Confiança plena em Maria

Ao comentar uma célebre passagem de São Luís Grignion de Montfort em sua obra consagrada à devoção a Nossa Senhora, Dr. Plinio nos dá a conhecer a valiosa lição de confiança contida nos primeiros milagres operados por Maria Santíssima, na ordem da graça e na ordem da natureza.

 

No seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís Grignion de Montfort nos lembra uma importante passagem do Evangelho: Nossa Senhora praticando seu primeiro milagre, na ordem da graça, quando visitou Santa Isabel, a qual trazia em seu seio São João Batista.

Protótipo do devoto de Nossa Senhora

Esse acontecimento é, para nós, de muita significação. Tendo a Rainha do Céu dirigido a palavra à sua prima, São João Batista estremeceu de gozo no claustro materno, a tal ponto que ela o declarou a Nossa Senhora. Como homem predestinado que era, ao ouvir a voz da Santíssima Virgem, o Precursor sentiu frêmitos de alegria, e — conforme o parecer de abalizados teólogos — tornou-se livre do pecado original.

Se considerarmos quem foi São João Batista, e quais os traços característicos de sua alma, compreenderemos o efeito que a voz de Nossa Senhora operou nele.

Grande asceta, foi por excelência o homem da pureza, dando-nos a ideia de possuir extremo domínio sobre si mesmo. Além disso, levou o desassombro e o espírito de combatividade ao último ponto, não recuando diante do mal, invectivando e censurando os erros dos importantes de seu tempo, sem se acovardar, a ponto de ser o mártir que se deixa decapitar para manter-se fiel à sua pregação.

Todas essas graças de pureza e de fortaleza podemos supor que ele as tenha alcançado pelos rogos da Santíssima Virgem, e, portanto, não é despropositado considerarmos São João Batista como o protótipo do devoto de Nossa Senhora.

Quando, pois, rezamos ao Precursor, não lhe devemos pedir graças vagas, mas que também possamos — ao ouvir interiormente a voz da Mãe de Deus — ter ímpetos de alegria e imitar as virtudes por ele praticadas.

De outro lado, quando oramos pela conversão de alguém, nada melhor do que pedir a Maria Santíssima falar-lhe palavras ricas em dons celestiais, como fez com São João Batista. A esse propósito, cumpre nos lembrarmos de que não se consegue a conversão ou o afervoramento de uma pessoa apenas pelos raciocínios a ela apresentados. Seria bazófia presumir: “Dei-lhe um argumento poderoso e a converti”. Diferente deve ser nossa afirmação: “Dei-lhe um forte argumento, e Deus a fecundou com sua graça de tal maneira que ela mudou de vida”.

Quer dizer, a conversão é produto da graça divina, e os argumentos que eventualmente saibamos aplicar não passam de simples veículo ou ocasião para que ela atue numa alma. Assim, devemos desejar que em nossa voz jamais entrem acentos meramente humanos, e sim que Nossa Senhora fale por nós, pois só através d’Ela se obtém a graça de Deus.

É também oportuno salientar que os efeitos das palavras de Maria formando um justo, fazendo-o estremecer desde o ventre materno — por lhe ter sido apagada a mancha original —, devem ser um incentivo para confiarmos n’Ela quanto ao êxito de nosso apostolado.

As bodas de Caná

Já na ordem da natureza, pode-se considerar como sendo o primeiro milagre realizado pela intercessão de Nossa Senhora, a transformação da água em vinho nas bodas de Caná, uma vez que a intervenção e o pedido d’Ela junto a seu Filho foram determinantes para tal acontecimento.

Embora o episódio seja muito conhecido, gostaria de ressaltar um aspecto. O Evangelho recomenda que o verdadeiro fiel tenha uma fé capaz de transportar montanhas. É desta fé que ali nos dá exemplo a Santíssima Virgem. Colocada numa situação onde Jesus poderia fazer um milagre, não tem dúvida alguma quanto ao poder do Redentor, nem de que Ele atenderá sua oração. Limita-se simplesmente a falar àqueles servidores: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). O Mestre ordena e, ato contínuo, o milagre se opera. Nossa Senhora nos mostra, portanto, que, pela virtude da fé, verdadeiras maravilhas são realizadas.

Falta de fé, falta de milagres

Cabe aqui uma pergunta: por que vemos hoje tão poucos milagres? Na Idade Média, por exemplo, quantas manifestações do sobrenatural! Atualmente, quão raras são as que podemos contemplar! Outrora havia quem enfrentava potentados, filósofos e reis ímpios, dirigindo-lhes a palavra e operando suas conversões, o que em nossos dias parece impossível. Em diversas situações nas quais os católicos corriam graves riscos de sobrevivência e liberdade, saíam vitoriosos porque lhes apareciam Nosso Senhor, Nossa Senhora ou algum Santo para socorrê-los.

Coisas semelhantes quase não mais acontecem, porque o homem contemporâneo não procura imitar a Virgem Santíssima, modelo de fé que move montanhas. Ele não tem a convicção absoluta de que, de fato, o Criador está presente em sua vida, vai ajudá-lo e, se pedir, o atenderá efetivamente. Considera Deus quase como um ser de razão, perdido num céu muito alto, sem nenhum contato nem interesse para com ele. A doutrina católica a respeito da Providência Divina, da sua intervenção na existência de cada um e da Igreja são ensinamentos aceitos, porém não com espírito de fé bastante para se ter, face às dificuldades, a certeza de que Deus agirá no momento preciso.

Total confiança em Nossa Senhora

A respeito dessas virtudes de Nossa Senhora, devemos conservar em nossa mente sobretudo esta ideia: se, ao longo de nosso apostolado, nos encontrarmos em situações de apuro tal que se faça necessário um milagre de primeira grandeza, devemos esperá-lo. E confiarmos na Santíssima Virgem como Ela — à vista do apuro daqueles esposos em Caná — confiou que a água seria transformada em vinho. É desta ordem a confiança que precisamos ter em Nossa Senhora.

Insisto nessa confiança total em Maria, devido a uma nota característica de nossa obra e de tantos movimentos semelhantes. Refiro-me à desproporção flagrante, cruel, entre o que se deseja realizar e os meios disponíveis para isso. Por exemplo, almejamos a construção de uma nova civilização católica, ou seja, a restauração do reinado de Jesus Cristo no mundo, alicerçados na promessa feita por Nossa Senhora em Fátima de que, por fim, seu Imaculado Coração triunfará. Nossos meios, entretanto, são tão ridiculamente insuficientes que, se não contássemos com o sobrenatural, seria o caso de duvidarmos de nossa sanidade mental. Nossos ideais se deparam com tanta dificuldade de frutificar que, embora contemos apenas dezoito pessoas, quando nos reunimos e nos entreolhamos, somos tentados a achar que constituímos um grupo já numeroso!

Através desse fato, podemos avaliar qual a nossa fraqueza, do ponto de vista humano. Nossa situação poderia ser comparada à de um paralítico que quisesse transportar o Pão de Açúcar com o polegar, e um dia exclamasse: “Hoje consegui me mexer na cama! Estou, portanto, a caminho de me levantar, e, quando me erguer, transmudarei o Pão de Açúcar”. A desproporção de forças é verdadeiramente chocante.

Por isso há momentos em que nos colhe o desânimo e tudo parece remoto. Sobretudo, há ocasiões nas quais, após pressentirmos o advento de muitas coisas boas, ficamos afinal decepcionados, como se tivéssemos na mão uma série de bilhetes de loteria sem valor, porque não foram sorteados. Algo semelhante a uma viagem de automóvel: ao lado de horas agradáveis, de conversa animada, existem outras em que a estrada parece interminável; temos a impressão de estarmos viajando há vários dias, de ainda faltar outro tanto, e até mesmo de que a viagem deverá prolongar-se indefinidamente…

Assim é a vida de apostolado. Há ocasiões em que se está eufórico e outras nas quais tudo se nos afigura caminhar mal, lento, emperrado, e não conseguimos remover os obstáculos. Pois bem, esta é a fase áurea, se soubermos sempre manter o ânimo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *