Santo Atanásio, gigante contra o arianismo

Batalhador incansável contra uma das maiores heresias de todos os tempos, Santo Atanásio sofreu atrozes perseguições promovidas pelos inimigos da Igreja. Mas as enfrentou com coragem, dignidade e ufania. Foi um dos maiores santos de toda a História, um lutador contra a heresia, como talvez a Esposa de Cristo não tenha tido nem antes nem depois dele.

 

Estive lendo, antes de vir para cá, um resumo biográfico muito condensado da vida de um dos maiores santos da Igreja, que foi Santo Atanásio. E alguns dos aspectos da biografia desse grande santo, que eu não conhecia, me chamaram a atenção, e me pareceu bem comentá-los.

Uma das maiores heresias da História

Santo Atanásio(1) viveu no tempo do Imperador Constantino e de seus sucessores imediatos. Quer dizer, quando a Igreja estava saindo das catacumbas e se organizando à luz do dia. Nessa época, ao mesmo tempo em que as perseguições promovidas pelos pagãos estavam em declínio, a Esposa de Cristo sofria um outro flagelo, certamente pior do que a perseguição dos pagãos, e que nós conhecemos muito bem: as heresias e as divisões internas.

Uma das maiores heresias de toda a História grassou exatamente no tempo de Santo Atanásio e Constantino, a dos arianos. Estes afirmavam que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha uma natureza apenas humana; não era Deus, era um grande homem, um homem extraordinário. E essa heresia, como percebem, importava na negação completa da Religião Católica. Reduzir Nosso Senhor Jesus Cristo a um puro homem é negar a Doutrina da Igreja por inteiro.

Os arianos eram muito poderosos, espalharam-se rapidamente por todo o Império Romano — que se localizava mais ou menos em torno da bacia do Mediterrâneo — e, por serem exímios em toda espécie de difamação, obtiveram influência na corte imperial; arrastaram atrás de si tal número de fiéis, mesmo sacerdotes e bispos, que Santo Atanásio declarou que um belo dia o mundo inteiro gemeu porque, ao amanhecer, deu-se conta de que era ariano. Quer dizer, de um momento para outro essa heresia grassou por toda parte e, como que, todo o mundo se tinha tornado ariano.  

Nesta luta contra o arianismo, o gigante foi Santo Atanásio, Patriarca — quer dizer, mais do que um arcebispo — de Alexandria, que era uma das grandes sedes episcopais da antiguidade.

Seis anos no fundo de um poço

Santo Atanásio foi, não me lembro se quatro ou seis vezes, obrigado a fugir da cidade de Alexandria, por causa das conspirações dos arianos, os quais conseguiram vários decretos imperiais expulsando-o para esta ou aquela parte do Império Romano, e muitas vezes sendo perseguido de morte; e, ao longo dessas perseguições e dessa luta tremenda que ele travou, alguns fatos não são tão conhecidos.

Conhece-se a história da querela dele com os arianos no terreno doutrinário, mas sabe-se menos a respeito dos episódios policialescos de sua luta com os arianos. Parece-me, entretanto, que na vida de um santo, mesmo alguns fatos menores têm muito de edificante, e que valeria a pena referir aqui alguns desses episódios.

Para terem ideia do quanto importava, muitas vezes, a resistência a favor da ortodoxia contra a heresia, basta dizer o seguinte: Santo Atanásio, num lance de sua luta, para fugir aos hereges passou seis anos no fundo de um poço! Não sei se os aqui presentes se dão bem conta do que significa isso: sem ver sequer a luz do dia! Havia apenas um católico fiel o qual, na hora em que o poço estava abandonado, lhe jogava o necessário para viver. O poço, ao menos água lhe fornecia…  E ele ficava ali lendo, refletindo, rezando, de maneira que Deus, no mais alto dos Céus, recebeu durante seis anos o louvor perfeito que um santo lhe enviava do fundo de um poço. Sempre confiando na Providência, disposto a lutar, inquebrantável no seu propósito, de maneira que, ao cabo de seis anos, a perseguição se amainou e o amigo dele lhe avisou do alto do poço. Ele, então, saiu e continuou sua luta contra o arianismo.

Numa outra ocasião — a provação foi menor, mas não deixou de ser também impressionante — ele teve que fugir pelos desertos do Egito, e não encontrou lugar para se refugiar a não ser a sepultura do próprio pai. E passou ali dentro durante quatro meses! Lúgubre é, não para a alma de um grande santo, mas, em todo caso, para a sensibilidade humana. De lá ele saiu e conseguiu retomar a luta contra o arianismo. E fazia isso por meio de sermões extraordinários, que eram anotados, e as cópias transmitidas de católico para católico, por toda a extensão do Império Romano.

Um conciliábulo de arianos

Certa vez, Santo Atanásio foi intimado a comparecer a um grande concílio de bispos arianos. Ele declarou que não iria porque eram bispos hereges, não os reconhecia como verdadeiros católicos e não tinha comunhão com aquela gente. Mas o santo recebeu do Imperador Constantino um decreto, obrigando-o comparecer para discutir com os hereges. Aí mudava a situação. Não era mais aceitar o concílio como uma assembleia legítima, da qual ele participaria, mas ir lutar contra o pseudo concílio, aliás, um conciliábulo de hereges.

Ele, então, foi; estavam presentes cento e tantos bispos, o que para aquele tempo era muita coisa, e com os hábitos de seriedade e solenidade daquela época. Acompanhado de um sacerdote que lhe era fiel, Santo Atanásio entra na assembleia, onde todos os bispos paramentados o recebem. Não lhe destinam lugar para sentar-se; ele fica em pé e percebe logo que os arianos não queriam discutir doutrina — porque os hereges não gostam de discutir doutrina, eles vão fazendo afirmações e depois caluniam.

Santo Atanásio percebeu que se tratava de uma acusação; ele ia ser julgado, numa atmosfera de calúnia e de ódio tal que nem se constituía um tribunal regular, o qual ele recusaria. Foi um puro vozeiro contra ele. E a primeira investida foi essa: uma mulher de má vida levantou-se e disse que ela estava rica devido ao dinheiro que Santo Atanásio lhe dava; tinha presenciado, durante os períodos em que ele passava em lugares que não se sabia onde, tais e tais abominações; e que podia dar provas disso porque ela era testemunha.

Então, à medida que ela falava, os bispos arianos bramiam que ele precisava ser deposto, condenado etc. — porque não há como um herege para se fingir de zelador dos bons costumes, quando se trata de perseguir um verdadeiro católico. Santo Atanásio, com uma inteligência extraordinária, sutil, não disse nada. Conservou-se sereno e deixou o pessoal vociferar. Apenas ele soltou um cochicho no ouvido do padre que o acompanhava. Quando o sacerdote pôde cortar a palavra da meretriz, ele lhe disse, fingindo que era Santo Atanásio: “Então, você afirma realmente que me conheceu, que me viu etc.?” A tonta pensou que aquele fosse Santo Atanásio, o qual ela nunca tinha visto. Então, declarou: “Afirmo.” “Jura?” “Juro.” Notem com que superior inteligência ele decidiu a situação!

Deu-se, então, na assembleia o que ocorreu aqui com os presentes: os próprios hereges estalaram na gargalhada. Porque a farsa ficou de tal maneira evidente, que não era mais possível continuar. E houve um movimento para dissolver todo mundo, porque a coisa tinha terminado em chanchada.

Acusado de ter decepado a mão de um bispo

Aí, alguns mais fanáticos dentre os arianos começaram a exclamar: “Tem mais essa acusação, que é gravíssima!” É tal a má-fé dessa gente que voltaram para ouvir a segunda acusação. Depois de se ver que a primeira era uma chanchada, do que valeria a autoridade desses mesmos homens para levantarem outra acusação?

E Santo Atanásio foi mais uma vez extraordinariamente servido pela Providência. Levantou-se um bispo herético, tirou de uma caixa uma mão ressequida de um morto, e disse: “Aqui está a mão de tal bispo meleciano — havia uma heresia colateral, meio metida com a dos arianos, chamada dos melecianos(2) —, morto por Atanásio em tal ocasião. E isso foi um crime nefando. Para provar que ele realmente foi morto, aqui está a mão desse venerável homem de Deus, que se afundou no deserto — era o mesmo deserto onde estava Santo Atanásio. Quem é que poderia ter cometido esse assassinato senão Atanásio?” Santo Atanásio ouviu isso também com toda a serenidade possível.

Entre os assistentes — é uma coisa que só se explica por intervenção divina — havia um homem de cabeça baixa e recoberto com aqueles panos do Oriente. Santo Atanásio foi até ele e perguntou aos arianos: “O bispo tal morreu? Vocês têm certeza?” “Temos”. O santo puxou o pano e disse: “Olhem, aqui está ele”. Era o próprio bispo meleciano…

Então, Santo Atanásio, gracejando, disse o seguinte: “Deus não deu a cada um de nós mais do que duas mãos; levante uma mão!” Ele levantou. “Agora levante a outra”. Ele o fez e o santo concluiu: “Bem, compete a vocês explicar em que parte do corpo dele se encaixava outra mão”. Cumprimentos… e o caso estava liquidado.

Os arianos desarmaram? Não. Começaram a gritar atrás de Santo Atanásio: “Mágico, praticou crime de magia! Não se pode explicar, a não ser por magia, que esse homem estivesse aqui presente nesta hora!” Essa é a psicologia do herege. Diante das provas mais capazes de cegar, mais deslumbrantes de que estão com má-fé, eles não desanimam; encontram outra calúnia e mais outra, e vão sempre para a frente. Mas a coisa ficou tão desmoralizada que acabou.

Sagacidade de Santo Atanásio

Santo Atanásio, como verdadeiro santo, tinha horror à mentira. Evidentemente, não mentia nunca, nem em matéria leve. Certa vez, ele estava andando pelo deserto e, em determinado momento, apareceram tropas imperiais à procura dele, e alguém lhe perguntou: “Sabes onde está Atanásio?” Não o reconheceram. Diz o santo: “Sei sim, ele não está longe daqui”. Os militares foram à sua procura, e ele desviou…

Da parte de um Doutor da Igreja, exímio teólogo com profundidade de espírito, herói de grande sisudez, esses traços enriquecem a fisionomia dele, mostrando a pluralidade e a riqueza de aspectos que tem a alma de um verdadeiro santo. Sobretudo, destroçando um pouco a ideia sentimental que certas imagens projetam sobre o fiel a respeito do santo. Não me refiro às imagens monstruosas da “arte” moderna, mas a certas imagens que apresentam o santo com uma carinha muito bem-feitinha, sem barba, com um sorrisinho de quem não compreendeu nada.

Não é isso de nenhum modo um Doutor da Igreja, sobretudo um Santo Atanásio, um dos maiores santos de toda a História, e ele sozinho um lutador contra a heresia, como talvez a Igreja não tenha tido nem antes nem depois dele.

Horrível morte de Ario

Para conhecerem os lados dramáticos da vida dele, menciono apenas um episódio, e com isso encerro este comentário sobre Santo Atanásio.

Constantino, o Grande, que libertou a Igreja, foi enredado pelas intrigas dos arianos. Aliás, a vida post-conversão de Constantino é um tanto discutida. Em certo momento, ele tomou partido decidido por Ario, chamou Santo Atanásio e o expulsou para a Gália. O santo lhe disse: “Vós me proibis de voltar para meu trono patriarcal e apoiais os hereges. Prestareis em breve contas a Deus por isso!”

 E dirigiu-se para a Gália, onde foi recebido, aliás, com todas as atenções e toda a cortesia por Constâncio, filho de Constantino, o Grande. E ali esteve durante algum tempo. Depois foi para Roma, e justificou-se perante o Papa, que lhe deu toda a razão. E aproveitou a ocasião — assim são os santos: eles são expulsos de um lado e aproveitam para fazer maravilhas de outro; ninguém consegue tolher sua capacidade de ação — para fundar o estado monástico em Roma, diz seu biógrafo.

Posteriormente, chegou a notícia de que Constantino tinha morrido, e ao mesmo tempo a informação de que também Ario falecera. Este havia sido colocado por Constantino no trono patriarcal, onde ele era um arcebispo usurpador, não o patriarca legítimo. No ato de sua posse, Ario organizou a procissão com aquela solenidade que se fazia antigamente para a posse de um bispo; e quando a procissão transcorria, ele, em determinado momento, estando perto de instalações sanitárias públicas, sentiu-se mal. Então desceu do animal em que montava e entrou numa dessas instalações, e ali morreu do modo mais horrível que possa haver: parece que o abdome dele se rompeu e suas vísceras se derramaram no chão. Assim, em pouco tempo, morreram Constantino e também Ario; e Santo Atanásio ficou senhor da diocese.

Acolhido triunfalmente em Alexandria

Mas pouco tempo depois recomeçaram as perseguições; ele levou sua vida, quase até o fim, de perseguição em perseguição.

O povo de Alexandria gostava muito dele e, em geral, quem o perseguia eram pessoas corrompidas das classes dirigentes. Numa das ocasiões em que voltou para essa cidade, ele foi reempossado na Arquidiocese como legítimo pastor. A população preparou-lhe uma grande recepção, tão afetuosa e extraordinária, que passou como provérbio, em Alexandria e naquelas partes do Egito, a seguinte expressão, quando se queria dizer que alguém foi muito bem acolhido: “Foi recebido como Santo Atanásio”. Era o último grau da popularidade, da acolhida respeitosa, cheia de veneração, filial e, ao mesmo tempo, plena de entusiasmo.

Há um outro aspecto da vida de tantos santos perseguidos. As cúpulas corrompidas organizam contra eles toda espécie de difamação. Mas o Espírito Santo sopra onde quer e previne a opinião pública a respeito da realidade das coisas. De maneira que, de um modo ou de outro, acontece com frequência — não é uma regra absolutamente geral, pois nessa matéria não há regras absolutamente gerais — que o povo vê claro e faz justiça àquele que os poderosos estão perseguindo.

Essas são as notas mais interessantes, que me pareceu conveniente apresentar a respeito do grande Santo Atanásio.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  de 20/2/1971)

Santo Antonino de Florença

Arcebispo de Florença e grande amigo do Beato Angélico, Santo Antonino lutou contra os desvios da Renascença.

 

A partir do momento em que foi eleito Arcebispo de Florença, Santo Antonino lutou acirradamente contra os desvios propagados pelos renascentistas. Acompanhemos a descrição de sua vida feita pelo Pe. Rohrbacher:

“Antônio, que por sua pequena estatura foi chamado Antonino, nasceu em 1389, sendo filho de um notável homem de Florença. Destacou-se desde cedo nos estudos por sua invulgar inteligência”.

Florença foi uma das grandes cidades que iluminaram a História, com seu especial modo de ser. Florença — ela é a cidade das flores — floresceu precisamente numa época na qual a História italiana encontrava-se em um “tournant”, como denominam os franceses, no  momento em que novos rumos se constituíam e tudo se transformava.

Configurava-se um conflito entre a tradição medieval e os fortes ventos da Renascença que ameaçavam tudo destruir. Entretanto, havia ainda possibilidades de sensibilizar a opinião italiana, caso grandes santos combatessem de frente a Renascença então vicejante.

Florença era propriamente o foco da Renascença. Encontravam-se lá, então, os maiores talentos renascentistas, capazes de irradiar sobre a Itália o seu novo estilo, e que realizavam, na própria cidade, obras de arte de um valor extraordinário. Florença tinha grande importância para aquele tempo. Sendo metrópole do Grão-ducado de Toscana, possuía uma dinastia que haveria de ligar-se por vários laços de casamento com a Casa da França, e haveria de dar mais de um Papa ao sólio pontifício: os Médici, uma das famílias mais poderosas e importantes da Europa. Florença era então um luzeiro do mundo, nutrindo de especial significado, realce e importância, a tudo quanto se passava em seu meio.

A resposta da Providência não haveria de tardar…

“Muito cedo desejou entrar na Ordem Dominicana, pela santidade dos seus membros e pela influência das pregações do Beato João Dominichi. A este pregador dirigiu-se Antonino pedindo o hábito. Mas Dominichi, achando-o muito débil e frágil, prometeu atendê-lo quando houvesse decorado a obra “Decretos de Graciano”. Antes de um ano, para pasmo do dominicano, voltou o menino. Decorara a obra e foi admitido aos dezesseis anos somente.

“Religioso exemplar, foi mais tarde Prior dos dominicanos de Toscana e Nápoles.

“Em 1445 o Papa Eugênio IV procurava um arcebispo para Florença. Um frade dominicano pintor, que mais tarde seria conhecido como Fra Angélico, indicou Antonino como modelo de virtudes. O Papa acedeu à sugestão e, nomeando-o arcebispo, o santo entrou em Florença com pompa magnífica, segundo o costume, mas suprimindo o que havia de secular nessa solenidade…”

Nessa situação, a Providência designou um santo recolhido, diáfano e robusto na Fé: Fra Angélico de Fiesole. Possuindo um talento artístico repleto de delicadeza, candura e, quase se afirmaria, santa ingenuidade, não obstante demonstrou sagacidade e perspicácia, quando se tornou necessário indicar quem deveria assumir o Arcebispado de Florença. O homem a quem indicara foi Santo Antonino.

Ao mesmo tempo em que permitia que as hidras da Renascença deitassem ali todo o seu calor, a Providência fazia florescer santos e gênios naquele mesmo ambiente, para disputar influência e combater o fogo das novas tendências.

Surge então Antonino como Bispo de Florença. Podem-se imaginar os magníficos veludos e damascos com os quais foram confeccionadas as roupagens dos personagens que tomaram parte no cortejo de Santo Antonino, na ocasião em que tomou posse da Sé Arquiepiscopal da cidade. Dessa pompa, ele retirou sabiamente tudo quanto havia de profano…

O poder da santidade

“No trono episcopal, mostrou todas as virtudes de um verdadeiro pastor. Trabalhou com tanto zelo para reformar os escândalos públicos, que o Papa Pio II o escolheu para a reforma da Cúria Romana. Mas antes que pudesse iniciar este grande mister, Deus chamou-o a Si. Era o ano de 1459. Grande orador foi o Arcebispo de Florença. Sua santidade e cultura levaram-no a ser consultado pelos grandes da época, o que lhe valeu o apelido de “Antonino, o Conselheiro”. Seu lema de vida era “Servir a Deus é reina”. Cosme de Médici o tinha em tão alta consideração, que afirmava que a cidade de Florença tudo devia às orações do santo arcebispo.”

A história pouco conta sobre a ação desenvolvida por ele a favor da austeridade de costumes, como também o combate frontal às influências maléficas da Renascença. Dos historiadores renascentistas, vários reconhecem que pela presença de Santo Antonino na Sé de Florença, o movimento da Renascença perdeu em algo seu vigor e sua velocidade em contagiar a cidade e, consequentemente, toda a Itália.

Conclui-se a partir disso quanto é grande o poder de um santo, ao ponto de uma das figuras mais eminentes e talvez mais condenáveis do Renascentismo, Cosme de Médici, afirmar que a cidade devia tudo às orações de Santo Antonino. Vê-se o quanto este santo podia realizar, e quanta receptividade ainda havia em relação a ele.

Poderia alguém indagar-se: “Qual o sentido dessa obra da Providência? Um santo que passa como um meteoro que brilha, detém um pouco o curso das coisas, mas cuja obra não consegue evitar o avanço do Renascimento. Qual é o alcance histórico do fato de a Providência ter colocado Santo Antonino em Florença?”

Uma alma zelosa nunca poderia colocar-se essa pergunta, porque basta ter contido a onda renascentista durante algum tempo, para contribuir em alto grau à glória de Deus. Como Santo Inácio de Loyola que afirmava ter sido bem empregada por amor à glória de Deus uma vida inteira de lutas e padecimentos, a fim de que um grande pecador deixasse de cometer um pecado mortal.

Corresponder é vencer!

Compreende-se, por isso, que deter por pouco que seja a imensa onda de pecados provenientes da Renascença, é evidentemente algo que possui muito significado para quem almeja a glória de Deus.

Há um outro aspecto digno de consideração, que se centra na continuação da obra iniciada por Santo Antonino e pelo Beato Angélico. Deveriam haver almas que eram raízes de bem, aptas a dar continuidade ao trabalho por eles iniciado, e naturalmente apoiadas pelo Papado, e que prosseguissem a ofensiva contra a Renascença.

E com pesar pode-se constatar que a obra da Providência não foi completada pela obra dos homens. E as almas chamadas por Santo Antonino a continuarem sua obra, não corresponderam ou não obtiveram o apoio necessário, e então a obra ruiu.

Deduz-se, então, quão importante é o papel da história de uma alma. Deparamo-nos com uma cidade que irradiava a intemperança para o mundo inteiro, mas que de tal forma era tocada por talentos e dons, que caso as almas eleitas para empunhar a tocha da reação anti renascentista fossem fiéis, possivelmente a cidade inteira teria se convertido. Uma vez convertida a cidade, era bem possível que a história do mundo fosse completamente diversa.

Florença podia ter alterado a história do mundo se, por seu lado, algumas almas próximas de Santo Antonino houvessem modificado a história de Florença. Portanto, se a história do mundo não se alterou, e o mundo desceu pelo despenhadeiro da Renascença — sucessivamente à Revolução Francesa e ao Comunismo — isto se deve a algumas almas que foram fracas e não tiveram generosidade. Disseram “não”, ou disseram um “sim” incompleto ao convite da Providência. Por causa dessas almas, a História não mudou.

Não é devido ao grande talento de algum renascentista que a obra de Santo Antonino não vingou. A dificuldade é que a Providência encontre sempre fiéis os homens que Ela suscitou para serem seus instrumentos. Se todos os eleitos por Deus fossem de fato fiéis, não haveria quem impedisse os planos da Providência de se executarem.

“Vae mihi!”

Surge então uma aplicação para cada alma individualmente: “Não serei também uma alma destas? Não fui chamado a ter uma fidelidade ilibada? Não será que uma pequena falta de generosidade de minha parte determinará um recuo notável nos planos da Providência?”

Quantas vezes não temos a possibilidade de fazer bem a uma alma, que por sua vez faria o bem a inúmeras outras almas! Não poderia resultar dessa atitude uma reação boa que fosse, sob diversos aspectos, um golpe no adversário? Entretanto, por falta de paciência, quantas não foram as ocasiões em que rejeitamos o apelo de Deus, no zelo pelas almas.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  de 9/5/1968)

 

Verdadeiros súditos de Maria

Segundo nos ensina São Luís Grignion de Montfort, nosso amor à Santíssima Virgem deve ser tal que conformemos nossa vontade inteiramente à d’Ela, de maneira que os caminhos pelos quais trilhamos e as ações que praticamos, sejam as ações e os caminhos desejados por Nossa Senhora.

Sejamos almas tão unidas à Mãe de Deus, que nossas cogitações e vias com as d’Ela se identifiquem. Assim, Maria estabelecerá em nossa alma o reino de seu Coração Imaculado: será verdadeiramente nossa Rainha e nós, seus verdadeiros súditos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 20/1/1971)