31 de dezembro – A Paz de Cristo no Reino de Maria

Auge desigual de perfeições

Na Sagrada Família, o menor de todos era o chefe: São José. Em seguida, vinha a Mãe, enormemente superior ao esposo; e depois o Filho, infinitamente maior do que os dois.

Em torno dessa Família se reúnem, desde os primeiros dias, os grandes e os pequenos da Terra: expressão significativa de que Cristo Nosso Senhor veio trazer a paz como característica das relações entre as classes sociais.

São José, nobre como um príncipe e humilde como um carpinteiro; os Magos, dignos como reis e súplices como mendigos; o jovem pastor, um casto adolescente que parece trazer no cordeiro o símbolo de sua pureza e ver no Menino-Deus a fonte de toda castidade.

Queira a Sagrada Família obter para nós, para nossas famílias, para nossa querida nação, que se afastem tantos fatores de preocupação e de tensão, por efeito da única solução que uns e outros podem ter validamente: a Paz de Cristo no Reino de Maria.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 30/8/1977 e 16/12/1991)

31 de dezembro – Auge desigual de perfeições

Auge desigual de perfeições

As almas que têm o verdadeiro senso da hierarquia amam os que lhes são superiores e têm encanto em admirar o que é inferior. Assim, na humilde casa de Nazaré, Dr. Plinio cogita o  relacionamento da Sagrada Família com base na contemplação mútua das perfeições desiguais, harmônicas e culminantes de cada um de seus membros.

Narra o Evangelho que o Menino Jesus crescia em graça e em santidade perante Deus e ante os homens (Lc 2, 52). Se é verdade que Ele crescia, de qualquer natureza que fosse esse crescimento,  era algo de uma perfeição perfeitíssima.

Ascensão contínua de graça e santidade

Ao lado do Menino Jesus, Nossa Senhora, concebida sem pecado original e confirmada em graça desde o primeiro instante de seu ser, portanto, também Ela sem defeitos — e o importante da  consideração está nisto —, Ela crescia de ponto em ponto constantemente.

Ao lado deles estava São José. É difícil fazermos um elogio de um homem, de qualquer grandeza terrena, depois de ter lembrado a grandeza de São José, o homem casto, virginal por excelência, descendente de Davi.

Diz-nos São Pedro Julião Eymard numa das suas conferências — ele não cita o documento, mas afirma — que era o chefe da Casa de Davi e o pretendente legítimo ao trono, ocupado, derrubado, com Israel dominado pelos falsos reisinhos dos reinos em que se tinha dividido e dominado pelos romanos. Mas o pretendente legítimo era ele, varão tão perfeito que o Espírito Santo modelou  para ter proporção com Nossa Senhora.

Pode-se imaginar o que isso representa? Nossa Senhora, uma mera criatura, mas que chegou na ordem do criado a uma tal altura que d’Ela só não se pode dizer que é Deus. Como é o homem  formado pelo Espírito Santo para estar na proporção de sua Esposa? A que altura, a que píncaro esse homem deve ter chegado? As palavras humanas não podem exprimir.

É verdade que também ele — eu pessoalmente não tenho dúvida nenhuma — era confirmado em graça. Então, na humilde casa de Nazaré, que depois os Anjos levaram para Loreto, na Itália, havia uma ascensão em graça e santidade das três pessoas excelsas que moravam lá. Se na quele tempo houvesse relógio capaz de fazer tique-taque, diríamos que a cada tique-taque aquelas três pessoas cresciam em graça e santidade perante Deus e perante os homens.

Perfeições que chegaram ao cume Em certo momento a Providência leva São José. É o padroeiro da boa morte porque tudo leva a crer que Nossa Senhora e Nosso Senhor assistiram à morte dele e o ajudaram a morrer. Não se pode ter ideia de uma morte melhor do que a dele, admirável, perfeita. Ao seu lado estava Nossa Senhora e Nosso Senhor ajudando- o a levar, até ao último momento, a sua alma àquela perfeição pinacular para a qual ele fora criado.  Não era a perfeição de Nossa Senhora, era uma perfeição menor. Ele, se chegasse ao extremo de sua perfeição, chegaria a uma altura menor do que a de Nossa Senhora, mas era a perfeição enorme para a qual ele fora chamado.

Nossa Senhora, a cada momento subia a uma perfeição maior. Não se sabe o que dizer, só os Anjos poderão cantar no Céu para nós apreendermos o que é essa perfeição. Por cima disso, de modo supereminente, Nosso Senhor.

São José, quando o seu olhar embaçado já ia se apagando para a vida, olhando para a sua Esposa e para Aquele que juridicamente era seu Filho — porque ele tinha direito paterno sobre o fruto das entranhas de Maria —, ele, ainda nos últimos instantes, contemplava aquilo que foi o seu enlevo a vida inteira: ver aqueles dois subirem, subirem, subirem.

E vendo-Os subir, por sua vez subia também. Essa ascensão contínua foi, a meu ver, o encanto de Deus e dos homens na humilde casa de Nazaré. De tal maneira essa reflexão me encanta, que eu, que sempre tive desejo de ir à casa de Loreto, mas por essas ou aquelas razões não tive tempo nem meios de ir, formei aqui o propósito de ir à casa de Loreto, ajoelhar-me — qualquer que seja a dificuldade daí decorrente — e oscular o chão daquela casa, pensando em Jesus, em Maria e em José. Mas pensando n’Eles especialmente daquele ângulo: três perfeições que chegaram todas ao auge ao qual cada uma devia chegar.

Auges desiguais

Entretanto, esses auges não eram iguais. Eram desiguais e se amavam e se inter compreendiam intensamente, e nos quais a hierarquia que Deus quis era em ordem admiravelmente inversa: aquele que era o chefe da casa, no plano humano, era o menor na ordem sobrenatural; o Menino, que deveria obediência aos dois, era Deus. Quer dizer, era uma espécie de inversão que faz amar ainda mais as riquezas e as complexidades de toda a ordem verdadeiramente hierárquica.

Eram perfeições altíssimas, admiráveis, mas desiguais, realizando uma harmonia de desigualdades admirável como não houve no resto da Terra jamais uma coisa igual, ali dando lugar à alma fiel que quisesse fazer uma reflexão sobre esse assunto para que pudesse começar o hino de grandeza, de admiração e de fidelidade a todas as hierarquias e todas as desigualdades.

Extremos da hierarquia

Estas hierarquias Deus as quis assim. Leão XIII mostra especialmente que Deus quis outro mistério dessas complexidades nobilíssimas da ordem hierárquica: Ele quis que São José fosse o  representante da Casa mais augusta que houve na Terra. Porque nas outras Casas nasceram reis; o que dizer da casa onde nasceu um Deus? Os únicos cortesões à altura são os Anjos do Céu,  evidentemente.

Deus quis, ao mesmo tempo, que este chefe da Casa de Davi fosse trabalhador manual, carpinteiro. Quando essa circunstância é lembrada no Evangelho — “Nonne hic est fabri filius? Este aqui não é o filho do carpinteiro?” (Mt 13, 55) —, é dita como quem diz: “Homem que não vale nada, não é nada, não representa nada”. Nosso Senhor quis exatamente que as duas pontas da hierarquia  temporal se ligassem n’Aquele que é o Homem-Deus. Ele tinha a condição de príncipe pretendente da Casa de Israel. Isso talvez nos faça compreender aquela insistência dos Apóstolos de quando viria o reino d’Ele, porque Nosso Senhor tinha o direito de ser rei. Eles, aliás, pareciam desejar isso com cupidez, para ter lugares importantes.

De qualquer maneira, a coincidência dessa perfeição com a do operário no extremo oposto da classe social, em ambos os aspectos — Criador-criatura; em aspecto incomparavelmente menor, Rei-operário — reunindo os extremos para reforçar a coesão dos elementos intermediários da hierarquia.

É como quem aperta, vamos dizer um pouco prosaicamente, uma sanfona dos dois lados, comprime aquela parte intermediária e faz com que fiquem inteiramente juntos. A hierarquia nos aparece aqui não mais só como um conjunto de cimos tão altos que a nossa vista física e mental custa a alcançar tudo quanto isso representa, mas mostra-nos também um amplexo hierárquico desigual, mas afetuoso da ordem social inteira. De maneira que o que está mais alto abraça afetuosamente o que está mais baixo e diz: “Na natureza humana todos nós somos um.”

Nossa Senhora sozinha em Nazaré

Morre São José. Depois vem o momento duro da despedida de Nosso Senhor. Ele vai começar a sua vida pública, e havia vivido trinta anos com Ela.

Podemos imaginar o que é o afeto de mãe ardentíssimo d’Ela para com Ele, a adoração d’Ela para com Ele, como também a primeira noite de vazio da casa de Nazaré depois que Nosso Senhor foi embora… Sendo que Nossa Senhora sabia, pela profecia de Simeão, que um gládio havia de atravessar o Coração d’Ela. Ela entendeu bem que aquilo era uma coisa com o Filho divino d’Ela, e, portanto, lhe foi muito mais dolorido do que se Ela soubesse que era uma coisa com Ela. Nossa Senhora percebeu que Ele partiu para aquilo que nós poderíamos chamar a “tragédia” senão fosse o  épico da glorificação final. Ela ficou sozinha, São José no Limbo, Nosso Senhor entregue às feras, começando a sua vida que havia de terminar como nós sabemos. Na humilde casa de Nazaré uma janela aberta, pela janela entrando o luar, e Ela sentada, sozinha, no escuro, talvez nem sequer uma candeia acesa, rezando intensamente e lembrando-se do passado.

Para Ela, o que tinha graça a não ser lembrar o passado e pensar no futuro que era a crucifixão do Menino Jesus? Frequentemente nos presepes o Menino Jesus aparece com os braços abertos para simbolizar a cruz em que Ele haveria de ser pregado.

Ela devia ter noção exata ou quase exata disso, e pensava em tudo isso. Saber um fuxico na aldeia  de Nazaré, o que aconteceu, qual é o próximo funcionário romano que ia governar a província, a  política do lugar, talvez por condescendência, por bondade para poder atrair uma alma, Ela ouvisse com uma espécie de atenção, mas não era tema para Ela, absolutamente.

Qual era o tema que A atraía? Era aquela ascensão que Ela viu continuamente e que contemplou da seguinte maneira: Qual é o modo pelo qual cada um deles considerava a sua própria ascensão? Porque eles sabiam que estavam se santificando.

Nosso Senhor nem se fala, São José também sabia que estava se santificando, que estava subindo. E, inevitavelmente, ele pensava em tudo quanto havia de bom nele no começo, depois como  aquilo foi progredindo, em que estado ele estava e ia vendo até que ponto ia subir.

De maneira tal que provavelmente ele pressentiu a morte quando notou que não cabia mais perfeição nele.

Vamos refletir um pouco sobre São José, pensando nas formas antigas de sua perfeição, quando ele, Nossa Senhora e o Menino Jesus entraram naquela casinha, se instalaram lá, nos primeiros momentos de vida ali.

Cogitações de Nossa Senhora

Imaginemos Nossa Senhora, morto São José, ausente Nosso Senhor, refletindo em tudo isso. Relembrando aqueles graus de perfeição menor que tinham ficado para trás, e quão para trás, mas que Ela amava tanto e considerava com um sorriso.

Aquelas perfeições em que o Menino Jesus tinha crescido, mas que Ela tinha conhecido, por assim dizer — a palavra é incorreta —, “pequeninas”. Eu só digo “pequeninas” porque Ele era  pequenino, mas eram perfeições fulgurantíssimas.

Nossa Senhora talvez sorrisse comprazida relembrando tal episódio, tal circunstância. Depois a reação de São José e também ele depois como cresceu. Percorrendo várias vezes no seu espírito e no seu Coração aquela gama de perfeições a que Ela os tinha visto subir, pensando Ela mesma — é inevitável — nas várias perfeições pelas quais Ela mesma tinha subido rumo à perfeição maior.

Qual era a atitude d’Ela diante da perspectiva das perfeições que Ela tinha que adquirir até ao momento de sua morte? De sua dormição, diz numa linda expressão a linguagem dos fiéis e a  Liturgia, porque teve uma morte tão leve que foi como um sono, Ela ressuscitou logo.

Até esse momento Ela não deixou de progredir e tinha ideia de aonde ia. Estava, vamos dizer, a três quartos da escalada, tinha ainda alguma coisa a alcançar, mas atrás d’Ela a ascensão era vertiginosa.

O amor que Ela tinha ao que tinha ficado para trás era um amor menor do que o amor que A atraía para o alto, porque no alto estava Deus, e evidentemente o sentido teocêntrico de toda alma que visa a perfeição é um sentido fortíssimo, porque o centro é Deus e para o centro é que todos nós devemos caminhar.

Alegria e comprazimento

O sentimento interior das três pessoas da Sagrada Família é de uma altura que, entretanto, se sente abaixo de uma outra altura, que ama a altura que tem porque sente em si a perfeição do que tem e a do que é, que ama em si o que foi posto por Deus. Nossa Senhora tinha que amar o que Deus pôs n’Ela.

O cântico do Magnificat exprime isso bem: “Magnificat anima mea Dominum. Et exsultavit spiritus meus in Deo salvatore meo” (Lc 1, 46-47). Vemos que Ela tinha a alegria de sentir o Espírito Santo e a graça presentes n’Ela. O Magnificat desenvolve isto: aquela alegria de sentir o que é, e como aquilo que Ela é tem relação com Deus. Uma alegria de lembrar com afeto o que foi, quer  dizer, aquilo que é menos do que Ela era naquele instante, mas que é em ponto menor tão parecido, tão harmônico, tão afim com Ela — era Ela! — em estado menor. Lembrando-se e sorrindo com comprazimento, com alegria.

Isso indica uma forma de enlevo, de deleite espiritual, de amor de Deus, pelo qual Ela amava a Deus  em cada um dos graus sucessivos em que Ele A tinha feito subir. Amava a Deus daquele tipo de amor que correspondia àquele grau. Ela amava a Deus e amava o amor que Deus tinha posto n’Ela.

Esse amor, amando o amor, formava uma harmonia interior que se poderia comparar ao tecido de seda, de boa qualidade, fazendo fru-fru quando uma parte encosta na outra. Era a categoria amando a categoria nos seus vários graus, na matéria mais alta que é a espiritual, perto da qual todas as que ficam abaixo são figuras, não são nada.

Essa é a grande categoria, é o amor da santidade menor pela santidade maior, é o amor da excelência menor pela excelência maior. Há nisto uma harmonia, um deleite, uma alegria, uma forma de respeito que é o encanto de admirar, de venerar, de servir aquilo que ela vai ser. O próprio dinamismo do progresso espiritual contém isto e caminha para isto.

Há nisso um desprendimento completo. Hierarquia do puro amor Escolhi o exemplo de São José, de Nossa Senhora e de Nosso Senhor Jesus Cristo para compreenderem essa hierarquia no que ela tem de mais puro, de mais perfeito, de mais límpido, onde não entra egoísmo, não entra nada, porque entra esse puro amor de Deus gerando este amor às várias hierarquias sem a preocupação de “megalice” de ser e de fazer muita coisa, de poder muita coisa. Nada disso. É o puro amor, pelo amor do Amor, amor a Deus.

Nesta Terra as almas que têm o verdadeiro senso da hierarquia, é deste modo que elas amam os que são superiores. A palavra majestade tem para as almas retas um sentido, tem um mistério, um lumen especial que torna de tal maneira respeitáveis e veneráveis os reis e imperadores, às vezes até quando estão no estado de não merecerem por suas qualidades pessoais a homenagem que recebem por serem nobres. Mas se eles são quem são, eles têm aquilo, eles foram chamados para alguma coisa mais alta, e em relação àquilo em algo eles correspondem.

E esse algo, por pequeno que seja, é como um perfume de uma flor incomparável da qual se tira uma gota que vale mais do que um tonel de qualquer perfume do mundo. É uma coisa especial.

A sensação que se tem diante de uma majestade é uma sensação assim. Exemplo: a Rainha de Inglaterra, o Tzar da Rússia. Ele, um greco-cismático; ela, uma anglicana. Entretanto, quem de nós ousaria dar uma bofetada neles? Quem não teria sensação de praticar um sacrilégio? Apesar do horror que tenho ao cisma e à heresia, e do amor exclusivista que tenho ao Papado, a verdade é esta: neles há o aroma de uma gota espiritual, não sei de que gênero, que produz sobre o homem reto um efeito como o da santidade maior produz na santidade menor, com alguma analogia no que se passava na Sagrada Família entre as três pessoas indizivelmente excelsas — uma divina — que a compunham.

Há uma analogia que se estende depois à aristocracia como tendo esse perfume mais difuso e menos acentuado também, mas que faz lembrar o perfume da majestade. A aristocracia é um halo mais diluído da majestade real que se constitui em torno dela, como em torno de uma gota de perfume muito intensa o que se respira à distância é mais tênue, mas é uma irradiação do que na gota se encontra. Assim é a aristocracia.

Dignidade do que é modesto

Assim se dá com as outras classes sociais, mas com este traço: de que a majestade e aquilo que se irradia da majestade isto morre nos limites da aristocracia. Quando os limites da aristocracia acabam, começa outro limite de uma coisa muito elevada: é a dignidade. E a dignidade que pode ser tão digna, que diante dela não se tem o que dizer.

Ainda ontem à noite osculei uma relíquia de Beata Ana Maria Taigi. Ela era uma cozinheira do século passado, da Casa dos Príncipes de Colonna, em Roma. Ela tinha um ar tão majestoso e tão  digno que a presença da graça punha nela, que as pessoas que a encontravam na rua — apesar dos trajes humildes que ela usava — comentavam: “Parece uma rainha!” O que é isso? É a dignidade do ofício humilde, modesto, honesto de uma cozinheira, na qual vem habitar a graça de Deus, iluminar aquilo por dentro e fazer notar alguma coisa que já não é aquilo, mas é parecido com aquilo, e que perfuma de um encanto especial, de uma atração especial todo o lar digno onde se ama verdadeiramente a Deus, onde o pai é rei, a mãe é rainha e os filhos são os súditos. Havia na França do “Ancien Régime” essa expressão: “O pai é o rei dos filhos, e o rei é o pai dos pais”.

Portanto, na dignidade da casa mais modesta e mais humilde, como aquela luz irradiada da coroa, passando por camadas atmosféricas diferentes, transpondo as legítimas alterações, chega para dar toda a sua beleza, toda a sua simplicidade, todo o seu encanto à casa modesta do operário, de tal maneira que se poderia dizer que a casa de um operário onde mora um santo era a melhor expressão da casa de Nazaré.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/11/1992)

31 de dezembro – Esplendor que reparava a imerecida miséria

Esplendor que reparava a imerecida miséria

São Silvestre foi o Papa a quem, tendo vivido no tempo de Constantino, coube presidir a transformação importante que foi o fato de a Igreja deixar de ser perseguida para ser rainha, abandonar as catacumbas e começar a ocupar palácios.

Ele foi o Pontífice que acompanhou o surgimento da Igreja para fora das catacumbas como um Sol que nasce. Sob suas diretrizes e inspiração teve início a obra pela qual a Igreja foi sendo cercada de um luxo e esplendor, que reparava os anos de imerecida miséria passados por ela nas catacumbas.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 30/12/1966)

29 de dezembro – Mártir da liberdade da Igreja

Mártir da liberdade da Igreja

Mesmo inerte em seu jazigo, São Tomás Becket, séculos depois de se tornar mártir pela liberdade da Igreja, constituía ainda um obstáculo para que a caudal da heresia pudesse avançar entre os ingleses. Por isso, o ímpio Henrique VIII mandou profanar e queimar seus restos mortais.

 

Há um adágio latino que diz: “Nemo summo fit repenter”. De fato, nenhuma ação sumamente boa ou má se faz repentinamente, mas é precedida de uma série de atos que a preparam. Isto que se aplica à vida moral dos indivíduos revela-se igualmente verdadeiro no que diz respeito à história das civilizações, das nações, dos ciclos de cultura: os grandes acontecimentos históricos se preparam com antecedência.

Como explicar um dos episódios mais tristes da História da Igreja?

 

Nesse sentido, um dos episódios mais tristes da História da Igreja é, sem dúvida, a passagem quase maciça da Inglaterra da plena observância da Religião Católica para o protestantismo, no século XVI. Bastou o Rei Henrique VIII entrar em desacordo com a Santa Sé, por esta não lhe permitir divorciar-se de Catarina de Aragão e contrair novas núpcias, para que ele se proclamasse chefe da igreja inglesa e se separasse de Roma.

No momento em que o monarca rompeu com a Igreja Católica Apostólica Romana, um número muito pequeno de eclesiásticos e de leigos manteve-se fiel. Alguns deles se tornaram mártires, entre os quais os dois mais ilustres foram São Tomás Morus, como leigo, e São João Fischer, como cardeal. Contudo, a maior parte entregou-se e mudou de religião vergonhosamente, sem o menor remorso. Conventos inteiros, universidades, instituições de caridade, tudo passou em bloco para o protestantismo.
Como explicar um fato tão escandaloso como esse? Como uma ação dessa natureza foi praticada, ao mesmo tempo e por tantas pessoas, pelo simples sopro de um rei?
Compreende-se que, estando a Europa no período das monarquias absolutas e sendo muito grande, em consequência, o poderio dos monarcas, fosse grande também a pressão exercida por eles para obrigar o reino à apostasia. Contudo, cabe observar que, em primeiro lugar, esse não era exatamente o caso de Henrique VIII, pois há muito os poderes da monarquia inglesa se encontravam limitados pelos do Parlamento. Em segundo lugar, mais absolutos do que todos os monarcas da Europa daquele tempo foram os potentados da Roma pagã; entretanto, incontáveis mártires souberam resistir a eles. Portanto, o despotismo da autoridade que prevarica não justifica a prevaricação do súdito.
Estamos, pois, diante de uma página nigérrima da História da Igreja, a qual, aliás, repetiu-se, mutatis mutandis, em alguns outros reinos. A deterioração da Igreja Católica para a igreja protestante na Suécia, na Noruega, na Dinamarca e em várias partes da Alemanha deu-se assim. Houve uma pressão do poder civil, e o corpo eclesiástico aderiu maciçamente à heresia.

Duas concepções opostas da vida

No caso concreto da Inglaterra, nós encontramos a explicação no ocorrido com São Tomás Becket.
Já no século em que ele viveu, em plena Idade Média, havia uma disputa entre a realeza e o Papado. Os reis entendiam que a Hierarquia Eclesiástica inglesa deveria estar sob seu domínio, enquanto os Papas, fundamentados na instituição criada por Nosso Senhor Jesus Cristo, reivindicavam o pleno domínio em matéria espiritual sobre todos os bispos, sacerdotes e fiéis.
Por trás desse desacordo encontrava-se um princípio mais alto, uma discussão a respeito de um ponto que continha em si os germens da Revolução: quem afirma que o rei tem poder sobre a Igreja, no fundo sustenta que o poder temporal, representante das coisas desta Terra e da matéria, possui um primado sobre o poder espiritual.
Isso equivale a dizer que, na ordem dos valores, os assuntos terrenos e civis têm mais importância que os religiosos, sendo estes meros instrumentos daqueles. Donde fica subentendido, embora não se afirme explicitamente, que o fim da religião se restringe à vida do homem neste mundo e que a Fé é um mito útil para disciplinar os homens, mas não representa uma verdade revelada, objetiva e absoluta.
Ao contrário, o princípio sustentado pela Igreja é de que as coisas desta Terra existem em função da vida eterna e que, embora o Estado possua uma finalidade própria temporal, ele deve ajudar a Igreja a cumprir sua missão. Por essa razão, além de estar revestida de todo direito e poder em matéria eclesiástica, no que diz respeito à salvação das almas a Igreja tem autoridade até sobre o Estado, o qual não pode promulgar leis que contrariem a Lei de Cristo.
Trata-se, portanto, de duas concepções opostas da vida: uma sacral e religiosa, sustentada pela Igreja; outra laica, materialista, revolucionária.

Lenta invasão do Estado nos poderes da Igreja

No século XII houve uma luta muito forte entre o Rei Henrique II e São Tomás Becket, o qual defendia o poder do Papado e rejeitava a jurisdição do monarca sobre a Igreja.
O embate teve especial importância porque ele era Arcebispo de Canterbury, sede primacial da Inglaterra, e, portanto, implicitamente representava todo o corpo eclesiástico inglês enquanto sua mais alta figura.
A disputa tornou-se intensa e São Tomás Becket acabou exilado durante anos. Tendo voltado para a Inglaterra, foi assassinado pelos esbirros do Rei.
Boa parte do povo ficou a favor de São Tomás Becket e indignada com o Rei, a tal ponto que este se julgou na necessidade de fazer penitência pública diante do sepulcro do santo Arcebispo, pedindo perdão a Deus pelo que havia acontecido.
Contudo, uma porção considerável das classes dirigentes continuou a dar apoio ao Rei em segredo, enquanto certo número de intelectuais católicos e mesmo de clérigos sustentavam, na surdina, que São Tomás Becket havia exagerado e, embora o Rei tivesse agido mal ao matá-lo, doutrinariamente a razão estava com ele, pois o Estado gozava de superioridade em relação à Igreja.
De fato, acompanhando a História da Inglaterra vê-se que houve uma lenta e progressiva invasão do Estado sobre os poderes da Igreja. Esta era cada vez mais garroteada, e glaterra ainda era católica, mas sua catolicidade tornara-se tão superficial que foi possível derrubar a Igreja naquele reino mais ou menos como se abate uma árvore em cuja raiz há cupim: com um solavanco ela cai. Por mais que algumas fibras continuem ligadas ao solo, facilmente se cortam e está tudo acabado.
Quando subiu ao trono Maria Tudor, que se casou o Rei Felipe II da Espanha, houve uma restauração religiosa na Inglaterra. A nação inteira se converteu à Fé Católica e um legado papal foi enviado para dar absolvição ao Parlamento; ter-se-ia a impressão de que estava tudo em ordem.
Entretanto, nada estava em ordem. Morta Maria Tudor, aqueles mesmos bispos e outras autoridades que haviam se convertido à Religião Católica voltaram para o protestantismo. Logo, era tudo aparência e oportunismo.

Se não houver uma reação, o progressismo levará os fiéis à heresia

Esses fatos têm analogia com nossos dias. Notamos precisamente o pensamento católico minado pela Revolução a partir, pelo menos, do século XIX. Inicialmente por meio de simples omissões ou concessões em pontos doutrinários não bem definidos; mais tarde, mediante a adesão explícita a doutrinas injustificáveis.
Vemos no mundo atual o surto do progressismo. Se não houver uma reação, é forçoso que ao cabo de algum tempo os fiéis caiam em heresia. Com efeito, o edifício espiritual de um país minado pelo progressismo assemelha-se à madeira corroída por dentro pelo cupim, mas que conserva sua aparência exterior: quem a olha, pensa que está tudo normal, quando na realidade basta calcar o dedo para aquela casca ceder. Aliás, nem mais essa aparência está muito conservada; há apenas um resto de ortodoxia. Põe-se a mão, e logo aparece o pensamento revolucionário.
Eu pude assistir a essa evolução no Brasil. Quando era jovem congregado mariano, entre 1929 e 1932, notava que a Religião Católica professada em torno de mim parecia inteiramente ortodoxa, tal como eu aprendera em menino. Contudo, observava com estranheza que o sentido de luta havia desaparecido por completo. Dez anos antes ainda se atacavam muito os erros do protestantismo, mas quando eu tinha cerca de vinte e três anos já quase não se falava disso.
Ademais, eu percebia que as verdades católicas mais características, aquelas que doem mais aos hereges, não eram afirmadas nos seus pontos protuberantes. Por exemplo, chamava-me a atenção como todo mundo admitia a infalibilidade da Igreja e o princípio da monarquia papal, mas se tratava com indiferença quem quisesse falar com muito entusiasmo a esse respeito. Em geral, os temas que interessavam limitavam-se aos que não despertavam polêmica.
Por volta de 1937 e 1938, começou a primeira infiltração das ideias progressistas. Em 1970 essas ideias vão tomando conta de tudo. Primeiro as omissões, depois as concessões, em seguida as traições: um ritmo tríplice. Vemos isso tanto na História da Inglaterra com em nossos dias.

Preparação remota para a completa negação da Igreja

Assim caminham as grandes heresias: os silêncios preparam as traições. A Inglaterra aderiu ao protestantismo não com explosões de ódio como aconteceu, por exemplo, na Alemanha, nem com uma espécie de crise de consciência coletiva que cortou o país ao meio, como se deu na Revolução Francesa, mas sim na indolência e na inexistência de qualquer reação.
Em nossos dias, as alas mais avançadas do progressismo sustentam que a Igreja, como a conhecemos, deve ser desarticulada e praticamente abolida a sua Hierarquia. Os bispos e padres precisam ser tutelados por uma espécie de “profetas”, e as paróquias, aglutinadas ao sabor desse “espírito profético”.
Essas ideias estão na lógica de um mesmo erro que avança: primeiro afirma-se que a Igreja deve estar sujeita ao Estado, porque o princípio leigo prevalece sobre o religioso; mais adiante se diz que o princípio religioso é inútil.
Com efeito, é tão antinatural defender que o leigo está acima do religioso que tal contradição não se sustenta, e só pode ser vista como uma etapa para a rejeição do religioso. Então, a posição inglesa representou uma preparação remota de terreno para a completa negação da Igreja.
Essa preparação remota teve seus primórdios nos episódios vividos por São Tomás Becket, de cuja post-história nos fala Dom Guéranger no L’Année Liturgique.

Relíquias profanadas e destruídas

O século XVI veio acrescentar algo mais à glória de São Tomás Becket, quando o inimigo de Deus e dos homens, Henrique VIII da Inglaterra, ousou perseguir com sua tirania o mártir da liberdade da Igreja até no esplêndido relicário onde ele recebia há quatro séculos as homenagens da veneração do mundo cristão.
Henrique VIII pretendia dirigir a Arquidiocese de Canterbury, transformando seu Arcebispo numa espécie de lacaio mitrado. Uma vez que o mais importante dos prelados ingleses cedesse, era natural admitir que os outros se deixassem arrastar também e a Igreja na Inglaterra se transformasse numa repartição pública.
São Tomás Becket foi morto na sua catedral, tornando-se mártir da liberdade da Igreja. Tendo sido canonizado, seu corpo jazia num relicário esplêndido, onde durante quatro séculos recebeu as homenagens dos ingleses.
Ora, a partir do momento em que Henrique VIII se separou de Roma e se declarou chefe da igreja da Inglaterra, era natural que ele quisesse injuriar as relíquias daquele que morrera para que isso não se desse. Então, mandou algumas pessoas irem à Catedral de Canterbury para violar a sepultura de São Tomás Becket. Como comenta Dom Guéranger, é uma glória a mais para esse Santo o fato de seus restos mortais terem sido profanados pelo homem nefando que separou a Inglaterra da Igreja Católica.
Continua o texto:
Os ossos sagrados do prelado, morto pela justiça, foram arrancados do altar. Um processo monstruoso foi instituído contra o pai da pátria, e uma sentença ímpia declarou Tomás réu de crime de lesa-majestade.
Esses restos preciosos foram colocados sobre uma fogueira, e nesse segundo martírio o fogo devorou os despojos do homem simples e forte cuja intercessão atraía sobre a Inglaterra os olhares e a proteção do Céu.

A Inglaterra não era mais digna daquele tesouro

 

 

Também era justo que o país que devia perder a Fé por uma desoladora apostasia não guardasse em seu seio um tesouro que não seria mais devidamente estimado. Além disso, a sede de Canterbury estava manchada. Cranmer sentava-se na cadeira dos Agostinhos, dos Dunstanos, dos Lanfrancos, dos Anselmos, de Tomás enfim; e o santo mártir, olhando ao redor de si, não teria encontrado entre seus irmãos dessa geração senão João Fisher, que consentiu em segui-lo até o martírio. Mas este último sacrifício, por muito glorioso que fosse, nada salvou. Há muito a liberdade da Igreja perecera na Inglaterra. A Fé, lentamente, apagar-se-ia.

O autor comenta ser explicável esse processo monstruoso. A Inglaterra protestante destruiu um tesouro que não era mais digna de conter. Privou-se, assim, pelas suas próprias mãos, da presença das relíquias de um Santo que seria um intercessor ainda válido para evitar que ela caísse nos últimos degraus da apostasia. E, com isso, consumou-se o crime.
Além disso, até mesmo a Igreja na Inglaterra não era mais digna desse tesouro. Com exceção do Cardeal João Fisher, todos os bispos do país apostataram. Os padres e as freiras, na sua quase totalidade, aceitaram a passagem para o protestantismo com uma passividade simplesmente vergonhosa, como aconteceu na Suécia, Noruega, Dinamarca e em certas partes da Alemanha. Conventos, dioceses, populações inteiras deixaram a Religião Católica com a maior indolência, quando não com a maior alegria, e se fizeram protestantes.

Ser odiado pelos maus, até depois da morte, é uma glória

Quase ninguém fala dessa execução póstuma de São Tomás Becket; entretanto, há nela uma verdadeira glória para o Santo. Ser odiado pelos maus, sofrer perseguição por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo é uma glória. Mas que o exemplo dado por um homem tenha sido tão magnífico que os maus não conseguem violar os Mandamentos da Lei de Deus sem primeiro destruir suas relíquias é uma glória ainda maior!
Até depois de morto ele era uma barreira, e foi preciso remover esse obstáculo para que a caudal da heresia pudesse avançar. Ora, não há nada mais belo do que um varão deitado no seu jazigo, inerte, posto na sombra da morte – ao menos quanto ao seu corpo – ser ainda uma sentinela pela qual só se passa eliminando-a. É uma verdadeira beleza!
Santa Teresinha do Menino Jesus dizia que ela passaria seu Céu fazendo bem à Terra. São Tomás Becket, à maneira dele, fez o mesmo: seu corpo incutia pavor nos adversários.
Nesse sentido, Louis Veuillot1 afirmava que a sua suprema alegria seria se suas cinzas ainda incomodassem os inimigos, depois de durante a vida ele ter levado tão longe quanto possível a luta e lhes arrancado a máscara da hipocrisia.
Alguns amigos meus que estiveram no Equador contaram-me que até hoje não se sabe onde García Moreno2 está enterrado, porque a divulgação do lugar de sua sepultura poderia ocasionar manifestações pró e contra esse ex-presidente, fiel imitador de Nosso Senhor Jesus Cristo por ser sinal de contradição e pedra de escândalo.3
Como eu gostaria de saber que não só a minha sepultura, mas a de cada um dos que me seguem na luta contrarrevolucionária, fosse um marco de divisão e de escândalo! Muito mais do que isso, eu desejaria que, indo para o Céu, me fosse dado voltar continuamente à Terra para perseguir os maus, confundi-los, passar-lhes descomposturas, incutir terror e batalhar contra a Revolução de todos os modos imagináveis, de maneira a fazer, depois de morto, tudo aquilo que em vida eu quereria ter feito, mas não me foi possível.

Seria uma linda maneira de prosseguir em nosso apostolado se todos nós, do Céu, continuássemos a deitar sobre a Terra essas e outras “chuvas de rosas”.

(Extraído de conferências de 28/12/1968 e 29/12/1970)

1) Escritor e jornalista francês (*1813 – †1883).
2) Gabriel Gregorio Fernando José María García y Moreno y Morán de Buitrón (*1821 – †1875). Presidiu a República do Equador por dois mandatos consecutivos, tendo sido assassinado durante o segundo, depois de ser eleito para o terceiro.
3) Somente em 16 de abril de 1975 foram encontrados os restos mortais de Gabriel García Moreno.

29 de dezembro – Sentinela, mesmo após a morte

Sentinela, mesmo após a morte

São Tomás Becket, assassinado por defender os direitos eclesiásticos contra os abusos do poder temporal na Idade Média, foi mártir da liberdade da Igreja.

Homenageado pelos ingleses durante quatro séculos, teve seus restos mortais profanados e destruídos por ordem do Rei Henrique VIII que, ao proclamar-se chefe da igreja anglicana, deliberou injuriar as relíquias daquele que morrera para que tal usurpação não se desse.

Nessa execução póstuma há uma verdadeira glória para São Tomás Becket: ser odiado pelos maus e sofrer perseguição por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Este Santo, até depois de morto, constituía uma barreira para os inimigos da Igreja. Foi preciso remover esse obstáculo para que a caudal da heresia pudesse continuar. Ora, um homem que, deitado inerte no seu jazigo, representa ainda uma sentinela pela qual só se passa eliminando-a, é uma verdadeira beleza!

Santa Teresinha do Menino Jesus dizia que ela passaria seu Céu fazendo bem sobre a Terra. São Tomás Becket, à maneira dele, fez isto: quatrocentos anos após seu martírio, seu corpo era uma trincheira e um pavor para os adversários.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/12/1968)

28 de dezembro – Santos Inocentes

Santos Inocentes

A Santa Igreja comemora, hoje, o martírio dos Santos Inocentes.

No segundo capítulo do Evangelho de São Mateus encontramos a narração das circunstâncias da fuga da Sagrada Família Fuga para o Egito. Foi um êxodo por causa da perseguição ordenada por Herodes, o Grande, que tinha como objetivo matar o Menino Jesus.

Transcrevemos um pensamento de Dr. Plinio a este respeito:

Santo Estêvão quis ser mártir e foi. São João quis ser mártir e não foi. Os bem-aventurados Inocentes — as crianças mortas por Herodes, em sua tentativa de, junto com elas, matar também o Messias que há poucos dias nascera — não quiseram ser mártires e foram. Porque elas não tinham vontade e entendimento, mas foram mártires sem querer.

A respeito, D. Guéranger escreve o seguinte:

“Mas quem duvidará da coroa obtida por estas crianças? Perguntareis: onde estão os méritos para esta coroa? A bondade de Cristo seria vencida pela crueldade de Herodes? Este rei ímpio pode mandar matar crianças inocentes, e Cristo não poderia coroar aqueles que morreram por sua causa?”

Assim sendo, temos uma legião de inocentes que estão no Céu e que rezam continuamente por nós. Compreendemos melhor de que maneira o mundo realiza o plano salvador de Deus. Quando se pensa profundamente no enorme número de crianças que morreram batizadas — sem culpa nenhuma, que vão, portanto, diretamente para o Céu —, compreende-se que são também santos inocentes.

Se tivéssemos um santo canonizado em nossas famílias, nós seríamos muito devotos dele. Ora, certamente, na família de todos existem como que santos canonizados. Isto porque nas famílias de todos, ou de quase todos — se não entre os irmãos, pelo menos entre primos ou parentes mais afastados —, existem crianças que morreram batizadas. Logo, estão no Céu, onde elas têm toda a lucidez de uma alma que está convivendo com Deus face-a-face. Podemos então rezar, recomendando-nos às orações delas, que são padroeiras naturais da família.

(Plinio Corrêa de Oliveira – extrato da conferência de 28/12/1965)

27 de dezembro – Mártir da liberdade da Igreja

Um dos primeiros lutadores contra a heresia

Mesmo inerte em seu jazigo, São Tomás Becket, séculos depois de se tornar mártir pela liberdade da Igreja, constituía ainda um obstáculo para que a caudal da heresia pudesse avançar entre os ingleses. Por isso, o ímpio Henrique VIII mandou profanar e queimar seus restos mortais.

 

Há um adágio latino que diz: “Nemo summo fit repenter”. De fato, nenhuma ação sumamente boa ou má se faz repentinamente, mas é precedida de uma série de atos que a preparam. Isto que se aplica à vida moral dos indivíduos revela-se igualmente verdadeiro no que diz respeito à história das civilizações, das nações, dos ciclos de cultura: os grandes acontecimentos históricos se preparam com antecedência.

Como explicar um dos episódios mais tristes da História da Igreja?

 

Nesse sentido, um dos episódios mais tristes da História da Igreja é, sem dúvida, a passagem quase maciça da Inglaterra da plena observância da Religião Católica para o protestantismo, no século XVI. Bastou o Rei Henrique VIII entrar em desacordo com a Santa Sé, por esta não lhe permitir divorciar-se de Catarina de Aragão e contrair novas núpcias, para que ele se proclamasse chefe da igreja inglesa e se separasse de Roma.

No momento em que o monarca rompeu com a Igreja Católica Apostólica Romana, um número muito pequeno de eclesiásticos e de leigos manteve-se fiel. Alguns deles se tornaram mártires, entre os quais os dois mais ilustres foram São Tomás Morus, como leigo, e São João Fischer, como cardeal. Contudo, a maior parte entregou-se e mudou de religião vergonhosamente, sem o menor remorso. Conventos inteiros, universidades, instituições de caridade, tudo passou em bloco para o protestantismo.
Como explicar um fato tão escandaloso como esse? Como uma ação dessa natureza foi praticada, ao mesmo tempo e por tantas pessoas, pelo simples sopro de um rei?
Compreende-se que, estando a Europa no período das monarquias absolutas e sendo muito grande, em consequência, o poderio dos monarcas, fosse grande também a pressão exercida por eles para obrigar o reino à apostasia. Contudo, cabe observar que, em primeiro lugar, esse não era exatamente o caso de Henrique VIII, pois há muito os poderes da monarquia inglesa se encontravam limitados pelos do Parlamento. Em segundo lugar, mais absolutos do que todos os monarcas da Europa daquele tempo foram os potentados da Roma pagã; entretanto, incontáveis mártires souberam resistir a eles. Portanto, o despotismo da autoridade que prevarica não justifica a prevaricação do súdito.
Estamos, pois, diante de uma página nigérrima da História da Igreja, a qual, aliás, repetiu-se, mutatis mutandis, em alguns outros reinos. A deterioração da Igreja Católica para a igreja protestante na Suécia, na Noruega, na Dinamarca e em várias partes da Alemanha deu-se assim. Houve uma pressão do poder civil, e o corpo eclesiástico aderiu maciçamente à heresia.

Duas concepções opostas da vida

No caso concreto da Inglaterra, nós encontramos a explicação no ocorrido com São Tomás Becket.
Já no século em que ele viveu, em plena Idade Média, havia uma disputa entre a realeza e o Papado. Os reis entendiam que a Hierarquia Eclesiástica inglesa deveria estar sob seu domínio, enquanto os Papas, fundamentados na instituição criada por Nosso Senhor Jesus Cristo, reivindicavam o pleno domínio em matéria espiritual sobre todos os bispos, sacerdotes e fiéis.
Por trás desse desacordo encontrava-se um princípio mais alto, uma discussão a respeito de um ponto que continha em si os germens da Revolução: quem afirma que o rei tem poder sobre a Igreja, no fundo sustenta que o poder temporal, representante das coisas desta Terra e da matéria, possui um primado sobre o poder espiritual.
Isso equivale a dizer que, na ordem dos valores, os assuntos terrenos e civis têm mais importância que os religiosos, sendo estes meros instrumentos daqueles. Donde fica subentendido, embora não se afirme explicitamente, que o fim da religião se restringe à vida do homem neste mundo e que a Fé é um mito útil para disciplinar os homens, mas não representa uma verdade revelada, objetiva e absoluta.
Ao contrário, o princípio sustentado pela Igreja é de que as coisas desta Terra existem em função da vida eterna e que, embora o Estado possua uma finalidade própria temporal, ele deve ajudar a Igreja a cumprir sua missão. Por essa razão, além de estar revestida de todo direito e poder em matéria eclesiástica, no que diz respeito à salvação das almas a Igreja tem autoridade até sobre o Estado, o qual não pode promulgar leis que contrariem a Lei de Cristo.
Trata-se, portanto, de duas concepções opostas da vida: uma sacral e religiosa, sustentada pela Igreja; outra laica, materialista, revolucionária.

Lenta invasão do Estado nos poderes da Igreja

No século XII houve uma luta muito forte entre o Rei Henrique II e São Tomás Becket, o qual defendia o poder do Papado e rejeitava a jurisdição do monarca sobre a Igreja.
O embate teve especial importância porque ele era Arcebispo de Canterbury, sede primacial da Inglaterra, e, portanto, implicitamente representava todo o corpo eclesiástico inglês enquanto sua mais alta figura.
A disputa tornou-se intensa e São Tomás Becket acabou exilado durante anos. Tendo voltado para a Inglaterra, foi assassinado pelos esbirros do Rei.
Boa parte do povo ficou a favor de São Tomás Becket e indignada com o Rei, a tal ponto que este se julgou na necessidade de fazer penitência pública diante do sepulcro do santo Arcebispo, pedindo perdão a Deus pelo que havia acontecido.
Contudo, uma porção considerável das classes dirigentes continuou a dar apoio ao Rei em segredo, enquanto certo número de intelectuais católicos e mesmo de clérigos sustentavam, na surdina, que São Tomás Becket havia exagerado e, embora o Rei tivesse agido mal ao matá-lo, doutrinariamente a razão estava com ele, pois o Estado gozava de superioridade em relação à Igreja.
De fato, acompanhando a História da Inglaterra vê-se que houve uma lenta e progressiva invasão do Estado sobre os poderes da Igreja. Esta era cada vez mais garroteada, e glaterra ainda era católica, mas sua catolicidade tornara-se tão superficial que foi possível derrubar a Igreja naquele reino mais ou menos como se abate uma árvore em cuja raiz há cupim: com um solavanco ela cai. Por mais que algumas fibras continuem ligadas ao solo, facilmente se cortam e está tudo acabado.
Quando subiu ao trono Maria Tudor, que se casou o Rei Felipe II da Espanha, houve uma restauração religiosa na Inglaterra. A nação inteira se converteu à Fé Católica e um legado papal foi enviado para dar absolvição ao Parlamento; ter-se-ia a impressão de que estava tudo em ordem.
Entretanto, nada estava em ordem. Morta Maria Tudor, aqueles mesmos bispos e outras autoridades que haviam se convertido à Religião Católica voltaram para o protestantismo. Logo, era tudo aparência e oportunismo.

Se não houver uma reação, o progressismo levará os fiéis à heresia

Esses fatos têm analogia com nossos dias. Notamos precisamente o pensamento católico minado pela Revolução a partir, pelo menos, do século XIX. Inicialmente por meio de simples omissões ou concessões em pontos doutrinários não bem definidos; mais tarde, mediante a adesão explícita a doutrinas injustificáveis.
Vemos no mundo atual o surto do progressismo. Se não houver uma reação, é forçoso que ao cabo de algum tempo os fiéis caiam em heresia. Com efeito, o edifício espiritual de um país minado pelo progressismo assemelha-se à madeira corroída por dentro pelo cupim, mas que conserva sua aparência exterior: quem a olha, pensa que está tudo normal, quando na realidade basta calcar o dedo para aquela casca ceder. Aliás, nem mais essa aparência está muito conservada; há apenas um resto de ortodoxia. Põe-se a mão, e logo aparece o pensamento revolucionário.
Eu pude assistir a essa evolução no Brasil. Quando era jovem congregado mariano, entre 1929 e 1932, notava que a Religião Católica professada em torno de mim parecia inteiramente ortodoxa, tal como eu aprendera em menino. Contudo, observava com estranheza que o sentido de luta havia desaparecido por completo. Dez anos antes ainda se atacavam muito os erros do protestantismo, mas quando eu tinha cerca de vinte e três anos já quase não se falava disso.
Ademais, eu percebia que as verdades católicas mais características, aquelas que doem mais aos hereges, não eram afirmadas nos seus pontos protuberantes. Por exemplo, chamava-me a atenção como todo mundo admitia a infalibilidade da Igreja e o princípio da monarquia papal, mas se tratava com indiferença quem quisesse falar com muito entusiasmo a esse respeito. Em geral, os temas que interessavam limitavam-se aos que não despertavam polêmica.
Por volta de 1937 e 1938, começou a primeira infiltração das ideias progressistas. Em 1970 essas ideias vão tomando conta de tudo. Primeiro as omissões, depois as concessões, em seguida as traições: um ritmo tríplice. Vemos isso tanto na História da Inglaterra com em nossos dias.

Preparação remota para a completa negação da Igreja

Assim caminham as grandes heresias: os silêncios preparam as traições. A Inglaterra aderiu ao protestantismo não com explosões de ódio como aconteceu, por exemplo, na Alemanha, nem com uma espécie de crise de consciência coletiva que cortou o país ao meio, como se deu na Revolução Francesa, mas sim na indolência e na inexistência de qualquer reação.
Em nossos dias, as alas mais avançadas do progressismo sustentam que a Igreja, como a conhecemos, deve ser desarticulada e praticamente abolida a sua Hierarquia. Os bispos e padres precisam ser tutelados por uma espécie de “profetas”, e as paróquias, aglutinadas ao sabor desse “espírito profético”.
Essas ideias estão na lógica de um mesmo erro que avança: primeiro afirma-se que a Igreja deve estar sujeita ao Estado, porque o princípio leigo prevalece sobre o religioso; mais adiante se diz que o princípio religioso é inútil.
Com efeito, é tão antinatural defender que o leigo está acima do religioso que tal contradição não se sustenta, e só pode ser vista como uma etapa para a rejeição do religioso. Então, a posição inglesa representou uma preparação remota de terreno para a completa negação da Igreja.
Essa preparação remota teve seus primórdios nos episódios vividos por São Tomás Becket, de cuja post-história nos fala Dom Guéranger no L’Année Liturgique.

Relíquias profanadas e destruídas

O século XVI veio acrescentar algo mais à glória de São Tomás Becket, quando o inimigo de Deus e dos homens, Henrique VIII da Inglaterra, ousou perseguir com sua tirania o mártir da liberdade da Igreja até no esplêndido relicário onde ele recebia há quatro séculos as homenagens da veneração do mundo cristão.
Henrique VIII pretendia dirigir a Arquidiocese de Canterbury, transformando seu Arcebispo numa espécie de lacaio mitrado. Uma vez que o mais importante dos prelados ingleses cedesse, era natural admitir que os outros se deixassem arrastar também e a Igreja na Inglaterra se transformasse numa repartição pública.
São Tomás Becket foi morto na sua catedral, tornando-se mártir da liberdade da Igreja. Tendo sido canonizado, seu corpo jazia num relicário esplêndido, onde durante quatro séculos recebeu as homenagens dos ingleses.
Ora, a partir do momento em que Henrique VIII se separou de Roma e se declarou chefe da igreja da Inglaterra, era natural que ele quisesse injuriar as relíquias daquele que morrera para que isso não se desse. Então, mandou algumas pessoas irem à Catedral de Canterbury para violar a sepultura de São Tomás Becket. Como comenta Dom Guéranger, é uma glória a mais para esse Santo o fato de seus restos mortais terem sido profanados pelo homem nefando que separou a Inglaterra da Igreja Católica.
Continua o texto:
Os ossos sagrados do prelado, morto pela justiça, foram arrancados do altar. Um processo monstruoso foi instituído contra o pai da pátria, e uma sentença ímpia declarou Tomás réu de crime de lesa-majestade.
Esses restos preciosos foram colocados sobre uma fogueira, e nesse segundo martírio o fogo devorou os despojos do homem simples e forte cuja intercessão atraía sobre a Inglaterra os olhares e a proteção do Céu.

A Inglaterra não era mais digna daquele tesouro

 

 

Também era justo que o país que devia perder a Fé por uma desoladora apostasia não guardasse em seu seio um tesouro que não seria mais devidamente estimado. Além disso, a sede de Canterbury estava manchada. Cranmer sentava-se na cadeira dos Agostinhos, dos Dunstanos, dos Lanfrancos, dos Anselmos, de Tomás enfim; e o santo mártir, olhando ao redor de si, não teria encontrado entre seus irmãos dessa geração senão João Fisher, que consentiu em segui-lo até o martírio. Mas este último sacrifício, por muito glorioso que fosse, nada salvou. Há muito a liberdade da Igreja perecera na Inglaterra. A Fé, lentamente, apagar-se-ia.

O autor comenta ser explicável esse processo monstruoso. A Inglaterra protestante destruiu um tesouro que não era mais digna de conter. Privou-se, assim, pelas suas próprias mãos, da presença das relíquias de um Santo que seria um intercessor ainda válido para evitar que ela caísse nos últimos degraus da apostasia. E, com isso, consumou-se o crime.
Além disso, até mesmo a Igreja na Inglaterra não era mais digna desse tesouro. Com exceção do Cardeal João Fisher, todos os bispos do país apostataram. Os padres e as freiras, na sua quase totalidade, aceitaram a passagem para o protestantismo com uma passividade simplesmente vergonhosa, como aconteceu na Suécia, Noruega, Dinamarca e em certas partes da Alemanha. Conventos, dioceses, populações inteiras deixaram a Religião Católica com a maior indolência, quando não com a maior alegria, e se fizeram protestantes.

Ser odiado pelos maus, até depois da morte, é uma glória

Quase ninguém fala dessa execução póstuma de São Tomás Becket; entretanto, há nela uma verdadeira glória para o Santo. Ser odiado pelos maus, sofrer perseguição por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo é uma glória. Mas que o exemplo dado por um homem tenha sido tão magnífico que os maus não conseguem violar os Mandamentos da Lei de Deus sem primeiro destruir suas relíquias é uma glória ainda maior!
Até depois de morto ele era uma barreira, e foi preciso remover esse obstáculo para que a caudal da heresia pudesse avançar. Ora, não há nada mais belo do que um varão deitado no seu jazigo, inerte, posto na sombra da morte – ao menos quanto ao seu corpo – ser ainda uma sentinela pela qual só se passa eliminando-a. É uma verdadeira beleza!
Santa Teresinha do Menino Jesus dizia que ela passaria seu Céu fazendo bem à Terra. São Tomás Becket, à maneira dele, fez o mesmo: seu corpo incutia pavor nos adversários.
Nesse sentido, Louis Veuillot1 afirmava que a sua suprema alegria seria se suas cinzas ainda incomodassem os inimigos, depois de durante a vida ele ter levado tão longe quanto possível a luta e lhes arrancado a máscara da hipocrisia.
Alguns amigos meus que estiveram no Equador contaram-me que até hoje não se sabe onde García Moreno2 está enterrado, porque a divulgação do lugar de sua sepultura poderia ocasionar manifestações pró e contra esse ex-presidente, fiel imitador de Nosso Senhor Jesus Cristo por ser sinal de contradição e pedra de escândalo.3
Como eu gostaria de saber que não só a minha sepultura, mas a de cada um dos que me seguem na luta contrarrevolucionária, fosse um marco de divisão e de escândalo! Muito mais do que isso, eu desejaria que, indo para o Céu, me fosse dado voltar continuamente à Terra para perseguir os maus, confundi-los, passar-lhes descomposturas, incutir terror e batalhar contra a Revolução de todos os modos imagináveis, de maneira a fazer, depois de morto, tudo aquilo que em vida eu quereria ter feito, mas não me foi possível.

Seria uma linda maneira de prosseguir em nosso apostolado se todos nós, do Céu, continuássemos a deitar sobre a Terra essas e outras “chuvas de rosas”.v

(Extraído de conferências de 28/12/1968 e 29/12/1970)

1) Escritor e jornalista francês (*1813 – †1883).
2) Gabriel Gregorio Fernando José María García y Moreno y Morán de Buitrón (*1821 – †1875). Presidiu a República do Equador por dois mandatos consecutivos, tendo sido assassinado durante o segundo, depois de ser eleito para o terceiro.
3) Somente em 16 de abril de 1975 foram encontrados os restos mortais de Gabriel García Moreno.

27 de dezembro – Um dos primeiros lutadores contra a heresia

Um dos primeiros lutadores contra a heresia

São João Evangelista, o Apóstolo virgem, que auscultou o Sagrado Coração de Jesus e recebeu Nossa Senhora como presente, foi também o precursor de todos os batalhadores da Fé até o fim do mundo.

 

A respeito de São João Evangelista, cuja festa a Igreja comemora no dia 27 de dezembro, temos a comentar uma ficha extraída de Dom Guéranger1.

Águia que se eleva até ao Divino Sol

Santo Estêvão é reconhecido como o protótipo dos mártires, mas São João nos aparece como o príncipe dos virgens. O martírio valeu a Estêvão a coroa e a palma; a virgindade mereceu a João prerrogativas sublimes que, ao mesmo tempo que demonstram o valor da castidade, colocam esse discípulo entre os principais membros da humanidade.
Descendente de Davi, da família da Santíssima Virgem, São João era parente de Nosso Senhor segundo a carne. Enquanto outros foram Apóstolos e discípulos, ele foi amigo do Filho de Deus. Como proclama a Santa Igreja, essa predileção se deve ao sacrifício da virgindade oferecido por João ao Homem-Deus. Convém, pois, ressaltar no dia de sua festa as graças e prerrogativas que para ele decorrem dessa amizade celestial.
Conforme o Evangelho, São João foi o discípulo que Jesus amava. Essa simples frase basta por si mesma, mas esse amor deve ter sido para ele o princípio de dons assinalados, entre os quais destaca-se o fato de ter sido o primeiro defensor do Verbo Divino, do Filho consubstancial ao Pai, que a heresia já começava a negar. Nessa defesa, São João eleva-se como águia até ao Divino Sol em ensinamentos luminosos e límpidos.

Se Moisés, após ter conversado com o Senhor, retira-se desse maravilhoso entretenimento com a fronte ornada de raios maravilhosos, quão radiosa deveria ser a face admirável de João que se apoiava sobre o Coração de Jesus, onde, como fala o Apóstolo, estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e da ciência!

Ademais, foi o filho de Maria! Ao morrer, Jesus deixava sua Mãe. Quem na Terra mereceria receber um tal legado? Por certo, o Salvador deveria enviar os seus Anjos para guardar e consolar a Santíssima Virgem. Mas, do alto da Cruz, o Salvador viu o seu discípulo virgem, cuja castidade o tornou digno de herdar esse tesouro tão valioso. Assim, segundo a bela frase de São Pedro Damião, Pedro recebeu em depósito a Igreja, a mãe dos homens, mas João recebeu Maria, a Mãe de Deus.

A castidade enobrece e dignifica a criatura humana

Nesse texto pululam os pensamentos profundos e as considerações importantes, de maneira a não ser possível comentar tudo, mas alguma coisa pode ser considerada.
Em primeiro lugar é a afirmação, muito verdadeira, de que o sacrifício da virgindade, a oblação da castidade, é tão grata a Deus que vem logo depois do martírio.
A castidade é, sobretudo, uma virtude da alma a qual importa num abandono do que é baixo, sórdido, numa renúncia a tudo aquilo que tenderia a estabelecer o domínio da matéria sobre o espírito. A castidade enobrece e dignifica a criatura humana, tornando-a afim com Deus. Por isso Nosso Senhor Jesus Cristo amava São João a ponto de ser – como está lembrado nesta ficha – o discípulo a quem Jesus amava.
Está muito bem afirmado: se os outros foram Apóstolos e discípulos de Nosso Senhor, ele foi o amigo. Ele era o mais próximo de todos e a quem o Redentor tributava um sentimento acima do dado aos outros.
Aquele pequeno episódio que se deu na Ceia é muito característico a esse respeito. São Pedro queria saber quem era a pessoa que iria trair Nosso Senhor, porque o Divino Salvador tinha dito que um deles trairia. Então São Pedro – notem, tratava-se do primeiro Papa –, querendo de todos os modos conhecer o nome dessa pessoa, pediu a São João para perguntar, e este, pousando a cabeça sobre o próprio peito de Nosso Senhor, perguntou.
Temos aí uma maravilhosa evocação da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. São João ficou ouvindo pulsar o Coração divino. Naquele momento suas pulsações eram de amor, mas também de angústia e de dor porque o abismo de sofrimento em que iria precipitar-Se estava chegando perto d’Ele.
Vê-se nesse fato que São João – uma alma eminentemente virgem, mas também chegada a Nosso Senhor e devotíssima do Sagrado Coração de Jesus – tinha uma proximidade única em relação ao Redentor.

Grandeza de São João Evangelista

 

Mas, como diz muito bem Dom Guéranger, pode-se afirmar que um dom o qual não ficava abaixo desse era o de receber Maria como Mãe. Nosso Senhor, ao morrer, deixou ao seu amigo, ao seu discípulo predileto mais do que a todos os outros, um tesouro de valor inestimável: Nossa Senhora, a Rainha do Céu e da Terra, o primeiro ser abaixo de Deus, tudo o que o Criador pode dar a um homem. Mais do que isto Deus não poderia conceder.
Nisso há outra manifestação extraordinária do amor às almas virgens. Nossa Senhora, Virgem, foi dada pelo virginal Filho ao virginal amigo, ao virginal discípulo, São João. Eis mais alguns traços para considerar a grandeza desse Santo.
Porém, o quadro não estaria completo se não fosse mencionado um outro aspecto da vida dele. Ele foi um dos primeiros lutadores contra a heresia. A primeiríssima heresia que nascia naquele tempo era a respeito das relações entre as naturezas humana e divina de Nosso Senhor, e São João começou a lutar contra essa heresia.
Então o Apóstolo virgem, o Apóstolo do Coração de Jesus, o Apóstolo que recebeu Nossa Senhora como presente, foi também o precursor de todos os lutadores da Fé até o fim do mundo, até o momento no qual o Profeta Elias virá lutar contra o anticristo.
Nestas considerações temos matéria ampla para nos recomendarmos a São João, pedindo que nos consiga as qualidades de alma que o fizeram digno deste prêmio de uma grandeza incomensurável: receber Nossa Senhora para tomar conta d’Ela.v

(Extraído de conferência de dezembro de 1964) 1) Cf. GUÉRANGER, Prosper. L’année liturgique. Paris: Librairie Religieuse H. Oudin. 1900. v. I, p. 326-331.

27 de dezembro – Mirante altíssimo e grandioso

Mirante altíssimo e grandioso

A meditação feita por São Vicente Ferrer sobre o Apóstolo virgem nos situa num mirante altíssimo e grandioso a partir do qual percebemos as civilizações que ruíram devido à imoralidade e à revolta; vemos o castigo que cai sobre o mundo de um modo tão trágico, porque abandonou a Deus

 

No dia 27 de dezembro a Igreja comemora a festa de São João Evangelista. Temos para comentar alguns trechos sobre ele, tirados dos sermões de São Vicente Ferrer(1).

Coroa real com quatro florões

No Livro de Ester, capítulo VI, há uma bela leitura.

O grande Rei, Imperador, Assuero perguntou uma vez a um seu conselheiro, homem muito sutil: “Que se há de fazer com alguém que o rei quer honrar?”

Depois que refletiu um pouco, respondeu o conselheiro: “Para honrar a quem o rei deseja honrar deve-se lhe vestir com as vestes reais, montá-lo sobre um cavalo da cavalariça real e cingir a sua fronte com uma coroa régia, e que o primeiro dos príncipes do rei leve a rédea de seu cavalo e, passeando pela praça da cidade, vá apregoando diante de todos. Assim se faz com aquele a quem o rei quiser honrar.”

O Senhor Jesus Cristo, Rei poderosíssimo, fez essas coisas com magnificência na pessoa de São João Evangelista.

A coroa que cingiu Jesus Cristo Homem, no momento de sua concepção, foi a Sabedoria perfeita. Porque a Sabedoria reside na cabeça como uma coroa.

A coroa de Cristo teve quatro florões como as coroas reais costumam ter. Na frente, a ciência da Trindade; atrás, a ciência de todas as criaturas, de todas as coisas pretéritas e futuras, e de todos os pensamentos dos corações; à direita, teve o conhecimento da glória do Paraíso e dos predestinados; à esquerda, teve conhecimento das penas infernais e dos que estão condenados ao Inferno com as causas de suas condenações.

São João Evangelista foi coroado com esta mesma coroa da Sabedoria. Foi assim coroado na noite da Paixão mais do que todos os outros Apóstolos. Reclinado sobre o Coração do Mestre, recebeu isto como dádiva esplêndida.

Por isso diz dele a Igreja em seu ofício: “Bebeu a água pura do Evangelho da fonte sagrada do peito do Senhor”.

Naquele instante foi-lhe imposta a coroa real com seus quatro florões: o conhecimento de Deus pelo qual João compôs o Evangelho; o conhecimento de todas as criaturas da glória e dos predestinados, com o qual escreveu a sua primeira Epístola Canônica; o conhecimento dos condenados, e por ele compôs o seu segundo e terceiro epistolário. Portanto, dele podemos dizer: “Coroa de ouro sobre sua cabeça, gravada com o signo da santidade”.

A coroa de ouro é, segundo a Teologia da Bíblia, o escrito dos doutores gravado com sinal da santidade. Porque a coroa da Sabedoria que é a Teologia não tem a força se não está assinalada com o sinal da santidade que é a vida digna. São João Evangelista a manifestou em altíssimo grau.

O conhecimento de Deus e de todas as coisas criadas

É realmente um lindíssimo comentário, à altura de São Vicente Ferrer. Ele toma como ponto de partida um trecho tipicamente oriental do Livro de Ester.

O rei pergunta ao conselheiro como se deve fazer com alguém que o monarca quer honrar. Então o conselheiro, depois de pensar, diz:

“O melhor é revestir esse homem de trajes reais, cingi-lo com uma coroa régia. Depois, montá-lo num cavalo da cavalariça real. Fazer com que uma das principais figuras da corte do rei tome o cavalo pela rédea e vá pelo meio da rua, dizendo para todo o povo: ‘Eis o homem a quem Deus quis honrar!’”

Então, como todos os trechos da Sagrada Escritura têm um sentido teológico, místico, aqui São Vicente Ferrer extrai um sentido profético no que diz respeito a São João Evangelista.

Ou seja, ele foi um dos prediletos de Nosso Senhor Jesus Cristo, e como tal um homem que o Redentor quis honrar aos olhos de todos, cingindo-o com a coroa do próprio Cristo. Qual?

Fixemos a atenção nisto porque é um ensinamento lindo para nós.

É a coroa da Sabedoria. Nosso Senhor recebeu essa coroa, diz São Vicente Ferrer, no próprio momento em que nasceu porque Ele gozava das formas mais profundas da Sabedoria.

No fundo, essa Sabedoria é o conhecimento de todas as coisas criadas e, sobretudo, o conhecimento de Deus. Então, a coroa possuía na frente um florão que era o do conhecimento de Deus. Outro que era do conhecimento de todos os corações dos homens, de maneira tal que ele conhecia toda a humanidade presente. Tinha depois um terceiro florão que lhe fazia conhecer toda a humanidade no Céu, toda a Igreja gloriosa e todos os espíritos bem-aventurados. E um quarto florão, quer dizer outro atributo, outra força de Sabedoria pela qual ele conhecia todas as almas que estão no Inferno, e as causas de suas condenações.

Visão sapiencial da Revolução e da Contra-Revolução

Vamos reunir esses conhecimentos, trabalhar um pouco sobre esse lindo pensamento de São Vicente Ferrer, e ver até onde ele conduz.

Conhecer todas as almas que estão na Terra não é só conhecê-las individualmente, alma por alma, mas também a sociedade humana, essas almas enquanto influenciando-se umas às outras. Portanto, a opinião pública, o ondular das grandes correntes de pensamento a propósito de todas as coisas importantes e, sobretudo, a respeito de Deus Nosso Senhor. É o conhecimento mais profundo que se possa imaginar da Igreja Católica, constituída de homens e, portanto, no seu estado presente, pode e deve ser conhecida exatamente como ela é nos homens que nela existem, nos efeitos da graça e do pecado nesses homens enquanto constituindo uma grande sociedade de almas.

São João Evangelista tinha o conhecimento do passado, do presente e do futuro, não como três pedaços isolados, sem nexo um com o outro. É evidente que ele conhecia o passado enquanto a fonte onde definir o presente; e o presente enquanto a fonte onde definir o futuro, o mais remoto, até o fim dos séculos.

Ele conhecia todo o processo histórico, toda a concatenação dos acontecimentos, das correntes ideológicas, religiosas, filosóficas, políticas, artísticas, culturais, da interpenetração dessas correntes, do modo pelo qual elas governam os homens, do processo pelo qual elas nascem umas das outras em virtude do jogo das circunstâncias, das graças e das tentações; tudo em função do livre-arbítrio humano. Tudo isso ele conhecia numa visão sapiencial e grandiosa.

Ele conhecia, entre outras coisas, o processo em nossos dias da Revolução e da Contra-Revolução. Ele via no futuro as figuras malditas do Renascimento, do Protestantismo, da Revolução Francesa e do Comunismo. Descortinava também as almas benditas preparadas por São Luís Grignion de Montfort cuja pregação foi uma espécie de luta ideológica ancestral da Chouannerie(2); via as almas da Contra-Reforma, como também as almas dos movimentos contrarrevolucionários posteriores; contemplou nossas almas e as almas que vão nos suceder numa luta até o fim do mundo; viu Elias, Henoc e tudo o mais.

Contato com o verdadeiro universo de belezas espirituais: Maria Santíssima

Portanto, o conhecimento que ele teve da História foi completo, não só enquanto ela se realiza sobre a face da Terra, mas também em seus pontos terminais. Ele viu a Igreja gloriosa, onde se encontram todos os que já foram julgados e gozam da visão beatífica. Ele viu depois todos os que estão no Inferno.

São Vicente Ferrer diz que São João viu no Inferno não só os que lá se encontram, mas por que ali estão. Significa que quando contemplou os do Céu, ele viu também por que lá estão. Logo, ele viu a Sabedoria, a Justiça e a Misericórdia de Deus exercendo-se no julgamento dos homens.

Ele pôde ver, assim, como os grandes movimentos da História levam os homens para o Céu ou para o Inferno. Ele teve, portanto, um conhecimento completo da História da humanidade.

Pergunto: do que adianta conhecer a História da humanidade? O que nos importa saber isso ou qualquer outra coisa, a não ser em função de Deus Nosso Senhor? Todo esse conhecimento sapiencial lhe foi dado como um meio para, na consideração da História do que sucede aos homens, que são a obra-prima da Criação visível, elevar-se a Nosso Senhor.

Então, o florão primeiro é o conhecimento de Deus. Os outros são florões colaterais; quão vastos, imensos, ricos, não há palavra humana que saiba dizer, mas meramente colaterais. Nesse conhecimento dos homens São João Evangelista conheceu Nossa Senhora, e podemos imaginar com que encantos, enlevos, venerações ele passou por esse verdadeiro universo de belezas espirituais que é Maria Santíssima.

Suprassumo da Sabedoria

Qual é a aplicação de tudo isto para nós? Devemos compreender bem o que é a verdadeira Sabedoria. Existe tanta gente por aí que, quando se fala que as criaturas refletem a Deus, pensa na florzinha, na graminha ou então na montanha, na águia, mas não cogita no homem. É bom pensar nessas coisas porque também espelham a Deus. Mas o por onde mais conhecemos o Criador através de suas criaturas é no homem, que sendo racional e tendo alma é feito à imagem e semelhança de Deus.

Conhecer o homem é conhecer não esta ou aquela alma individual, mas a contextura geral das relações entre as almas. Assim como quando Deus criou o universo e depois repousou, o Gênesis diz que Ele considerou que cada coisa era boa, mas o conjunto era ótimo, também quando olhamos os homens podemos nos extasiar diante da beleza de uma alma, mas o conjunto delas é mais bonito. Um santo é um sol de beleza, mas a Igreja Católica Apostólica Romana, que é o conjunto de todos os santos, é mais bela do que a pura soma aritmética de todos os seus santos.

O conjunto das almas humanas, os seus movimentos, as suas inter-relações, a sociedade de almas, as leis da História que nestas se verificam, cuja perfeição é decorrência das próprias perfeições de Deus, enquanto servindo para julgar os homens, tudo isto é o suprassumo da Sabedoria e, portanto, do conhecimento de Deus.

Lírio que floresce na noite, do lodo e sob a tempestade

Percebemos assim quanto fundamento há em insistir em que a vida espiritual se faça com esta riqueza, quando se procura utilizar, por exemplo, a temática “Revolução e Contra-Revolução” como um alimento para a vida espiritual.

As nossas reuniões são a aplicação de princípios da História, com um fundamento metafísico e teológico, aos acontecimentos presentes para nos situarmos numa espécie de mirante, de onde vemos esses acontecimentos e a nossa própria vida individual. Mirante altíssimo onde percebemos todos os séculos de civilizações anteriores que ruem numa espécie de catástrofe majestosa e grandiosa, e se espatifam em pedaços imundos de imoralidade e revolta. Castigo espetacular de um mundo grandioso que cai de tão alto e de um modo tão trágico porque abandonou a Deus. Vemos a grandeza desse castigo de nações inteiras que se liquefazem, se fundem e perdem seu espírito, que vivem dentro das ruínas de seu próprio passado, sem compreendê-lo.

Nessa liquefação de toda a humanidade para formar uma só massa animalizada e tendente para a barbárie, vemos algo de muito mais alto: a realização de um superior desígnio de Deus. Nas imensidades do castigo se nota a imensidade do pecado; mas pela imensidade do pecado percebe-se a imensidade e o poder d’Aquele que foi ofendido. Essa é uma visão que teria empolgado qualquer profeta.

De outro lado, notamos que quando tudo isso cai e se arrebenta no meio de toda a sujeira, de cá e de lá salta uma pérola, um brilhante, um rubi… São as graças da Contra-Revolução dadas para este e para aquele. É um laivo adamantino que se forma e revela a presença das melhores qualidades da humanidade nos seus melhores tempos. É o Reino de Maria que começou a sua força de regeneração dentro desse horror, como um sol que vai nascendo no meio das trevas mais trágicas de uma madrugada suja, ou à maneira de um lírio que floresce na noite, do lodo e sob a tempestade. Esse lírio é o conjunto das almas contrarrevolucionárias existentes pelo mundo, que agradam a Nossa Senhora e prognosticam o dia de amanhã.

Momento trágico e sublime em que Nossa Senhora quis que nascêssemos

Esta não é uma meditação nova, que escapa aos padrões clássicos da Igreja. Estamos vendo aqui uma meditação de São Vicente Ferrer feita exatamente segundo esses padrões. Ora, ele foi um grande profeta que previu uma porção de coisas do futuro, imenso missionário, uma das maiores figuras que a Igreja Católica tenha produzido.

Por vezes, quando temos dificuldades na vida espiritual, e não nos levantamos do fundo de nossos próprios defeitos, é porque não nos aplicamos às meditações próprias a alimentar o nosso amor de Deus, segundo a nossa vocação. Nossa Senhora preparou para nós não só os tesouros que estão ao alcance de todos os católicos, mas também outros que são gemas das melhores de dentro dos cofres inexauríveis da Doutrina Católica. Esses tesouros são essas meditações feitas a partir desse mirante magnífico e grandioso. É a consideração de nossa época, de nossas atividades pessoais, de nossa luta externa e interna, em função do momento trágico e sublime em que Nossa Senhora quis que nascêssemos.

Então, aqui está uma sugestão que sirva de alento e pórtico de esperança para as almas eventualmente aflitas, desconcertadas. E para as almas esperançadas que querem progredir ainda mais, eis um meio para maiores voos: colocarmo-nos nesse mirante que é o mais próprio para as meditações de homens na época contemporânea. Ver como Deus fala com a voz do trovão, mas tendo um sorriso, não direi paterno, mas materno para com esse lírio que Ele vai fazendo nascer do lodo. Deus em toda a sua grandeza, em toda a sua meiguice, falando em nossa época para nos santificar.

Que Nossa Senhora dê vida e força a essas palavras para que, realmente integrados nos pontos de vista de onde nossa vocação é compreensível, e dotados de energias espirituais que decorrem desta forma de fidelidade, possamos subir até as alturas às quais a Santíssima Virgem nos quer levar. 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/12/1969)
Revista Dr Plinio 261 (Dezembro de 2019)

 

1) Não dispomos dos dados bibliográficos da obra citada.

2) Movimento contrarrevolucionário originado na Bretanha a partir do descontentamento da população rural diante das medidas religiosas e políticas da Revolução Francesa, principalmente a criação de uma “igreja” constitucional e a venda dos bens da Igreja.

27 de dezembro – Precursor na luta contra a heresia

Precursor na luta contra a heresia

São João Evangelista foi um dos primeiros lutadores contra a heresia, que nascia em seu tempo, a respeito das relações entre as naturezas humana e divina de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Então, o Apóstolo virgem, o Apóstolo do Coração de Jesus, o Apóstolo que recebeu Nossa Senhora como Mãe, foi também o precursor de todos os lutadores da Fé até o fim do mundo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/12/1964)