiza uma coisa grande, mas uma grande coisa. Isto se chama ideal. E todos os reluzimentos que esta palavra possa ter, fulguram com toda a sua beleza quando os esforços são empregados na mais alta das finalidades: salvar a-mas para a glória de Deus e de Maria Santíssima. Nesse ideal não está presente o egoísmo; para alcançá-lo, o homem entrega toda a sua vida, disposto a passar pelos maiores riscos, dissabores, perigos, sofrimentos, preocupado unicamente com o serviço divino.

Eis o verdadeiro ideal, autenticamente glorioso. E ao considerarmos essa disposição de São Francisco Xavier, nós o veneramos e lhe imploramos: rogai por nós.

Na aparência, um ideal fracassado

Contudo, a vida de São Francisco Xavier pode parecer, até certo ponto, frustrada. Como se sabe, seu maior objetivo era conquistar a China para Deus. Esteve na Índia e a evangelizou. Visitou o Japão e ali obteve imensas vantagens para a fé cristã. Em seguida partiu em direção à China, sua grande meta, pois este país de população incalculável, riqueza cultural extraordinária e grande prestígio em todo o Extremo Oriente, seria uma conquista incomparável para a Igreja Católica.

Mas, mistérios de Deus… Esse apóstolo de zelo e fervor invulgares morre antes de chegar àquela nação. Seu supremo ideal, a evangelização do povo chinês, não se realizaria. Doente, sentiu a morte se aproximar enquanto se achava na Ilha de Sancian, de onde já se divisava a China continental. Quis então expirar no puro amor de Deus, com seus olhos voltados para aquela China na qual não conseguiu entrar. Rendeu seu derradeiro suspiro em paz, embora não houvesse atingido seu ideal.

Diante dessa situação, vem-nos a perplexidade: “Por que Deus permite tal frustração? Por que o herói desejoso de conquistar para Ele algo tão excelente como toda a China não atingiu seu objetivo? Como entender esse (ao menos na aparência) fracasso?”

Encontro com um Bispo chinês do século XX

Estas questões me trazem à lembrança a figura de um Bispo que conheci em minha viagem a Roma, no início da década de 60. Embora não proviesse de ordem religiosa, achava-se hospedado num convento, ocupando uma espécie de quarto escritório, sem luxo mas dignamente arranjado. Homem alto, esguio, longilíneo, flexível em todas as partes do corpo, possuía o porte de um descendente dos mandarins. Conversou comigo em francês, com uma voz muito afável e amável, tratando-me de “Monsieur le Professeur”, enquanto eu me dirigia a ele chamando-o de “Monseigneur”.

Dotado de um charme próprio, gesticulava e alterava a fisionomia de acordo com seu modo de ser. Sobre a cabeça, um tanto pequena em relação ao resto do corpo, portava um chapéu preto, ornado de uma pena de pavão que oscilava conforme seus movimentos. Ao vê-lo, pensei: “Este homem é um porta penas de pavão perfeito!”

Numa palavra, esse Bispo trazia consigo toda a graça daquela antiga e misteriosa China que fascinou São Francisco Xavier. E no meu interior ecoou algo do imenso desejo que este santo missionário alimentou de conquistar o povo chinês para a Igreja Católica.

Hipótese entusiasmadora

Pode-se supor que se o grande ideal de São Francisco Xavier fosse realizado e tivéssemos uma China católica, a Santa Sé provavelmente consentiria em estabelecer uma liturgia peculiar àquele povo, com manifestações simbólicas dos dogmas da Igreja conforme as circunstâncias locais, um canto sacro próprio, edifícios sagrados inspirados nos estilos arquitetônicos chineses e segundo o talento de seus artistas. Imaginemos, por exemplo, a mirífica beleza de uma catedral feita de porcelana, e cuja torre, semelhante a um pagode, ostentasse no alto uma imagem da Imaculada Conceição! As estalas do presbitério talhadas em marfim, os bancos da nave central feitos de algum lindo bambu, encerado e perfumado…

Se, diante dessa hipótese, nossa alma se entusiasma, não será difícil calcular a intensidade do entusiasmo ainda maior que latejava no coração de São Francisco Xavier.

Dar glória a Deus, o mais elevado ideal

Ora, no momento em que maravilhas semelhantes começariam a se produzir, Deus, em cujas mãos estão as vidas dos homens, diz ao santo missionário jesuíta: “Cessa a tua luta, venha para o Céu!”

E Francisco, olhando para a China e por esta nação rezando, expira docemente no Senhor, dizendo sem ressentimento algum: “Deus que me insuflou esse ideal, não permitiu sua realização. Senhor, seja feita a vossa vontade assim na Terra como no Céu!”

Algum companheiro de São Francisco Xavier, vendo-o morrer assim, quiçá se tomasse de desânimo: “Então, não se dará a conversão do povo chinês? Dir-se-ia que as orações de São Francisco não foram atendidas, e seu ideal foi posto de lado”. Por essas dúvidas percebemos quanto é sutil o tema do idealismo, e de quantos aspectos se reveste, a serem considerados para compreendermos a obra de Deus.

Claro está, o ideal de São Francisco Xavier era a evangelização da China, porém não era seu fim supremo, que consistia em dar glória a Deus. Desde que o Altíssimo, por insondáveis desígnios, dele quisesse, não a China, mas um ato de submissão à vontade divina, São Francisco o aceitava como seu mais elevado ideal. O ideal que os anjos proclamaram na noite de Natal, em Belém: “Glória a Deus nas alturas, e paz na Terra aos homens de boa vontade”.

À semelhança do Divino Mestre e Nossa Senhora

Francisco era um desses homens de vontade boa, santa, reta, nobre, voltada para o ideal. Por isso morreu em paz na Terra, glorificando a Deus. E talvez o Criador tenha recebido mais louvor pela conformidade desta grande alma com os desígnios d’Ele, do que na conversão da China. Desse modo ensinou a todos os homens de boa vontade a cumprirem esse supremo ideal que é dar-lhe a devida glória acima de tudo.

Nisso se assemelham a Nosso Senhor Jesus Cristo, que padeceu e morreu proclamando sua conformidade com a vontade do Pai Eterno. No Horto das Oliveiras, bradou: “Pai meu, se for possível, afaste-se de Mim este cálice, mas seja feita a vossa vontade e não a minha”. Como se assemelham, igualmente, à Santíssima Virgem que, quando da Anunciação do anjo, diante do excelso convite para a maternidade divina, respondeu:

“Eis aqui a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra”.

“Faça-se”, Fiat, termo que aqui significa obediência, disciplina, confiança, bondade, ideal, glória a Deus.

Um mérito maior que o das conquistas

Alguém poderia apresentar a seguinte dificuldade: Dr. Plinio, eu estava certo de que avançar rumo ao ideal significava subir, subir, para finalmente atingi-lo. No momento em que a ideia de conquista mais me entusiasma, o senhor fala de renúncia. Isto quebra as energias de minha alma”.

Respondo: Meu caro, quebra os fracos. Tais considerações são feitas para que não seja pusilânime. Como se viu, o verdadeiro ideal é aquele que se prende ao fim supremo, is-to é, fazer a vontade de Deus infinitamente sábio e santo. As cintilações de minha inteligência pseudo-luminosa são inferiores à de um vaga-lume diante do sol que é a santidade e a sabedoria do Criador. Portanto, não há para o homem, nem autêntico ideal nem bom desejo que não sejam realizar a vontade divina.

“Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Pronunciemos a frase da Santíssima Virgem, unamo-nos a Ela na mesma obediência e assim cumpriremos nosso ideal. Pode ser que num primeiro momento Deus espere de nós que desejemos nossas “Chinas”. Num segundo passo, teremos a impressão de que não as conquistamos, elas nos escaparam das mãos e nada conseguimos.

Nesta hora, recordemo-nos de São Francisco Xavier e, pelos rogos de Maria, digamos: “Meu Deus, aconteceu como quisestes; quero o que quereis. Fez-se a vossa vontade e não a minha. Morro em paz.”

Dessa forma nossa vida terá atingido sua finalidade, e de algum modo que não sabemos explicar, o mérito de nossa submissão será maior que o de todas as nossas conquistas.

Mais do que a China convertida

Certamente, ao perceber a morte se aproximar, São Francisco Xavier olhava para aquela nação tão amada e desejada, e pensou: “Meu Deus, esta China virá quando quiserdes. Ela vale muito, mas o Céu tem maior valor. Contemplando vosso Sagrado Coração e o Coração Imaculado de Maria, rogo-vos a graça de sempre ir para frente e para cima”.

Aos olhos de Deus, essa atitude se reveste de um alcance incalculável. Nosso santo não conquistou a China, porém, sem o saber, obteve inúmeras outras vitórias. Somente no Juízo Final saberemos quantas glórias foram dadas a Deus, muito maiores do que a China, simplesmente pela obediência animosa, intrépida e heroica de São Francisco Xavier!

Podemos imaginar que, ao expirar, ele tenha elevado a Deus uma prece semelhante a esta:

“Senhor, meu Deus, meu Criador, meu Redentor. Senhora, Maria Santíssima, Mãe de Deus e minha. Vim até aqui para vos obter a China. Porém, quereis de mim uma viagem maior, que eu transponha os sombrios umbrais da morte e vá para a eternidade. Quereis quebrar-me, separando minha alma do meu corpo, o qual em breve não se-rá senão um cadáver. Rogo-vos que minha alma, julgada por Vós em espírito de benignidade, seja conduzida ao Paraíso.

“Senhor, não pude conquistar a China, mas bem sei que de tudo quanto alcancei na vida, algo queríeis mais do que todo o resto: de Francisco, queríeis Francisco!

“Minha Mãe, aqui está Francisco. Oferecei-me a Deus, pois não nasci senão para isto! Salve Rainha, Mãe de misericórdia…”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 20/10/1984)

03 de dezembro – São Francisco Xavier

São Francisco Xavier

Grande missionário da Companhia de Jesus no Oriente, comparável aos Santos Apóstolos da Igreja nascente, São Francisco Xavier deixou-se modelar pela abundância das graças que recebeu de Deus, tornando-se um varão de extraordinário espírito sobrenatural.

Exemplo de homem que soube enfrentar as dificuldades, as provações e os reveses desta existência, era como o cavaleiro medieval, que se entregava às vicissitudes das batalhas ávido de perigos e de heroísmos, na defesa da causa para a qual fora suscitado.

Também nós devemos fazer face às nossas aflições e necessidades, como o fazia São Francisco Xavier: resolutos, tranquilos e com inteira confiança na misericórdia divina. É essa a maneira pela qual o homem verdadeiramente cresce na sua estatura moral e pode alcançar o ápice de santidade para a qual é chamado.

02 de dezembro – São Silverio – O ódio sacral da Igreja militante

São Silverio – O ódio sacral da Igreja militante

Está na índole da heresia ser brutal, falsa, visar o extermínio. Os hereges empreenderam tudo contra São Silvério, entretanto nada conseguiram porque ele se manteve firme e fiel.

A má-fé do herege deve ser vencida por meio de atitudes que o desmoralizem aos olhos de terceiros, para que ele não possa ser nocivo. A Igreja é militante, e é com espírito de luta que se deve combater as heresias.

Nós estamos numa guerra declarada e a mais terrível de todas, porque é a guerra entre os filhos da serpente e os filhos da Virgem.

São Luís Grignion de Montfort disse muito bem que essa inimizade sempre existirá, pois tudo quanto Deus faz é perfeito, e essa é a única estabelecida por Ele: “Inimicitias ponam” (Gn 3, 15). É uma inimizade perfeita que ressalva o desejo de salvar as almas dos hereges, mas vai até o extremo do ódio sobrenatural. Desse ódio sacral as nossas almas devem estar cheias, fazendo de nós os apóstolos dos últimos tempos, combativos, zelosos, intransigentes; e nunca apóstolos abobados e traidores da causa que deveriam defender. Eis a grande lição que se desprende da bela vida de São Silvério.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/6/1967)
Revista Dr Plinio 261 (Dezembro de 2019)