A sede de admiração

Conforme o pensamento de Dr. Plinio, quando o homem dirige seus anelos para uma ordem de coisas superior à terrena, onde tudo lhe fala da perfeição absoluta do Criador, caminha ele pelas vias da admiração, ao longo da qual tornar-se-á uma grande alma.

 

A partir de qualquer ser possível, podemos imaginar um ser parecido, naquela linha, mas de uma perfeição maior.

Suponhamos um ser dos mais modestos, uma formiga, a propósito da qual nos é dado pensar na formiga perfeita, descartando o que ela tem de feio e analisando apenas os seus aspectos bons e até bonitos. Seria então a arqui-formiga, a formiga obra-de-arte, a formiga-tesouro, que poderia ser representada num diadema ou numa coroa.

Na verdade, a perfeição pode ser considerada em dois níveis: no primeiro, o ser, mesmo com seus defeitos, é levado ao pináculo do que ele pode atingir; no segundo, ele é despido de suas imperfeições e galgado a um superior grau de maravilhamento.

O homem tende a conceber a perfeição absoluta

Por detrás dessa noção se percebe a tendência do homem para o Paraíso, para o Céu, que o leva a conceber o mais perfeito de cada ser e, em última análise, a ideia de perfeição absoluta, que é Deus.

Esta inclinação, por outro lado, faz com que o homem procure também conceber nesta Terra uma série de coisas “paradisáveis”, não com a perfeição absoluta de Deus, mas toda a perfeição de que são capazes. Portanto, quando possui certa elevação de espírito e amor ao Criador, o homem se põe a conceber as coisas com esses vários graus de pulcritude, perfeição e excelência, e estas produzem nele o que em francês se diria um “chatouillement”, uma impressão deleitosa.

Creio que todo homem tem essa tendência, que no período da infância se traduz por um maravilhamento diante das coisas mais diversas. Digamos, quando a criança está numa fazenda e observa o panorama campestre à sua frente, com um rio cujas águas produzem um espelhamento do céu e emitem cores muito bonitas, ela se encanta de modo superlativo com aquilo.

Aspectos maravilhosos da Ásia

É interessante notar que, de certa forma, esse mundo maravilhoso se apresenta em muitos aspectos da Ásia, considerada quer como obra de Deus, quer dos homens. Percebe-se ter havido ali almas que, em determinado momento, pararam, pensaram e admiraram algo da infinita perfeição de Deus e, em seguida, cantaram, musicaram e esculpiram essas admirações, expressando-as em ritos religiosos, danças, palácios, tecidos, porcelanas e outras obras do gênero.

Voôs da pulcritude na Civilização Cristã

E teríamos, assim também, a ideia que orientou as almas a realizarem os esplendores da Civilização Cristã. De fato, na Cristandade ocidental e européia, ao lado de belezas como o castelo feudal, surgiram pequenas populações modestas mas encantadoras, cujas casas eram adornadas com bom gosto e alegria, os vasos de flores colorindo os beirais das janelas, terreiros bem cuidados onde criavam ovelhas e outros animais domésticos, junto com a pocilga dos leitões e, portanto, admitindo um convívio com o prosaico e menos encantador.

Como não nos lembrarmos das aldeias alemãs, com suas características habitações no estilo germânico, no interior das quais havia sempre um forno aceso onde se coziam pães deliciosos, e a lareira fumegante, junto à qual a família reunida entoava festivas canções.

Ou seja, ombreando com monumentos magníficos, havia uma arte popular muito bonita, constituindo com aqueles um mundo contínuo, sem monstruosidades, que ia desde o prosaico do terra-a-terra, até o alto das torres do velho castelo medieval.

E a Civilização Cristã produziu isso de próprio: o castelão e seus convivas eram como as estrelas do céu para o camponês que vivia em torno do castelo. Existia um tal relacionamento entre eles que algo do brilho da vida dos primeiros fazia permear o maravilhoso para o ambiente do aldeão. Essa não é uma afirmação gratuita. Os dados relativos a esse tema são tão abundantes que se poderia fazer, não um álbum, mas uma biblioteca de fotografias sobre as condições do povo na tradição medieval, apenas para se compreender as torrentes de maravilhas que a vida dos superiores proporcionava à existência dos inferiores.

Almas especialmente sedentas de arquetipias

Aliás, tenho a impressão — e o digo como opinião pessoal — de que nos séculos de Civilização Cristã, mais ou menos em todos os ambientes, Deus suscitou almas especialmente sedentas de perfeição, nos vários patamares sobre os quais acima falamos. E, talvez sem perceberem, impulsionaram esse desejo para frente, transmitiram-no às gerações seguintes, não só formando pessoas, mas criando costumes cuja importância, nesse campo, é tal que não se pode aquilitá-la em toda a sua medida.

Ousaria dizer mais. Creio que o primeiro homem a cantar uma bela canção popular, fazendo com que fosse entoada pelos demais habitantes e se tornasse um emblema daquela região; ou o primeiro homem que resolveu colocar um pote de gerânios na frente de sua casa para enfeitá-la, com o desejo de oferecer a quem o admirasse, a carícia desse convite para elevar suas vistas a uma esfera mais alta — esses pioneiros desempenharam, na ordem natural, um papel semelhante ao de um profeta na ordem sobrenatural. Nesse sentido de que apontaram aos outros o caminho da perfeição e da pulcritude que conduz à beleza absoluta, que é Deus.

Um perigo a se evitar

O escolho a se evitar nessa tendência para o maravilhoso perfeito é de se deixar atrair e dominar pelos deleites que a admiração pode produzir em nós. Pois, não raro, o admirável é delicioso. O indivíduo sente-se agradado no exercício de seu intelecto admirando algo, mas também pode sentir uma delícia física, como, por exemplo, quando ouve uma bela música. É possível que, na convergência dessas duas formas de sensação prazeirosa ele seja tentado a preferir apenas o gosto físico. Cedendo a essa tentação, começa a decadência, e ele passará a procurar somente as delícias palpáveis, desprezando as delícias “alpinísticas” do pensamento.

Chegará o dia em que esse indivíduo será dominado pela preguiça de empreender qualquer voo de espírito, e deixará o tempo se esvair como a areia escorre na ampulheta. Seu único trabalho será o de inverter a posição dela e deixar o pó cair novamente. Pior. Ao cabo de alguns anos, o homem que morou no palácio e nos parques da admiração, começa a olhá-la como inimiga. Porque se ele quiser voltar ao palácios e aos parques, terá de se esforçar. E tudo quanto dele exige força é seu inimigo. Assim ele naufraga na vida de delícia.

Alcançando o ponto máximo da admiração

Pelo contrário, à medida que o homem progride na admiração autêntica, no fundo de seu horizonte vai tomando corpo algo novo que é o ponto máximo do que ele admira e com o qual nunca sonhou. À força de se encantar com as coisas intermediárias, começa a se delinear para ele o objeto supremo da sua admiração. Assim, vai criando uma série de pontos de atração pinacular, os quais constituem para ele como que um Céu nesta Terra.

Se ele souber vencer os apelos do delicioso e viver para a admiração, encontrará o caminho a seguir para se tornar uma grande alma. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 4/6/1994)
Revista Dr Plinio 127 (Outubro de 2008)

 

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