Devido a sua inocência e ao ambiente criado por Dona Lucilia, Dr. Plinio não cedeu à ação revolucionária exercida por muitos dos seus companheiros de colégio. Para opor-se a essa má influência, que se manifestava, entre outras coisas, pelo modo de saudação, ele elaborou uma verdadeira arte contrarrevolucionária de cumprimentar, própria às circunstâncias.
Poder-se-ia dizer que, dando rapidamente como introdução o histórico de como nasceu a observação da vida e da luta revolucionária e contrarrevolucionária, depois se compreende melhor como a galharia enorme da ação nasceu em doutrina, já articulada, e como esta dirige a ação. É algo que parece quase impossível de conceber; porém — como tantas coisas quase impossíveis —, tendo o segredo e efetuando as devidas voltas, a questão acaba sendo muito simples.
Nessas reminiscências, sempre me reporto ao começo da minha ação contrarrevolucionária, portanto, no Colégio São Luís; e também em dois estabelecimentos secundários, que frequentei como intervalo do São Luís: o curso do Prof. Aquiles Raspantini e outro estabelecimento de ensino chamado, se não me engano, Colégio Paulistano. Além disso, o contato com o meu mundo de criança, e depois a sociedade nos cinco ou seis anos em que a frequentei, metido nela até o alto da cabeça. E um pouco a Faculdade de Direito, que representou um papel muito menor para isso.
Tudo isso somado constituiu o seguinte:
Eu já possuía posição tomada a respeito de uma porção de coisas, em virtude da inocência, do bom espírito, do ambiente criado por mamãe. E um pouco da atmosfera de minha casa, que eu considerava como sendo muito boa. Nessa época eu não via, no ambiente de uma família tradicional, o que pode haver de não tradicional e já desviando para as coisas modernas; então, eu dava àquilo uma adesão inteira, sem jaça — sobretudo à Igreja Católica, evidentemente —, pois apresentava um modo de ser harmônico e coerente diante de mim.
Sentindo o choque disso, daquilo, daquilo outro, eu percebia o contraste. Mas não o notava apenas entre uma coisa e outra, quer dizer, o mundo revolucionário faz determinada coisa de tal jeito, e eu faço de outro jeito; eu percebia muito claramente o espírito que presidia aquilo, o qual era o oposto do espírito que havia em mim.
Vou dar um exemplo. Um dos primeiros choques que tive foi o modo de muitos meninos se cumprimentarem fora do meu ambiente, no colégio.
É de bom senso que os meninos, chegando à escola, não fiquem se saudando. São quatrocentos, quinhentos alunos, não podem estar desejando bom dia uns aos outros. Isto é uma coisa que entra pelos olhos.
Mas muitas vezes se encontravam na rua, por exemplo, no que hoje é o centro velho e naquele tempo era o centro da São Paulinho. Ia-se lá para tomar sorvete, comer doces em alguma confeitaria, comprar um chapéu, enfim, para mil outras coisas, e se deparava com colegas. E a regra era, encontrando qualquer pessoa conhecida, inclusive meninos, cumprimentá-la tirando o chapéu, amavelmente. Todos os meninos usavam chapéu naquele tempo.
Ora, eu encontrava, muitas vezes, os meus colegas e, ao invés de receber um cumprimento afável, cerimonioso, a que estava habituado — não imaginava que houvesse outro cumprimento —, davam-me uma saudação despachada. E não era só comigo, mas todos eles, entre si, quase não se cumprimentavam.
Eu percebia logo que isso era uma abreviação das fórmulas de cumprimento antigas, europeias, em benefício das fórmulas hollywoodianas, pois a saudação que eu via as pessoas se darem nas fitas de cinema era essa. E notava, por uma conexão, que havia todo um mundo atrás dessa maneira de se cumprimentar. A recusa da amabilidade, do respeito, da cortesia, da confiança recíproca, e o ritmo acelerado, o modo meio bruto de fazer, o desprezo das fórmulas antigas como sendo coisas completamente inúteis, indicavam uma introdução de uma certa brutalidade na vida. Eu via isso com toda a clareza.
E, observando que esse menino, aquele, aquele outro, faziam, sentiam exatamente dessa maneira, eu percebia definida uma oposição que apresentava um problema de ação: à vista de eles fazerem assim, nada mais fácil do que eu me pôr em dia, cumprimentando-os como eles se saudavam; era até mais simples do que o cumprimento afável.
Mas surgia a questão: Se eu imitar o jeito deles, inalo o seu espírito, é inevitável. Se os cumprimentar a meu modo, coloco-me em situação inferior porque estou gastando gentilezas e afabilidades com indivíduos que me respondem com um aceno das sobrancelhas, e fico fazendo papel de tonto, e isto também não posso admitir. Um homem que não é capaz de manter a sua própria nota não é homem.
Então, como agir? Tenho que arranjar um meio-termo, que faça com que eu mantenha todo o meu espírito, e o manifeste do modo mais discreto possível para evitar um entrechoque, mas é necessário que seja visível para evitar uma capitulação. De que forma, então, vou cumprimentar? Quer dizer, até que ponto este indivíduo com quem estou tratando — e outros que têm a mesma mentalidade — tolera que eu leve adiante alguma coisa parecida com o cumprimento tradicional? Até que ponto ele explode? Isso de um lado.
De outro lado, como posso tapear a situação, pondo num modo de cumprimentar “aggiornato”(1) tudo quanto eu quero?
Fica aqui enunciado um problema que se repete em série, em centenas de outros casos. É toda uma clave do estilo de vida que se põe.
Então o que devo fazer? Tirar do cumprimento a solenidade de um homem? Porque eu cumprimentava com a solenidade de um homem, e não de um menino, pelo modo com o qual fui educado. Eu percebia que não podia exigir dos outros essa solenidade assim, porém deveria pôr, no meu modo de cumprimentar um colega, algo de cerimonioso. Mas qual é o modo de um menino ser cerimonioso sem imitar os mais velhos, sem parecer, portanto, um doutorzinho?
Refleti: Isto se faz assim, assim, assim. Bem, então vou agir desse modo. Posso entrar nos pormenores, explicando como era a forma de meu cumprimento; naturalmente isso alonga muito a série de reuniões que me pediram fazer.
O primeiro ponto era a seriedade de uma pessoa capaz de qualquer resposta, e de correr qualquer risco: Não mexam comigo porque dá encrenca! E encrenca de argumentação, mas se for preciso vou mais longe e, embora eu não seja muito forte, tomo de uma vez uma atitude que manifeste muita segurança, coragem e força! E até lá minha força chegava.
Acima disso, uma afabilidade um tanto maior da que todos eles tinham uns com os outros, mas por detrás deveriam entender que estava a força.
Depois, uma linguagem que foi, durante toda a minha vida, o instrumento que procurei usar, aproveitando talvez facilidades nordestinas. Sem ser pedante nem rebuscada, precisaria ser uma linguagem com muito mais vocábulos do que a deles, e, portanto, falando coisas que eles não sabiam dizer, e pondo na conversa uma espécie de natural superioridade bem como consistência nos temas que eu invocava, e cabendo numa atmosfera de brincadeira composta, não de brincadeira decomposta. Essas coisas criavam em torno de mim uma esfera de superioridade, ajustada a menino.
Mas tudo isso, que é uma solução para um caso concreto, se desdobra, tem subjacentes, regras a respeito de como tratar os revolucionários.
Eles se vingavam a seu modo, quer dizer, não sabendo como sair disso, boicotavam. Então, que atitude tomar diante do boicote?
Ao longo da minha vida, houve muitas outras situações as quais precisei estudar milímetro a milímetro e constituíram um acervo de experiências “regulogênicas”, que geravam regras. Entretanto não era a concepção do princípio no ar para depois aplicá-lo, mas a experiência transformada em regra. Tratava-se de uma coisa completamente diferente e, por essa razão, muito útil.
Acrescentem-se inúmeras situações históricas estudadas; tudo isso forma uma caudal de regras que, se eu quisesse escrever, poderia levar dez anos de minha vida… v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/08/1987)
1) Do italiano: atualizado. Aqui tem a conotação de estar de acordo com a moda.
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