O reinado de Jesus Cristo nas almas, afirma São Luís Maria Grignion de Montfort, só será efetivo quando Nossa Senhora reinar de maneira plena nos corações dos homens. Com palavras pervadidas de veneração, Dr. Plinio nos mostrará as grandezas das virtudes da Santa Virgem Maria e o altíssimo mérito que alcançou, dando-Lhe o direito, outorgado por seu Divino Filho, de exercer esse maternal e compassivo império sobre a vontade humana.
Supunham os antigos — como ainda hoje o fazem certas pessoas sem instrução especial — que o pensamento era elaborado pelos miolos, os quais seriam, portanto, a fábrica das idéias. Eles não tomavam em consideração o papel espiritual da alma, determinante na gênese dos raciocínios. Ademais, achavam que os atos de vontade se formavam no coração, passando este a ser o símbolo das volições da criatura humana.
Soberana da vontade dos homens
Com base nessa última concepção, surgiu o culto aos corações de Jesus e de Maria, que é a devoção à vontade santíssima de Nosso Senhor e de Nossa Senhora.
Por sua vez, a Mãe de Deus se torna Rainha dos Corações ao ser venerada como a soberana da vontade de todos os homens. Tal domínio deve-se entender, não como uma violação da liberdade das pessoas, mas pelo fato de Nossa Senhora nos obter e distribuir uma abundância de graças que nos induzem, atraem, com supremo agrado, doçura e clareza para o que Ela deseja de bom para nós. Assim, é através da celestial influência dessas graças que Maria nos aparece como Rainha de todos os corações.
Em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís Grignion de Montfort escreve: “Maria é a Rainha do Céu e da Terra, pela graça, como Jesus é o Rei por natureza e conquista”. Ou seja, Nosso Senhor é o Rei do universo por natureza, pois, sendo Homem-Deus, sua essência O constitui Monarca de toda a criação. Já Nossa Senhora é Rainha, não por natureza, mas pela graça recebida de Deus. Rei também é Jesus, por conquista.
Com sua Paixão e Morte redimiu o gênero humano e alcançou para Si a realeza sobre o Céu e a Terra. Continua São Luís: “Ora, como o reino de Jesus Cristo compreende principalmente o coração ou o interior do homem, conforme a palavra: ‘O reino de Deus está no meio de vós’ (Lc 17, 21)…” “No meio de vós”, quer dizer, sobre os vossos corações. “…o reino da Santíssima Virgem está principalmente no interior do homem, isto é, em sua alma, e é principalmente nas almas que Ela é mais glorificada em seu Filho, do que em todas as criaturas visíveis, e podemos chamá-La com os santos a Rainha dos corações” (nº 38).
Aos pés da Cruz, última troca de olhares
Essas verdades se prestam a algumas considerações. Imaginemos, por exemplo, uma pessoa na ilha Fernando de Noronha. Esse território é uma espécie de gigantesco navio parado, com suas âncoras agarradas ao fundo do oceano. A partir dessa posição maravilhosa, o visitante contempla o mar, regalando-se com aquele esplendor e se entusiasmando: “Como isto é belo!” Se for piedoso e amar Nossa Senhora, ele deve ter o hábito de reportar à Santíssima Virgem tudo quanto pensa, e dizer: “Como será o Imaculado Coração de Maria, imensamente maior que todo esse panorama, não pelo tamanho físico, mas pelo valor, etc.”. E podem vir à sua mente outras cogitações muito boas sobre a extensão e a qualidade dos predicados de Nossa Senhora. Para compreendermos como mar é uma vil gota d’água em comparação com a grandeza da alma de Maria, basta considerarmos a Mãe de Deus durante a Paixão. Seu sofrimento ao encontrar Nosso Senhor Jesus Cristo carregando a Cruz é indizível!
Ela viu o divino Filho injustamente posto naquela situação, tratado de modo brutal por uma algaravia de gente péssima, aproximou-se d’Ele e O abraçou. Esse gesto não significava apenas um consolo, mas também uma exaltação, como se Lhe dissesse: “Meu Filho, Eu vos louvo por estardes padecendo assim pela humanidade, para a glória de Deus!”
Por quê? Porque é glorioso para Deus ter o reino das almas, e Jesus o estava conquistando ao redimir todas as almas criadas, vertendo por elas seu sangue preciosíssimo. Nossa Senhora consentiu nesse holocausto de Jesus, louvou-O e subiram juntos ao Calvário. A meu ver, a cena mais empolgante ali passada foi o último olhar de Nosso Senhor, indiscutivelmente dirigido à sua Mãe. E Ela O fitava nesse momento, pois tenho para mim que, durante todo o tempo junto à Cruz, Maria Santíssima não afastou seus olhos dos de seu Filho. Nessa suprema troca de olhares, Maria percebeu, notando o sofrimento extremo de Jesus, que a derradeira hora se aproximava.
Nosso Senhor então disse aquelas palavras de despedida a Ela e a São João: “Filho, eis aí tua Mãe; Mãe, eis aí teu filho…”
Co-redentora do gênero humano
É oportuno recordar aqui o ensinamento da Tradição católica, segundo o qual o Padre Eterno, ao dispor que Cristo deveria morrer como vítima de expiação pelos nossos pecados, desejou para isso o consentimento da Santíssima Virgem. Claro está, absolutamente falando, não havia necessidade dessa anuência da parte de Nossa Senhora para que Deus Pai levasse a efeito seus desígnios sobre a Redenção dos homens.
Pensemos, porém, cada um em nossa própria mãe, diante dessa pergunta: “A senhora quer entregar o seu filho, fulano de tal, para ser vilipendiado, perseguido, desprezado e odiado pelo povo, flagelado, coroado de espinhos, e em seguida arrastar uma cruz até o Calvário e aí ser morto de modo atroz?”. Supérfluo dizer que ela não quereria! Nenhuma mãe deseja semelhante sorte para seu filho.
Entretanto, a Santíssima Virgem, ciente de que deveria oferecer Jesus em holocausto para a salvação dos homens, não hesita um só instante, e se inclina à superior vontade divina. Por essa razão ela sofreu espiritualmente uma dor tão acerba que, de modo figurativo, compara-se à ferida causada por um gládio que traspassou seu Coração. A iconografia católica perpetuou a lembrança deste padecimento da Virgem Santíssima, através da imagem de Nossa Senhora das Dores, venerada em inúmeras igrejas do mundo.
Esse sacrifício participativo de Maria na Paixão de Jesus, o consentimento d’Ela em que o Salvador fosse imolado de forma tão cruel e dilacerante pela remissão de nossos pecados, os méritos desse sofrimento indizível da Virgem unidos aos méritos infinitos do martírio de Jesus, tudo isso granjeou-Lhe o título de Co-redentora do gênero humano. Junto com Nosso Senhor, Ela abriu para nós as portas do Céu e nos alcançou a vida da graça. Tornou-se, outrossim, digna de possuir o domínio de todos os corações.
“Sede Rainha de minha alma, para eu ser inteiramente vosso”
Compreendamos bem quão augusto é esse império sobre a vontade dos homens. Imaginemos o indivíduo mais inculto, mais tosco de sentimentos e de disposições mais vis que possa haver. Nossa Senhora ser a Rainha do coração dele representa uma grandeza incomparavelmente maior do que imperar sobre os mares, as constelações, os planetas e o universo inteiro criado! Tal é o valor de uma alma, ainda que a do último dos homens. Que dizer, então, do ser Ela soberana de todas as almas?! Reitero o que já tive oportunidade de afirmar: essa realeza de Maria é voltada de modo exclusivo para nos fazer o bem, para nos atrair para a prática da virtude, para nos conduzir à santidade a que somos chamados.
É um poder que nos revela a sua onipotência suplicante em nosso favor, enchendo-nos de consolação e confiança no seu infatigável auxílio. Assim, imbuídos dessa verdade admirável, dirijamos a Nossa Senhora este filial pedido: “Minha Mãe, Vós sois Rainha de todas as almas, mesmo das mais duras e empedernidas, desejosas contudo de se abrirem à vossa misericórdia. Peço-Vos, pois, sede Rainha de minha alma, quebrai nela os rochedos de maldade, as resistências abjetas que de Vós me separam. Dissolvei, por um ato de vosso império, as paixões desordenadas, as volições péssimas, os restos dos meus pecados passados que tenham permanecido no meu íntimo.
Limpai-me, ó minha Mãe e Rainha, para que eu seja inteiramente vosso.
Amém”.
Plinio Corrêa de Oliveira